Capítulo Sete – Conversas no banheiro

O primeiro dia de aula amanheceu ensolarado e com algumas nuvens esparsas no céu. Os raios de sol penetravam teimosos em cada fresta, em cada janela. E foi um desses raios que acordou Harry de um sonho bom. Sem escolha, o rapaz se levantou e trocou-se, vestindo as roupas negras da escola. Colocou as coisas que precisaria na mochila e desceu, percebendo que muitos alunos já tinham levantado também. Esperou um pouco no salão comunal até que alguém descesse, e a primeira pessoa foi Gina, para sua felicidade. Ela, porém, parecia sonolenta demais para ficar feliz quando viu Harry, que reclamou, e ela alegou que ainda precisava acordar para sentir alguma coisa além de sono.

Os dois desceram, depois de Gina despertar melhor, e foram juntos para o salão principal. Enquanto comiam, o salão começou a se encher com os vários alunos que iam descendo pouco a pouco. Logo, Rony e Hermione desceram também. Enquanto a namorada se sentava na mesa para comer, Rony começou a distribuir os horários.

- Más notícias. – o amigo disse entregando os horários do sexto ano para Harry e Hermione. – As aulas de Snape continuam duplas e pior, com a turma da Sonserina.

- Ah, pois as minhas são com a Corvinal! – Gina falou analisando o seu horário do quinto ano, arrancando olhares invejosos de Harry, Rony e Hermione, que preferiam de longe ter aulas com a Corvinal ao invés da Sonserina.

- Será que isso é exigência do Snape? – Rony perguntou emburrado, sentando-se. – Pra fazer as aulas ficarem piores? Além de ter que agüentá-lo, a gente ainda tem que agüentar os protegidos dele também?

- Pelo menos ainda temos tarde livre depois das aulas dele, na sexta. – Hermione tentou animá-lo.

- Olha, mas parece que Trato de Criaturas Mágicas não será mais com a Sonserina. – Harry comentou olhando seu horário. – Agora é com a Lufa-lufa.

- Pelo menos isso... – Rony suspirou.

Hermione fez uma careta.

- Mas agora tem uma outra aula dupla que também será com a Sonserina...

- E qual é? – Rony perguntou olhando por cima do ombro da namorada e aproveitando para apoiar seu queixo nele.

- Defesa Contra as Artes das Trevas... – ela respondeu com um quê de irritação na voz.

Harry e Rony se entreolharam. Harry achou estranho a amiga estar irritada com alguma coisa no currículo escolar, afinal, para ela estava tudo ótimo contanto que tivesse que enfiar a cara nos livros. Já Rony abriu um sorriso maroto e perguntou com uma voz bastante curiosa e urgente, que não tinha nenhum sinal de aborrecimento:

- E quando vai ser essa aula?

Hermione tirou o horário das vistas do namorado e, com um olhar desconfiado, perguntou:

- Por que você quer tanto saber? Nunca gostou dessa matéria, ainda mais quando a aula é dividida com a Sonserina.

Rony abriu a boca e permaneceu com ela aberta por alguns instantes. Parecia estar procurando por uma resposta convincente. Harry entendeu muito bem a dele; Rony, como todos os garotos da escola, estava interessado em dar uma olhadinha mais de perto na nova professora.

- Ah... Você mesma sempre disse que eu tinha que me interessar mais pelas aulas, Mione...

"Ele obviamente está mentindo." – Harry pensou. – "E como mente mal."

Hermione agora olhava assustadoramente para o namorado.

- Não seria por causa de uma certa professora, Ronald Weasley? – ela sugeriu.

- Não! – as orelhas dele começaram a ficar vermelhas. – Mione! Como você pôde pensar uma coisa dessas de mim?

Agora estava realmente cômico, e Harry teve que fazer um grande esforço para não rir. Já Gina não teve o mesmo autocontrole. Ela teve que colocar a mão na boca e se esconder atrás de Harry para segurar o riso.

Hermione cruzou os braços sobre o peito e disse apenas:

- Você é um cínico, Rony.

Agora o rosto dele estava vermelho.

- Por quê?

- Cínico. – ela repetiu.

E, depois de pegar algumas frutas na mesa, ela levantou, colocou a mochila nas costas e saiu andando.

- Mione? – Rony perguntou sem entender. Mas ela apenas acenou um "tchau" com a mão sem ao menos virar para trás.

- O que eu fiz? – ele perguntou, agora voltado para Harry e Gina.

A caçula dos Weasley tinha uma expressão igual à de quando alguém está com dor de barriga.

- Rony, meu irmãozinho, você precisa aprender a ser menos idiota...

Ele abriu a boca, mas não disse nada.

- Até mais. – ela disse e foi embora também, e nem se despediu de Harry.

- Ei! Mas eu não fiz nada! – ele protestou, mas ela estava longe do alcance de sua voz, ou então fingiu não escutar.

- Você entendeu? – Rony perguntou olhando abobado para Harry à sua frente.

- Eu não entendi a Gina, mas... a Mione tava certa quanto a você.

- Por quê? Quer dizer, qualquer garoto que tenha sangue nas veias repara que a Profª. Stevens é muito bonita... – ele comentou, enfatizando o "muito". – ...e quer vê-la mais de perto, isso é normal. Mas, fora isso, eu não fiz nada de mais.

Harry pensou por alguns instantes e até considerou razoável o que o amigo dissera. Mas depois lembrou de uma coisa e falou:

- Rony, vamos fazer uma comparação.

- Tá.

- Lembra quando tínhamos Gilderoy Lockart como professor, no segundo ano?

O amigo fez uma careta.

- Já vi que lembra. Como você se sentia sabendo que todas as meninas da escola "suspiravam" por ele?

- Espera aí, Harry, é diferente! Ele era um idiota convencido!

- Isso eu concordo. Mas talvez seja isso que as garotas pensem, ou algo parecido.

Rony revirou os olhos, parecendo ponderar. Depois sorriu e perguntou:

- Mas vai dizer que você não repara na professora, Harry?

O rapaz se recostou no banco e olhou para a mesa dos professores. Samantha Stevens estava lá, com sua exuberante cabeleira ondulada e seus olhos azuis, um vestido preto decotado e uma capa preta sobre os ombros, cobrindo um pouco a sua pele pálida. Sorria, enquanto conversava com Dumbledore. Tá, não se podia negar que ela fosse bonita. Talvez... muito bonita, como Rony dizia, enfatizando o "muito". E atraente também. Mas Harry não podia esconder de si mesmo que se sentia incomodado, e muito, quando ela o olhava. E nem queria pensar em como seria difícil encará-la durante o ano todo nas aulas... e fora delas. E ainda tinha Sirius. Por que ele não gostava da professora?

Rony não precisou da resposta oral de Harry para saber o que ele estava pensando. Sorria, olhando para o amigo e murmurou alguma coisa parecida como "eu sabia".

Mas Harry logo parou de olhar para a professora quando ouviu passos pesados no salão. Ele e Rony olharam automaticamente para a porta e sorriram quando viram quem era. O gigantesco amigo Rúbeo Hagrid entrava, sendo observado pelos olhares curiosos dos alunos primeiranistas que ainda não se acostumaram ao seu tamanho.

Hagrid, ao invés de se dirigir à mesa dos professores pelo corredor do meio, preferiu ir por um dos cantos, contornando a mesa da Grifinória. Ele parou para cumprimentar Harry e Rony, com seu ar cordial, contrastando com seu tamanho e aparente ferocidade:

- Alô! Como estão vocês dois?

- Bem, Hagrid, e você? – Harry respondeu.

- Ah, estou ótimo! Estava dando uma última ajeitada nas coisas para a minha primeira aula de hoje. – ele abaixou o tom de voz e chegou mais perto dos garotos. – Já souberam que esse ano não terão que dividir as minhas aulas com a turma da Sonserina?

- Já, e isso foi uma ótima notícia. – Rony disse, mordendo um brownie.

- Eu mesmo pedi ao Dumbledore. – ele explicou, orgulhoso de si mesmo.

- Então foi você? – Harry perguntou. – Foi uma ótima idéia mesmo, pena que Snape não tenha tido uma igual...

- Ou talvez ele não quisesse ter... – Rony insinuou sarcástico.

Hagrid pareceu não notar o tom de Rony. Olhava curioso para a mesa da Casa e perguntou:

- Onde estão as meninas? Hermione e Gina?

- Foram para as aulas mais cedo. – Harry respondeu.

- É. – Rony continuou. – E eu e o Harry ficamos aqui sem entender nada. – e deu de ombros. – Mulheres.

Hagrid sorriu.

- O que vocês disseram a elas?

- Nada. – Rony afirmou inocente.

- Tá. Eu preciso ir. Vejo vocês por aí, garotos. E venham até a minha cabana tomar um chá. – Hagrid piscou. – E tragam as meninas.

E saiu, tomando a direção da mesa dos professores. Assim que se sentou, Harry viu que o amigo cumprimentou a Profª. Stevens e logo se engajou em uma conversa com ela.

À medida que o horário das aulas se aproximava, os alunos começavam a se dispersar em direção às suas classes. Harry e Rony fizeram o mesmo. Rony pegou o horário na mochila, já que nenhum dos dois amigos tinha se preocupado ainda em verificar qual era a primeira aula. Qual não foi a surpresa de ambos ao verem escrito no papel:

"Defesa Contra as Artes das Trevas – Profª. Samantha Stevens (em conjunto com a turma da Sonserina)

Teriam uma aula agora e mais uma somente no fim da tarde. Rony sorriu marotamente.

- Parece que finalmente vamos conhecê-la.

Dirigiram-se, então, à sala, que ficava no terceiro andar. Mas não sem antes ouvirem uma conhecida e arrastada voz atrás deles:

- Só mesmo assim para se começar um dia com o pé esquerdo... Já pela manhã dividir uma aula com o pobretão e o cicatriz.

Draco Malfoy.

Estava acompanhado, para variar, pelos seus capangas, Crabbe e Goyle. Os dois riram bobamente da "piada" do sonserino.

Rony dirigiu um olhar assassino para o loiro. Harry colocou a mão no ombro do amigo, caso tivesse que segurá-lo se tentasse partir para cima de Malfoy.

Malfoy olhou curioso para eles e voltou a falar:

- Por que a sangue-ruim não está com vocês? Será que já se cansou do namoradinho pobretão e foi procurar outro? Foi isso, Weasley?

Harry teve que apoiar pesadamente as duas mãos sobre os ombros de Rony para que ele não espancasse Malfoy naquela hora mesmo.

- Harry... – o ruivo disse entredentes, já irritado com o amigo por ele não permiti-lo bater em Malfoy.

Bem baixinho, Harry disse ao amigo:

- Rony, você é um monitor, não pode fazer isso. Além disso, não vale a pena.

O rosto de Rony se iluminou.

- Tem razão... Obrigado, Harry! – e se virou para Malfoy, com um sorriso vitorioso no rosto.

- Cinco pontos a menos para a Sonserina pela sua boca suja, Malfoy.

O sorriso arrogante de Malfoy sumiu instaneamente do seu rosto.

- Você não tem esse direito, Weasley! Isso é abuso de autoridade!

- Tsk, tsk... Lamentável, Malfoy... – Rony disse ainda sorrindo. Harry estava abobado com o amigo. – Bem se vê que não está inteirado das regras da escola. Não é permitido usar termos pejorativos como o que você falou nas dependências da escola. É uma falta de respeito.

Harry estava tão boquiaberto quanto o próprio Malfoy. Crabbe e Goyle tinham expressões de que não tinham entendido uma única palavra que Rony dissera. O amigo abriu ainda mais o sorriso e deu meia volta, indo na direção da classe. Harry pigarreou, tentando esconder o riso, e foi atrás do amigo.

- Ser monitor tem suas vantagens. – Rony comentou assim que Harry o alcançou.

- Aquela regra está mesmo no regulamento, Rony? Ou você a inventou?

Ele sorriu.

- É claro que não está. Mas também não abusei da minha autoridade. Tenho certeza de que a McGonagall também repreenderia o Malfoy se ouvisse isso.

Harry apenas deu de ombros. Logo, estavam na sala de aula. Alguns alunos entravam ansiosos, falando alto. Os dois amigos entraram também. Rony foi direto para o fundo da sala, onde estava Hermione, com os cotovelos apoiados na mesa, lendo "Manual de Defesa Contra as Artes das Trevas – Defendendo-se do Mal" aberto na carteira. Harry, porém, estacou no lugar onde estava assim que entrou. A primeira coisa que sentiu foi um aperto muito grande no coração. Enquanto os alunos entravam, animados, ele ficou ali parado, contemplando a sala com saudade. Estava diferente da última vez que estivera ali; nesses cinco anos que estudara em Hogwarts, aquela sala tivera muitos donos, mas nenhum deles foi tão marcante para Harry quanto a professora do ano anterior. É claro, não podia negar que gostava muito de Remo, que quando o conhecera era o "Prof. Lupin". Mas a professora do ano anterior fora especial... e deixara um rombo no coração de Harry, uma ferida que ainda não cicatrizara, e ele duvidava que um dia fosse.

O rapaz se pegou olhando para a mesa que um dia pertencera à sua avó. Parecia que podia vê-la ali, sentada, mexendo em alguns papéis ou simplesmente dizendo algo para a classe. E sentiu saudade de quando ela, sua avó Arabella, dava aulas naquela sala, até mesmo das vezes que implicava com o neto, não por ter feito algo errado, mas por ela mesma não ter coragem de olhá-lo nos olhos e dizer tudo o que sentia... toda a verdade... Foi como se um filme do passado passasse em sua cabeça:

"Porém, eu gostaria que vissem um outro patrono, se fosse possível. Por que o senhor não mostra o seu patrono para a classe, Sr. Potter? – ela perguntou, dirigindo-se a Harry.

O garoto arregalou os olhos, espantado. Todos os olhos estavam voltados para ele. Harry não esperava algo como isso e tentou explicar-se: - Mas... eu...

- Eu sei que você sabe produzir um patrono, Sr. Potter. – a Sra. Figg disse. – Durante esse verão eu conversei com o ex-professor de vocês, Remo Lupin. E ele me disse que, devido a algumas circunstâncias, ele ensinou isso para o senhor, Sr. Potter.

Agora Harry definitivamente sentiu seu rosto enrubescer, já que todos na classe olhavam atentos para ele. A Sra. Figg chamou, com uma voz autoritária:

- Estou esperando, Sr. Potter."

- Está atravancando o caminho, Potter! – alguém esbarrou em Harry de propósito, e uma voz arrastada reclamou, tirando-o bruscamente de seus pensamentos.

O rapaz olhou para Malfoy com desprezo, mas não disse nada. Não estava com vontade de retrucar, não agora que tinha tantas coisas na cabeça, muito mais importantes que o sonserino. Além disso, ele já tinha tido o que merecia pelo dia, com Rony.

Harry apenas seguiu seu caminho, indo na direção de onde Rony e Hermione estavam. A amiga tinha parado de ler o livro e agora olhava para Rony sorrindo. Ele, em contrapartida, contava alguma coisa para ela muito animado. Aproximando-se mais, Harry pôde compreender por que os dois pareciam estar se entendendo novamente.

- Não precisava ter feito isso, Rony... Eu não me importo com o que ele diz.

- Não mesmo, Mione! Aquele idiota não pode ficar dizendo essas coisas de você por aí. Eu não vou deixar!

Ela sorriu encabulada para o namorado e acariciou a face dele.

- Obrigada, Rony.

Harry pigarreou de propósito e colocou suas coisas na mesa do lado deles. Eles olharam para o amigo e coraram furiosamente. Harry sorriu levemente.

- Eu estou só brincando com vocês dois. Podem continuar. – e fez um gesto displicente com a mão para que prosseguissem, virando o rosto para não vê-los. Os dois riram, mas não continuaram com o clima. Rony perguntou para a namorada:

- Por que as garotas e os garotos estão separados na classe, Mione?

Harry olhou também e reparou o mesmo que ele. Era engraçado como a classe estava disposta: os meninos na frente, com expressões ansiosas; atrás, as meninas, aborrecidas.

- Você deveria saber, Rony! – Hermione respondeu, retomando seu tom de sabe-tudo.

Harry começou a se sentir realmente estranho, já que, ao seu redor, só haviam garotas. Só ele e Rony de garotos. Era esquisito, porque sempre a classe ficava misturada. Mas logo notou que outros três garotos estavam vindo para o fundo da sala também. Mas era melhor que não viessem. Eram Draco Malfoy e seus capangas. Harry começou a pegar as coisas na mochila para não ter que olhar para o nariz empinado de Malfoy. Não estava com o mínimo bom humor para isso. Contudo, não pôde deixar de ouvir uma conversa bem perto dele:

- Posso sentar do seu lado, Kathy? – Malfoy perguntou tentando parecer amável. Não conseguia.

- Já falei que não gosto que me chame assim. – Katherine Willians respondeu aborrecida.

- Mas... posso sentar?

- Não! Sai fora, Draco!

- O que foi?

- Vai embora! Você é irritante, sabia?

Harry abaixou a mochila e colocou o material sobre a mesa. Malfoy estava muito emburrado e foi pegar um lugar na frente da sala. Pansy Parkinson sorria ao ver o que tinha acontecido e, rapidamente, foi se sentar ao lado de Malfoy, que não ligou e deixou. Harry olhou para Willians. Ela estava encostada na parede, bufando. Harry riu baixinho. Parecia que não era mesmo um bom dia para Draco Malfoy.

O som de passos começou a ser ouvido, e os alunos logo pararam de falar. Clec, clec, clec. O som de saltos altos ficou mais forte assim que Samantha Stevens entrou na sala de aula, carregando apenas uma pasta na mão direita, e a varinha na outra. Os olhos dos garotos a percorreram de cima a baixo quando a viram. As meninas viraram a cara. Ela parou de andar e olhou para a classe. Mostrou um sorriso enigmático e andou até a mesa, jogando a pasta sobre ela. Depois, sentou em cima da mesa, cruzando as pernas, fazendo com que uma parte delas ficasse à mostra. Alguns garotos se debruçavam na carteira para verem melhor. Harry ouviu um sonoro "humpf" vindo de Hermione ao seu lado.

A Profª. Stevens olhou para cada um na sala, com seus olhos azuis escuros e penetrantes, antes de começar a falar. Obviamente, ela olhou para Harry também e daquele mesmo jeito que o incomodava. Ela parou de olhá-lo e começou a observar superficialmente a sala. Sorriu novamente e começou a falar, com sua voz baixa e rouca, quase sibilante:

- Eu sei que Dumbledore já me apresentou no banquete de início de ano, mas eu prefereria apresentar-me pessoalmente para todos. Meu nome é Samantha Stevens e darei aula de Defesa Contra as Artes das Trevas durante esse ano letivo para vocês. – ela parou de falar, fechou os olhos e girou a cabeleira negra e cacheada para os lados; depois reabriu os olhos azuis. A sala permanecia em silêncio. – Gostaria de informá-los de que minhas aulas são muito melhores quando os alunos são extremamente... quietos. Não gosto de lecionar para classes barulhentas, e exijo respeito durante minha aula. Nenhuma conversinha, nenhum comentário. Espero que possa contar com a cooperação de vocês.

Todos permaneceram em silêncio. Alguns garotos, como Simas Finnigan e Dino Thomas acenavam afirmativamente com a cabeça. Outros pareciam hipnotizados demais para ao menos piscarem.

Samantha Stevens pegou sua pasta na mesa, abriu-a e tirou alguns papéis de dentro dela. Depois de jogar a pasta com o resto dos papéis sobre a mesa, ela saiu de cima desta e começou a andar por entre os alunos, o som de seus saltos ecoando pela sala silenciosa. Enquanto andava, olhava para o papel seguro na sua mão esquerda. Com a direita, gesticulava.

- Segundo o que me foi passado, vocês já tiveram experiências com... – ela passava a ponta do dedo no papel e fez uma careta. – Nada de significativo no primeiro ano... Diabretes da Cornualha no segundo... que coisa mais sem sentido! Animais das trevas no terceiro... kappas, grindlows... – ela girou a cabeleira parecendo ponderar; estava passando do lado de Neville Longbottom, que a olhava abobado. – Maldições Imperdoáveis no quarto ano... bom. Por último, dementadores no quinto ano. – ela amassou a folha de papel, fazendo uma bolinha com ela, e arremessou-a na direção de sua mesa.

- Uma base razoável. Mas ainda têm muito o que aprender. – ela comentou, numa voz altiva.

Andou para a frente da classe e encostou na mesa, as duas mãos apoiadas nesta. Com um olhar penetrante, ela recomeçou a falar:

- Esse ano, vocês irão aprender mais profundamente sobre o que os bruxos podem fazer uns aos outros. Não existem apenas Maldições Imperdoáveis. Elas são, com certeza, as piores maldições que existem, contudo, também existem outras; quase ou tão hostis quanto elas. Não existe somente a Maldição Imperio para controlar alguém; Cruciatus não é a única tortura usada pelos bruxos das trevas e, finalmente... – ela olhou para Harry. - ...Avada Kedravra não é a única forma de matar.

Harry sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Tentava colocar na cabeça que era por causa do quê a professora tinha falado sobre as maldições, mas, no fundo, sabia que não era isso. Era o jeito que ela o olhava... Era como se brilho azul escuro dos olhos dela penetrasse nele, visse mais do que realmente poderia ver... Era como se ela não visse apenas Harry, visse também seu espírito, sua alma... desvendasse seus pensamentos... E, ao mesmo tempo, aqueles olhos transmitiam, bem no fundo, algum sentimento, alguma coisa que Harry não conseguia definir. Era como se... se ela o estivesse vendo, mas ao mesmo tempo não estivesse... era como se visse outra pessoa espelhada nele...

Ela, finalmente, parou de olhar para o rapaz. Ele não pôde deixar de se sentir aliviado. A professora pegou novamente a pasta e retirou outro papel de lá de dentro. Então, começou a fazer a chamada.

A cada nome, ela parava e olhava para o aluno. Talvez só estivesse tentando guardar a fisionomia de cada um na memória, mas, intimamente, Harry achava que era outra coisa. Os garotos, em sua maioria, ficavam bastante bobos quando ela os olhava. Harry, ao contrário deles, desviou o olhar quando ela chamou seu nome e ficou olhando para ele por alguns segundos que pareceram uma eternidade.

O decorrer da aula foi tranqüilo. A Profª. Stevens explanou durante um longo tempo sobre vários tipos de maldições utilizadas por bruxos das trevas. Os garotos faziam perguntas. e até Neville fez umas duas e se arriscou a responder algumas questões que ela fizera. Engraçado foi quando Goyle tentou fazer uma pergunta, sendo que ele gaguejava e enrolava as palavras, se bem que ele não sabia falar, só grunhir. Draco Malfoy parecia empenhado em mostrar seus conhecimentos, pois levantava a mão de cinco em cinco minutos. Rony não ficou muito feliz quando o sonserino recuperou os pontos que tinha perdido anteriormente. Hermione, surpreendentemente, não fez nenhuma pergunta e não levantou a mão uma vez sequer para responder à alguma questão. Rony, por sua vez, respondeu a uma questão e ganhou dez pontos para a casa. Suas orelhas ficaram vermelhas, e Harry só não sabia se era por causa dos pontos, ou pelo fato da professora elogiá-lo. Hermione, nessa hora, mordia o lábio inferior com força e achatava a pena sobre o caderno, quase fazendo um furo no papel.

Na saída, os alunos comentavam sobre a aula e a professora. Rony era um dos mais animados, se exibindo pelo elogio que recebera da Profª. Stevens. Os outros garotos não deixavam por menos também. Simas falou umas cinco vezes de como ela o olhara quando ele fizera uma pergunta sobre feitiços de sangramento. Já as garotas só reclamavam. Hermione estava tão nervosa que deixou Harry e Rony para trás, indo conversar com Lilá e Parvati, as únicas que compartilhavam da irritação dela.

Harry, porém, não estava irritado. Incomodado era a palavra perfeita. Diferente dos outros garotos, não tinha respondido ou feito nenhuma pergunta. Para início de conversa, esse era o seu jeito. Dificilmente falava alguma coisa no meio da aula. Era tímido demais para isso. Mas dessa vez, esse não fora o motivo principal. O olhar da professora o deixava tão inquieto que ele fez todo o possível para que ela não o olhasse.

A próxima aula era Trato de Criaturas Mágicas. A turma da Grifinória, para felicidade geral, se separou da Sonserina, que seguiu para a classe de Transfiguração. Nos jardins, perto de sua cabana, Hagrid já os esperava, com Canino aos seus calcanhares. A turma da Lufa-lufa ainda não tinha chegado.

- Olá, Hagrid! – Harry cumprimentou assim que ele, Rony e Hermione chegaram mais perto do professor. A garota deixara de conversar com Lilá e Parvati, e agora estava novamente com os amigos.

- Oh, olá! – ele sorriu por trás da grande barba. – Não vi você no café da manhã hoje, Hermione.

- Eu saí mais cedo. – ela respondeu e olhou de soslaio para Rony, que fingiu não entender.

- Como anda o Spi? – o meio gigante perguntou, referindo-se ao Splooty salmão de Hermione que já pertencera, um dia, a ele.

- Muito bem. Quer dizer, ele não se conforma de ter que ficar sozinho com Bichento enquanto eu estou nas aulas, mas eu não posso levá-lo junto comigo para assistir a elas.

- É, você está certa. – ele concordou. – Mas é assim mesmo. Splooties são muito inquietos.

- O que temos para a aula de hoje, Hagrid? – Rony se arriscou a perguntar.

- Ah, uma coisa realmente muito boa! Vocês vão adorar! São umas gracinhas! – ele falou contente e olhou para trás dos garotos. – Ah, aí está a vindo a turma da Lufa-lufa! Vou buscar os animais para a aula!

Hagrid foi buscar algumas caixas que estavam empilhadas próximas ao canteiro de abóboras, enquanto a turma do sexto ano da Lufa-lufa se aproximava. Harry acenou, cumprimentando Ernie McMillan, Justino Finch-Fletchley e Ana Abott. Rony perguntou:

- Vocês acham mesmo que vamos "adorar" o que Hagrid trouxe para a aula?

Todos sabiam muito bem que o que geralmente era uma "gracinha" para Hagrid, era uma monstruosidade para a maioria das pessoas.

- Bem, não esqueça que ano passado ele nos trouxe os Splooties e eles são realmente bonitinhos. – Hermione lembrou.

- Vamos torcer para que ele faça o mesmo esse ano e não traga nada parecido com explosivins, por exemplo. – Harry comentou, lembrando-se do quarto ano.

Hagrid voltou muito animado trazendo as caixas, que espalhou na frente dos grupos que se formaram. As caixas estavam tampadas, mas se movimentavam muito. Aquilo era, no mínimo, estranho. Hagrid começou, então, a explicar, excitado:

- Eles são chamados corísporas. São encontrados, geralmente, em brejos e mangues. Podem se locomover facilmente tanto na água, como na terra e alimentam-se de carne morta, mas quando estão com fome comem carne viva também. – todos fizeram caretas de nojo. – Mas vamos, o que estão esperando? Abram logo as caixas para poderem apreciá-los!

Relutantes, os alunos abriram as caixas. Harry foi escalado por Rony e Hermione no grupo para fazer essa tarefa. Com um pouco de cautela, pois já esperava o que estava por vir, ele levantou a tampa da caixa. Uma coisa saltou de dentro dela e quase arrancou sua mão. Harry tirou-a rapidamente, e olhou para os amigos que tinham expressões tão assustadas quanto a dele.

Corísporas eram uma espécie de salamandra, mas com uma cara bem mais feia. O rabo parecia de peixe, e a criatura tinha nadadadeiras próximas às patas. Isso dava a impressão de que tinha quatro pés e a mesma quantidade de mãos. Nas costas, tinha uma casca dura e escura, mas a barriga era lisa e amarela. Na cabeça, um tufo de pêlos; os dentes arreganhados e as garras davam um aspecto assustador ao animal.

Rony fez uma careta muito engraçada e comentou:

- Estou com saudade dos Splooties. Até os explosivins pareciam melhores...

- É... – Hermione começou. – Acho que o Hagrid voltou a ser o mesmo.

A coríspora arreganhou ainda mais os dentes. Harry suspirou.

- O bom e velho Hagrid...

O primeiro dia de aula transcorreu normalmente em Hogwarts. Dispensando apresentações, com exceção da Profª. Stevens no início do dia, todos os professores optaram por começarem logo as matérias. E eles não foram condescendentes com os alunos por ser o primeiro dia, tampouco; uma prova era que o Prof. Binns, de História da Magia, já aproveitara para passar uma redação de três rolos de pergaminho sobre os bruxos famosos de século XIX.

No momento, os alunos de sexto ano das turmas da Grifinória e Sonserina estavam assistindo à última aula do dia: Defesa Contra as Artes das Trevas. Como a Profª. Stevens se mostrara bastante rígida quanto à disciplina, não houve nenhum conflito entre as turmas rivais.

A Profª. Stevens estava respondendo a uma pergunta sobre azarações malignas feita por um garoto sonserino quando o sinal bateu. Ela os dispensou de lições de casa, o que foi o bastante para todos respirarem aliviados. Alguns garotos paravam em frente à mesa da professora para lhe falar, mas ela logo os dispensava. As garotas levantavam e saíam rapidamente, como se estivessem sentadas sobre formigueiros.

- Ah... Vamos logo, eu quero ir embora! – Hermione apressou os amigos, que estavam guardando o resto das coisas nas mochilas.

- O que é isso, Mione? Nunca te vi apressada para sair de uma sala de aula... – Rony estranhou.

- Estou cansada e com fome, isso é o suficiente para você, Rony?

Harry entendia muito bem por que a amiga queria ir embora. E não era cansaço nem fome. O rapaz riu baixinho para si mesmo, enquanto os amigos começavam mais uma pequena discussão cotidiana. Pegou o vidro de tinta sobre a mesa, para guardá-lo, mas ele explodiu em sua mão, sujando-a e manchando também parte da manga de suas vestes e a alça da mochila de preto.

- Ah, não, Harry! – Hermione exclamou chateada. – Olha o que você fez!

- Acho que você não mediu a sua força, cara. – Rony sugeriu, olhando o estrago que o amigo tinha feito.

- Pode ser... – Harry disse vagamente, mas intrigado, porque tinha certeza de que não tinha apertado o vidro. Era estranho, mas ele parecia ter explodido sozinho entre seus dedos.

- Ai, agora é que a gente vai demorar mesmo para chegar ao salão principal... – Hermione reclamou impaciente.

- Sabe que você tá ficando muito parecida comigo, Mione? – Rony brincou. – Uma resmungona. Talvez seja a convivência, né?

Ela bufou.

- Eu não sou resmungona, Rony!

- Pois tá agora!

- Olha, vocês dois... – Harry interrompeu, temendo mais uma discussão. – Vão indo na frente, que vou dar um jeito aqui e depois encontro vocês.

Os dois se entreolharam. A barriga de Rony roncou sonoramente.

- Ah, você não se importa, Harry? – a amiga perguntou.

- Não, podem ir. Eu já vou daqui a pouco.

- Tudo bem, então a gente te encontra lá. – Rony disse com um sorriso amarelo e colocando a mão na barriga. – Até mais!

- Até. – Harry disse, voltando-se para as suas coisas manchadas de tinta. Pensou em guardar tudo na mochila de qualquer jeito mesmo, depois faria algum feitiço para limpar as coisas. Porém, sentiu que estava sendo observado. Olhou para o lado e viu a Profª. Stevens sentada atrás de sua mesa; ela tinha parado de mexer nos seus papéis e olhava para ele, com a mão apoiada no queixo. Harry rapidamente desviou o olhar para o que estava fazendo.

- Vejo que está com problemas. – ouviu a voz rouca dela.

- Não. Quer dizer... tudo bem, tá tudo bem. – Harry não gostou nada da sua voz ligeiramente trêmula. Por que ele estava agindo assim?

Clec, clec, clec. Era o som dos saltos finos dela no chão. Pelo canto dos olhos, Harry viu que ela se aproximava. Ele queria guardar suas coisas na mochila e sair logo dali, mas, estranhamente, suas mãos não queriam obedecer seu cérebro, e ele acabou por não guardar as coisas. Ela parou ao seu lado, e ele sentiu o perfume forte dela. Lembrou vagamente daquela fragrância; absinto, não tinha muita certeza, mas achava que era esse.

- Eu posso te ajudar com isso. – ela ofereceu.

- Não precisa. – Harry disse muito rápido e olhou para ela. – Obrigado, mas não precisa.

Ela o olhou daquele jeito penetrante novamente, mas, dessa vez, Harry não desviou o olhar. Primeiro porque se achava ridículo fazendo isso, sempre olhava as pessoas olhos nos olhos, sem medo. Segundo, e talvez mais importante, porque aquele brilho no azul escuro dos olhos dela o incomodava, mas ao mesmo tempo eram bonitos demais para não serem apreciados.

Samantha Stevens sorriu.

- Não será incômodo nenhum.

Ela tirou a varinha das vestes e apontou para Harry. Ele se assustou um pouco, mas ela mudou a direção da varinha e a direcionou para a manga manchada da roupa do rapaz. Murmurou algumas palavras mágicas, e uma luz azul clara saiu da varinha dela, atingindo a manga da camisa dele. Imediatamente, a mancha sumiu. Depois, ela fez o mesmo com a alça da mochila do rapaz e com a mão dele.

- É um feitiço limpante. – ela explicou. – Serve para tirar manchas e lavar as roupas quando não se está com muita vontade de jogá-las na água. Aprendi com minha mãe. Você não vai precisar colocar para lavar a sua roupa por uma semana. Esse feitiço é muito potente.

Harry olhou boquiaberto para a manga da camisa.

- Obrigado.

- Não tem de que, Harry. – ela sorriu. Ele olhou intrigado para ela. – Posso te chamar de Harry?

- Ahn... Claro... – ele respondeu desconfortável. Muitas perguntas passaram por sua cabeça, como por exemplo como ela conhecia seu pai e seu padrinho. Mas achou que seria indelicado perguntar.

Ela o encarou novamente e disse de supetão:

- Eu não gostaria que você tivesse uma impressão errada de mim, por causa... Por aquele incidente lamentável no Ministério da Magia...

A professora tocara num ponto fraco de Harry: sua curiosidade pelo seu passado e dos seus pais. Mas ele lembrou de Sirius e novamente se conteve:

- Não, tudo bem.

- Aquele homem... – ela começou. Harry não suportou:

- Sirius?

Ela fez uma careta.

- Ele mesmo. Sirius... – ela disse como se o nome lhe causasse ânsia de vômito. Harry se sentiu um pouco irritado. - ...não gosta de mim, e eu dele. Por isso, eu peço que não me julgue sem ao menos me conhecer. Provavelmente ele disse "cobras e lagartos" de mim, mas não acredite. Se você chegar a achar isso de mim, tudo bem, mas que seja a sua opinião e não a dos outros.

Harry não sabia o que dizer. Abriu e fechou a boca umas duas ou três vezes, mas nenhuma resposta boa lhe vinha à mente. Ela sorriu.

- Desculpe-me por ter-lhe falado essas coisas, mas eu precisava. Você promete fazer o que eu pedi?

- Claro. – Harry respondeu lacônico.

- Eu agradeço.

O rapaz olhou para ela e não agüentou. As palavras que tentara reprimir simplesmente saíram de seus lábios:

- Se a senhora conheceu Sirius, provavelmente conheceu meu pai também e... talvez, minha mãe.

Ela fechou a cara.

- Sim, eu os conheci. Mas é melhor não falarmos disso agora. – ela estalou os lábios e, novamente, sorriu. – Não precisa me chamar de "senhora", eu não sou tão velha assim e nem sou casada. Chame-me apenas de "você", pelo menos enquanto não estamos na frente de outras pessoas.

- Claro. – Harry concordou, se sentindo idiota de sempre dizer a mesma coisa. Mas não conseguia atinar aonde ela queria chegar com aquela conversa. A cada segundo se sentia mais desconfortável.

Eles ficaram um tempo em silêncio. Ela ainda o olhava daquela maneira, como se estivesse vendo algo através dele. Harry, encabulado, quebrou o silêncio:

- É melhor eu ir embora.

Ela pareceu sair de um transe.

- Anh... Certamente. Você... deve estar com fome, querendo descansar... Eu o estou atrasando, não é?

- Não! – ele respondeu sem jeito. Colocou, depois, a mochila nas costas. – Não. Pelo contrário, a senho..., quer dizer, você me ajudou. Obrigado.

- Professores servem para ajudar seus alunos, não é?

Harry assentiu e se desviou dela para sair.

- Boa noite, professora. E obrigado pela... – disse, mostrando a manga da camisa.

- Já disse que não precisa agradecer. – ela sorriu. – Boa noite, Harry.

Ele não disse mais nada e saiu. Assim que cruzou a porta e começou a caminhar pelo corredor vazio, Harry se sentiu estranho. Ainda não conseguia acreditar direito no que tinha acontecido há alguns minutos. Achou esquisito como as coisas acontecem na vida das pessoas; num dia, essa mulher parecia tão descontrolada, tão... não sabia definir direito, mas naquela vez em que a vira pela primeira vez, ela parecia concentrada em ferir Sirius, irritá-lo... e não importava se dissesse coisas que não devia. Pelo menos era essa a impressão que tinha lhe passado. Porém, agora... ela parecia tão... amável, gentil...

Mas também ela ainda o olhava daquele jeito que o incomodava. Harry não lembrava de, alguma vez na vida, alguém o olhar de um jeito tão profundo e tão... perturbador ao mesmo tempo... Tá, Dumbledore sempre o olhava de um jeito muito penetrante, mas era diferente, porque o diretor olhava a todos dessa maneira. Mas ela não. Ela só olhava para ele dessa maneira. Só para Harry...

E Sirius? Por que ele a odiava tanto? O que teria acontecido entre eles no passado? Será que... bem, poderia ser possível... Se eles se conheciam do passado, ela disse que conhecia seus pais também, e Remo pareceu reconhecê-la... Provavelmente tinham se conhecido em Hogwarts. Mas em quais circunstâncias? Não conseguia tirar isso da cabeça, por mais que todos dissessem que não era da sua conta...

"Mas até que ela não parece ser tão ruim quanto Sirius diz...", pensou, olhando para a manga da camisa e levando-a ao nariz. Sentiu um cheirinho gostoso de sabão nela, de roupa lavada. Como ela mesma pediu, esperaria algum tempo para tirar suas próprias conclusões, ainda que Sirius quisesse o contrário. Mesmo confiando muito no padrinho, preferia ter sua própria opinião sobre ela. Não era justo fazer o contrário.

Alguns dias se passaram. Apesar do tempo ainda estar ligeiramente quente, já estava mostrando que logo o verão acabaria. Os dias de sol já eram substituídos mais freqüentemente por dias nebulosos ou um pouco mais frescos.

As aulas das turmas sextanistas estavam puxadas, como sempre eram em Hogwarts, mas não tanto quanto as do quinto e sétimo ano. Podia-se ver alunos frenéticos dessas turmas fazendo lições gigantescas que os professores passavam. Harry se lembrou perfeitamente de como se sentiu no ano anterior. Completamente desnorteado. Por serem os anos dos N.O.M.s e dos N.I.E.M.s, respectivamente, eram os que os mestres mais cobravam de seus alunos.

Gina era um desses alunos. Várias vezes, ela pedia auxílio para Hermione em suas lições. Na sala comunal, ela sempre estava estudando. Harry ficava um pouco chateado, porque ela não estava lhe dando muita atenção. Às vezes, quando ele reclamava disso, ela ficava irritada com ele e aí que o rapaz não conseguia nada. Rony contou, tentando animar o amigo, que ela também era muito aplicada nos estudos e, por isso, estava agindo assim.

Contudo, Harry não se conformava. Por isso, num sábado nublado e fresco, não encontrando a namorada na sala comunal, foi procurá-la na biblioteca. Ela estava estudando numa das mesas, junto com outros colegas de seu ano: Colin Creevey, Peta Spencer e mais um garoto de cabelos castanhos e de cara emburrada, ao qual ela mesma estava explicando alguma coisa. Harry sentiu uma coceira incômoda na barriga quando viu isso e soube na hora que não tinha gostado muito do que tinha visto. Mas pensou que isso era besteira e se aproximou.

- Adivinha quem é! – Harry falou, tapando os olhos dela com as mãos.

- Harry! – ela disse em tom de censura, tirando as mãos dele dos olhos e se virando para olhá-lo. – Eu estou estudando!

O rapaz se sentiu um pouco desanimado.

- Desculpe, mas eu...

- Oi, Harry! – Colin cumprimentou animado, aproveitando para parar um pouco os estudos. – Não liga pra Gina, ela tá muito estressada com os estudos.

- Seis rolos de pergaminho sobre poções de rejuvenescimento para a quinta é o bastante para estressar qualquer um, Colin! – ela censurou o amigo. Ele deu de ombros e voltou a ler seu livro.

- É que eu queria falar com você, Gina... – Harry explicou, desajeitado.

Ela suspirou. – Mas eu...

- Vai lá com ele, Gina! – dessa vez foi Peta que tirou os olhos da lição. – Você tem que se distrair um pouco! A redação do seboso pode esperar.

Gina parecia indecisa. Harry pegou a mão dela e pediu:

- Por favor, Gi... – ele só a chamava assim quando realmente queria alguma coisa. Ela o olhou e sorriu ligeiramente.

- Tá bom. Você venceu.

Ela levantou e o acompanhou até fora da biblioteca. Ele a puxava pela mão. Quando saíram, ele procurou um corredor vazio e parou, ficando de frente para ela. Gina, por sua vez, encostou na parede com as duas mãos atrás das costas, olhando para ele como se estivesse esperando que falasse algo. Ele compreendeu e começou:

- Você está distante de mim, Gina.

Ela suspirou, um pouco irritada.

- Você sabe que eu tô cheia de coisas pra fazer, Harry. Eu estou no quinto ano, e depois vêm os N.O.M.s... Você já passou por isso, sabe como os professores são exigentes!

- Mas eu tinha tempo para você ano passado. – ele reclamou, colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha e acariciando o rosto dela.

Gina revirou os olhos.

- É diferente, Harry.

- Por quê?

- Porque você não se importa tanto com os estudos quanto eu.

Harry se sentiu um pouco magoado e parou de acariciar o rosto dela. Virou a cara.

- Eu me importo com os estudos sim. Não sou nenhuma Hermione, mas me importo. Estudei muito para os N.O.M.s e até que fui bem.

Ela pareceu perceber que falara demais, porque começou a acariciar o rosto dele e falar com uma voz mais doce, procurando os seus olhos.

- Harry... me desculpe, eu não queria te magoar. – ele não disse nada. – Harry... Ah! Você está sendo infantil!

- Infantil? – ele perguntou um pouco mais alto e virando bruscamente o rosto para olhá-la. Ela abaixou os olhos, envergonhada, e murmurou:

- Desculpe, eu não queria dizer isso...

- Se não queria dizer, porque disse? – ele perguntou, e seu tom pareceu rude até para si mesmo. Mas não conseguiu fazer de outra forma, era o que estava sentindo.

Ela levantou os olhos e o encarou bem profundamente, com uma expressão tão delicada e suplicante, que ele não resistiu:

- Tudo bem. Deixa pra lá. – e respirou fundo. – Eu estou mesmo te cobrando muito... Eu sei o quanto o quinto ano é complicado, você deve estar cheia de coisas pra fazer mesmo...

- Obrigada por entender, Harry. – ela sorriu e deu-lhe um selinho. – Olha... eu vou terminar aquela redação, e... acho que umas seis e meia eu já devo ter terminado tudo, eu já tô quase no fim mesmo. Podemos nos encontrar... depois...

Isso foi o bastante para Harry se animar.

- Sério?

Ela concordou com a cabeça, sorrindo.

- Às sete, naquela árvore perto do lago, tá bom pra você? – ela perguntou.

- Perfeito! – ele respondeu com um sorriso bobo.

- Então, tá! – ela confirmou, tentando sair da frente dele. – Agora tenho que terminar a redação.

Ela foi na direção da biblioteca, mas ele foi atrás dela e segurou-a pela mão. Ela se virou, intrigada.

- O que foi, Harry?

Ele respondeu com um beijo. Ela, no início, estava um pouco rígida, mas depois amoleceu. Depois que ele a soltou, ela, com as orelhas vermelhas, disse:

- A gente se vê depois, então.

E saiu quase correndo na direção da biblioteca. Harry dessa vez não a seguiu. Ele ficou ali, parado no corredor, com as mãos nos bolsos, olhando para o lugar por onde ela tinha ido embora, com um sorriso maroto no rosto e sentindo que, pelo menos agora, não tinha nada com o que se preocupar.

No fim da tarde desse mesmo sábado, quando o sol começava a se esconder por trás do horizonte, com um brilho vermelho e fraco iluminando os jardins da escola e os ambientes internos do castelo, Harry estava num banheiro de garotos do quarto andar, saindo do boxe ao terminar um banho. Não havia ninguém ali, por isso tinha escolhido esse banheiro. Se tomasse banho no banheiro do seu dormitório, os garotos do seu quarto provavelmente iriam ficar fazendo brincadeiras irritantes sobre ele estar se arrumando. E como não eram idiotas, iriam descobrir que Harry se arrumava para um encontro, e as piadas seriam maiores. Para evitar isso, o rapaz preferiu se arrumar em outro banheiro e escolheu um que geralmente ninguém ia.

Quando estava saindo do boxe, apenas com uma toalha envolta na cintura, viu algo que o assustou e ao mesmo tempo o deixou muito encabulado. Murta Que Geme estava flutuando à sua frente, sorrindo marotamente e olhando para seu peito nu.

Murta Que Geme era o fantasma atarracado de uma moça que assombrava um banheiro de garotas no primeiro andar. Ela usava óculos perolados e tinha cabelos escorridos e espessos, que ocultavam parte de um rosto que sempre estava muito triste. Porém, de triste não tinha nada o rosto dela no momento. Na verdade, ela olhava para Harry com uma expressão muito feliz até.

- Murta! – ele censurou, o susto de vê-la ali passando aos poucos. – Isso é um banheiro de garotos, você não deveria entrar assim! E se eu estivesse pelado?

- Isso seria interessante. – ela respondeu, o sorriso abrindo ainda mais, enquanto o olhava. Harry quase engasgou com a própria saliva.

- Murta! Você não era assim!

- É porque você também não era assim! – ela disse, indicando o corpo dele.

Harry olhou feio para ela. Ela fechou o sorriso.

- Tá bom... – ela falou como se ele tivesse acabado com sua diversão e colocou as mãos sobre os óculos. – Eu não olho mais, mas se troca rápido que eu quero conversar com você.

Harry riu baixinho.

- Tá, eu já vou me trocar.

Ele pegou as suas roupas, jogadas num banco. Entrou novamente no boxe, para ter certeza de que Murta não o veria enquanto estivesse mesmo nu. Colocou uma camisa preta e uma calça jeans, para depois sair do boxe, ainda não conseguindo entender o que Murta poderia estar querendo falar com ele. Talvez para se queixar de ele nunca mais ter ido visitá-la. Quando saiu, ela estava ainda com as duas mãos na frente dos óculos, cantarolando com uma voz esganiçada para passar o tempo. Estava muito engraçada.

- Pode olhar, Murta. – ele disse, tentando esconder o riso. Temia que ela começasse a chorar se ele risse.

- Você ficou bonito. – ela comentou. Ele sentiu as bochechas quentes, mas fingiu não ligar, jogando a toalha e as roupas usadas no cesto de roupa suja. Depois, sentou no banco e começou a calçar os tênis.

- Aonde vai tão arrumado? – ela perguntou.

- Não interessa. – ele deixou escapar, mas logo se arrependeu quando ouviu um suspiro alto dela.

- AHHHH! Você nem liga para os meus sentimentos, eu vim aqui te visitar, e você nem liga pra mim!

Ele olhou arrependido para ela, enquanto lágrimas prateadas escorriam pelo rosto transparente da fantasma. Ela tinha colocado novamente as mãos no rosto, chorando descontroladamente.

- Não fica assim, Murta... – Harry levantou e se aproximou dela, tentando consertar a situação. – Desculpe, eu não quis te magoar, eu...

Ela tirou as mãos do rosto e rapidamente parou de chorar.

- Então me diz aonde você vai.

- Tenho um encontro.

O sorriso que tinha se formado quando ele pedira desculpas se desfez rapidamente.

- Com quem? Com aquela ruivinha sem sal que você tá namorando?

- Não fala assim da Gina! – Harry retrucou irritado, saindo da frente dela e indo na direção dos espelhos, para tentar pentear o cabelo.

Pelo espelho, enquanto brigava com as suas mechas revoltas, ele viu Murta se aproximar flutuando, com uma expressão arrependida.

- Desculpe. – ela pediu.

- O que você quer, Murta?

- Eu deveria estar muito brava com você, sabia?

- E por quê?

- Você nunca mais foi me visitar no meu banheiro... – ela choramingou. "Sabia!", Harry pensou. – Aliás, você prometeu daquela vez que eu falei com você no banheiro dos monitores, mas não cumpriu!

- Eu não prometi. Falei que iria tentar. – ele disse, virando-se para olhá-la. Lembrou-se do quarto ano, quando ela o encontrara numa situação parecida no banheiro dos monitores. Ele estava tomando banho também, mas não para um encontro e sim para descobrir a pista do ovo de ouro que tinha ganho na primeira tarefa do Torneio Tribruxo.

- Isso não é desculpa! – ela insistiu num tom lamurioso.

Harry suspirou.

- Murta, aquele é um banheiro de garotas! Eu não posso ficar entrando lá. Se me pegarem, eu realmente vou ficar encrencado.

Ela sorriu, novamente marota.

- Você poderia usar aquela sua capa. – ele se lembrou que ela sabia sobre a Capa de Invisibilidade. - Eu sei que você tem muitos meios de burlar as regras quando você quer. Além disso, o banheiro em que eu fico é pouquíssimo usado. Eu sei que as meninas evitam ir lá por minha causa. – ela completou, soluçando novamente.

- Mesmo assim, Murta. Fica difícil ir lá.

- Mas você pode ao menos tentar! – ela insistiu.

- Talvez. – ele disse, guardando o pente no bolso da calça e olhando o relógio. Eram dez para as sete. – Murta, eu realmente tenho que ir. Vou acabar me atrasando se ficar muito aqui.

- Vai se encontrar com a ruivinha, eu sei. – ela disse emburrada. – O que ela tem que eu não tenho?

Harry quase caiu pra trás com essa pergunta e agora realmente se engasgara com a saliva. Murta tinha cruzado os braços e o encarava esperando uma resposta. Harry não sabia o que falar. Não queria dizer "bem, ela está viva e você está morta". Sabia que ela cairia em prantos.

- Murta...

- Tudo bem, não precisa tentar se explicar, eu sei que ninguém liga para os meus sentimentos mesmo... Eu não me importo! – ela deu de ombros, mas outra lágrima escorreu pelo rosto transparente.

- Ah, Murta, também não é assim...

- É claro que é! A Murta é uma chata, uma chorona... Mas tudo bem, se você não quer ouvir o que eu tenho a lhe dizer, eu nem quero saber, problema seu! – ela disse entre soluços, virando de costas para Harry e flutuando no sentido contrário. – Mas fique sabendo que eu ouvi uma conversa por aí sobre você!

Harry sabia que ela poderia estar inventando isso só para deixá-lo curioso, mas se era isso que ela queria, conseguiu. Por outro lado, ela poderia mesmo ter escutado alguma coisa, não poderia?

- Espera, Murta!

Ela já estava atravessando a parede quando parou. Virou-se e apenas a cabeça dela ficou visível. Ela tinha uma expressão indulgente no rosto.

- Ah, agora você quer me ouvir...

Harry já estava arrependido de tê-la feito voltar, mas sua curiosidade o fez permanecer firme:

- Por favor, Murta...

Ela atravessou novamente a parede e flutuou ligeira ao redor dele, esvoaçando as mechas revoltas dele.

- Então você quer saber o que eu ouvi... – ela estava enrolando. Talvez fosse mentira, mas e se não fosse?

- Sim, Murta...

- Tá! – ela parou em frente a ele. – Mas só se me prometer que... vai me visitar no meu banheiro!

Harry revirou os olhos.

- Vou tentar.

- Não vai tentar, você vai!

- Tá bom, Murta, eu vou! – ele disse, já tremendamente arrependido de ter falado.

Ela soltou um gritinho de excitação e bateu palmas.

- Eu nem acredito!

Harry suspirou desanimado, e ela fez uma coisa muito idiota; tentou beijá-lo na bochecha, mas foi tão afoita que acabou atravessando-o. Ele se arrepiou e sentiu o corpo ficar todo gelado. O frio só passou quando ela ultrapassou-o por inteiro.

- Murta! – ele censurou, batendo os dentes.

- Desculpe. – ela respondeu, ainda com um sorriso enorme no rosto.

- O que você queria me contar, Murta?

- Tá bom, então, eu conto. – ela bufou. – Eu, há alguns dias, ouvi uma conversa muito estranha entre o Prof. Snape e a Profª. Stevens.

- Como é que é? – Harry perguntou, franzindo as sobrancelhas. Aquilo era novo para ele e, no mínimo, intrigante. – O que você ouviu, Murta?

- Eles estavam muito nervosos, sabe? Gritavam. O Prof. Snape gritava para ela sair da sala dele.

- Você ouviu uma conversa na sala dele? Você é maluca, Murta, e se ele te pega?

- Eu tenho os meus meios, ele nunca ia me ver. – Harry gostaria de saber que meios seriam esses, mas esperou que ela continuasse a contar a história. – Isso não importa. Eu ouvi eles falando coisas muito suspeitas...

- Que tipo de coisas?

- Falavam alguma coisa sobre traição, eu não entendi direito. O Prof. Snape ameaçou contar alguma coisa da Profª. Stevens para o diretor...

- Contar o quê?

- Eu não sei, mas eu sei que a professora também o ameaçou. E quando ela fez isso, o professor ficou tão nervoso que acabou não falando o que ia contar para o diretor. Acho que ele desistiu depois do que ela disse...

- E o que ela disse? – Harry perguntou com urgência.

- Ela falou que ia contar alguma coisa para alguém... – Murta disse sonsa.

Harry suspirou. Provavelmente ela não sabia que coisa era essa e que alguém era esse.

- E o que isso tem a ver comigo?

- Você não me deixou terminar.

Harry olhou para Murta boquiaberto. Ela sorriu.

- Ela ameaçou o professor de contar alguma coisa para você...

- Como assim, para mim?

- Ah, eu não sei direito, mas eu sei que era sobre você que ela estava falando.

- Você lembra exatamente as palavras que ela usou?

- Deixa eu ver... – Murta olhou para o teto, com o dedo na bochecha. – Ah, já sei! – ela exclamou, voltando-se novamente para Harry. – Ela disse: "Se você abrir o bico, Severo, eu juro que conto tudo o que você fez no passado, tudo o que você sentia... e talvez ainda sinta... Conto tudo isso para Harry Potter!"

Harry ficou ainda mais boquiaberto. Contar o que para ele? O que, no passado de Severo Snape, poderia lhe dizer respeito? E por que Samatha Stevens estava ameaçando o mestre de Poções com isso? Harry olhou para Murta e perguntou:

- Você não ouviu mais nada?

- Não. – ela respondeu como se realmente tivesse querido ouvir o que vinha depois. – Não ouvi mais nada, o Barão Sangrento apareceu e quase me flagrou. Mas eu poderia jurar que vi medo no rosto do Prof. Snape quando a professora o ameaçou.

Medo? Harry não lembrava de ter visto medo em Severo Snape alguma vez na vida. Será que a Murta não estava exagerando? Mas ela parecia tão convicta...

- Então você não ouviu mais nada?

- Não. Mais nada.

- Ah... Bem, obrigado por ter-me contado isso, Murta.

Ela sorriu vitoriosa.

- Você vai me visitar, então.

- Vou. – Harry respondeu um pouco vago.

- Eba! – ela deu um outro gritinho, de felicidade. – Estarei te esperando! Tchauzinho!

- Tchau, Murta.

Ela atravessou a parede e estaria saltitante se não flutuasse. Harry ficou um tempo ainda parado, no meio do banheiro, quando se deu conta do horário e saiu apressado. No caminho, foi pensando no que tinha ouvido. Snape com medo? A Profª. Stevens o ameaçando? Isso tudo era muito estranho... E Snape também a tinha ameaçado primeiro... O que ela escondia que Dumbledore não deveria saber? E por que Snape sabia? E o que ele, Harry, tinha a ver com tudo isso? Não conseguia imaginar nada... Só sabia que a professora deveria saber algo muito importante sobre seu passado que Harry precisava descobrir o que era. De qualquer jeito.

Tinha chegado ao salão de entrada agora. O salão principal estava vazio, o jantar ainda não seria servido. Só às oito, por ser sábado. Felizmente, não esbarrou em ninguém pelo caminho e conseguiu sair do castelo sem ninguém o ver. Não tinha muita certeza de que poderia sair do castelo a essa hora. Mas depois lembrou que, se Gina combinou de se encontrarem lá fora a essa hora, era porque deveria poder.

Quando chegou perto do lago, viu que a namorada já estava lá, encostada na árvore – aquela mesma árvore que os dois se beijaram pela primeira vez – e jogando algumas pedrinhas no lago, distraída. Harry sentiu as bochechas quentes ao vê-la, usando uma blusinha rosa e uma calça jeans apertada, que não chegava até os pés. Os últimos raios vacilantes do sol iluminavam os cabelos vermelhos dela, fazendo-os ficarem mais claros. Ela tinha o olhar perdido.

Harry se chutou mentalmente por ter-se atrasado. Tinha planejado chegar primeiro, mas agora o mal já estava feito. Aproximou-se e, quando chegou do lado dela, pensou que ela iria olhar para ele, mas não. Ela continuou com o olhar perdido. Ele sentou ao lado dela e tentou beijá-la. Ela virou o rosto.

- Você se atrasou.

A voz dela não parecia irritada, mas feliz era que não estava. O rapaz olhou o relógio. Sete e vinte. Tinha realmente se atrasado.

- Me desculpe.

Ela não disse nada e também não olhou para ele. Continuou a olhar o nada, mas parou de jogar as pedrinhas no lago. Harry segurou delicadamente o queixo dela e a fez olhá-lo. Ele não conseguiu traduzir o que os olhos dela transmitiam.

- Desculpe, Gi... – ele repetiu.

- Não adianta me chamar assim. – ela disse dura.

Ele acariciou sua fronte.

- Você não está tão chateada assim, está?

Ela não respondeu, apenas continuou a olhá-lo.

- Gina...

Ela deixou de olhá-lo e voltou-se para o lago.

- Dessa vez passa. Mas você nunca se atrasou para um encontro nosso, Harry...

- Eu estava me arrumando pra você.

Não era mentira. Ele realmente demorara um pouco mais do que de costume se arrumando, mas não queria contar que Murta o atrasara mais. Não sabia por que, mas não quis contar. Era melhor.

Ela sorriu levemente e o olhou.

- Não posso negar que você ficou bonito.

- Quer dizer que eu não sou bonito? – ele brincou.

Ela sorriu abertamente agora e o empurrou.

- Seu bobo!

Harry riu.

- Pois você está linda.

Agora foi ela que riu encabulada.

- Terminei a redação do Snape mais cedo e pude me arrumar melhor.

Snape. Aquilo lhe lembrou o que a Murta lhe contara. Será que deveria contar para Gina? Não, melhor não. Quebraria o clima.

- Você caprichou. – ele preferiu dizer, se aproximando mais dela e beijando sua nuca, sentindo o perfume de rosas dela. – Você tem um cheiro bom...

Ela se arrepiou e ficou um pouco rígida. Ele a enlaçou com os braços, e ela se soltou neles. Sentiu as mãos delicadas dela nas costas dele. O perfume o embriagava. Ele roçou a bochecha dela com seus lábios até chegar na boca e beijá-la. Ela, no início, se entregou, mas depois que o beijo começou a ficar mais intenso, ela desgrudou os lábios dos dele. Ele voltou a beijar a nuca dela. Ela encostou o queixo no ombro dele.

- Harry...

- O que foi?

- Se alguém nos vir...

- Ninguém vai nos ver.

- Precisamos entrar... – ela se arrepiou mais quando ele beijou a orelha dela. – O jantar...

- ...só será servido às oito hoje. – ele completou. – Temos tempo.

- Harry! – ela soltou um gritinho assustado.

- O que foi? – ele parou de beijá-la e se separou, encarando-a nos olhos. Ela estava realmente assustada. A boca estava aberta e tremia. Ela não conseguia tirar os olhos de um ponto fixo atrás dele.

- Olha para lá. – ela disse com a voz fina, apontando para um lugar atrás do rapaz. Ele se virou e sentiu o coração quase sair pela boca. Severo Snape estava parado, não muito longe do lago, olhando atentamente para o céu, que estava escuro agora. Por sorte, ele parecia não tê-los visto. Ainda.

- O que vamos fazer? – Gina perguntou aflita.

- Vamos nos esconder. – Harry disse, se levantando com cautela e fazendo-a se levantar pela mão. Não tirava os olhos de Snape, que ainda observava o céu.

Harry levou Gina com cuidado para detrás de algumas árvores que estavam ali e, para a sorte dos dois, elas estavam bem carregadas de folhas e os troncos delas eram bastante espessos, o que os esconderia por agora. Eles ficaram atrás de uma árvore com o tronco particularmente grosso e observaram Snape enquanto ele se aproximava da beira do lago. Apenas a alguns metros de onde os dois estavam.

Snape desviou o olhar do céu e fixou-o no lago por muito tempo. Não estava com a mesma expressão carrancuda de sempre, mas transparecia uma certa tristeza. Harry e Gina permaneceram em silêncio absoluto enquanto o mestre se abaixava na beira do lago. Ele segurava alguma coisa na mão direita, e Harry pôde ver o que era quando ele levantou a mão na altura dos olhos. Era um lírio, branco como o leite. Snape ficou observando distraidamente o lírio na sua mão. Cheirou-o e depois o beijou. Harry poderia se estapear para ter certeza de que não estava imaginando coisas; Snape tendo um gesto delicado como um beijo? Isso era impossível! Gina parecia compartilhar do mesmo pensamento de Harry, porque tinha uma expressão de surpresa no rosto.

Depois de beijar a flor, Snape se levantou e jogou-a com ímpeto no lago. Ficou olhando-a boiar por alguns minutos antes de ir embora. Harry e Gina esperaram ele estar totalmente longe do alcance de suas vozes para que pudessem falar algo.

- Você viu o que eu vi? – foi a primeira coisa que Gina pôde dizer.

- Vi, mas não acredito.

- Nem eu. – ela respirou fundo. – Mas é melhor nós irmos embora, Snape quase nos viu, e eu não quero que ninguém nos pegue aqui.

- Tem razão, vamos entrar. – Harry falou um pouco desanimado. Gina sorriu, como se entendesse.

- A gente pode terminar nossa "conversa" outro dia.

- Tudo bem. – Harry sorriu também.

E os dois foram de mãos dadas na direção do castelo. E dessa vez, sem encontrar ninguém no caminho.