Capítulo Seis – Samantha Stevens

Harry sentiu, como uma onda fulminante e arrebatadora, que todos os olhos estavam voltados para ele, quando se levantou, trêmulo. Rony e Hermione murmuraram-lhe palavras encorajadoras, porém agora era a sua vez de não escutar direito. Começou a se encaminhar até a grade que separava os dois ambientes da grande sala, tentando ignorar o fato de que as pessoas o olhavam com crescente curiosidade e o acompanhavam enquanto andava. Algumas se ajeitavam mais na cadeira, às vezes debruçando-se para ter uma melhor visão do menino-que-sobreviveu.

Ouvia o burburinho das pessoas à sua volta, batucando em seus ouvidos como se fossem gritos insistentes. Atravessou a grade e se dirigiu ao banco das testemunhas, tentando não olhar para os lados, ou qualquer outro lugar. Sentiu a quentura nas bochechas. Provavelmente estava bastante vermelho. Num gesto quase automático, achatou a franja na testa, para depois lembrar que já tinha feito isso um pouco mais cedo nesse mesmo dia e que a cicatriz estava segura embaixo das mechas negras de seu cabelo. Achatar a franja já estava virando uma mania sua.

Posicionou-se atrás do banco e viu-se obrigado a olhar para frente. Sorte sua que a primeira coisa que viu foram os olhos, agora bondosos, de Dumbledore. Ele sorria levemente e o olhava quase carinhosamente, como se compreendesse o que o rapaz estava sentindo. Isso o acalmou um pouco. Pelo canto do olho, viu que Sirius também sorria para ele.

- Acho que o senhor deve ter percebido como é realizado o juramento perante o tribunal, Sr. Potter. – era Mundungo Fletcher quem falava com Harry. O rapaz acenou afirmativamente com a cabeça, e o juiz prosseguiu: - Mas não custa relembrá-lo... O senhor deve, primeiramente, pegar sua varinha e depositá-la sobre a bancada à sua frente.

Harry pegou sua varinha, que estava no bolso de trás da calça, e depositou-a à sua frente, grato pelo juiz estar-lhe relembrando como fazer aquilo. Tinha visto antes, várias vezes, as testemunhas fazerem esse juramento, mas não tinha certeza se conseguiria fazê-lo corretamente agora que sentia a pressão de estar ali, e todos ficarem lhe encarando.

- Coloque sua mão direita sobre a varinha e repita o que vou dizer.

O rapaz fez isso e o juiz começou:

- Juro solenemente, perante esse tribunal...

Mundungo Fletcher falava e fazia algumas pausas, para Harry repetir. O rapaz estava felicitando-se mentalmente por sua voz não demonstrar o nervosismo que sentia.

- ...pelo meu nome, pelo meu sangue e, principalmente, pela minha magia, representada por minha varinha... falar a verdade, toda e somente a verdade, independente de meus princípios e crenças... de acordo com as regras sagradas dos bruxos.

Harry terminou a última frase, e Mundungo Fletcher o autorizou a guardar sua varinha e sentar. O olhar de Harry cruzou o de Rabicho, e o rapaz sentiu uma onda de raiva o percorrer. Era diferente vê-lo ali, no banco dos réus, humilde, ao invés de sua postura extremamente altiva como da última vez em que o vira. Sentiu vontade de vomitar e logo desviou o olhar para Dumbledore, que o observava por trás dos óculos de meia-lua.

- Primeiramente, gostaria que me informasse seu nome completo e ocupação, Sr. Potter.

Era muito estranho ouvir Dumbledore chamá-lo de "Sr. Potter", já que o velhinho sempre o tratara apenas como "Harry". Mas lembrou que ali o tratamento devia ser formal e respondeu:

- Meu nome é Harry Tiago Potter. Começarei a cursar o sexto ano em Hogwarts em alguns dias.

- O senhor pode me dizer qual é a sua relação com o acusado Sirius Black?

Harry olhou para o padrinho, que o observava, com um sorriso encorajador no rosto. Sentiu o nervosismo se esvair por completo. Resolveu ser sincero e respondeu, voltando a olhar para Dumbledore:

- Sirius é como... um pai... para mim.

Dumbledore quase sorriu.

- Mas com certeza não era assim que se sentia antes de conhecer a versão dele para os fatos... Digo, antes do episódio em que descobriu que Pedro Pettigrew estava vivo...

- Óbvio que não era assim que me sentia... – Harry respondeu com sinceridade. Esqueceu de que estava no banco das testemunhas, e que todos na sala o olhavam... Era como se estivesse tendo apenas mais uma de suas conversas com Dumbledore. E resolveu falar o que vinha dentro de si.

- E como se sentia?

- Sempre ignorei a história dos meus pais... até a minha própria... – Harry sentiu que olhava muito profundamente para Dumbledore nesse instante, mas ele não mudou sua postura, entretanto. - ...antes de entrar em Hogwarts. Por isso, eu não sabia da existência de Sirius até ele fugir de Azkaban e haver todo aquele alvoroço em torno dele. E eu não tinha a mínima idéia sobre a relação dele com meus pais... e é claro que, quando eu soube, foi da pior maneira possível, a maneira como todos o viam: o traidor. O senhor quer saber como eu me senti? Eu senti que era por culpa dele que eu não tinha pais, e isso é o bastante para fazer qualquer um chegar à beira do ódio. Quando eu o vi cara a cara, a vontade que tive foi de... – Harry parou por um instante, sentindo um turbilhão de emoções ao se lembrar daquele dia. E começou a procurar por um verbo menos forte, porque não queria dizer que teve vontade de "matá-lo". - ...machucá-lo... muito... com minhas próprias mãos se fosse necessário. Mas hoje estou muito aliviado de não ter feito isso, porque senão estaria terrivelmente arrependido... Quando Sirius e Remo me contaram a história e, principalmente, quando transformaram um rato que convivera comigo no mesmo quarto durante três anos em um homem que supostamente deveria estar morto... eu não tive como não acreditar... E depois, Sirius me ajudou tanto, esteve ao meu lado em tantos momentos difíceis, em que eu me sentia confuso que... eu não posso defini-lo de outro modo: ele é como eu pai para mim.

Agora Sirius sorria emocionado; provavelmente não estava acreditando que o afilhado estivesse dizendo tudo aquilo na frente de toda aquela gente. Porque o próprio Harry não acreditava que tinha dito aquelas coisas... mas era como se quisesse, precisasse falar tudo aquilo. Colocou na sua cabeça que aquelas palavras eram somente para ajudar o padrinho, mas sabia que não era só isso. Era como se... quisesse desabafar aquilo e sentisse uma vontade incontrolável de fazê-lo...

- Mas... – Dumbledore começou. – Como passou a acreditar nele? Como mudou de pensamento?

Harry respirou fundo e começou a contar toda a sua história durante o terceiro ano em Hogwarts. Naquele dia na casa de Remo, quando soube que iria testemunhar, Dumbledore o aconselhou a falar a verdade. E Harry falou. Contou desde quando soube das suspeitas que se formaram sobre Sirius estar atrás dele, até o momento em que o padrinho e Remo transformaram Perebas em Pettigrew... e aproveitou para contar também como Rabicho se comportou depois, como confessou o que tinha feito... E reparou que Pettigrew, durante todo o tempo, estreitava maliciosamente os olhos para ele; já Lúcio Malfoy o estudava, o que, por incrível que possa parecer, incomodava. Harry, obviamente, esqueceu de contar as regras que ele, Rony e Hermione quebraram durante todo o ano e, aparentemente, Dumbledore pareceu não se importar. Pelo menos não reclamou. E nem fez nenhuma pergunta inquisidora sobre o assunto também.

- Então, nesse momento, o senhor passou a acreditar nele... E depois? Continuou a manter contato com ele?

- Sirius sempre me mandou cartas dizendo como estava. Ou, então, eu o encontrava às vezes. E ele sempre me ajudou muito, sempre estava do meu lado para o que desse e viesse. E se ele fosse mesmo o criminoso que pintam, ele não me ajudaria, me mataria... o que não aconteceu.

- E quanto a Pedro Pettigrew?

- Como assim?

- O senhor o viu mais alguma vez depois da fuga dele?

Harry olhou para Rabicho e viu que ele continuava observando-o com os olhos estreitos. Com ódio. Não se importou com isso e continuou, voltando-se novamente para Dumbledore:

- Duas vezes.

- Poderia descrevê-las?

- A última foi há pouco tempo. Na verdade, foi no mesmo dia em que Sirius e Pettigrew foram presos. Pettigrew tentou atacar a mim e à minha namorada enquanto estávamos no Beco Diagonal. Ele estava agindo como um Comensal da Morte...

- E a outra vez? – Dumbledore perguntou, como se já soubesse o que Harry diria.

O rapaz percebeu que o diretor estava tentando conduzi-lo exatamente a esse ponto, e Harry sentiu que não gostaria muito de falar sobre seu encontro com Voldemort no fim do Torneio Tribruxo. Olhou para Sirius, que tinha expectativa na expressão de sua face. Talvez... sim, era necessário contar aquilo. Poderia ser decisivo... Harry respirou fundo, olhou para um ponto fixo na bancada à sua frente e tentou não ver as expressões de assombro nos rostos das pessoas quando proferiu essas palavras:

- A outra vez... foi há dois anos... no fim do Torneio Tribruxo que ocorreu em Hogwarts... A taça do campeão era uma Chave de Portal e, quando eu a toquei, fui transportado a um cemitério, onde... onde vi Pettigrew preparar a poção que fez Voldemort ressurgir...

Novamente exclamações de horror e balbúrdia na sala. Mundungo Fletcher pediu silêncio mais uma vez. Harry notou que Lúcio Malfoy o analisava com os olhos e estava muito calmo. Aquilo era inquietante.

Dumbledore, depois de formado finalmente o silêncio, retomou as perguntas:

- Então o senhor confirma as acusações de que Pedro Pettigrew seja mesmo um Comensal da Morte, Sr. Potter?

Harry parou de olhar fixamente para a bancada e encarou Dumbledore:

- Sim. Pettigrew é um Comensal da Morte; eu vi. Foi ele que encontrou o que "restava" de Voldemort e o ajudou a se reabilitar. Foi ele quem preparou a poção que proporcionou um novo corpo para Voldemort. Aliás, aquela mão de prata que ele tem... – Harry apontou para a mão de Pettigrew, que brilhava por debaixo da manga das vestes dele. Todos olharam atentamente para a mão, e Rabicho tentou escondê-la, mas não foi possível, porque um dos guardas do Ministério se encarregou de arregaçar a manga da sua veste, deixando a mão à mostra. - ... aquela mão foi feita pelo próprio Voldemort, como uma recompensa pelo trabalho de Pettigrew. Aquela era a mão que faltava um dedo, o dedo que Pettigrew cortou há quinze anos quando fugiu de Sirius. Um dos ingredientes da poção que revigorou Voldemort era carne de um servo. Pettigrew cortou a própria mão e ofertou-a ao seu mestre. Depois de ressurgir, Voldemort conjurou aquela mão de prata, recompensando Pettigrew.

Todos na sala estavam bastante confusos com tudo aquilo. Primeiro, fora revelada a Marca Negra no braço de Pettigrew e, depois, a explicação para a mão de prata dele... Até o próprio juiz estava boquiaberto. Lúcio Malfoy estava alheio a tudo aquilo, e Harry não entendeu sua atitude: ele sorria em sua direção, maliciosamente...

- Acho que isso é o bastante. – Dumbledore disse. – O senhor está dispensado, Sr. Potter.

Harry já ia se levantar, aliviado, quando Lúcio Malfoy tomou a palavra:

- Meritíssimo, peço permissão para a interrogar o Sr. Potter também.

- Permissão concedida. – foi a resposta de Mundungo Fletcher.

Dumbledore se sentou em sua cadeira costumeira, observando por detrás dos óculos de meia lua Lúcio Malfoy se levantar e se encaminhar até a direção onde Harry estava. Este, por sua vez, apenas esperava o que estava por vir; provavelmente, ou melhor, com toda a certeza, Malfoy iria dar sua cartada final agora. E não mediria esforços para conseguir o que queria. Isso significava que Harry tinha muito o que esperar... e pelo pior. Isso somado ao fato de que Malfoy simplesmente o odiava. Mas não sentiu um pingo de temor; enfrentaria Lúcio Malfoy do mesmo jeito que já o enfrentara outras vezes.

Malfoy parou bem em frente a Harry e, como fez quando interrogava Hermione, ele se apoiou com ambas as mãos sobre a bancada, seus olhos cinzentos e frios muito próximos dos de Harry, encarando-o com arrogância. Em uma voz contida, mas que não escondia desprezo, ele começou:

- Sr. Potter, o senhor disse que sua relação com Sirius Black é muito boa...

- Sim... – Harry desafiou.

- Se o senhor gosta tanto assim dele, não estaria, portanto, protegendo-o aqui? Mentindo?

- Protesto! – Dumbledore se levantou, e sua voz demonstrava clara irritação.

Mundungo Fletcher olhou de Dumbledore para Malfoy, que tirou as mãos da bancada e mantinha uma expressão de quem estava educadamente surpreso. O juiz pensou por alguns instantes e disse:

- Protesto negado. Prossiga, Sr. Malfoy.

Lúcio Malfoy, sorrindo, voltou-se para Harry.

- Responda, Sr. Potter. O senhor não estaria protegendo Black? Afinal, ele era o melhor amigo de seus pais e, além disso, é seu padrinho...

Harry sentiu seu sangue ferver nas veias. Mas dentro de sua cabeça um pensamento obsessivo o dominava: responder à altura. Mesmo com a raiva que o dominava, seu cérebro conseguiu trabalhar satisfatoriamente. E foram precisos apenas alguns poucos segundos para que soubesse o que falar. Com toda a calma que conseguiu transparecer, Harry retrucou:

- Eu vou lhe explicar detalhadamente para que o senhor entenda, Sr. Malfoy... – o outro desfez imediatamente o sorriso, e Harry percebeu que ferira seu ego. – Imagine que não tivesse pais, desde que se entendesse por gente... Que, por isso, tenha sido criado por uma família que o detestasse e o tratasse como trapo velho que deveria já ter ido para o lixo há muito tempo... E descobrisse, mais tarde, que seus pais tinham sido assassinados e que o assassino estava atrás do senhor agora. A sua vida nunca foi normal por causa disso. E, depois, o senhor descobre quem foi o responsável por isso; aquele que traiu seus pais e os entregou para o assassino. O senhor realmente, depois de tudo, se importaria que ele fosse seu padrinho e melhor amigo de seus pais?

Lúcio Malfoy abriu a boca para falar alguma coisa, mas Harry não permitiu:

- Eu vou responder para o senhor, porque essa seria a atitude de qualquer um. O senhor não se importaria. A partir do momento que ele traísse seus pais e tivesse causado a morte deles, deixaria de ser na mesma hora seu padrinho e melhor amigo de seus pais. Agora, o senhor acha realmente que eu protegeria uma pessoa assim? Eu seria o primeiro a fazer de tudo para que ele apodrecesse em Azkaban. Se eu estou defendendo Sirius Black, é porque ele é inocente. Porque tenho certeza disso. O que eu mais quero agora é que Pedro Pettigrew pague por tudo que fez, porque foi ele que traiu meus pais; foi ele que os entregou a Voldemort para que fossem mortos.

Harry parou de falar por um instante e depois voltou a falar, em tom de sarcasmo:

- Pode usar Veritasserum para descobrir se estou falando a verdade, Sr. Malfoy.

Lúcio Malfoy encarava firmemente Harry, com os olhos quase fechados de tão estreitos que estavam. Por um instante, ele parecia ter perdido a fala, mas logo se recuperou, como se tivesse calculado tudo o que falaria e estivesse pronto para destilar seu veneno:

- Como, Sr. Potter, pode-se acreditar em alguém que constantemente tem dores de cabeça, supostamente em sua cicatriz que...

- Protesto! – agora, decididamente, Dumbledore estava bastante irritado. – Meritíssimo, Harry não é louco! Ele é perfeitamente são, como qualquer um aqui! A cicatriz que ele tem não o afetou em seu estado de consciência!

Mundungo Fletcher refletiu por alguns instantes e respondeu:

- Protesto aceito. O Sr. Potter parece possuir controle total de todas as suas faculdades mentais. Sr. Malfoy, a testemunha não será obrigada a responder à pergunta.

Malfoy, ao contrário do que era de se esperar, nem se abalou com a decisão do juiz. Continuava sorrindo e disse venenosamente para Harry:

- Analisando mais profundamente sua história, Sr. Potter, pode-se relembrar que, quatro anos atrás, o senhor foi acusado de ter aberto a Câmara Secreta em Hogwarts e libertado o mal que ela encarcerava... O senhor foi acusado de ser o herdeiro de Salazar Slytherin... Foi-se descoberto que o senhor é um ofidioglota, um poder natural de bruxos das trevas... Para alguém tão ligado ao lado negro como o senhor, seria normal estar do lado de um assassino e de... mentir... não é?

- Protesto! – Dumbledore exclamou, levantando-se impetuosamente e, agora, estava fora de si. Harry se espantou. Não lembrava de ter visto o diretor assim alguma vez na vida. Sempre tão controlado, Dumbledore agora soltava faíscas pelos os olhos, como se o ofendido ali tivesse sido ele... e não Harry.

Lúcio Malfoy, porém, ignorou a atitude de Dumbledore e continuava a encarar Harry, esperando uma resposta. Mundungo Fletcher parecia dividido e, depois de certo tempo, murmurou "Protesto negado" e voltou sua atenção para Harry e Malfoy. Parecia estar ansioso para ouvir a resposta do menino-que-sobreviveu. Harry encarou Malfoy profundamente e respondeu, com os olhos estreitos e entre dentes:

- Voldemort matou meus pais. Acabou com a minha família. Mesmo que eu seja um ofidioglota e, mesmo que eu fosse herdeiro de Slytherin... eu nunca me aliaria àquele que destruiu a vida que eu poderia ter... Por nada eu faria isso... Nada me levaria a baixar ao mesmo nível que ele... Eu tenho nojo de Voldemort e se me aliasse a ele, teria nojo de mim mesmo. É por isso que eu tenho nojo de quem quer que seja aliado dele... quando olho para alguém que sei que está do lado dele, me dá vontade de vomitar... como estou tendo agora...

Pela primeira vez em todo aquele tempo, havia temor nos olhos frios de Lúcio Malfoy. Obviamente percebera que aquela insinuação de Harry era para ele. Respirou fundo e disse, com a voz carregada de ódio:

- O senhor está dispensado, Sr. Potter.

Ouviu-se o som do martelo batendo na mesa.

- Recesso de vinte minutos! – Mundungo Fletcher bradou.

- Tome este copo d'água, querido... – a Sra. Weasley disse, oferecendo um copo para Harry.

- Não, obrigado, Sra. Weasley.

- Vai lhe fazer bem, tome! – ela insistiu e enfiou o copo na mão do rapaz, que não teve outra alternativa senão beber a água.

Além de Harry e a Sra. Weasley, Rony, Hermione, Remo e o Sr. Weasley também estavam presentes nessa sala, vazia, no último andar do grande prédio do Ministério da Magia. Era a sala do ministro, a sala do Sr. Weasley. Ele próprio achou melhor se afastarem durante o recesso para uma sala isolada, longe dos outros, depois do depoimento de Harry.

- Eu não acredito que aquele nojento disse aquelas coisas! – Rony exclamou, referindo-se a Lúcio Malfoy. – Ele te acusou, Harry!

- Mas o que importa é que Harry se saiu muito bem e deu uma resposta à altura do Malfoy. – o Sr. Weasley comentou.

- Agora vamos ver se ele aprende a jogar limpo da próxima vez! – a Sra. Weasley disse com ar severo.

- Aquele homem me dá arrepios... – Hermione falou. – Pensei que ele tivesse sido muito duro comigo, mas quando vi o que ele disse para você, Harry, mudei de idéia! Ele é muito pior do que pensei...

Harry engoliu o último gole da água e começou a girar o copo entre seus dedos. Estava sentado em uma cadeira à frente da mesa do Sr. Weasley, enquanto os outros o rodeavam. Mas estava um pouco alheio, desnorteado, para falar a verdade. Não era o jeito que Malfoy o tratara, nem o que ele dissera que o incomodavam... como todos pensavam. Era o sentido que aquelas palavras escondiam...

Diversas vezes, Harry já se sentira confuso sobre sua própria identidade. No seu segundo ano em Hogwarts, quando pensavam que era o herdeiro de Slytherin... Sentiu-se tão pressionado que chegou a desconfiar de si mesmo! E havia mais... no seu primeiro ano, o Chapéu Seletor queria colocá-lo na Sonserina... e Harry só acabou indo para a Grifinória porque pediu isso... Além disso, falava com cobras, um dom que somente ele mesmo e Voldemort possuíam... Um dom pelo qual Salazar Slytherin era famoso...

O que você faria se tivesse a chance de acabar com Voldemort? Nesse instante?

A voz de Remo soou em sua mente, fazendo-o se lembrar daquela conversa que teve com ele no dia em que se encontraram.

Eu o mataria.

A sua própria voz soou agora, em resposta à pergunta que fora feita. E Harry se sentiu muito pior... Como podia ter falado aquilo? Será que... será que ele era parecido com Voldemort? Teria as mesmas vontades... e impulsos? Não! Isso não era verdade, não podia ser! Estava sendo idiota! Mas... certa vez... quando encontrou Voldemort na Câmara Secreta, ele lhe disse que eram muito parecidos... ele e Harry...

- Você não está ligando para o que aquele idiota disse, não é, Harry? – Rony perguntou, cortando bruscamente os pensamentos do amigo.

- Anh? – Harry perguntou distraído. – Ah... Não, não me importo...

- Você tem certeza? – agora era Hermione que perguntava, preocupada. – Tá tudo bem?

- Sim. Tudo bem... – Harry respondeu e depositou o copo vazio em cima da mesa do Sr. Weasley.

Remo olhava para Harry com um ar de desconfiança. Um sinal tocou, avisando que o julgamento iria recomeçar. Todos, então, começaram a sair da sala. Harry vinha mais atrás e Remo o acompanhava. Em um tom baixo, ele disse:

- Imagino o que deva estar pensando...

Harry olhou intrigado para Remo, que devolveu o olhar profundamente.

- Como assim?

- Harry... Você não deve ficar se martirizando... O que Malfoy disse não faz sentido!

O rapaz riu baixinho.

- Sobre eu estar ligado com o lado negro? Será mesmo que não faz sentido?

- Harry! Todos nós sabemos que isso não é verdade! Eu sei! Você sabe! Se você ainda está pensando naquela conversa que tivemos aquele dia no meu apartamento...

- E se estiver?

Remo suspirou.

- Começo a pensar que não deveria ter tido aquela conversa com você... – e completou em um tom mais baixo, que parecia que era somente para ele. – E pensar que foi só para tirar aquela dúvida minha...

- O quê? Do que você tá falando, Remo?

O outro parecia desnorteado quando respondeu:

- Nada, nada não.

Harry ainda ia interpelá-lo mais, porém não foi possível. Todos logo entraram no elevador, e o rapaz reparou que não conseguiria falar com Remo enquanto os outros estivessem presentes. E ficou ainda mais difícil quando voltaram para a sala grande e o julgamento recomeçou.

Como de costume, Mundungo Fletcher reapresentou o caso e os envolvidos, para depois dar espaço para os advogados falarem. Malfoy queria iniciar seu discurso final, porém Dumbledore pediu permissão para falar, a qual foi concedida. No momento, o diretor de Hogwarts aparentava ter retornado ao seu costumeiro estado calmo e pacífico. Quando se postou no centro da sala, frente à platéia, ele segurava duas varinhas entre as mãos: a da direita, Harry reconheceu como sendo a varinha do diretor, mas a outra... lembrava de tê-la visto antes, mas não sabia quando...

- Senhoras... Senhores... – Dumbledore começou. – Gostaria de apresentar-lhes a prova definitiva da inocência de meu cliente. – ele levantou a varinha que estava na sua mão esquerda.

Obviamente, ninguém entendeu aonde ele queria chegar com isso. Ninguém exceto Pedro Pettigrew, que arregalou os olhos e estava extremamente espantado. Dumbledore se encaminhou até onde estava Pettigrew e perguntou, mostrando-lhe a varinha:

- O senhor reconhece essa varinha?

Pettigrew respirava muito rápido e olhava, tremendo, para a varinha à sua frente.

- Por favor, responda, Sr. Pettigrew.

Rabicho olhou de esguelha para Malfoy, que lhe fez um discreto sinal com a mão. Pettigrew se voltou para Dumbledore e respondeu com a voz que parecia um guincho:

- Não.

- O senhor tem certeza? – Dumbledore insistiu. – Esta não seria, por acaso, a sua varinha?

- Não! – o réu respondeu, sua voz fina e tremendo mais que nunca.

Dumbledore sorriu.

- Neste caso, terei que chamar um perito para me responder a essa pergunta. Chamo para depor o Sr. Joseph Olivaras.

Um velho, de olhos grandes e muito claros, direcionou-se até a grade que separava os dois ambientes, para depois se sentar. Harry o reconheceu como sendo o Sr. Olivaras, dono de uma loja que vendia varinhas, onde o rapaz comprou a sua. Depois que o Sr. Olivaras se sentou, Dumbledore se aproximou dele e fez a pergunta de sempre:

- Por favor, diga-me seu nome e ocupação.

- Meu nome é Joseph Olivaras e sou proprietário de um estabelecimento que vende varinhas, no Beco Diagonal.

- O senhor conseguiria se lembrar de uma varinha que vendeu há muitos anos?

- Lembro-me de cada varinha que vendi em toda a minha vida! – o bruxo respondeu com um quê de irritação, como se estivesse ofendido por Dumbledore ter-lhe feito essa pergunta. O diretor, por sua vez, sorriu levemente.

- Então, o senhor lembra dessa varinha? – Dumbledore perguntou, entregando a varinha para o especialista.

O Sr. Olivaras pegou a varinha, olhou-a, revirou-a nos dedos e até fez um floreio com ela, o que resultou na saída algumas faíscas amareladas da sua ponta. Depois disso, ele disse, em tom firme, devolvendo a varinha para Dumbledore:

- Carvalho, dezoito centímetros, corda de coração de dragão, especificamente um Focinho-Curto Sueco... boa e flexível... Lembro-me muito bem dela.

- A quem foi vendida?

- Ah... foi para um garotinho meio baixinho e gordinho... Tinha os olhos um tanto lacrimejantes... – o Sr. Olivaras inclinou a cabeça para ver Rabicho melhor. – Sim... foi para ele sim, o Sr. Pettigrew. Tenho certeza!

Dumbledore se virou para olhar Rabicho e depois voltou-se novamente para o Sr. Olivaras:

- Há uma maneira de provar que a varinha é dele?

- Eu sempre lembro a quem vendi minhas varinhas! – o bruxo respondeu irritado. – Mas se o senhor quer provar, entregue a varinha a ele. Se for o dono, ela soltará faíscas.

Dumbledore se aproximou de Rabicho e entregou-lhe a varinha. Pettigrew a pegou com a mão trêmula e não deu outra: assim que ele a tocou, faíscas prateadas começaram a irradiar de sua ponta como fogos de artifício.

O diretor arrancou a varinha da mão de Pettigrew como uma certa violência, para depois dizer:

- Parece que o senhor mentiu, Sr. Pettigrew...

Rabicho tremia dos pés à cabeça, enquanto Lúcio Malfoy estava branco como papel. Dumbledore dispensou o Sr. Olivaras e recomeçou a falar para os jurados:

- Como foi provado, esta varinha pertence ao Sr. Pedro Pettigrew. Foi encontrada próxima à área onde o mesmo foi preso. E é a prova derradeira de que realmente ele cometera todos os crimes pelo qual é acusado.

Dumbledore se virou para Mundungo Fletcher e disse:

- Com a sua permissão, meritíssimo, eu gostaria de usar o "Prior Incantato" para verificar quais foram os últimos feitiços produzidos pela varinha...

- Protesto! – Malfoy se levantou.

- Protesto negado! – Mundungo Fletcher retrucou. – A prova não contraria as leis do tribunal. O senhor pode fazer o feitiço, Sr. Dumbledore.

O diretor agradeceu e começou a conjurar o feitiço repetidas vezes. E a cada fantasma de feitiço que saía, uma surpresa era revelada, e todos se abismavam. O primeiro foi a Marca Negra, provando que fora Rabicho quem a conjurara no Beco Diagonal; depois saíram coisas mais aterrorizantes, como sons de gritos de pessoas torturadas com a Maldição Cruciatus, cordas conjuradas e até... ecos de pessoas mortas pela varinha do bruxo. O último fantasma de feitiço que saiu foi a prova final: era um feitiço tão forte, que estremeceu a sala, mesmo sendo apenas o fantasma do verdadeiro; soltou um gás fedorento e escuro também. Depois que a névoa se desfez, Dumbledore recomeçou a falar, sendo escutado atentamente pelos espectadores perplexos:

- Este último feitiço foi aquele que causou a explosão que matou doze pessoas, quinze anos atrás. Como puderam ver, o feitiço foi conjurado por Pedro Pettigrew e não por Sirius Black, como todos pensavam. Portanto, o autor do crime foi Pettigrew. Em relação aos outros crimes nem é necessário comentar... Os feitiços conjurados por essa varinha mostraram tudo: maldições imperdoáveis, ecos de pessoas mortas... Cabe, agora, aos senhores jurados decidirem... – Dumbledore se virou para o juiz. – Encerro aqui a apresentação de minhas provas, senhor meritíssimo. – e se sentou.

Mundungo Fletcher olhou abismado para tudo aquilo e, depois de alguns segundos, como se tivesse se tomado conta de sua obrigação, perguntou, voltando-se à Lúcio Malfoy:

- O senhor tem mais alguma coisa a dizer, Sr. Malfoy? Ou posso dar como encerrada essa parte do julgamento e deixar que os jurados decidam?

Malfoy, nem de longe, apresentava aquela sua antiga altivez e arrogância. Parecia um pouco fora da realidade. Ele olhou para o juiz e, depois de um tempo, respondeu que queria sim dizer mais algumas palavras. Porém, a explanação dele não foi nada parecida com a primeira que fez. Ele parecia um pouco nervoso, na verdade. As palavras não saíam exercendo aquela influência que antes pareciam exercer. E o discurso não foi tão longo como o outro, tampouco; dessa vez foi bem mais curto e rápido.

Depois de alguns minutos, Malfoy voltou a se sentar. O juiz, então, declarou que chegara o momento dos jurados darem sua decisão final, e conjurou um feitiço com sua varinha. Em segundos, materializaram-se em frente à cada cadeira da platéia, pequeninas mesas, que continham uma pena e um pedaço de pergaminho em cima de cada uma. Havia, ainda, um furo grande em cada mesa, que Harry não conseguiu atinar para que diabos serviam.

- Para que é isso? – Harry perguntou baixinho. E dessa vez, ao contrário da maioria das vezes, Rony e Hermione também pareciam compartilhar da mesma dúvida do rapaz. Foi o Sr. Weasley que respondeu:

- Você deve escrever no pergaminho a sua decisão: quem é culpado e quem é inocente. Depois deposite o pergaminho, dobrado, no furo da mesa.

Harry achou aquilo um pouco esquisito e viu que os amigos também. Rony fez uma careta, deu de ombros, e começou a escrever algo no pergaminho. Hermione fez o mesmo, e Harry não teve outra alternativa a não ser seguir as instruções do pai de Rony. Escreveu no pergaminho, em letras bem grandes:

"Sirius Black – inocente

Pedro Pettigrew – culpado"

Depois disso, dobrou o pergaminho e colocou-o no furo da mesa. Assim que fez isso, ela desapareceu. Olhou para os lados e viu que isso também estava acontecendo ao redor. Remo, o Sr. e a Sra. Weasley já estavam parados, esperando. As mesas de Rony e Hermione desapareceram no mesmo instante em que Harry olhou para eles.

Assim que todos na sala terminaram, vários pergaminhos dobrados apareceram à frente de Mundungo Fletcher. Ele, como se estivesse muito acostumado com isso, começou a separá-los em dois montes e contá-los. A sala permaneceu em um silêncio sepulcral enquanto isso. Harry viu que Sirius olhava muito ansioso para o juiz. Alguns minutos depois, Mundungo Fletcher parou de contar e levantou a cabeça, olhando para a platéia. Todos ficaram de pé para ouvirem a decisão. O juiz respirou fundo e disse:

- Chegamos ao final dessa cerimônia. Depois de todas as provas e depoimentos apresentados, os jurados chegaram a uma decisão. E ela foi esta: por noventa e sete votos a quarenta e dois, o senhor Sirius Black foi declarado...

Harry sentiu sua barriga gelada, como se tivesse engolido uma grande pedra de gelo. Seu coração batia tão depressa que chegava a doer. Será que finalmente ouviria o que estava esperando por tanto tempo?

- ...inocente de todos os crimes pelos quais fora acusado, sendo assim Pedro Pettigrew o culpado!

Uma gritaria se estabeleceu na sala. Harry quase caiu para trás quando ouviu aquilo. Parecia que estava em um sonho muito bom e que não queria acordar. Mas não era um sonho, porque Hermione e Rony praticamente se jogaram em cima dele, e os três começaram a pular juntos, gritando e rindo. Harry sentia algo que nunca sentira antes: era euforia misturada com alegria... Nem acreditava no que tinha ouvido! Seu padrinho estava livre! Livre! Não precisava mais se esconder, poderia andar livremente como uma pessoa normal! Era bom demais para ser verdade!

Depois que Harry parou de pular junto com os amigos, que agora estavam abraçados, tentou se aproximar da grade que separava os dois ambientes. Mas era impossível, porque muitas pessoas estavam aglomeradas ali, e havia mais pessoas ainda lá dentro, cumprimentando ou Sirius, ou Dumbledore. Harry procurou por um lugar para passar, mas não conseguiu. Porém, isso não fez diferença alguma, porque o rapaz saltou a grade e pulou para o outro ambiente da sala. Espremeu-se entre as pessoas que estavam ali até chegar a Sirius. Ele estava abraçado com Remo, os dois num misto de riso e choro.

Harry ficou parado ali, esperando, sentindo o coração bater ainda mais rápido que antes. Sirius, abraçado ainda em Remo, com a cabeça encostada no ombro do amigo, abriu os olhos e seu olhar cruzou com o de Harry, que sorriu. Sirius abriu aquele seu antigo sorriso que só guardava para ocasiões muito especiais. Ele se desvencilhou de Remo, que viu Harry e entendeu. Os dois, Harry e Sirius, ainda ficaram algum tempo se olhando, como se não acreditassem no que estava ocorrendo. Foi Sirius que agiu primeiro, porque Harry estava tão desnorteado que nem conseguia mexer as pernas. O padrinho se aproximou de Harry e, rindo, perguntou:

- Você ainda quer ter uma casa diferente?

O rapaz gargalhou e, em resposta, abraçou fortemente o padrinho. Sirius retribuiu o abraço, e Harry sentiu que as lágrimas dele molhavam o seu ombro. E então, Harry fechou os olhos e sentiu lágrimas quentes rolarem pelo seu rosto. Não eram lágrimas de tristeza, e sim lágrimas de alegria... E era muito bom isso. Nunca tinha chorado de alegria... Só de tristeza. E esse era um sentimento que estava longe de sentir agora. Só sentia algo fantástico dentro de si, algo que não conseguiria descrever com palavras. Era como se alguém que tivesse sido tirado dele estivesse sendo devolvido e melhor do que nunca... Ouviu o padrinho dizer baixinho em seu ouvido:

- Obrigado, meu afilhado. Eu não teria conseguido sem você...

- Eu realmente ainda não acredito que estou aqui, livre... – Sirius comentou com um sorriso bobo no rosto. – Remo, me belisca pra eu ter certeza que não tô sonhando.

- Foi você que pediu! – Remo beliscou Sirius com força bem na altura do antebraço direito dele.

- Ai! Não precisava ser tão forte!

Harry, Rony e Hermione riram com gosto. Os cinco estavam conversando animadamente enquanto desciam no elevador. Do prédio do Ministério, seguiriam para a Toca, para onde a Sra. Weasley já tinha desaparatado a fim de preparar um jantar especial de comemoração. Dumbledore e o Sr. Weasley ainda estavam reunidos na sala do ministro; iriam mais tarde.

- E então, Harry? – Sirius perguntou animado. – Já escolheu onde quer morar? Olha, você pode escolher que a gente se muda na hora e...

- Sirius, você nem tem um tostão furado no bolso, como quer comprar uma casa agora? – Remo provocou, rindo.

- Eu dou um jeito. – Sirius fez um gesto impaciente com a mão. – Você tem que ficar me lembrando essas coisas bem agora?

Harry riu.

- Mas eu vou voltar para Hogwarts em três dias, Sirius.

- Sério? Putz, acho que perdi a noção do tempo. Mas a gente já pode ir vendo umas casas, né?

Remo bateu com força na testa, não acreditando no amigo. Rony e Hermione riram novamente. O elevador chegou no térreo, e eles saíram. Havia um tumulto no hall de entrada. Harry sentiu o estômago revirar, assim como os outros ao seu lado quando viu o porquê. Pedro Pettigrew estava saindo preso, levado pelos guardas do Ministério. Muitos repórteres atrapalhavam a saída dele, tentando obter um furo para as primeiras páginas dos jornais e revistas.

- Bem que ele podia ser esmagado ali... – Sirius disse com um olhar meio maroto e meio enojado ao mesmo tempo.

- Pelo menos os repórteres estão muito distraídos para nos verem. – Remo comentou. – É melhor a gente aproveitar e sair pelos fundos pra não dar confusão.

Sendo assim, os cinco contornaram o hall de entrada discretamente e saíram por um corredor grande que dava para os fundos do prédio. Por sorte, não havia ninguém no caminho. Porém, quando chegaram ao fim do grande corredor, deram em uma pequena sala mal iluminada e havia alguém ali. Era a silhueta de uma mulher, que estava parada, olhando pela porta envidraçada que dava para a rua. Assim que ouviu os passos, ela se virou, e Harry a reconheceu: era aquela mesma mulher que ficara lhe encarando durante o primeiro recesso do julgamento, na sala anterior à da cerimônia.

No mesmo instante em que a viu, Sirius, que estava ao lado de Harry, desfez rapidamente o sorriso antes estampado em seu rosto desde que fora declarado inocente. Substituiu-o por uma expressão muito ressentida e um olhar fundo, que encarava diretamente a mulher que estava na porta. Harry viu que os lábios dele se encresparam e seus olhos se estreitaram; os punhos dele se fecharam e... tremiam de nervoso.

A mulher também não tinha uma expressão muito animadora, tampouco. Os olhos azuis dela focalizavam os negros de Sirius com um brilho de desprezo. Os lábios finos abriram um sorriso, não de alegria, mas de provocação óbvia para o padrinho de Harry, pois seu rosto começou a ficar rubro intenso de raiva. Ela cruzou os braços sobre o peito e abriu ainda mais o sorriso.

Rony e Hermione tinham expressões tão aturdidas quanto Harry. Somente Remo parecia entender o que se passava, porque ele se colocou na frente de Sirius e o olhou com uma expressão receosa quando falou:

- Vamos, Sirius. A gente não precisa ficar aqui...

- Você vai fugir, Sirius? Está com medo de mim?

A voz da mulher pôde ser ouvida, provocando o padrinho de Harry. Ela tinha uma voz baixa e quase sibilante. O tom que usava era provocante e fez Sirius empurrar Remo para o lado, tirando-o da frente. Remo não parecia magoado com o gesto do amigo, mas bem atemorizado do que estava por vir. Harry, Rony e Hermione apenas assistiam a tudo, tentando entender o que se passava.

Sirius deu um passo à frente, aproximando-se da mulher e olhando-a diretamente nos olhos azuis. Com uma voz que apenas tentava transparecer tranqüilidade, mas escondia uma raiva profunda, Sirius perguntou:

- Por que eu teria medo de você, Samantha?

Ela descruzou os braços e posicionou-os na cintura.

- Ora... por muitas coisas, Sirius... – disse com um sorriso irônico. – Você não quer que eu as enumere, por acaso?

- Você sabe que eu nunca tive medo de você.

- Oh, mas que corajoso você é... – ela debochou.

- Por que você está aqui, afinal? Pensei que nunca mais fosse te ver na vida...

- A vida dá muitas voltas... Além disso, eu te falei uma vez que você não se livraria de mim nunca...

- Não me faça lembrar disso... – Sirius disse com ressentimento. – Você não respondeu minha pergunta.

- Eu vim assistir à sua condenação, Sr. Black... – ela frisou sarcasticamente "Sr. Black".

Sirius riu sem alegria.

- Pois então não deve estar muito feliz, porque eu estou aqui. Livre. – e completou com rancor. – Provavelmente você votou contra mim.

- Não lhe importa o que eu votei. – ela disse muito rápido. Rápido demais.

- Bem, acho melhor irmos embora, não é, Sirius? – Remo disse urgente, interpondo-se aos dois e parecendo querer impedir que um pulasse no pescoço do outro. – Temos um compromisso, se lembra?

A mulher olhou para Remo e sorriu quase sinceramente, estendendo a mão.

- Como vai, Remo?

Sirius virou o rosto muito vermelho para o outro lado, como se não quisesse ver.

- Bem, Samantha, e você? – Remo respondeu embaraçado, apertando a mão dela. – Eu soube do seu novo emprego.

Sirius voltou rapidamente sua cabeça para Remo, com um olhar intrigado e traído.

- Ah, você soube? – ela perguntou. – É, realmente veio em boa hora. Você deve saber como esse emprego é bom...

Sirius estava boquiaberto e agora olhava assustadoramente para o amigo, que se encolheu ligeiramente. A mulher, nesse meio tempo, girou sua cabeça, fazendo a cabeleira cacheada rodopiar, e olhou para além de Sirius; seu olhar bateu com o de Harry. Ela sorriu, e em seus olhos o rapaz pôde ver aquele brilho anterior que o incomodava; era como se ela o visse inteiramente, como se... não sabia dizer, mas era inquietante.

Ela deu alguns passos, o som dos seus saltos altos e finos ecoando na sala silenciosa; esbarrou propositadamente em Sirius, que se virou e a acompanhou com o olhar assustado enquanto ela se dirigia a Harry. A mulher parou bem em frente ao rapaz, que sustentou o olhar dela, mesmo que o incomodasse. Ela era apenas uns dois dedos mais baixa que ele, por isso ele não precisava olhar muito para baixo para ver seus olhos azuis. Ela continuou a encará-lo daquela maneira, sorrindo nostalgicamente e astutamente, até que resolveu dirigir-lhe a palavra:

- Então você é Harry Potter? A semelhança com seu pai é mesmo assustadora, como dizem... – ela o olhou melhor e completou, com a voz ligeiramente irritada e fazendo uma careta: - Menos os olhos.

- Todo mundo diz isso... – Harry comentou com indiferença.

Ela sorriu.

- Até a voz é como a de Tiago...

- Samantha! – Sirius ameaçou com uma voz letal. – Se você...

- Cala a boca, Sirius! – ela exclamou irritada, girando novamente sua cabeleira na direção do padrinho de Harry. – Não vê que não estou falando com você?

- Ora, sua... – ele disse entre dentes, fazendo menção de pular em cima dela, mas Remo colocou a mão em seu ombro, impedindo-o. A mulher voltou-se novamente para Harry, já substituindo a expressão emburrada que mostrara a Sirius, por um sorriso.

- Oh, me desculpe... Eu nem me apresentei... – ela estendeu a mão. – Samantha Stevens. É um prazer.

Harry olhou para a mão dela e, apesar dos gestos frenéticos do padrinho para que não a apertasse, não viu o porquê de não fazê-lo.

- Igualmente. – disse, apertando a mão dela. Era fria, gélida. Além disso, ela não apertava a mão com força, como a maioria das pessoas faziam; era um aperto fraco... falso, talvez... Mesmo assim, a mulher demorou algum tempo para soltá-la e, quando o fez, comentou.

- Conheci seu pai... Era amiga dele...

Isso foi o estopim para Sirius, que ignorou a mão de Remo em seu ombro e, em dois passos, alcançou a mulher e a segurou fortemente pelo braço esquerdo, sacudindo-a com força. Os cabelos dela se agitaram e alguns cachos cobriram-lhe o rosto, mas não escondiam o olhar assassino que ela dirigia para o homem à sua frente.

- Quem lhe deu o direito de fazer isso, Sirius Black! – gritou com a voz aguda.

- Eu é que lhe pergunto quando você se achou no direito de dizer essas coisas pro Harry! – ele gritou mais alto e com tanta fúria que algumas gotas de saliva pulavam de sua boca e molhavam o rosto dela, tão próximos estavam. Sirius segurava o braço dela com tanta força que estava começando a ficar vermelho, mas ela parecia não notar, ou não se importar.

- Aposto que ele não sabe de asbsolutamente nada, se depender de você! Aposto que nunca disse o que você e tiago faziam, não é, seu cachorro?! – ela gritou mais agudo ainda e pingos de saliva também saltavam de sua boca.

- Pois eu ficaria mais feliz de contar o que você fazia, sua cobra! – ele apertava cada vez mais o braço dela, tanto que do lugar que apertava até a mão, a pele estava ficando muito branca, parecia que a circulação sangüínea estava parando.

Ela aparentava estar fazendo um grande esforço para agüentar a dor, mas chegou um momento no qual ele apertava tanto seu braço que ela não resistiu e gritou:

- VOCÊ ESTÁ ME MACHUCANDO, SEU IDIOTA! – e então, ela o empurrou com a mão livre. Inutilmente, porque ele não a soltou.

- Pois eu vou machucar mais se você não sair da minha frente agora! – ele insinuou quase num rosnado.

- Pois... vá... tomar... no... seu...

Ele a soltou e jogou-a antes que completasse a frase. Ela cambaleou para trás, os cabelos cobrindo o rosto, e segurou o braço que Sirius apertara. Não estava apenas vermelho; estava roxo. Ela levantou os olhos e revirou a cabeça para tirar o cabelo do rosto.

- Você vai me pagar, Sirius. – ela sibilou, para logo depois tomar novamente uma postura arrogante. – Muito caro.

- Suma... daqui... – Sirius disse entre dentes.

- Eu vou. Mas só porque não quero mais ficar olhando para essa sua cara de cachorro velho. – ela se virou para Harry e disse: - Acho que nos veremos em breve. – e olhou para Rony e Hermione. – E seus amigos também.

E então, lançando um olhar assassino para Sirius, ela cruzou a sala; ainda cumprimentou Remo com a cabeça, para depois sair pela porta de vidro e batê-la com estrondo, fazendo o vidro se partir em mil caquinhos. Remo suspirou, pegou a varinha e murmurou um feitiço reparador, que fez o vidro se reconstituir.

Sirius respirava fundo e soltava o ar várias vezes. Ele se voltou para Remo, ignorando totalmente a presença dos garotos ali.

- Você sabia, Remo?

- Saber do quê, Sirius? – o outro perguntou desanimado, guardando a varinha nas vestes.

- Como "saber do quê, Sirius"? Não se faça de desentendido, sabe que estou falando dela!

- Olha, eu só sabia do emprego dela e mais nada, tá? Não andei me comunicando com ela, se quer saber, e eu nem gostaria! Sabe que gosto tão pouco dela quanto você! – Remo exclamou parecendo um pouco sentido.

Sirius ficou deveras envergonhado e murmurou:

- Me desculpe. Eu não...

- Tudo bem, Sirius. Não se preocupe.

- Mas qual é o emprego dela?

- Depois. – Remo disse com um olhar significativo, indicando os garotos com a cabeça.

- Por que a gente não pode saber? – Rony soltou a pergunta que Harry queria fazer.

- Rony! – Hermione repreendeu.

- Porque não é da conta de vocês. – Remo disse muito seco, e Rony virou o rosto, vexado. Hermione murmurou um repreensivo "Viu?".

- É melhor irmos embora. – Remo sugeriu.

Dessa forma, os cinco saíram em silêncio da sala e do prédio. Seguiram para a Toca utilizando uma chave de portal que o Sr. Weasley lhes dera anteriormente. Mas Harry ainda estava pensando sobre aquela mulher e o que ela disse; havia algo sobre seu pai e Sirius que o último não queria que Harry soubesse... Mas o que seria? Não podia deixar por menos, tinha que perguntar assim que tivesse oportunidade. Ou então tinha que arrumar uma.

Mas não foi possível nenhuma das duas alternativas. Assim que chegaram à casa dos Weasleys, Gina e os gêmeos, Fred e Jorge, alugaram Harry, Rony e Hermione, sedentos pelas novidades. Percy também estava em casa, e cumprimentou Sirius e Remo muito formalmente, o que deu abertura para Fred e Jorge fazerem gracinhas a respeito. Sirius comentou para os gêmeos que os dois se pareciam muito com ele em sua juventude, o que os fez incharem de orgulho como balões.

Enquanto a Sra. Weasley, Remo e Sirius estavam na cozinha, Harry, Rony, Hermione, Gina e os gêmeos foram para o jardim, encarregados de montarem a mesa para o jantar. Dessa vez, a "tarefa" de fazer as duas mesas brigarem entre si foi de Fred e Jorge, que já podiam fazer magia, já que terminaram os estudos. E eles aproveitavam bastante essa liberdade.

Enquanto os gêmeos faziam isso, Harry contava mais alguns detalhes do julgamento para Gina, que ouvia maravilhada. Em certo momento, Rony comentou:

- Mas quem será que é aquela mulher?

- Que mulher? – Gina perguntou intrigada.

- Não acredito que você vai falar disso, Rony! – Hermione censurou. – É um assunto do Sirius, você viu que o Prof. Lupin ficou bravo quando você perguntou!

- É, mas isso não me impede de ficar curioso, Mione!

- Alguém pode me explicar alguma coisa, por obséquio? – Gina perguntou com uma expressão muito cômica, fazendo Harry rir.

- Tudo bem, eu te explico, Gina. Nós a encontramos quando estávamos saindo do prédio do Ministério. E ela discutiu fortemente com o Sirius...

- É, mas o que será que ela queria com você, Harry? – Hermione perguntou. – Porque foi muito estranho o jeito que ela te olhava e como ela falou com você...

Gina fez uma expressão muito emburrada:

- Como assim?

- Ah, isso não deve ser nada! – Rony fez um gesto de impaciência com a mão. – Deve ser só pelo Harry ser "Harry Potter"...

- Não sei, não... Foi estranho... – Hermione parecia descrente, assim como Harry, que lembrou que a mulher também lhe encarara de um jeito esquisito antes mesmo de se conhecerem... E aquele olhar dela o incomodava...

- Ah, você vai me explicar isso direitinho, Sr. Potter! – Gina disse emburrada e puxando Harry.

- Pera aí, Gina! O que você tá fazendo? – Harry perguntou, sendo praticamente carregado pela garota. Rony e Hermione o olhavam com caras de riso enquanto se afastava.

- Você vai me explicar que negócio é esse dessa mulher ficar te olhando! – Gina disse assim que chegaram a um lugar afastado onde ninguém os visse.

- Mas eu nem sei direito que mulher é essa!

- Não me importa, você vai me explicar!

Harry riu. Será que Gina estava mesmo fazendo o que ele achava que estava?

- Você tá com ciúmes de mim, Gina?

De imediato, a garota ruborizou mais que seus cabelos vermelhos cor de fogo.

- É... é claro... é claro que estou! – admitiu com uma voz chorosa.

Harry gargalhou.

- Do que você tá rindo? – ela parecia mesmo emburrada.

- De como você fica bonita nervosa... – o rapaz respondeu, segurando-a pela cintura. Ela se desmanchou num sorriso.

- Harry... Eu devia estar brava com você...

- Mas não está...

Ele aproximou mais o corpo dela do dele.

- Harry Potter!

- Ei, esse é meu nome... – ele disse, enquanto fechava os olhos e roçava com o nariz a nuca dela, sentindo com prazer que os pêlos dela se arrepiaram.

- Seu bobo! – ela apoiava as mãos no peito dele, rindo.

- Você tem cócegas?

- Claro que sim!

- Isso prova que você é ciumenta... – ele beijou a nuca dela, e ela tremeu.

- O que tem a ver?

- Você nunca ouviu falar que quem tem cócegas é ciumento?

- Isso não prova nada... – ela protestou com um muxoxo. – Eu não sou ciumenta!

- Eu não me importo se você for...

Ele a puxou ainda mais e sentiu o corpo dela colado no seu. O hálito fresco dela acariciava as suas bochechas. Ela riu baixinho no ouvido dele. Ele roçou a boca desde a nuca dela, passando pelas bochechas macias e rosadas, até chegar nos lábios vermelhos e suaves... Primeiro beijou-os docemente, sentindo a quentura deles... Virou a cabeça para o outro lado, mudando o sentido do beijo. Sentiu que ela abraçava-o por trás de sua cabeça e colocava os dedos nos seus cabelos, acariciando-os carinhosamente no começo. O perfume de rosas dela o embriagava, e ele experimentou usar a língua e forçá-la a abrir a boca. Ela estremeceu, mas deixou. Ele pressionou a língua dela debaixo para cima, sentindo o hálito de menta fresca dela. Ela forçou mais os dedos nos cabelos dele, cravando levemente as unhas, mas ele não se importou. Ao mesmo tempo, ele apertava mais a cintura dela com uma mão, enquanto a outra subia pelas costas dela bem devagar, chegando aos cabelos compridos e macios. Sentia que queria aquilo para sempre, que nada mais importava a não ser aquele momento. O corpo estava quente, assim como o dela. Podia sentir seus batimentos fortes no peito. Ela mudou o lado, roçando o nariz delicado no dele, mas subitamente ela o empurrou levemente, e seus lábios se desgrudaram devagar. Eles se soltaram.

Harry abriu os olhos e viu que ela estava de cabeça baixa, fitando o chão. Parecendo um pouco desanimada, talvez. Será que ela não tinha gostado? Com a ponta dos dedos da mão direita, ele levantou delicadamente o queixo dela, forçando-a a olhá-lo. Nos olhos castanhos dela, ele viu algo que lhe lembrava... não podia ser... tristeza?

- Que foi? Você não gostou?

Como resposta, ela o abraçou fortemente. Ele não sabia o que fazer, não tinha esperado uma reação como essa por parte dela. Desajeitadamente, acariciou os cabelos macios e perfumados dela, perguntando-se o que teria feito de errado.

- Você tá magoada comigo?

- Não... – ela sussurrou no ouvido dele. – É comigo...

- Por quê?

- Eu preciso ir ajudar mamãe. – ela disse muito rápido e o largou, saindo correndo depois.

- Gina!

Mas ela não respondeu. Ele queria segui-la, mas um sentimento de impotência tomou conta de si. Estava confuso. O que ele tinha feito de errado? Por que ela fizera isso? Será que ela não tinha gostado?

Era verdade, nunca tinha beijado Gina dessa maneira... Não sabia direito o porquê, talvez fosse inexperiência, já que Gina tinha sido sua única garota. Mas também tinha um certo respeito a mais por ela... Talvez porque... ela era a irmã do seu melhor amigo e também... ela era tão... frágil. Tinha um certo receio da reação dela, mas não agüentou mais. Teve que experimentar e parecia que era melhor que não tivesse feito o que fizera. Mas também... foi tão bom, tão certo... E por que não deveria? Afinal, ela era sua namorada ou não?

Ainda ficou um tempo ali, parado, olhando para o lugar por onde ela tinha ido embora. Teria que conversar com ela mais tarde, agora era melhor esperar. Depois de alguns minutos, começou a voltar para o lugar onde estava anteriormente. O céu estava estrelado, e a lua minguante brilhava intensamente no céu. Caminhou sentindo o ar puro que emanava naquele lugar. Sempre se sentia muito bem na Toca, quase como se estivesse em casa. Verdade que não sabia o que era um lar, mas devia ser como era ali.

Quando chegou ao lugar, viu que os gêmeos já tinham parado de guerrear com as mesas e agora utilizavam feitiços um no outro; Fred estava com um nariz enorme enquanto que Jorge estava com os cabelos azuis. Rony ria, enquanto se desviava dos feitiços e ao mesmo tempo colocava os talheres dispostos na mesa. Harry notou que Hermione não estava presente e se aproximou do amigo.

- Onde tá a Mione? – Harry perguntou, se desviando de um feitiço de cócegas que atingiu Jorge em cheio.

- A Gina veio aqui e disse que precisava falar com ela. Acho que as duas foram para o quarto da minha irmã. – Rony disse enquanto colocava os garfos ao lado dos pratos.

Harry sentiu um frio na barriga. Será que Gina tinha ficado tão chateada assim?

- Pega as facas ali na travessa, Harry? – Rony pediu.

O amigo atendeu e pegou uma meia dúzia de facas, que começou a colocar do lado dos garfos. Ia tomar coragem para perguntar alguma coisa para o amigo, mas ele foi mais rápido.

- Você sabe o que deu na Gina? Ela tava com uma cara estranha...

Rony não parecia bravo, nem preocupado. Só curioso. Isso estimulou Harry, que preferiu desabafar com ele:

- Rony... Posso te fazer uma pergunta pessoal?

O amigo parou de dispor os garfos na mesa e olhou para Harry.

- Claro. Manda aí.

Harry também deixou de colocar as facas e olhou para Rony, rezando para que o ciúme de irmão dele não aflorasse depois do que ele ia falar.

- Quando você beija a Mione, você a beija de língua, não é?

Rony ficou um pouco vermelho, e se Harry não estivesse tão nervoso, riria da cara engraçada que ele fez.

- Que pergunta esquisita, Harry...

- Responde.

- Claro que sim, somos namorados, adolescentes... Qual o problema?

- Bem, é que... Você não vai ficar bravo e... nem rir de mim?

- Você tá estranho... Não, não vou fazer nenhum dos dois a menos que você me fale o que é. Agora tô curioso!

- Eu nunca tinha beijado a Gina assim... – Rony fez uma cara incomodada, mas já que tinha começado, Harry continuou. – Mas eu hoje eu fiz.

Rony bufou, mas logo se recompôs.

- Tá, e daí?

- E daí que ela ficou estranha por causa disso!

Rony agora fez uma expressão no mínimo intimidadora. Harry estava certo, o ciúme de irmão dele aflorara.

- O que você fez, Harry? Porque se você...

- Calma, Rony, eu não fiz nada de mais! – Rony fez uma expressão descrente. – É sério, pode perguntar para a Gina! Eu só a beijei, isso é alguma coisa errada?

- Nada mais?

- Nada mais.

- Vou te dar um voto de confiança só porque você é meu amigo e eu te conheço há muito tempo. – Harry suspirou aliviado. Não queria mesmo se desentender com Rony bem agora. Já não estava entendendo Gina, que parecia chateada com ele, e depois do encontro com aquela mulher misteriosa, Sirius estava um pouco mal humorado também.

- Obrigado. – Harry disse.

- Tá. – Rony parecia voltar ao seu normal.

- O que eu fiz de errado, Rony?

O amigo coçou a cabeça.

- Ah, sei lá, Harry! Vai ver você não sabe beijar assim...

- Rony! – exclamou irritado e um pouco envergonhado. Porém, no fundo, no fundo, não sabia mesmo. Mas não queria que Rony achasse isso.

- Vai dizer que você sabe?

- Pula isso.

- Bem... Se você diz que sabe e também não passou dos limites...

- Já falei que não fiz nada de mais.

- Tá. Vai ver que é coisa de garota...

- Coisa de garota?

- Sei lá... Às vezes, a Mione também fica esquisita... Vai ver que a Gina tá assim... – ele voltou a colocar os garfos.

- É isso que você me diz? Você acha que é isso mesmo?

- Deve ser. Garotas são complicadas mesmo.

- Talvez você tenha razão. – Harry colocou as últimas facas na mesa. Rony terminou com sua tarefa também e olhou para Harry com uma expressão cômica.

- Mas que ela tava com ciúmes de você, tava...

Harry riu.

- Ciúmes? Por causa daquela mulher?

- Nem adianta negar. Pra Gina te arrastar daquele jeito, era porque tava com ciúmes... Eu conheço minha irmã.

- Quer dizer que ela é mesmo ciumenta?

- E muito! – Rony afirmou categoricamente. – E possessiva também. – Harry levantou as sobrancelhas. Rony riu.

- Calma, eu tava só brincando com você. – e completou. – Mas eu não tava brincando quanto a ela ser ciumenta, por isso... se cuida!

- Vou me lembrar disso.

- Mas agora é sério. Que mulher será que era aquela?

Rony tocou num ponto que Harry também estava intrigado.

- Não faço a mínima idéia... Mas queria saber também.

- E por que será que o Sirius a odeia tanto?

- E ela ele. Recíproco.

- É. Mas por que será?

- Também fiquei curioso... Além disso, ela falou alguma coisa sobre ele e meu pai que Sirius não queria que eu soubesse...

- Eu também reparei isso. Você vai falar com ele?

- Não sei... – Harry pensou por alguns instantes. – Eu quero, mas não surgiu nenhuma oportunidade... E depois... o Sirius ficou super nervoso, não sei se é a melhor hora...

- Talvez seja melhor você ir com calma...

Harry olhou intrigado para o amigo. Rony dizendo para ele ir "com calma"? O amigo reparou e completou:

- É claro que se fosse comigo, já tinha cobrado satisfações!

- Tá bom... – Harry parou por alguns instantes e lembrou de uma coisa. Será que deveria contar para o Rony? Bem, era melhor do que ficar encucando com isso o dia todo, talvez ele pudesse lhe dar uma idéia.

- Rony. Vou te contar uma coisa, mas não quero que saia daqui.

- Tudo bem.

- Aquela mulher não tava só estranha naquela hora que encontramos com ela e houve toda aquela discussão...

- Como assim?

- Durante o primeiro recesso do julgamento, eu a vi e... ela ficou me encarando...

- Estranho.

- O que você acha que pode ser?

- Sei lá!

- Puxa, assim você me ajuda bastante, Rony...

- Tá me achando com cara de adivinho? Eu não faço a mínima idéia e pronto! – Rony esbugalhou os olhos e completou. – Mas que aquela mulher é muito linda, isso é!

Harry riu.

- Deixa a Mione ouvir isso...

- A Mione não tá aqui, e você não vai contar. Além disso, olhar não arranca pedaço. Vai dizer que não notou, Harry? Você não é nenhum santo!

- Tá, é claro que eu notei.

- Em todo caso, talvez nós nunca a vejamos mais mesmo.

- Se depender do Sirius... não mesmo. – "Mas eu ainda vou descobri o porquê...", Harry disse a si mesmo.

O jantar foi bem divertido e saboroso. Dumbledore e o Sr. Weasley chegaram logo depois e todos puderam comer. A Sra. Weasley preparara uma refeição bastante caprichada: havia saladas, tortas salgadas e doces, um suflê muito bonito de frango, além de outras guloseimas. Fazia muito tempo que Harry não comia uma comida tão gostosa; não que durante sua estada na casa de Remo, a comida não fosse boa, mas a comida da Sra. Weasley era especial; tinha um toque de "comida de mãe".

Gina sentou do lado de Hermione, do outro lado da mesa, enquanto que Harry ficou perto de Rony, Sirius e Remo. A garota parecia um pouco esquiva, e cochichava muito com Hermione. Rony também não gostou muito de Hermione sentar longe dele, mas depois acabou esquecendo.

Sirius já estava totalmente recuperado do encontro com aquela mulher mais cedo. Estava muito alegre, comemorando a liberdade. Remo também estava muito feliz, o que era meio difícil de acontecer, e os dois pareciam adolescentes participando de uma festa escolar.

O Sr. Weasley comprou algumas garrafas de vinho, e quando fez o brinde, depois de dedicá-lo à liberdade de Sirius, explicou que foram comprados com o novo salário dele, de Ministro da Magia. Os olhos da Sra. Weasley brilharam de orgulho. Os gêmeos, Fred e Jorge, soltaram alguns fogos criados por eles mesmos, que eram vendidos na loja de logros, e possuíam todas as cores, além de soltarem fragmentos de músicas quando eram soltos. Mas não deixaram de aprontar as suas, quando colocaram "Essência Incha-Língua", uma variação do Caramelo Incha-Língua, no suflê de Percy, fazendo com que a língua dele inchasse e tomasse o tamanho de uns dois metros. Até a Sra. Weasley riu.

Dumbledore parecia muito diferente do que de costume. Na verdade, parecia ter voltado a ser aquele velhinho maluco de antigamente; sem preocupações. Ele ficou realmente muito engraçado quando tomou alguns cálices de vinho a mais, e suas bochechas ficaram rosadas, e mais ainda quando começou a soluçar de vez em quando. Falava quase tantas besteiras quanto Sirius, que já estava completamente bêbado e se abraçava em Remo, que também não estava em melhores condições. O Sr. Weasley também estava bastante alegrinho e até mesmo Rony estava um pouco vermelho.

- Vamos... – Sirius levantou e começou a falar, um pouco tonto, e se apoiando nos ombros de Harry. – Vamos ver como é que o filho de Tiago Potter bebe...

- Eu já tomei dois cálices, Sirius, não quero mais... – Harry respondeu, enquanto o padrinho enchia seu cálice.

- Ora... hic... Harry... hic... – Dumbledore falava arrastado e soluçando. Estava muito engraçado. – Não... hic... vai... hic... fazer... hic... mal algum...

- Vocês já beberam demais, isso sim! – a Sra. Weasley repreendeu.

- Ah, meu benzinho... – o Sr. Weasley deu um beijo carinhoso na bochecha da esposa. – Hoje é dia de festa... Faz tanto tempo que não temos uma... Vamos aproveitar...

- Isso! – Sirius exclamou. – Então beba, Harry!

O rapaz não teve outra escolha senão fazê-lo. Gina e Hermione olhavam para ele com censura. Rony aproveitou e tomou alguns cálices a mais também. Sirius enchia o cálice do afilhado de dois em dois minutos e, no final das contas, Harry nem lembrava direito o que estava fazendo e nem ligava mais. Aquele fora seu primeiro porre...

- Ah...

Harry abriu os olhos lentamente. Sua cabeça estava doendo, estourando... Virou de um lado para outro na cama, mas não conseguiu pegar no sono de novo. Sentou e olhou para o lado. Apertou os olhos para ver melhor. Rony estava dormindo a sono solto na sua cama. Harry, tentando não fazer barulho, pegou seus óculos na mesa de cabeceira e colocou-os. Mas não adiantou muita coisa. Estava tão tonto que nem os óculos ajudavam a ver melhor.

Sentou na beirada da cama e respirou fundo. A cabeça doía muito. Não era dor na cicatriz, era dor de cabeça mesmo. Melhor assim.

Levantou e sentiu o mundo rodar ao seu redor. Apoiou-se no dossel da cama para não tombar. Talvez tivesse mesmo tomado alguns cálices de vinho a mais no dia anterior... Mas não lembrava direito do que tinha acontecido, de qualquer maneira. A última coisa que lembrava era de Rony comentando com ele que estava muito engraçado, ou alguma coisa do tipo...

Começou a andar pelo quarto sem fazer barulho. Vagamente, notou que era o quarto de Rony, cheio de pôsteres do Chudley Cannons, o time de quadribol favorito do amigo. Pela janela fechada, entravam alguns poucos raios de luz matinais. Andou pelo quarto até alcançar a porta e sair. Desceu as escadas tomando cuidado para não tropeçar nos degraus e segurando a cabeça dolorida. Tomar um copo d'água lhe parecia uma boa idéia, por isso seguiu para a cozinha.

No meio do caminho, mais precisamente na sala, encontrou uma cena muito engraçada. Tinham sido montados alguns colchonetes no tapete e, deitados neles, estavam nada mais, nada menos que Sirius, Remo e, por incrível que parecesse, Alvo Dumbledore. Realmente aquilo seria uma coisa para contar aos seus netos, Harry pensou; o diretor respeitado de Hogwarts deitado no chão da sala depois de uma bebedeira.

Lentamente, suas pernas o levaram até a cozinha. Viu que havia duas pessoas ali. O Sr. Weasley apoiava sua cabeça numa mão, enquanto com a outra bebericava uma xícara de café. O Profeta Diário estava sobre a mesa, e ele o lia muito concentrado. A Sra. Weasley estava preparando algumas coisas no fogão, fazendo floreios com a varinha, enquanto muitas coisas voavam pela cozinha.

- Com licença... – Harry disse um pouco envergonhado. – Bom dia...

O Sr. Weasley levantou os olhos do jornal enquanto a Sra. Weasley se virava. Os dois se entreolharam, sorriram e cumprimentaram o rapaz também.

- Você está com uma cara ótima... – o Sr. Weasley disse sarcasticamente e entre risos, enquanto indicava a cadeira à sua frente para que Harry sentasse. Ele assim o fez, grato de não precisar mais ficar em pé.

- Minha cabeça tá doendo... – reclamou.

- É isso que acontece quando se toma um porre como o que você tomou, querido. – a Sra. Weasley explicou, dividida entre a censura e o riso. Ela virou uma xícara e a encheu até a boca de café. Depois colocou-a na frente de Harry. – Tome, querido, vai te fazer bem.

O rapaz tomou um gole do café e fez uma careta. Estava sem açúcar. O Sr. Weasley reparou e deu uma risadinha baixa.

- Nem me peça para colocar açúcar! – a Sra. Weasley parecia adivinhar os pensamentos do rapaz. – Tem que ser assim. – ela encheu uma xícara para ela e dessa vez colocou açúcar. Depois se sentou.

Harry, enquanto isso, tentava tomar, sem fazer careta, o café. O Sr. Weasley ria. A Sra. Weasley questionou exatamente o que Harry estava pensando.

- Do que você tá rindo, Arthur?

O bruxo olhou para o rapaz à sua frente e deu outra risadinha. A Sra. Weasley pareceu entender.

- Você ficou realmente engraçado ontem, Harry... – ele comentou.

Harry ficou intrigado... e envergonhado.

- Por quê?

- Você sempre é tão tímido, mas... ficou diferente... digamos, quando estava... alto...

- O que eu fiz? – o rapaz perguntou se sentindo ridículo.

A Sra. Weasley riu um pouco alto demais e depois tapou a boca. Controlando-se para não rir mais, ela contou:

- Você e seu padrinho cantaram uma música muito engraçada juntos...

- O quê? – Harry sentiu suas bochechas corarem. – Mas eu não lembro...

- É claro que você não lembra, estava de porre. – o Sr. Weasley explicou.

- Eu não acredito que fiz isso... – o rapaz se encolheu na cadeira.

- Ora, não se preocupe, querido... – a Sra. Weasley ainda tentava controlar a risada. – Rony também estava bastante cômico, e Dumbledore... nem se fala... Por falar nisso, nenhum deles ainda acordou?

- O Rony não. – Harry respondeu, bebendo mais um gole do café amargo. – E quando eu passei na sala, vi Sirius, Remo e o professor Dumbledore dormindo.

- Realmente é pra ficar na história... – o Sr. Weasley comentou. – Alvo Dumbledore deitado no tapete da minha sala, bêbado...

Nesse instante, ouviram passos, e quando olharam para a porta, o próprio Dumbledore entrava. Estava com olheiras circundando os olhos azuis, e os óculos de meia lua estavam um tanto tortos no rosto. Ele olhou para os presentes na cozinha, e suas bochechas se avermelharam de vergonha.

- Ah... Lamento, Arthur e Molly... Não sei como fui beber tanto... Desculpem-me.

- Não tem do que se desculpar, Dumbledore... – o Sr. Weasley se levantou e conduziu o velhinho até uma cadeira, do lado de Harry.

- Mas eu fui muito imprudente... – ele disse enquanto sentava, parecendo profundamente envergonhado. – Beber desse jeito e ainda depois dormir aqui, atrapalhando vocês...

- Ora, o senhor sabe que adoramos quando a casa está cheia... – a Sra. Weasley disse, servindo uma xícara de café sem açúcar para o diretor também.

O Sr. Weasley voltou a sentar. Dumbledore olhou de esguelha para Harry ao seu lado e sorriu. Harry sentiu-se corar e não agüentou:

- Eu tava tão ridículo assim?

- Ridículo é pouco.

Sirius, autor dessa frase, entrou seguido de Remo. Os dois parecendo um pouco tontos também.

- Você estava muito cômico... – Remo riu.

Os dois se sentaram na mesa também e, como de costume, foram servidos de café pela Sra. Weasley. Durante o café da manhã, eles tiveram uma conversa agradável relembrando sobre os acontecimentos do dia anterior. Dumbledore contou a história de seu primeiro porre, em sua juventude, tentando animar Harry, que até agora não acreditava que tinha sido tão ridículo a ponto de cantar uma música que nem conhecia abraçado ao padrinho. Para seu alívio, ele não era o único que tinha sido idiota; Rony logo desceu, xingando o mundo por causa da dor de cabeça, e seu pai rapidamente fez questão de relatar-lhe como ele participou da cantoria também.

Percy aparatou na cozinha, já arrumado para ir trabalhar. Fred e Jorge, por incrível que parecesse, também já estavam prontos para ir para a loja, mas não aparataram na cozinha como o irmão mais velho. As meninas foram as últimas a descerem, bocejando muito. Gina parecia mais animada e sorriu para Harry quando o viu; ele só não sabia se ela já estava mais feliz com ele ou se foi a lembrança que ela provavelmente teve do porre do rapaz. Hermione sentou do lado de Rony, tirando muito sarro dele pelo porre.

Quando o Sr. Weasley tinha subido para se trocar, a lareira crepitou, e uma cabeça apareceu flutuando nela. Todos se assustaram um pouco e Harry reconheceu quem era; o rosto cheio de cicatrizes, dando a aparência de que era talhado em madeira, a juba de cabelos grisalhos e o olho azul mágico, que girava em todas as direções: Olho-Tonto Moody.

- Alastor? – Dumbledore perguntou parecendo educadamente intrigado.

- Ah, você está aí, Dumbledore? – ele perguntou com sua voz que parecia um rosnado. Parecia um pouco transtornado quando perguntou, voltando-se para a Sra. Weasley. – Onde está Arthur?

- Foi se trocar para ir trabalhar. Ele já vai descer, por quê?

Moody suspirou.

- Preciso falar com ele. É urgente.

- Espere só um minuto. – a Sra. Weasley saiu da cozinha, e todos puderam ouvir seus gritos ecoando pela casa, quando chamava o marido. Enquanto isso, Dumbledore perguntou, retomando sua postura séria:

- O que aconteceu, Alastor?

- Ah, você nem vai acreditar, Dumbledore... Pettigrew escapou.

- O quê? – Sirius exclamou. – Como?

Nesse instante, o Sr. Weasley entrou afobado na cozinha, seguido da esposa.

- Eu ouvi direito? – ele perguntou.

- Sim, Arthur. – Moody respondeu. – Pettigrew fugiu.

- Mas como?

- Como você mesmo recomendou, deixamos ele por essa noite na mesma prisão subterrânea do Ministério, como estava antes, mas o prédio foi invadido.

- Invadido?

- Por seguidores do Lord das Trevas.

- Como é que é? – Fred deixou escapar.

- Voldemort... – Dumbledore murmurou e a maioria dos presentes se arrepiou, todos exceto Harry, Sirius e Remo. – Era de se esperar...

- Eles prepararam um "resgate" para Pettigrew? – o Sr. Weasley perguntou.

Moody assentiu.

- E não foi só isso. O seu escritório foi revirado, Arthur, e teve muita coisa destruída. E roubada também.

- Mas... deixamos aurores de guarda, não foi? Você estava lá, não é, Olho-Tonto?

- Estava. Mas éramos poucos perto dos Comensais. Além disso, não podíamos utilizar Maldições Imperdoáveis também, o que dificultou o trabalho. – ele disse com irritação. – Tivemos duas baixas no nosso grupo também.

- Quem?

- Stuart e Daniels.

O Sr. Weasley suspirou desanimado.

- Eles eram bons...

- Precisamos de você aqui e agora, Arthur. – Moody disse com urgência na voz.

- Eu estou indo.

Um "puf" foi ouvido, e Moody desapareceu da lareira sem ao menos se despedir. O Sr. Weasley colocou a capa sobre os ombros e, enquanto a esposa a ajeitava e lhe dava a pasta, ele perguntou:

- Você vem também, Dumbledore?

- Não, Arthur. Sinto muito, mas não posso. Tenho que voltar urgentemente para Hogwarts, não posso mais deixá-la sozinha.

- Tem razão. Então eu já vou indo.

- Nós podemos ir com você, Arthur. – Remo disse solícito, referindo-se a ele e Sirius.

- Isso, talvez possamos ajudar em alguma coisa. – Sirius confirmou, claramente irritado com a fuga de Rabicho.

O Sr. Weasley pareceu ponderar.

- Sim, podem vir. – ele disse por fim.

Percy se levantou, pomposo:

- Eu vou com o senhor, papai. Tenho um relatório para entregar ao Sr. Diggory.

Ouviu-se um sonoro "tsk, tsk, tsk" de Jorge.

- Amos Diggory é o novo chefe de Percy. – Rony explicou ao pé do ouvido de Harry.

O Sr. Weasley concordou um pouco indiferente, despediu-se com um "tchau" dos jovens e da esposa, e um aperto de mão em Dumbledore, para depois desaparatar junto com Sirius, Remo e Percy.

- Não posso acreditar... – a Sra. Weasley comentou aflita. – Aquele Pettigrew fugiu... Como isso pôde acontecer, Dumbledore?

- Eu não sei, Molly... – o diretor lamentou, levantando-se a seguir. – Só sei que era de se estranhar que Voldemort estivesse tão quieto...

Novamente, todos, excetuando-se Harry, tremeram à menção do nome.

- Mas... e agora? – ela insistiu.

- Temos de esperar para ver o que aconteceu. A propósito, Molly, peça por mim a Arthur que me envie uma coruja, para me deixar informado, quando ele puder. – ela assentiu. – Eu agradeço. Devia ter pedido isso antes de ele sair, mas esqueci. Gostaria de ter ido junto também, mas realmente tenho que retornar a Hogwarts. Confio em Minerva para cuidar de lá, mas prefiro não estar ausente quando Voldemort resolve atacar.

- O senhor está certo.

- Além disso, logo os alunos retornarão das férias... – ele olhou rapidamente para Harry, Rony, Hermione e Gina. - ...e tudo deve estar pronto.

- O senhor não vai terminar de comer?

- Não, preciso mesmo ir. Agradeço por tudo, Molly, você e Arthur foram muito gentis e hospitaleiros, como sempre. – ele sorriu. – E me desculpem por... bem, vocês sabem. – ele parecia novamente encabulado.

Despediu-se com um aceno de cabeça dos jovens e já ia desaparatar, quando parou, coçou a barba longa e branca, e aproximou-se de Harry:

- Você não teve nenhum sonho esta noite, Harry?

Harry levantou as sobrancelhas.

- Não, professor. Nenhum. Dormi a noite inteira... – ele fora sincero. Dormira como uma pedra.

Dumbledore coçou novamente a barba e disse pensativamente:

- Deve ter sido o porre. – as meninas e os gêmeos abafaram risadinhas. Harry se sentiu muito idiota. Dumbledore olhou profundamente para Harry antes de dizer: - Ou... talvez não...

Todos ficaram em silêncio. Harry ia abrir a boca para perguntar alguma coisa, mas Dumbledore desapareceu. Um clima pesado se estabeleceu na sala. Harry reparou que todos olhavam para ele. De repente, Fred levantou e disse:

- Acho melhor irmos também, maninho.

- É. Temos que abrir a loja.

- Mas vocês vão... mesmo depois de tudo isso? – a Sra. Weasley perguntou preocupada.

- Temos que trabalhar, mamãe! – Jorge disse tentando parecer sério.

- Somos homens de negócios, agora! – Fred completou.

- Bem que a gente podia ir também! – Rony sugeriu. – Assim o Harry conhecia a loja e...

- Não mesmo! – a matrona dos Weasley foi categórica. – Vocês ficam! Não quero mais ninguém fora de casa a não ser que seja estritamente necessário! Já não bastam seu pai e seus irmãos!

Rony fez uma careta. A Sra. Weasley beijou cada um dos filhos e lhes deu várias recomendações antes de, assim como os outros, desaparatarem. Ela suspirou e olhou para os quatro garotos que restaram.

- Vamos, saiam! – disse com a voz mais aguda que o normal. – Eu preciso arrumar a cozinha! – e desabou na cadeira, desanimada.

Os quatro se entreolharam, e foi Gina que falou primeiro, chegando-se à mãe e abraçando-a.

- Não fica assim, mãe. Eles vão ficar bem... Todos eles.

- Ah... filha... assim espero... – ela olhou para o relógio que mostrava onde todos os Weasley se encontravam. Os ponteiros do Sr. Weasley e Percy indicavam "trabalho", assim como os de Gui e Carlinhos, os irmãos mais velhos de Rony, que trabalhavam e moravam em outros países. Fred e Jorge indicavam "viagem", e depois também passaram para "trabalho". Rony, Gina e Sra. Weasley indicavam "casa".

- Mas vão se divertir! – ela parecia ter saído de um transe. – Aproveitem os últimos dias de férias! Só não quero que vão muito longe, senão fico preocupada.

- Pode deixar, mãe. – Rony a acalmou, e os quatro saíram para o jardim.

Quando já tinham deixado a casa, Rony e Hermione se abraçaram carinhosamente. Harry olhou para Gina, e ela sorriu. Ele segurou a mão dela. Não ousou fazer mais depois do que acontecera na noite anterior. Os amigos olharam para os dois e depois se entreolharam. Sorriram e inventaram que precisavam fazer algo. Logo, deixaram Harry e Gina sozinhos.

Harry levou a garota para debaixo da sombra de uma árvore, e os dois sentaram na grama. O rapaz ficou olhando para ela por alguns instantes, observando como ela ficava bonita sendo iluminada pelos raios de sol que penetravam pela copa da árvore. Ela notou e sorriu. Depois disse, como se tentasse quebrar o clima que estava se formando:

- Você acha que eles vão ficar bem? Quer dizer, depois desse ataque... dele...

Harry se aproximou um pouco mais, devagar, e colocou para trás da orelha dela alguns fios de cabelo que lhe caíam no rosto. Ela inclinou a cabeça para o lado onde estava a mão dele, tocando-a.

- Vai ficar tudo bem. Vol..., quer dizer, ele já conseguiu o que queria e provavelmente não vai tentar nada... pelo menos por agora.

- Você acha? Quero dizer... você sabe... Não é?

Harry ficou sério e tirou a sua mão de perto da cabeça dela.

- Está falando dos meus sonhos?

- Desculpe falar sobre isso, mas... é que eu fico preocupada também...

- Eu entendo. Mas eu não sei direito, Gina... Às vezes eu sei, outras não. Eu não sabia de ontem...

Gina riu, quebrando o gelo.

- "Deve ter sido o porre".

- Ah, não! – Harry lamentou-se. – De novo, não! Eu fui tão ridículo assim?

- Não... mas tava engraçado...

Ele suspirou.

- Não fica assim... – ela passou a mão delicada no rosto dele. – Me desculpe por ontem...

Harry se surpreendeu, mas logo se recompôs.

- Não precisa. Eu é que...

- Não! Você não me deve desculpas, eu é que fui uma tola... Você deve tá me achando uma idiota...

- Claro que não, Gina! Eu nunca acharia isso de você... Eu só... fiquei... preocupado... Achei que tivesse te magoado...

- Você não fez nada de errado, Harry. Eu é que sou uma boba...

Ele ia protestar, mas ela o calou colocando o dedo indicador sobre os lábios dele.

- Eu prometo nunca mais te chatear assim, Harry...

Ela sorriu, e ele também. Ela se aproximou mais dele e, dessa vez, a iniciativa foi dela. Primeiro os lábios se juntaram meigamente, mas depois mais ardentemente. Ela colocou os braços por cima dos ombros dele, mas ele não se atreveu a abraçá-la novamente pela cintura, preferindo deixar as mãos apoiadas na grama. Ela soltou uma das mãos do abraço e forçou-o a colocar a mão dele na cintura dela, como se adivinhasse o que ele estava pensando. Ele preferiu subir a mão e colocá-la no meio dos cabelos macios dela, bagunçando-os. Ele mesmo interrompeu o beijo e ficou olhando para ela, um com a testa apoiada no outro. Ela sorriu e o abraçou e, dessa vez, ele se sentiu feliz e completo, não mais sem saber o que fazer. Algo muito gostoso e quente corria dentro de si. Sorriu. Tinha tudo o que queria agora. E não importava Voldemort lá fora... Nem nada mais...

Naquele dia, o Sr. Weasley voltou muito tarde do trabalho. Tanto os gêmeos, quanto Percy, já tinham voltado do serviço. Sirius e Remo não voltaram com ele. O Sr. Weasley explicou a Harry que eles preferiram ficar no apartamento de Remo, mas que mandaram lembranças ao rapaz. Porém, no dia do embarque a Hogwarts, Sirius prometera que iria se despedir de Harry e levar junto os pertences do rapaz que ainda estavam no apartamento de Remo.

Entrementes, Pedro Pettigrew tinha sido mesmo "resgatado" pelos Comensais da Morte. Na noite posterior ao julgamento, o Ministério fora invadido e, segundo o que o Sr. Weasley contara, muita coisa foi destruída e roubada no prédio, e principalmente na sua sala. Parecia que o "resgate" de Rabicho tinha sido apenas um dos motivos para a invasão.

Por outro lado, o último dia de férias foi bastante alegre. Fred e Jorge voltaram mais cedo da loja e, por isso, jogaram quadribol junto com os outros. Jogaram três de cada lado: Harry, Gina e Jorge versus Rony, Hermione e Fred. Harry e Rony jogaram de apanhadores e goleiros ao mesmo tempo, mesmo que o primeiro não fosse muito habilidoso como goleiro e o segundo tampouco como apanhador. Fred e Jorge eram batedores, e Hermione e Gina, artilheiras. O time de Harry ganhou, muito por causa dos gols de Gina, que conseguia enganar Rony muito bem, mesmo ele sendo bom no que fazia.

Porém, as férias terminaram, e o dia de embarque finalmente chegara. Como sempre, foi aquela confusão costumeira na casa dos Weasley, um pouco menos confusa pelo fato de Fred e Jorge não irem mais para Hogwarts, mas ainda assim, uma bagunça geral. Gente subindo e descendo as escadas, corujas piando, gatos miando, o vampiro do sótão fazendo barulho... Harry era o único que não tinha muito o que fazer, já que suas coisas ainda estavam no apartamento de Remo e seriam levadas por Sirius na hora do embarque, então o rapaz estava ajudando Rony a arrumar seus pertences. Porém, logo lhe foi designada uma tarefa bastante difícil por Hermione: segundo ela, Spi, o pequeno Splooty que ela tinha ganhado de Hagrid, um bichinho que mais parecia ser uma bola de pêlos e achava qualquer coisa que se quisesse, não parava quieto e não a deixava arrumar suas coisas. Então, Harry teve que cuidar do bichinho, o que era um pouco complicado, porque ele vivia pulando de seu colo e saía correndo e saltitando à procura da dona.

No final das contas, tudo deu certo, e eles conseguiram sair. O Sr. Weasley tinha ido trabalhar, mas mesmo assim, deixara um carro bastante espaçoso do Ministério para que seguissem para a Plataforma 9 e ½. Percy preferiu ficar em casa, alegando ter trabalho extra. Os gêmeos quiseram ir junto.

Na estação King's Cross, eles procuraram apressados pelas plataformas 9 e 10, tentando não chamar atenção dos trouxas. De dois em dois, cruzaram a barreira mágica entre as duas plataformas. E do outro lado estava o Expresso de Hogwarts, soltando fumaça atrás de si. Milhares de alunos barulhentos se despediam dos pais e familiares. Harry viu Neville Longbottom ao longe, levando uma bronca da avó; provavelmente por ter esquecido alguma coisa. Simas Finnigan e Dino Thomas estavam conversando e acenaram quando os viram chegar. Mas quem Harry mais gostou de ver mesmo foi Sirius. Ele estava parado perto de uma das portas do Expresso, junto com as coisas do afilhado, e um sorriso bobo no rosto por estar no meio das pessoas, e todas elas ficarem lhe olhando admiradas.

- Harry! – ele gritou quando viu o rapaz chegando com os outros. Todos se aproximaram do bruxo. Nesses dois dias, Sirius tinha aproveitado para cortar melhor o cabelo e comprar roupas novas e decentes. Algumas garotas o olhavam com admiração.

- Vocês demoraram! – ele exclamou quando se aproximaram.

- Nos atrasamos. – a Sra. Weasley explicou, olhando ameaçadoramente para os gêmeos. – Fred e Jorge resolveram soltar uma bomba de bosta no quintal!

Sirius riu.

- Mas mãe! Nós tínhamos inventado aquela bomba com cheiro de frutas ontem! – Fred protestou.

- Precisávamos testá-la! – Jorge continuou.

- Mas não precisava ser hoje! – ela recriminou.

Enquanto isso, Harry se abaixou para acariciar Edwiges, que estava empoleirada na sua gaiola.

- Oi, Edwiges!

- Como ela é temperamental, Harry! – Sirius reclamou. – Ficava me bicando porque eu não deixava ela voar atrás de você. Eu achei melhor que ela não fosse te procurar, mas ela não queria entender!

- Bem, pelo menos ela não fica fazendo isso. – Rony disse, mostrando para Sirius a gaiola de Pichitinho. A corujinha voava de um lado para outro, batendo nas grades.

Sirius riu novamente.

- Mas ele é uma boa coruja de entregas, que eu saiba. Pelo menos, quando me levava cartas, não errava de endereço.

- Isso é verdade. – Rony admitiu olhando para a sua coruja, que piava feito louca.

- Não liga pra ele, Sirius. – Hermione disse. – Rony reclama demais.

- Também não é assim!

O apito tocou, chamando os alunos para o embarque. A Sra. Weasley foi se despedir dos dois filhos, dando-lhes inúmeras recomendações e deixando Harry e Sirius a sós. O rapaz, então, aproveitou a oportunidade:

- Sirius, eu precisava te perguntar uma coisa.

O padrinho fez uma expressão desconfiada e respondeu:

- Acho que agora não vai dar, Harry. Você logo vai embarcar e...

- Não, dá tempo se você não me enrolar. – Sirius revirou os olhos. – Eu preciso saber, Sirius... Do que aquela mulher que encontramos no Ministério estava falando? O que ela sabe sobre você e... sobre meu pai?

Sirius fechou a cara.

- Eu não quero ser grosso, mas isso não é da sua conta.

- Nem vem, se ela queria falar é porque me diz respeito!

- E você prefere acreditar naquela cobra a acreditar em mim, que sou seu padrinho?

Harry se sentiu muito envergonhado e não disse mais nada. Sirius recomeçou a falar num tom menos duro.

- Olha, Harry... Não quero que você fique chateado, mas... – ele bufou. – Eu sei que deve ter muitas coisas que você quer saber, mas também tem coisas que simplesmente você não pode! Isso é um assunto muito pessoal, meu, e eu não quero falar sobre isso. Sinto muito, mas é assim. Ela só falou aquilo porque queria me provocar. Nada mais que isso.

- Desculpe. – Harry murmurou se sentindo muito mal de ter chateado o padrinho.

Sirius fez uma expressão de desânimo e bagunçou o cabelo do afilhado.

- Não quero que você fique chateado. Você não tem culpa, e eu não estou bravo com você. Não tem do quê pedir desculpas.

O rapaz não disse nada.

- Harry? – o padrinho insistiu.

- Tá... – ele olhou para o padrinho. – Tudo bem...

- Eu não quero que você vá embora, e a gente esteja brigado...

- Tudo bem, Sirius. – Harry sorriu, e o padrinho o acompanhou.

Eles se abraçaram, e o padrinho bagunçou ainda mais o cabelo do afilhado, para, a seguir, tomar uma postura bastante paternal quando recomendou:

- E vê se você se cuida! Não quero te ver metido em encrencas!

Harry riu.

- Já falei um milhão de vezes que não me meto em encrencas! Elas vêm até mim!

- Tá bom... – o outro disse descrente, para depois completar, em um tom que parecia confidencial: - Harry... Não fica dando trela para "certas pessoas" que você vai encontrar em Hogwarts esse ano.

Harry ia perguntar o porquê, mas não conseguiu porque a Sra. Weasley logo veio se despedir dele, dando-lhe um abraço muito apertado e também muitas recomendações, como fez aos filhos e à Hermione. Logo, os quatro embarcaram com as coisas e todos os animais no Expresso, o que foi o mais difícil, porque Pichitinho não parava de piar, e Spi de pular, Bichento não queria ficar no cesto e Edwiges piava indignada com o alvoroço. Depois, ficaram acenando quando o trem começou a andar, e assim que ele fez uma curva, Sirius, a Sra. Weasley e os gêmeos desapareceram.

Harry, Rony, Hermione e Gina pegaram uma cabine vazia no final do trem e ficaram conversando sozinhos por um bom tempo. Porém, logo, várias pessoas entraram e ficaram lhes acompanhando durante a viagem, e a cabine encheu. Entraram Neville Longbottom, Simas Finnigan e Dino Thomas, seguidos depois de Colin Creevey (que insistiu em tirar uma foto de Harry, e o rapaz deixou, mas de todos juntos) e uma garota do quinto ano, baixinha e de cabelos castanhos que batiam no ombro, que Gina apresentou como sendo uma amiga sua. O chato era que a garota fazia milhares de perguntas para todo mundo. Gina contou a Harry que ela era um pouquinho... fofoqueira.

- Ai! Tô com fome! – Rony reclamou no meio de uma inflamada conversa sobre o campeonato de quadribol.

- Credo, Rony, você só pensa em comer? – Hermione censurou, mas logo foi traída, porque seu estômago roncou na mesma hora. Ela ficou muito vermelha e mais ainda quando Rony, rindo, beijou-a rapidamente na frente de todos.

- A moça do carrinho de doces ainda não passou... Já não era sem tempo... – Dino comentou.

- Da última vez que eu a vi, ela estava lá nos primeiros vagões. – a garota meio fofoqueira, que se chamava Peta Spencer, disse.

- Puxa, mas o Rony tem razão... Eu tô com fome também. – Neville comentou.

- Eu vou ver onde ela tá e falo pra ela vir aqui. – Harry disse se levantando. – Alguém quer que eu traga alguma coisa?

Todos concordaram que era melhor esperar quando a moça viesse depois de Harry chamá-la, já que os pedidos eram muitos. Então, Harry saiu da cabine, procurando pela moça.

Os corredores estavam muito cheios, e vários alunos andavam de um lado para outro, falando alto e rindo. Alguns até discutiam, como um grupo de garotos grifinórios e sonserinos do terceiro ano. Quem estava no lugar para acabar com a briga era a bela monitora da Corvinal, do sétimo ano, Cho Chang, pela qual Harry chegara certa vez a sentir uma "quedinha". Ele a cumprimentou com um aceno de mão, mas ela estava muito ocupada com os alunos briguentos, e a única coisa que pôde fazer foi lançar-lhe um sorriso.

Durante o caminho, Harry cumprimentou outros alunos que conhecia, até chegar onde estava a bendita moça do carrinho de doces. Ela estava ainda nos vagões da frente, saindo de uma das cabines. Quando chegou perto dela, Harry aproveitou para, além de pedir que ela fosse para a sua cabine, comprar um pacote de caramelos e um de Feijõezinhos de Todos os Sabores.

Quando estava voltando, mordiscando os caramelos e ainda surpreso que não tivesse encontrado com nenhum sonserino desagradável no caminho, como por exemplo Draco Malfoy, Harry esbarrou em uma garota que saía de uma das cabines sem olhar por onde andava. Os dois caíram no chão, e alguns caramelos de Harry se espalharam.

- Não olha por onde anda?

Harry lembrou vagamente desse tom de voz arrogante. Quando olhou para quem era, viu que a garota era aquela mesma que encontrara na Floreios & Borrões e lembrou que também tinha esbarrado da outra vez nela. Mas não gostou nada do tom que ela utilizara, ainda mais porque ela é que fora descuidada. Além disso, agora que sabia que ela era prima de Draco Malfoy, não via problema algum em retrucar.

- Você é que não tava olhando por onde andava, garota!

- Eu?

- Você mesma! Você que é descuidada e depois fica colocando a culpa nos outros. – Harry disse um pouco irritado, recolhendo os o pacote de feijõezinhos e o de caramelos, avaliando o estrago.

- Descuidada? Como você ousa? – ela perguntou numa voz aguda, levantando-se e colocando as mãos na cintura. Harry reparou que ela ainda usava uma luva preta na mão direita, como da outra vez.

Harry se levantou também e a encarou.

- Sim, descuidada!

- O que é que foi, Kathy? – uma voz arrastada perguntou abrindo a porta da cabine. Draco Malfoy.

- Nada, Draco. E não me chame de "Kathy".

- É você, Potter? – ele perguntou com os olhos estreitos. – Você está incomodando minha prima?

Harry bufou e revirou os olhos.

- Não tenho culpa se ela é uma descuidada. – e deu as costas para os dois, saindo andando.

- Volta aqui, Potter! – ainda ouviu a voz de Malfoy.

- Não tenho nada pra falar com você, Malfoy. – Harry respondeu sem ao menos olhar para trás.

- Furnunculus!

Harry ouviu a voz de Malfoy exclamar e rapidamente se encostou na parede, os pacotes de doces caindo novamente no chão, mas evitando o feitiço por um triz, que acertou em um garoto do segundo ano que estava andando na direção deles. Rapidamente brotaram furúnculos do nariz dele, e ele gritou de dor.

Harry olhou para Malfoy e viu que fora ele mesmo que conjurara o feitiço, pois estava com a varinha apontada. De imediato, Harry procurou a varinha nas vestes, mas não foi tão rápido quanto Cho Chang, que vinha naquela direção e gritou, assim que viu a confusão:

- Expelliarmus!

A varinha de Malfoy voou da mão dele e foi parar na dela. Ela olhou com censura para o rapaz e depois para Harry.

- Já não basta ter que apartar briga de crianças do terceiro ano, tenho que fazer isso também com garotos do sexto? Harry! Até você?

Harry ficou bastante irritado e cruzou os braços.

- Não fui eu quem sacou a varinha, Cho! – e indicou a varinha de Malfoy.

- Isso vai ser relatado ao diretor da sua casa, Sr. Malfoy! – ela informou ao sonserino, que bufou.

Harry se abaixou para recolher os pacotes de doces e foi embora, enquanto Cho cuidava do garoto com furúnculos. Ainda ouviu a última frase de Malfoy, dizendo:

- Da próxima vez eu não vou errar, Potter! E não serão apenas furúnculos!

Harry se virou e encarou Malfoy nos olhos. Eles faiscavam. A prima dele estava encostada na parede, revirando os olhos, como se não acreditasse no que estava acontecendo. Harry estava pronto para dizer mais alguma coisa, porém, Cho disse:

- É melhor você ir, Harry. – e sussurrando, ela completou. – Não ligue.

O rapaz suspirou e girou nos calcanhares. Irritado, caminhou batendo os pés até chegar na última cabine. Abriu-a estrondosamente e viu quando todos os que estavam ali o olharam com curiosidade.

- Pega! – Harry disse jogando o pacote de feijõezinhos para Rony, que o agarrou assustado. – Eu trouxe para ir enganando o estômago de vocês enquanto a moça do carrinho não chega. – e sentou do lado de Gina, jogando-se no assento e dando o pacote de caramelos para ela, que o olhou com uma expressão um pouco preocupada.

- Que bicho te mordeu? – Simas perguntou.

- Nenhum.

- Pára com isso, Harry! – Hermione censurou. – É óbvio que aconteceu alguma coisa, dá pra notar.

Harry olhou para a amiga e disse apenas uma palavra:

- Malfoy.

- Ah, não liga pra ele! – Gina recomendou. – Ele não presta.

- Ele e aquela "priminha" dele... – Harry bufou. – Dupla de desagradáveis...

- Aquela que a gente encontrou na Floreios & Borrões? – Rony perguntou, abrindo o pacote de feijõezinhos.

- Ela mesma.

- Ah, agora você viu como aquela Willians é irritante. – Hermione comentou.

- Willians? – Simas perguntou. – Katherine Willians?

- É ela sim. – Gina confirmou.

- Vocês sabem da última? – aquela menina, Peta, perguntou com os olhos brilhando.

- E qual é? – Colin perguntou com uma risada. – Qual é a última fofoca fresquinha de Peta Spencer?

- Não é fofoca! – ela retrucou com toda a dignidade que conseguiu reunir.

- Fala logo, Peta! – Gina pediu.

- Tá, aí vai! – ela disse como se fosse soltar uma bomba. Hermione revirou os olhos. – Dizem as más línguas que essa Willians e Malfoy estão namorando, ou ficando, sei lá...

- Mas ele não tava com a Pansy Parkinson? – Dino perguntou.

- Estava. – ela afirmou. – Não está mais. Parece que deu um grande chute nela.

- Também, com aquela cara de buldogue que ela tem... – Hermione riu.

- E o que isso importa? – Rony perguntou. – Só mostra que há mais garotas loucas no mundo pra ficarem com o Malfoy.

- Mas... tirando ele ser um sonserino... até que não é de se jogar fora...

- Peta! – Colin censurou. Todos olharam para a garota como se ela fosse de outro mundo.

- Eu, hein? Não falei nada de mais... – e foi embora, batendo os pés. Colin foi atrás dela.

O restante do pessoal ainda ficou esperando pelo carrinho de doces, que chegou logo depois. Todos ficaram conversando e, só quando estavam quase chegando em Hogwarts, Neville, Simas e Dino foram embora da cabine. Estava uma noite nublada quando Harry, Rony, Hermione e Gina desceram do trem e pegaram uma carruagem, depois de cumprimentarem Hagrid por cima das cabeças dos alunos do primeiro ano, que atravessariam o lago. Na carruagem, puderam ver novamente o esplendor do castelo visto de fora, com todas as suas torres e torrinhas iluminadas.

Assim que atravessaram as portas de carvalho e chegaram ao saguão de entrada, notaram que havia um pequeno tumulto. Pirraça, o poltergeist, estava jogando terra molhada na cabeça dos alunos. Harry teve que se desviar quando o fantasma jogou um punhado bem grande bem na sua direção.

- Pirraça! – Hermione exclamou, tomando sua posição de monitora. – Pare com isso já ou eu vou chamar a professora McGonagall!

Como resposta, veio uma rajada de terra na direção de Hermione, que só não a acertou porque Rony a puxou rapidamente pela mão.

- Nós vamos chamar o Barão Sangrento! – Rony ameaçou.

- Não será preciso. – uma voz disse atrás deles. Era a Profª. McGonagall. – Eu já o chamei, Pirraça, e ele está disposto a vir aqui falar com você.

O poltergeist fez um som de indignação e, antes de ir embora, ainda soltou a terra que tinha nas mãos em cima de um grupo de garotas do quarto ano, que escaparam por pouco. A Profª. McGonagall soltou uma risadinha breve.

- Como é medroso...

- Por quê, professora? – Hermione perguntou.

- Eu ainda nem vi o Barão Sangrento hoje, Hermione.

A garota corou ao ser chamada pelo primeiro nome. Tinha uma profunda admiração pela diretora da Grifinória e professora de Transfiguração.

- A propósito. – a professora disse. – Tenho umas coisas a resolver com a senhorita e com o Sr. Weasley. Assuntos da monitoria. – ela olhou para Harry e Gina. – Os senhores podem ir para o salão principal.

Harry e Gina não tiveram outra escolha e seguiram para o local indicado. O salão estava muito bonito, decorado com velas flutuantes e o teto refletindo o céu de fora, mesmo que estivesse nublado. Os vários alunos estavam acomodados e todos falando muito alto. Harry e Gina se sentaram quase na ponta da mesa da Grifinória, guardando dois lugares para Rony e Hermione.

Assim que se sentou, Harry começou a olhar ao seu redor, como sempre fazia todos os anos. Na mesa da Grifinória, pôde ver os amigos com quem já tinha conversado no trem. Foi nessa hora que sentiu falta dos gêmeos Weasley e sua contagiante animação. Na mesa da Corvinal, Cho Chang conversava com as amigas e sorriu para Harry. Na da Lufa-lufa, Harry acenou para Ernie McMillan, Justino Finch-Fletchley e Ana Abott. Já na da Sonserina, Harry pôde ver que Draco Malfoy tentava falar alguma coisa para Katherine Willians, sendo observado pelos olhos rancorosos de Pansy Parkinson.

Então, o rapaz transportou seu olhar para a mesa dos professores. Dumbledore estava conversando animadamente com a Profª. Sprout. No cálice do diretor, Harry notou sorrindo, havia água ao invés de vinho. O miudinho Prof. Flitwick tentava dizer alguma coisa ao mais assustador professor de Hogwarts, Severo Snape, mas ele não estava prestando atenção; olhava para um ponto do outro lado da mesa com um olhar de... Harry sabia que olhar era aquele... era o mesmo que o mestre usava quando olhava para ele: desprezo. O rapaz acompanhou a linha de visão do professor e viu... não podia ser! Era aquela mulher, aquela que encontrara no Ministério e que discutira com Sirius! A mulher pareceu notar que Harry a estava olhando, porque virou o rosto e bateu o olhar no rapaz. E, novamente, daquele jeito que o incomodava.

- Boa noite! – Nick Quase Sem Cabeça, o fantasma da Grifinória, que tinha esse apelido devido a ter sido "quase" decapitado, cumprimentou.

- Boa noite, Nick! – Gina respondeu o cumprimento.

- Ah, oi, Nick. – Harry disse, ainda olhando para a mulher, que desviou o olhar. Harry também o fez, mas para perguntar para o fantasma:

- Nick... Você sabe quem é aquela mulher? Na mesa dos professores?

Gina olhou intrigada para o namorado, e depois observou, curiosa, a mulher que Harry indicava com a cabeça. Nick também fez isso e depois questionou:

- A Profª. Stevens? Ela assumiu o cargo de Defesa Contra as Artes das Trevas.

- Professora? – Harry repetiu, entendendo. Então era a esse emprego que Remo se referiu naquele dia...

Nesse instante, Rony e Hermione chegaram, sentaram nos lugares guardados pelos amigos e cumprimentaram Nick.

- O que a Profª. McGonagall queria? – Gina perguntou a eles.

- Nada de mais. – Rony respondeu. – Era só pra dizer a senha do salão comunal e mandar que nós conduzíssemos os alunos do primeiro ano.

- Como "nada de mais", Rony? – Hermione se manifestou. – Isso é muito importante!

Rony fez um gesto impaciente.

- Tô com fome, quando é que vão servir o jantar?

Hermione bateu a mão na testa.

- Ainda tem a seleção, Rony... – Gina falou. – Pode esperar sentado.

- Que foi, Harry? – Hermione perguntou, percebendo que o amigo estava distraído.

- Nada... – ele respondeu, finalmente desviando o olhar da mulher, que agora conversava com Hagrid, que acabara de entrar. – Nada, não.

Pela porta do salão, entraram a Profª. McGonagall, encabeçando uma grande fileira de alunos do primeiro ano, todos nervosos e ansiosos. Ela os conduziu até a frente da mesa dos professores, onde estava um velho chapéu em um banquinho, o Chapéu Seletor. Depois da música que ele cantou, os alunos foram selecionados. Rony reclamava a todo instante que estava demorando muito e que ele estava com fome. Porém, depois que o último aluno foi selecionado, Rony suspirou desanimado quando Dumbledore pediu a atenção dos alunos para falar:

- Bem-vindos, alunos e alunas. Estamos aqui para iniciar mais um ano letivo e, espero que entre alguma coisa nas nossas cabecinhas ocas durante ele. Tenho alguns avisos para fazer: como de costume, a floresta é proibida para todos os alunos; a lista de objetos proibidos está na sala do Sr. Filch... – ele indicou o enojante Argo Filch, que estava acompanhado com sua gata, não menos enojante, Madame Nor-r-ra. – É permitida a visita ao vilarejo de Hogsmeade a todos os alunos que tiverem autorização dos responsáveis, do terceiro ano para cima. E mais uma coisa muito importante: gostaria de apresentar-lhes a professora que lecionará Defesa Contra as Artes das Trevas durante esse ano, a professora Samantha Stevens.

Dumbledore indicou a professora, que se levantou e cumprimentou os alunos com um sorriso enigmático, debaixo de uma salva de palmas dos alunos, na maioria dos garotos. Rony batia palmas com entusiasmo, o que fez Hermione lhe dar um sonoro tapa no braço. Ele parou na mesma hora e mudou de assunto, perguntando baixinho para Harry:

- Mas essa não é aquela mulher que vimos no Ministério? A que discutiu com Sirius? – Harry concordou com um aceno de cabeça.

- Agora... – Dumbledore recomeçou a falar quando as palmas silenciaram. – Que o banquete se inicie...

Imediatamente, as travessas se encheram de comida dos mais variados tipos. Todos se puseram a saborear a deliciosa comida de Hogwarts e a conversar em altas vozes. Rony comia muito rápido.

- Você vai se engasgar! – Hermione disse preocupada.

- É que eu tô com fome! – ele respondeu, ainda mastigando as batatas.

- Não fala de boca cheia!

Enquanto comia, Harry não pôde deixar de notar que, às vezes, a Profª. Stevens ainda o encarava. Ela conversava animadamente com Hagrid, mas às vezes desviava o olhar para Harry e o encarava. O rapaz estava começando a se incomodar.

Ao mesmo tempo, Snape era um que, além da maioria dos garotos, não tirava os olhos da professora. Mas ele não a olhava porque ela era atraente, era por outra coisa...

- Vocês sabem do que estão dizendo por aí? – Peta Spencer, que estava ao lado de Gina, perguntou. Colin, que também estava por perto, suspirou desanimado.

- O que é, Peta? – Gina perguntou com toda a paciência do mundo.

- Tão dizendo que o Snape não gosta da Profª. Stevens.

- Isso não é novidade... – Rony comentou com a boca cheia de suco de abóbora. – Ele odeia tudo quanto é professor de Defesa Contra as Artes das Trevas... Todo mundo sabe disso.

- É, mas tão dizendo que não é só pelo cargo. – a menina continuou. – É pessoal.

Era impressionante como a garota era uma fonte de informações, Harry não deixou de perceber, mas também não pôde admitir que ela talvez estivesse certa. Aquele olhar que Snape dirigia à professora não parecia ser meramente inveja profissional... Era mais que isso... Era mais do que cobiçar o cargo que ela ocupava. O pior era que, às vezes, a professora percebia que Snape a olhava e ainda lhe lançava sorrisinhos irônicos, fazendo Snape bufar de raiva. Parecia que não era somente Sirius que não gostava da mulher...

Quando a maioria dos alunos já estava terminando seus jantares, Hermione e Rony saíram, conduzindo os alunos primeiranistas para a torre da Grifinória. Harry e Gina foram mais tarde, aproveitando o finzinho de noite que ficariam juntos. No dia seguinte começariam as aulas, e eles provavelmente se veriam bem menos, já que eram de anos diferentes.

Durante o caminho, Gina começou a falar, e Harry percebeu que Rony estava certo: a caçula dos Weasley era mesmo muito ciumenta:

- Quer dizer que a professora de Defesa Contra as Artes das Trevas é aquela mulher que vocês encontraram no Ministério?

- É ela mesma.

- E posso saber por que você ficou olhando para ela várias vezes durante o jantar?

Harry riu.

- Porque estava curioso.

- Não era pelo mesmo motivo que todos os outros garotos estavam olhando para ela?

- Não, Gina, não era. – ele respondeu, dando-lhe um selinho.

- Tá... – ela respondeu, rindo.

Quando chegaram ao quadro da Mulher Gorda, Harry admitiu:

- Não sei qual é a senha... Você sabe?

- Unicórnio Prateado. – ela disse, e o quadro girou, mostrando a entrada do salão comunal.

- Como você sabia?

- A Mione me disse. Se você não estivesse tão preocupado em ficar olhando para a professora, saberia também. – ela alfinetou e entrou.

Harry suspirou e seguiu-a. Quando entraram, Rony e Hermione estavam explicando para os alunos novos quais eram os dormitórios femininos e masculinos. Depois da explicação, os primeiranistas começaram a subir.

- Ah, vocês chegaram! – Hermione disse, vendo Harry e Gina.

Gina se aproximou de Hermione e começou a empurrá-la.

- Preciso conversar com você, Mione.

Hermione estava tão confusa quanto Harry e Rony, mas não teve outra escolha senão subir para os dormitórios femininos depois de dizer um "Boa noite, meninos".

- Essas duas andam conversando demais, você não acha? – Rony perguntou a Harry, que apenas deu de ombros.

Os dois amigos, então, começaram a subir as escadas para os dormitórios masculinos e, quando chegaram ao quarto, encontraram Simas, Dino e Neville, de pijamas, discutindo com quem ficariam as camas.

- Eu quero essa! – Simas reclamou, apontando para a cama do lado direito, perto da janela.

- Mas eu quero essa! – Dino insistiu.

- Mas essa cama era minha! – Neville choramingou. – Eu sempre dormi nela!

- Que tá acontecendo? – Rony perguntou ao entrar.

- Estamos decidindo com quem ficam as camas. – Dino explicou.

- Discutindo, você quer dizer... – Simas insinuou.

- Resolve isso, Rony! – Neville pediu. – Afinal, você é o monitor.

Rony olhou para Harry e sorriu marotamente. – Você acha que é abuso de poder fazer o que eu quero fazer?

- Sei lá, Rony. Faz o que você quiser...

- Eu escolho as camas de cada um!

- Não acredito! – Simas suspirou.

- Obrigado, Neville! – Dino disse sarcástico.

Rony riu.

- Tô brincando. Por que cada um não pega a cama que tinha nos outros anos? – e sentou na sua cama de costume, a do lado esquerdo, do lado da de Harry, que dormia na do lado da janela.

Simas, Dino e Neville não disseram mais nada e resolveram se enfiar no meio das cobertas. Harry e Rony, depois de se trocarem, fizeram o mesmo. Antes de dormir, Harry ainda colocou na mesa de cabeceira algumas coisas suas que gostava muito: o retrato seu e de Gina, o de sua mãe quando criança e o globo de vidro que continha Hogwarts dentro, que ganhara da avó. Olhando para o globo, que continha uma neve rala caindo sobre o minúsculo castelo, Harry adormeceu num sono sem sonhos.