Capítulo Oito – O novo time de quadribol
Era uma tarde nublada e fria. O tempo arrastava-se mais vagarosamente do que uma lesma caminhando ao sol. O ar estava carregado, talvez porque o ambiente naquela sala sempre fosse muito pesado. Estando o dia escuro, pouquíssima claridade penetrava na escura e fria masmorra onde Harry estava assistindo a mais uma aula de Poções.
O intragável mestre Severo Snape, nesse momento, depois de uma explicação monótona e interminável sobre poções medicinais, quando fez um total de cinco perguntas irrespondíveis a Harry – que, para variar, não eram irrespondíveis para Hermione, que levantava a mão tão alto, que parecia estar prestes a saltar da cadeira – e tirou exatamente vinte e cinco pontos do rapaz, estava escrevendo na lousa os ingredientes da poção que fariam. Para nota. Uma poção "simples" de cura da dor de cabeça. A bendita poção era tão complicada que Harry abençoou mentalmente o inventor do analgésico.
O rapaz estava sentado, como de costume, no fundo da sala, junto com Rony e Hermione. Os grifinórios também estavam no fundo, com exceção de Neville, que chegou atrasado e foi obrigado por Snape a sentar bem à frente da sua mesa. É desnecessário relatar que Neville estava mais branco que papel, de medo, em primeiríssimo lugar, por estar bem de frente ao mestre que tanto implicava com ele; em segundo, por estar no meio de todos os sonserinos, que sempre sentavam à frente, e não desperdiçavam uma chance de caçoar de um assustado Neville.
Rony bufou pela enésima vez ao seu lado. Harry não se importou e continuou a copiar distraidamente os ingredientes da poção, fazendo cálculos mentais de quanto tempo seria necessário deixar de lavar o cabelo para possuir algo tão seboso na cabeça como Snape o tinha. Hermione, ao contrário dos amigos, levantava e abaixava a cabeça várias vezes para conferir se tinha copiado certo os ingredientes, enquanto escrevia freneticamente.
- Muito bem. – Snape disse com sua voz fria e letal, virando-se e olhando os alunos, enquanto batia uma mão na outra para limpá-las do giz. – Esses são os ingredientes que usaremos nessa poção. Todos estavam na lista de material desse ano, e espero que ninguém tenha esquecido de trazê-los para a aula de hoje... – ele insinuou com a voz mais letal ainda, encarando com os olhos estreitos Neville, que se encolheu na cadeira e pôs-se a vasculhar a mochila, procurando os ingredientes. Os sonserinos abafavam risadinhas.
- A poção deve ficar de um tom caramelo, nem mais claro, nem mais escuro que isso. – o mestre instruiu. Neville tremeu. Nunca conseguia atingir a coloração perfeita de uma poção. – Juntem os ingredientes líquidos primeiro, os sólidos devem ser picados em pedaços pequenos, e só devem ser adicionados depois de fervidos todos os líquidos. – ele parou de falar por um instante e depois falou num tom de voz urgente. – Vamos, o que estão esperando? Andem logo com isso, vocês não têm o dia todo, sabiam?
Todos se puseram a seguir as instruções do professor, que andava pelas carteiras examinando o trabalho dos alunos. Parou muitas vezes ao lado de Harry para criticar alguma coisa; às vezes, também criticava Rony, que bufava mais vezes depois que o professor ia embora. De Hermione, Snape não teve o que criticar, como sempre.
Harry estava tendo problemas com a sua poção, que adquirira uma cor mais próxima de sorvete de creme. Rony, por sua vez, parecia estar fabricando mais uma bomba de bosta das "Gemialidades Weasley", já que a dele estava até mais escura do que isso. Hermione sorriu vitoriosa para Snape quando ele parou ao seu lado, com a prancheta de notas. A garota exibia uma poção exatamente da cor dos caramelos que Harry comprara no Expresso de Hogwarts.
Foi no momento em que Snape examinava a poção de Rony, com uma expressão de desagrado e crescente nojo, que a porta da masmorra se abriu com um estrondo. As cabeças de todos os alunos se viraram instantaneamente para o lugar. Snape, por sua vez, não moveu nem por um centímetro os olhos da poção de Rony, como se já soubesse quem era ou o que estava por vir.
Na porta da masmorra encontrava-se a professora de Defesa Contra as Artes das Trevas, Samantha Stevens.
Como sempre acontecia, os olhos dos garotos brilharam, e suas bocas abriram-se em êxtase. As garotas se voltaram instantaneamente para suas poções. Harry observou com curiosidade os rostos abobados de todos os jovens de sexo masculino na classe. Não podia deixar de entendê-los, quando os via boquiabertos e babando, afinal a professora era muito bonita. Mas parecia ser o único ali que não estava naquela situação. Muito pelo fato de evitar olhar para a professora, já que o olhar dela sempre o deixava incomodado.
Samantha Stevens estava ainda parada na porta, as mãos cruzadas sobre o peito, uma expressão de profunda irritação, talvez pela atitude de Snape, que a ignorava solenemente.
- Não vai ao menos se virar para ver quem está plantada feito um dois de paus na porta da sua masmorra fedorenta, senhor "estou-ocupado-não-me-encha-saco"? – ela ironizou.
Os grifinórios, até mesmo as meninas mais irritadas com a professora, não puderam deixar de abafar as risadas, algumas até sendo soltas sem nenhum pudor. Mesmo os sonserinos tiveram que rapidamente transformarem risos em acesso de tosse. Harry, Rony e Hermione foram os que menos puderam rir, já que Snape estava exatamente na mesa deles, ainda examinando a poção de Rony. Puderam ver a expressão de desprezo que Snape mantinha quase sempre no rosto passar rapidamente para ódio profundo. Ele estreitou os olhos e se virou para a classe.
- Silêncio! – esbravejou. – Dez pontos a menos para a Grifinória pelo tumulto.
- E dez pontos a menos para a Sonserina, já que também riram. – a professora disse calmamente, transportando as mãos para os quadris. Rapidamente todos os alunos voltaram às suas poções, depois dos pontos perdidos para os dois lados.
- Sua poção está nojenta, Weasley. Eu lembro de ter dito claramente que a poção deveria ser cor de caramelo e não escura como a sua. – Snape provocou, com a voz fria.
Harry pôde ler nos lábios do amigo quando, depois que Snape se concentrou em escrever a nota na prancheta, ele movimentou a boca, claramente dizendo as palavras "aqui o único nojento é você, seu filho da...", e completou com uma palavra que certamente não ousaria falar na frente da Sra. Weasley.
- Eu daria sete e meio, no mínimo.
A voz da Profª. Stevens se fez ouvir. Ela já tinha cruzado a sala, chegando ao fundo. Disse essa frase com um olhar de quem era muito entendida no assunto, olhando com ar debochado por cima dos ombros de Snape para a prancheta que ele segurava.
- O que você entende disso, Stevens? – Snape perguntou, voltando-se agora para a poção de Harry, fazendo uma expressão não de desagrado, mas de diversão ao ver a cor dela.
Todos os alunos apenas fingiam estar absortos em seus afazeres. A verdade é que todos, sem exceção, observavam a cena entre os professores. Harry também o fazia, mas não pela mesma curiosidade dos outros e sim por causa do que descobrira alguns dias atrás. Lembrou-se da conversa que teve com Murta no banheiro e o que ela disse sobre a discussão entre Snape e a Profª. Stevens. O que mais o intrigava ainda era a menção de seu nome no meio disso tudo...
- Muito mais que você, Severo, diga-se de passagem. – a professora respondeu petulante à pergunta de Snape. Harry estranhou que, mesmo com o tom que ela utilizava, ainda assim o tratasse pelo primeiro nome.
- Acontece que eu sou o professor de Poções aqui, e você está atrapalhando meu trabalho, Stevens.
- Você é um convencido, Severo, quem disse que eu vim aqui para falar com você?
Pela primeira vez, Snape tirou os olhos do que estava fazendo e olhou intrigado para a professora, que sorria marotamente.
- Por que está aqui, então?
Como resposta, ela se debruçou de modo bastante provocante na mesa de Harry, Rony e Hermione, bem na frente de Rony, que estava entre os amigos. Harry reparou que as orelhas do amigo ficaram bastante vermelhas; Hermione parecia ter notado também, porque deu um beliscão forte na parte do braço do namorado que estava escondida debaixo da mesa. Rony engoliu em seco e arregalou os olhos, mas não exprimiu nenhuma exclamação de susto ou dor.
- Preciso que o Sr. Potter e a Srta. Granger me acompanhem. – a professora disse, sorrindo para os dois. Poderia ser só impressão, mas Rony pareceu um pouco decepcionado.
Harry e Hermione se entreolharam confusos. O rapaz não conseguia atinar o que a professora poderia querer com ele e a amiga. Um pensamento ridículo passou por sua mente: e se fosse sobre o que ela e Snape estavam discutindo, e se ela queria contar o que sabia a Harry? Logo descartou essa idéia, era impossível. Além disso, se fosse por esse motivo, por que chamaria Hermione também?
- Eles estão ocupados agora, e a aula ainda não terminou, Stevens. – Snape retrucou num tom seco e de quem não aceitava insistência.
A mulher pareceu não perceber o tom do mestre, porque se levantou e chamou com a maior cara de pau do mundo Harry e Hermione, ignorando totalmente Snape:
- Os senhores me acompanhem, por favor.
- ELES NÃO VÃO! – Snape descarregou toda a sua raiva e bateu com força na mesa, encarando a mulher. O caldeirão de Harry se mexeu, e a poção que estava dentro movimentou-se furiosamente, quase caindo para fora do recipiente. Harry decidiu segurar o caldeirão para que a poção não caísse, caso Snape tivesse outro ataque. Não queria perder sua nota, mesmo que soubesse que seria mínima.
Diante da explosão do mestre, todos os alunos deixaram o pudor de lado, e começaram a olhar descaradamente para os professores.
Samantha Stevens não se intimidou com a reação de Snape. Ela até sorria vitoriosa, como se fosse isso que esperasse, ou quisesse. Olhou o relógio e em seguida para os garotos. Depois se voltou novamente para o mestre, com uma expressão cínica.
- Faltam apenas dez minutos, Severo. Além disso, você já deu as notas deles, como estou vendo. – ela apontou para a prancheta.
- Já disse que eles não vão.
- Ah, eles vão sim! – ela insistiu e encarou Snape muito de perto, seus narizes quase se tocando. – Vão porque eu quero e você sabe muito bem o que acontece quando as coisas não saem do meu jeito.
Snape inspirou e expirou várias vezes, como se tentasse se acalmar. Ele fez uma cara muito feia, pior do que a pior que já fizera alguma vez para Harry (e as caras que ele fazia para Harry eram as piores). Bufando de raiva, ele se virou para o rapaz, e Harry pensou que iria descarregar nele toda a raiva que sentia. Mas não, pelo menos não tão abertamente quanto o rapaz pensou. Snape deu uma última olhada na poção de Harry e, em seguida, anotou alguma coisa na prancheta que lembrava muito um zero. Depois levantou os olhos e lançou um olhar venenoso para Harry e Hermione, dizendo:
- Sumam e não apareçam mais na minha frente. E levem suas coisas com vocês!
A Profª. Stevens soltou um gritinho extasiado de satisfação e disse:
- Sabia que ia me escutar, Severo! Sr. Potter, Srta. Granger, acompanhem-me, por favor!
Harry e Hermione juntaram rapidamente as coisas nas mochilas, colocaram-nas em suas costas, e levantaram confusos, passando por Snape e a professora, que indicava quase alegremente por onde deveriam ir, o que deixava o professor ainda mais furioso. Rony olhava suplicante para os amigos, pedindo com os olhos para que não o deixassem sozinho com um Snape espumando pela boca. Mas os dois nada puderam fazer, a não ser obedecer à professora. Samantha Stevens ainda olhou uma última vez por cima do ombro de Snape e disse sua última frase, apontando para a prancheta:
- Ele merecia muito mais do que isso. Eu daria oito e meio, talvez nove.
- SAIA DAQUI! – Snape gritou exasperado para a mulher, que deu uma risadinha sarcástica e saiu, conduzindo Harry e Hermione.
Assim que a professora fechou a porta, depois que os garotos passaram, ela suspirou e comentou, mais para si mesma do que para eles:
- Babaca. Você sempre foi um babaca, Severo Snape.
Hermione e Harry se entreolharam com as expressões mais surpresas do mundo. Todos sabiam que havia professores que não se suportavam na escola, mas nenhum deles declarava isso na frente de alunos. Ainda mais xingar um colega como a professora fez. Ela percebeu a estupefação dos garotos e perguntou, como se aquilo fosse a coisa mais comum que existisse:
- Vão dizer que não concordam?
Obviamente, eles concordavam, mas preferiram ficar calados enquanto a professora os conduzia em silêncio pelo corredor. Havia uma grande diferença entre a opinião da professora e a deles: ela podia expressá-la, eles não. Pelo menos não o fariam, sabendo que poderiam perder pontos por isso ou que Snape os perseguiria ainda mais se chegasse a saber.
A mulher os conduziu pelos corredores frios das masmorras até o saguão de entrada e depois, subindo as escadas, na direção do primeiro andar. Harry e Hermione limitavam-se apenas a trocas de olhares confusos. Ficaram em silêncio um bom tempo até que a própria professora o quebrasse:
- Provavelmente devem estar imaginando o porquê de eu ter ido chamá-los.
Eles não responderam, apenas continuaram seguindo-a.
- Bem, não foi por minha causa que fui lá. Estou fazendo um favor a alguém que quer vê-los.
- Quem? – Hermione perguntou intrigada.
- A Prof. McGonagall.
Hermione fez uma expressão de quem estava entendendo. Harry não estava entendendo nada, no entanto.
- Acho que ela quer conversar com a senhorita sobre a monitoria. – a professora comentou, referindo-se à Hermione. – A senhorita é a monitora da Grifinória, não é?
- Sim. – a garota respondeu, mas depois franziu as sobrancelhas. – Mas o Rony também é, por que ela não o chamou, então?
- Bem, talvez eu esteja enganada. O assunto deve ser outro.
Não falaram mais nada a partir daí. Harry seguiu pensando no porquê da Profª. McGonagall tê-lo chamado também. Não havia mistério nenhum em chamar Hermione, havia muitos assuntos em comum entre ela e a professora de Transfiguração, mas com Harry não. Uma possibilidade lhe preocupou: e se fosse algum recado de Dumbledore? Algo relacionado a Voldemort? Sem pensar, coçou a cicatriz no mesmo instante.
Chegaram até a já conhecida porta da sala da diretora da Grifinória. Samantha Stevens abriu a porta e deu passagem aos dois garotos. Minerva McGonagall estava sentada atrás de sua mesa, examinando alguns papéis, os óculos com aros de tartaruga bem na ponta do nariz. Ela levantou os olhos de sua ocupação assim que ouviu a porta abrir. Parecia intrigada quando perguntou:
- Pensei que esperaria até o final da aula de Poções para trazê-los, Stevens. A aula ainda não terminou, ou estou enganada?
- Não, a aula ainda não terminou. Mas eu preferi ir agora, já que tenho uma aula em... – ela olhou o relógio. - ...cinco minutos. Iria me atrasar se esperasse a aula de Severo acabar. Por falar nisso, preciso ir.
- Ah... sei. – a Profª. McGonagall disse descrente. – Tudo bem. Obrigada pelo favor, Stevens.
- Disponha. – a outra sorriu e se virou para os garotos. – Até.
E saiu fazendo barulho com os saltos do sapato.
A Profª. McGonagall arrumou os óculos no rosto e olhou de Harry para Hermione, e depois de Hermione para Harry.
- Anh... Harry? Será que você poderia esperar lá fora enquanto eu dou uma palavrinha com Hermione?
A garota corou ao ouvir pronunciado seu primeiro nome pela professora. Harry nem se importou, já que desde o ano anterior, quando descobriu que Minerva fora melhor amiga de sua avó e madrinha de sua mãe, ela o chamava pelo primeiro nome. O rapaz assentiu e saiu, deixando as duas a sós.
Ficou alguns minutos esperando encostado na parede do corredor, ao lado da porta da sala. Quando esta se abriu, viu uma Hermione pálida e trêmula sair do recinto.
- O que foi, Mione? – perguntou preocupado.
A garota olhou para o amigo, assustada.
- O que foi? O que aconteceu, você está pálida...
- Anh... nada, Harry, tá tudo bem...
Não parecia estar tudo bem. Hermione notou a expressão descrente do amigo.
- Depois eu conto, Harry. É melhor você ir ouvir o que a Profª. McGonagall tem a dizer.
Ainda hesitante, ele entrou na sala, deixando a amiga do lado de fora. A Profª. McGonagall, olhando pelo vidro da janela, não parecia muito diferente de Hermione. Estava ligeiramente mais pálida do que antes, e em seus olhos Harry viu tristeza. Ela olhou para o rapaz quando ele entrou e disse, sentando-se na cadeira atrás da mesa e indicando a que estava à sua frente:
- Eu preciso mesmo falar com você, Harry.
O rapaz se sentou e perguntou antes que conseguisse frear seus impulsos:
- A senhora sabe o que aconteceu com a Mione, professora? Ela estava pálida quando saiu.
Ela pareceu preocupada.
- Pálida? Bem... – ela pensou por alguns instantes e depois voltou à sua postura rígida habitual. – Não importa. Se ela quiser, contará a você. Não se preocupe, Harry, ela ficará bem.
O rapaz apenas assentiu diante dessa resposta.
- Mas o motivo pelo qual lhe chamei aqui é outro.
Harry levantou os olhos.
- Vou ser direta. Você já está escolhendo os novos jogadores do time de quadribol?
Era isso então. Harry suspirou aliviado, pensara em inúmeras coisas, e já estava ficando preocupado. Quadribol era uma espécie de obsessão para a professora, que sempre cobrava muito dos times, desde vários anos atrás. Ela tinha uma rivalidade grande com o Prof. Snape e não admitia perder para ele, ou seja, para o time da Sonserina, principalmente.
Entendendo o silêncio do rapaz como um "não", ela revirou os olhos e continuou a falar:
- Era o que eu pensava. Bem, Harry, então precisamos conversar a respeito. Você é o capitão e confio em você para tomar boas decisões para o novo time.
- O Rony também está no time. Por que a senhora não o chamou também?
- Simplesmente porque você é o capitão e é em você que confio para falar disso. O Sr. Weasley, apesar de ter feito um bom desempenho ano passado como goleiro, ainda não é tão experiente quanto você. Ele está no time há apenas um ano, enquanto que você está há cinco. É natural que eu confie mais em você.
Harry não disse mais nada. Ela continuou:
- Para início de conversa, gostaria que me dissesse como está o time atual.
- Bem... eu, como apanhador e capitão, e o Rony como goleiro. Faltam todos os artilheiros e batedores.
- É, tem razão. Depois que os Srs. Weasley e as Srtas. Jonhson, Spinnet e Bell terminaram o curso, os lugares ficaram vagos. É uma pena, eles eram bons jogadores, como se vê poucas vezes...
Harry estranhou aquele súbito elogio. Isso era difícil por parte da professora. Receber um elogio dela era realmente algo do que se orgulhar. Fez uma nota mental de contar isso para os gêmeos e as meninas quando os visse.
- Eles eram muito bons mesmo. – Harry disse. – Acho que sentirei a falta deles quando jogar novamente.
Ela assentiu.
- Mas você já tem em mente sugestões para os novos jogadores?
Harry engoliu em seco. Ela o pegara de surpresa. A verdade é que ainda não tinha pensado nisso. Enquanto ela o encarava esperando uma resposta, ele repassou mentalmente e rapidamente seus companheiros da Grifinória, de todos os anos. Nenhum passava pela sua cabeça, nenhum que se encaixasse nas vagas disponíveis. Também, como poderia indicar alguém se nunca vira nenhum deles jogar? Bem, nem todos. Já vira Rony, mas ele já estava no time. Hermione... já a vira jogar algumas vezes, mas mesmo gostando muito da amiga considerava que ela, como jogadora de quadribol, era ótima nos estudos, ou seja, ela era uma negação jogando. Mas... bem, tinha visto outra pessoa e seu rosto se iluminou ao lembrar quem era.
- Eu não tenho muitas opções, já que nunca vi quase ninguém jogando, mas lembrei de uma pessoa, professora.
- Sim?
- A Gina.
- A Srta. Weasley? Mas ela não é sua namorada?
Harry percebeu aonde ela queria chegar.
- Não é proteção, professora. Eu já a vi jogando, e ela realmente conseguiu enganar bem o Rony algumas vezes. E ele é um bom goleiro.
- Pode ser... – a professora deu um sorriso enviesado. – Outro Weasley? Parece que essa família possui quadribol nas veias...
Harry riu baixinho. Era verdade. Além de Gina ser uma opção promissora, Rony era o atual goleiro, os gêmeos foram batedores até o ano anterior, e Carlinhos, irmão mais velho deles, fora o mais famoso apanhador da Grifinória até Harry chegar.
- Bem, você tem certeza disso, Harry? Podemos considerar a Srta. Weasley uma opção?
- Eu acho que sim, professora. Pelo que vi, ela daria uma boa artilheira. Eu posso falar com ela e testá-la.
- Certo. Mas ainda assim... Faltarão outros dois artilheiros e dois batedores...
- Convidarei os alunos da Grifinória para fazerem um teste para as vagas. Provavelmente eles sabem muito bem no que são bons. Eu e o Rony poderemos escolher os melhores dentre eles.
A professora sorriu.
- Sim, acho que essa é a saída. Mas... eu gostaria de estar presente nesse treino.
Harry quase engasgou, mas se recompôs antes que a professora pudesse notar. Aquilo era inconcebível! A professora simplesmente não podia estar presente no teste. Primeiro, porque Harry se sentiria imensamente incomodado e desconfortável, segundo porque os candidatos às vagas também se sentiriam.
- Bem, professora... Eu acho melhor a senhora não estar presente...
- E por quê?
O rapaz decidiu não contar o primeiro motivo.
- Os candidatos às vagas poderiam se sentir... desconfortáveis...
- Você acha? – ela pareceu ponderar. - Bem, se você diz, vou lhe dar mais esse voto de confiança.
Harry se sentiu aliviado.
- Mas eu quero saber quem são os jogadores novos assim que eles estiverem escolhidos! – ela exigiu.
- Fique tranqüila, professora.
- Você vai fazer isso logo?
- Sim, eu... vou conversar com o Rony e vamos marcar a data.
- Assim fico mais tranqüila. – ela se recostou na cadeira. – Mesmo sendo um time novo, se você se empenhar, Harry, e fazer com que os jogadores se empenhem, temos chance de ganhar. Os outros times também estarão desfalcados, pelo que sei. Todos eles tinham alunos que saíram de Hogwarts ano passado.
- Eu vou dar o melhor de mim, professora. – Harry disse sentindo o peso que a professora lhe colocava nas costas.
- Sei que vai. – ela afirmou, e sua expressão revelava que Harry não teria outra alternativa.
- Era só isso, professora?
- Não, não era só isso, Harry.
- O que mais então? – ele perguntou intrigado.
- Dumbledore me pediu que lhe dissesse a senha da sala dele, caso... – ela suspirou e olhou mais profundamente para ele. - ...precise ir vê-lo.
- Aconteceu alguma coisa? – ele já estava começando a sentir um frio na barriga ao pensar no que poderia estar por vir.
- Não. Ainda não.
Harry não gostou do tom dela. Trazia à tona tudo o que ele não gostava de lembrar. Ela prosseguiu:
- Mas você sabe que pode acontecer alguma coisa a qualquer hora... Bem, a senha é "pudim de leite".
- "Pudim de leite"? – Harry repetiu, sentindo-se mais descontraído e não contendo um leve sorriso. Dumbledore tinha mania de sempre colocar senhas com nomes de doces, fossem bruxos ou trouxas.
- Isso mesmo. – a Profª. McGonagall sorriu novamente enviesado. – Agora acabou, Harry. Está dispensado.
O rapaz se levantou, despediu-se e saiu. No corredor, foi pensando no que a professora tinha falado. Dumbledore tinha lhe dado a senha, será que ele queria saber se Harry tivesse outro sonho? Lembrou-se que não contara do último que tivera, mas agora não adiantava, porque não se lembrava direito dele e não era importante. Além disso, não tivera mais nenhum sonho desde aquele... e isso era estranho... Mas será que era isso mesmo que Dumbledore queria saber? Bem, esperaria por um momento oportuno para vê-lo: quando precisasse ou quando ele mesmo o chamasse.
Parou no meio do corredor para pensar em que caminho tomaria. Estava com a tarde livre, mas já tinha perdido uma boa parte dela. Gina ainda estava em aulas, então não dava para passar a tarde com ela. Poderia ir procurar pelos amigos, se bem que, geralmente, Rony e Hermione utilizavam as tardes livres para ficarem a sós, e Harry acabava sobrando. Mas... agora que se lembrara, Hermione não parecia nada bem quando saiu da sala da Profª. McGonagall. Bem, se a achasse ou então Rony, passaria esta história a limpo e saberia como a amiga estava. Por hora, iria para a torre da Grifinória, ao menos para deixar a mochila por lá.
Quando chegou na torre, percebeu que não precisaria procurar pelos amigos. Rony e Hermione estavam sentados num sofá da sala comunal. Hermione ainda tinha a mesma aparência de quando saíra da sala da professora. Rony dizia algumas coisas para ela, tentando ajudá-la. Harry estava ficando muito preocupado agora. Aproximou-se.
- Mione? – Harry chamou assim que chegou mais perto e se abaixou perto dos amigos.
Os dois se viraram para vê-lo, e Harry reparou que a amiga ainda tinha a mesma expressão assustada de antes. Ela abaixou os olhos e não disse nada. Rony suspirou e parecia cansado. Harry se virou intrigado para o amigo e perguntou:
- Você sabe o que aconteceu, Rony?
Ele fez uma careta.
- Não. Ela não quis me contar. Tá assim desde que chegou, nem parece que teve a sorte grande de perder o resto da aula do Snape... Eu pensei que você soubesse, Harry.
- Mas ela também não me falou nada!
- Dá pra vocês pararem de falar de mim como se eu não estivesse aqui? – Hermione perguntou emburrada.
- Nós só vamos parar se você contar o que tá acontecendo, Mione! – Rony reprimiu. – Nós estamos preocupados com você...
- Não é nada de mais, é besteira! – ela protestou, suas faces ficando vermelhas pela pressão dos amigos.
Rony olhou para Harry sem saber o que fazer. Hermione tinha virado a cara novamente. Harry decidiu falar:
- Mione, o que a Profª. McGonagall te disse? – a amiga se virou para ele mais assustada ainda. – Eu percebi que você ficou diferente depois que falou com ela, e ela também não estava normal quando eu entrei.
- Ela te contou? – Hermione perguntou aflita. Rony parecia não estar entendendo nada.
- Não, ela não contou. Mas ela disse que se você quisesse, iria falar. Você não quer contar pra gente, Mione, é isso?
Rony olhou para a namorada em um misto de preocupação e aflição.
- Não, é que...
- Você pode contar pra gente, Mione... – Rony disse sorrindo ligeiramente e em tom carinhoso. – Nós somos seus amigos desde sempre. Eu posso dizer por mim mesmo que, antes de ser seu namorado, sou seu amigo.
Ela sorriu.
- Eu sei. Mas eu não queria ficar chateando vocês dois com isso, talvez seja besteira... É que eu fiquei realmente assustada...
- Se te faz ficar assim não é besteira. – Rony afirmou. Ela suspirou com alívio.
Harry percebeu que finalmente ela iria se abrir. Portanto, sentou-se no chão mesmo. Ela olhou de um para outro antes de começar, mas olhou mais profundamente para Harry.
- Vocês lembram quando eu contei que tinha batido o recorde da escola nos N.O.M.s? Quer dizer, alcançado o recorde? – as faces dela ficaram rosadas de vergonha.
Harry se lembrou de quando Gina o contara isso numa carta. Rony abriu um grande sorriso e exclamou:
- É claro! Como poderíamos esquecer que você é a aluna mais brilhante da escola?
Ela ficou mais vermelha ainda, mas sorriu.
- Bem... a Profª. McGonagall me chamou para falar sobre isso...
- Ela te chamou para te dar a medalha? – Rony perguntou eufórico e orgulhoso ao mesmo tempo. – Foi isso?
Hermione fez uma cara espantada, como se estivesse lembrando disso somente agora.
- É mesmo... Eu nem tinha lembrado da medalha...
- Você esqueceu? – Harry perguntou divertido e ao mesmo tempo sem entender. – Como você pôde esquecer isso, Mione?
- Bem, depois de tudo, eu...
- Ah, mostra pra gente, Mione! – Rony pediu.
- Ah... tá bom. – ela parecia desnorteada. Revirou a mochila que estava perto e tirou de dentro uma medalha presa em uma fina corrente de ouro. Hermione mostrou a o objeto para os amigos: a medalha era pequena e redonda, estava marcada com o brasão de Hogwarts no meio e, em letras belas e enfeitadas, estava escrito: "Em honra a Hermione Granger".
Harry se sentiu muito orgulhoso pela amiga e sorriu para ela. Rony estava extasiado e deu um grande abraço na namorada.
- Rony, assim você vai acabar me sufocando! – ela disse rindo.
Ele a soltou e falou animado:
- É que eu estou orgulhoso de você! Mas eu pensei que fosse ter uma cerimônia, alguma coisa assim...
- A Profª. McGonagall me perguntou se eu fazia questão, e eu disse que não. Ela me contou que o diretor queria fazer uma cerimônia, mas eu prefiro assim... Eu iria ficar muito sem jeito...
- Puxa, Mione, mas por que você estava assim, então? – Harry perguntou. – Você deveria estar muito feliz! Afinal, você provou mais uma vez que é brilhante!
Ela sorriu um pouco triste.
- É que a professora não me chamou só pela medalha...
- E o que mais então? – Rony perguntou.
- Ela me contou de quem foi o recorde que eu alcancei.
- E de quem foi?
- Deve ter sido alguém tão inteligente quanto você, Mione. – Harry comentou.
- Aí é que tá o problema. Eu me assustei quando soube quem era a pessoa...
- Fala logo quem era! – Rony já estava ardendo de curiosidade.
Hermione respirou fundo e falou:
- Tom Riddle.
O queixo de Rony caiu, ele também lembrava muito bem a quem esse nome pertencia. Harry também não deixou de levar um susto. De todas as pessoas, ele seria a última pessoa em que pensaria para ser o recordista nos N.O.M.s da escola. Se bem que fazia sentido; pelo que sabia, ele sempre fora muito inteligente e aplicado aos estudos, mesmo sendo quem era...
- Voldemort... – Harry murmurou. Tanto Rony, quanto Hermione tremeram ligeiramente.
- Harry! Quando você vai perder a mania de falar esse nome? – Rony perguntou em censura, como sempre fazia quando o amigo pronunciava o nome tão temido entre os bruxos.
- Viram por que eu não queria contar?
- Não é à toa que você ficou assustada... – Rony comentou. – Logo Você-Sabe-Quem...
- Viram? Eu tinha motivo!
- Não, você não tinha.
Rony e Hermione olharam atordoados para o amigo.
- Como não, Harry? Depois disso, como eu não poderia me assustar?
- Qual é o problema, Mione? Você não tem culpa de ter tirado a mesma nota que ele! Isso não significa nada!
- Ah, não? – ela parecia retomar o seu antigo tom de sabe-tudo. – Você não ficaria assustado se soubesse que fez, ou quem tem alguma coisa parecida com ele?
Agora Hermione tocara seu ponto fraco, e tanto ela, quanto Rony, puderam perceber a mudança que tomara Harry. O rapaz abaixou a cabeça e não disse mais nada. Respirou fundo muitas vezes e fechou os olhos. O que a amiga falou fez-lhe lembrar de algo que não queria admitir, mas que alguma coisa, bem no fundo, dizia-lhe que era verdade. Não era a primeira vez que Harry achava que tinha algo de parecido com Voldemort. Não queria isso! Não admitia! Dizia para si mesmo que era invenção de sua cabeça! Tinha que ser! Mas talvez não fosse... Pensava muito nisso desde a conversa que teve com Remo, algum tempo atrás. E isso se reforçou mais ainda depois daquele depoimento no julgamento de Sirius, quando Lúcio Malfoy fez aquelas insinuações. Mas não podia ser verdade, ele não era como Voldemort!
Antes que Rony ou Hermione pudessem falar alguma coisa, Harry levantou os olhos e falou para a amiga, mas sabia que estava dizendo tudo aquilo para si mesmo, na verdade:
- Não é porque você fez algo que tem relação com ele, que é parecida ou é como ele! Isso não é verdade! Você não tem culpa de ter alcançado a mesma nota que ele teve há mais de cinqüenta anos atrás. Não há nada para se assustar ou se envergonhar! Foi só uma... – Harry sentiu que queria que aquilo fosse verdade para ele mesmo. - ...coincidência.
- Anh... – Rony começou, olhando de esguelha para Harry, sem saber quanto o que diria iria martelar na cabeça do amigo por muito e muito tempo. – Uma vez, minha mãe disse que... não existem coincidências.
Aquilo caiu como um gelo no estômago de Harry. Tudo o que estava tentando dizer a si mesmo desmoronou bem diante de seus olhos. Rony não dissera aquilo por mal, porque não sabia o que Harry sentia, mas o rapaz se sentiu acabado depois disso. Se não era coincidência, o que era então? Será que era mesmo como Voldemort? Mas por quê?
Hermione pareceu sentir que o clima ficara pesado depois disso, porque sugeriu numa voz mais aguda que o normal:
- Vamos esquecer isso! Eu falei que era besteira, eu só fiquei encucando com uma besteira qualquer. Harry, eu queria te dizer uma coisa que a professora me contou hoje também. Acho que você vai gostar...
Harry olhou intrigado para a amiga. O que ela poderia dizer agora que melhoraria o seu ânimo? Ela sorriu e falou:
- Bem, a professora me disse que eu acabei passando a pontuação de uma aluna que quase bateu o recorde algum tempo atrás. Ela me contou que essa aluna era muito estudiosa também e que... – Hermione corou ao dizer as palavras seguintes. - ...a professora também a considerava especial, como considera a mim...
- A McGonagall disse isso? – Rony perguntou sorrindo.
Hermione concordou com a cabeça e depois continuou, olhando para Harry:
- O nome dela era Lílian Evans.
Agora era a vez do queixo de Harry cair. Nesse momento, ele esqueceu tudo o que o angustiava dois minutos antes.
- A... a minha... a minha mãe?
Hermione novamente sorriu e concordou com a cabeça. Rony também sorria.
- Sim. A professora disse que ela fez dezoito pontos, por pouco não alcançou o recorde também. Eu achei que você gostaria de saber isso, Harry...
- É claro que eu gostei! – ele disse alegre e emocionado ao mesmo tempo. Sempre se sentia bem ao saber qualquer coisa dos pais, por mínima que fosse. – Como não poderia? A minha mãe... bem que a minha avó disse que ela era estudiosa...
- Quem era estudiosa? – uma voz perguntou atrás de Harry.
Era Gina, que tinha acabado de sair das aulas e chegou-se aos amigos. Ela perguntou isso, dando um beijo na bochecha de Harry e sentando-se no chão, ao lado dele.
Os três, então, contaram a ela o que estavam conversando, mas omitiram a parte de Voldemort. Sabiam o quanto a garota ficava nervosa quando se falava nele, por causa, além de tudo, do que tinha acontecido a ela no seu primeiro ano, na Câmara Secreta.
Gina ficou muito feliz, como os outros, quando Hermione lhe mostrou a medalha que tinha ganho. Em certa altura da conversa, Rony perguntou:
- Mas o que afinal de contas a Profª. McGonagall queria com você, Harry?
Foi nesse momento que Harry olhou para Gina e se lembrou. Ainda não tinha comentado nada sobre o time de quadribol com eles. E precisava muito falar, principalmente com Gina, sobre o assunto.
- Era sobre o novo time de quadribol.
- Sério? – Rony se ajeitou no sofá, interessado. As meninas fizeram caretas, como se soubessem que agora a conversa iria longe. – E o que ela disse?
- Você sabe que o nosso time tá desfalcado, Rony. Só sobraram nós dois do time antigo. Então a professora me chamou para combinarmos como vamos escolher os novos jogadores.
- E como vamos fazer? Um teste, como no ano passado?
- Sim. Foi o que eu combinei com ela, mas é claro que vai ser muito mais complicado do que foi no ano passado. Serão muitas vagas dessa vez. Vou precisar de toda ajuda que puder de você, Rony.
- Pode deixar comigo, capitão! – Rony bateu uma continência muito cômica.
- E vocês vão começar assim, no escuro? Você não tem ninguém em mente, Harry? Pelo menos para ter uma base... – Hermione perguntou.
- Na verdade, só tenho uma pessoa em mente.
- Quem? – Gina perguntou.
Harry se virou com um sorriso para ela.
- Você.
- Eu?! – ela gritou tão alto que alguns alunos do sétimo ano, que estavam estudando, olharam feio para o grupo.
- Ela? – Rony perguntou como se não tivesse ouvido direito.
- Sim, a Gina. – Harry confirmou.
- Harry, você tá doido, por acaso? Eu não sirvo pra isso, não!
- Mas é claro que serve, Gina. Você daria uma ótima artilheira!
Hermione sorria. Rony tinha uma expressão de confusão que só perdia para a de Gina. O irmão da garota perguntou:
- De onde você tirou essa idéia, Harry?
- Ora, do mesmo jeito que tirei a idéia de te colocar como goleiro, Rony! Aqueles jogos das férias ajudaram muito.
- Eu não tô acreditando... – o ruivo murmurou.
Gina olhava descrente para Harry.
- Mas, Harry...
- Nem "mas", nem "meio mas". Você vai fazer o teste, Gina. E então a gente vê se eu tô certo ou não. – o rapaz afirmou convicto.
- Ah, Gina! O que custa? – Hermione encorajou. – E se o Harry estiver certo?
Gina olhou de Hermione para Harry, e em seguida para o irmão, que estava de braços cruzados, olhando descrente para a irmã.
- E você, Rony? O que acha?
Ele deu de ombros.
- Você é quem sabe. Só quero ver o que a nossa mãe vai dizer quando souber que você talvez jogue...
- E qual o problema? – Hermione perguntou.
- Ah... Gina é uma garota, e...
- Isso não é problema! – Hermione protestou, enquanto Harry e Gina assistiam ao início de mais uma discussão entre os amigos. – É uma solução. Garotas sempre são melhores do que os garotos em tudo!
- Até parece... – Rony fez uma careta. – Garotas são frescas e não nasceram para...
- Retire o que disse, Rony Weasley!
- Mas eu ainda não disse nada!
Harry e Gina suspiraram. Isso duraria algum tempo ainda e não adiantava interferir. O rapaz se virou para a ruiva e perguntou:
- E então, você vai fazer o teste?
Gina revirou os olhos.
- Se você tá pedindo...
Harry sorriu e beijou a mão da namorada.
- Obrigado, Gi. Você vai ver como eu estou certo.
Em uma manhã fria de outono, de um sábado, Harry acordou com o barulho insistente do despertador. Mesmo sonolento, tateou com o braço esquerdo no criado mudo, desligando o despertador o mais rápido que conseguiu. Virou-se na cama, saindo da posição de bruços que se encontrava anteriormente. Coçou os olhos antes de colocar os óculos e olhar o relógio: seis horas. Normalmente acordava bem mais tarde em um sábado, mas dessa vez não podia ficar mais na cama como de costume; era o dia que tinha marcado para os testes e ainda precisava preparar as coisas.
"Assim eu pareço o Olívio..." – Harry pensou enquanto se levantava e seguia para o banheiro. Lembrou-se do antigo capitão da Grifinória, Olívio Wood, que era obcecado por quadribol e acordava todo o time o mais cedo que pudesse para os treinos. Agora entendia o colega; do jeito que a Profª. McGonagall era exigente, Harry também não podia relaxar no comando do time.
Já fazia mais de uma semana desde aquele dia em que a professora o chamara para conversar sobre o time. Daquela ocasião até então, Harry, ajudado por Rony, organizou os testes e chamou os alunos do segundo ano da Grifinória para cima, a fim de fazerem os testes. Muita gente se inscreveu, ansiosos por uma vaga no time ou simplesmente para conseguir mais popularidade na escola. Harry, com autorização da Profª. McGonagall, reservou o campo de quadribol durante toda a manhã e tarde também, caso fosse necessário, mas só por precaução. Os testes começariam às oito e meia da manhã e, por isso, Harry acordou cedo. Ainda tinha muito o que preparar antes da hora.
Depois de tomar um banho demorado, Harry colocou as vestes vermelhas e douradas do time, e voltou para o quarto. Pegou a Firebolt, guardada no armário, antes de fazer algo que estava enrolando, pois sabia que seria difícil. Todos os outros garotos ainda estavam dormindo a sono solto. Mas somente um deles precisava acordar agora. Harry se aproximou, então, da cama de Rony e o cutucou para que acordasse. O amigo estava abraçado no travesseiro, murmurando palavras incompreensíveis, com um sorriso idiota no rosto. Harry imaginou se não fazia a mesma coisa; esperava que não.
- Rony! Acorda, Rony!
Nada. Mais alguns chamados e nenhum progresso. Harry já estava ficando impaciente. Sabia que seria difícil acordá-lo, mas não pensou que tanto. Dessa vez balançou o amigo com força e o chamou:
- Rony! Vamos, acorda, eu vou precisar de você hoje!
- Ah, Mione, deixa eu dormir... – e virou para o outro lado.
Aquilo foi o cúmulo para Harry, que gritou bem no ouvido do amigo:
- ACORDA!
Rony praticamente deu um salto da cama e sentou-se rapidamente, com uma cara de susto e espanto, os olhos arregalados e os cabelos despenteados. Ainda assustado, ele se virou lentamente para Harry, que estava com as mãos na cintura, olhando o amigo, com uma expressão de riso, e pensando em uma gracinha para dizer-lhe.
- Que foi, Harry? – ele disse desanimado e já retomando a cara de sono. – O que aconteceu pra você me acordar de madrugada?
- Não é madrugada, Rony... – Harry informou ainda rindo do que pensara. – São seis e meia da manhã. Agradeça que eu fui generoso e te acordei mais tarde. Eu levantei às seis.
Rony encarou o amigo, com os olhos caídos de sono e uma expressão intrigada ao ver o sorriso no rosto de Harry.
- Do que você tá rindo?
- Você me chamou de "Mione" e pediu para eu deixar você dormir mais... O que vocês dois têm aprontado, hein?
Não só as orelhas, como todo o rosto de Rony, ficaram mais vermelhas que os cabelos.
- Nada! A gente não anda fazendo nada, Harry! O que você pensou?
- Nada...
- É verdade!
- Tá bom. – Harry falou, ainda rindo do amigo. Sabia que ele não tinha feito nada, ou contaria, mas era engraçado vê-lo assim. Começou a empurrá-lo para fora da cama. – Vamos, pára de enrolar, Rony, e levanta logo!
- Ah, Harry, mas por que você tá fazendo isso comigo? – ele choramingou.
- Porque você vai ter que me ajudar com os preparativos para os testes, esqueceu?
- Mas não podia ser mais tarde?
- Não! Levanta!
- Tá bom... – ele disse em tom de reclamação e levantou.
- Toma um banho pra ver se acorda. – Harry recomendou. – Vou te esperar no salão comunal, OK?
- Tá... – Rony respondeu, ainda se arrastando na direção do banheiro.
Harry sorriu ligeiramente e desceu. Ficou esperando uns vinte minutos, sentado em uma das poltronas de veludo, até que Rony descesse bocejando e com as vestes de quadribol desarrumadas. Ele parou na frente de Harry com uma expressão indignada:
- Eu ainda não acredito que você fez isso comigo! Hoje é sábado!
- Vá se acostumando. – Harry disse se levantando. – Do jeito que a McGonagall me cobra, eu também vou cobrar muito de você e dos outros que entrarem no time.
Rony suspirou e bocejou ao mesmo tempo. Os dois, então, saíram pelo buraco do retrato da Mulher Gorda "Ei, aonde vão tão cedo?", e começaram a descer as escadarias. Rony bocejava de cinco em cinco segundos e às vezes parecia estar dormindo em pé; Harry sempre tinha que cutucá-lo de vez em quando.
Quando chegaram ao pé da escada do saguão de entrada, Rony, já mais acordado, disse sua primeira frase desde que saíram da torre da Grifinória:
- Eu tô com fome.
Harry parou de andar.
- Você só pensa em comer, Rony?
- A essa hora da manhã, ou eu penso em comer, ou em dormir; escolhe.
- Bem, melhor comer então... – Harry respondeu, sentindo que seria bom mesmo comer alguma coisa antes, mas ainda não podiam ir para o salão principal. Foi nessa hora que Harry teve uma idéia e seguiu na direção de uma porta à direita. Rony o seguiu intrigado.
- Pra onde você tá indo? O salão principal fica para o outro lado... – o amigo falou, apontando para o lado oposto ao que Harry estava indo.
- Esqueceu que nos fins de semana o café só é servido às oito? – Harry perguntou abrindo a porta. – A menos que você queira esperar mais uma hora para comer, vá para lá.
- É mesmo... – Rony concordou, enquanto desciam um lance de escadas de pedra. – Mas para onde vamos?
- Você ainda não notou?
- Não penso racionalmente de manhã.
- Só de manhã?
- Ei!
Harry riu, e Rony emburrou a cara. Estavam agora em um largo corredor de pedra, iluminado com archotes e decorado com alegres pinturas de comida. Quando Harry parou em frente à de uma fruteira de prata, Rony desfez a cara feia e abriu um sorriso, dando um soquinho amistoso no braço do amigo:
- Agora entendi, você é um amigão mesmo, hein?
Harry começou a fazer cócegas na grande pêra verde, que riu e se transformou em uma maçaneta. O rapaz abriu a porta e entrou seguido por Rony. Estavam, agora, em um enorme aposento de teto alto, a cozinha de Hogwarts. Vários elfos domésticos trabalhavam freneticamente, preparando os mais deliciosos quitutes para o café da manhã. No mesmo momento em que os dois garotos entraram, todos se viraram para olhá-los e, quando os viram, começaram a trabalhar mais freneticamente ainda. Somente um elfo, vestido da forma mais esdrúxula possível, veio correndo para onde os dois estavam, com um sorriso de felicidade no rosto.
- Harry Potter, meu senhor! Harry Potter veio visitar Dobby! – Dobby, o elfo doméstico, abraçava Harry fortemente na altura do diafragma.
- Oi, Dobby... – o rapaz disse sentindo uma falta de ar que só passou quando ele o soltou.
- E o senhor Wheezy também veio! – Dobby guinchou olhando ansiosamente para Rony, que sorriu amarelo no momento em que o elfo o abraçou como fez com Harry.
- Weasley. – Rony corrigiu depois do abraço.
- Dobby pede desculpas, senhor Wheezy.
Rony suspirou derrotado. Harry riu discretamente.
- Ei, Dobby... – Rony começou, com um olhar interesseiro. – Você não tem nada aí pra gente comer? É que eu tô com uma fome, sabe?
- Sim, sim! Dobby trazer coisas para Harry Potter e o senhor Wheezy comerem! – ele exclamou feliz da vida. – Harry Potter e senhor Wheezy esperam aqui! – e saiu quase saltitante em busca de comida.
- Você é um interesseiro, Rony...
- Não vai me dizer que você veio aqui só para ver como o Dobby estava, Harry?
Dobby voltou nesse instante carregando uma bandeja enorme de comida por cima da cabeça.
- Nossa, Dobby! Não precisava tudo isso! – Harry exclamou surpreso.
- Tá ótimo! Valeu, Dobby! – Rony tinha uma atitude totalmente diferente e se serviu rapidamente de pedaços de bolo de laranja e sanduíches.
- Dobby ficar feliz de servir Harry Potter e seus amigos! – o elfo disse sorrindo. – Coma, Harry Potter! Comida dos elfos de Hogwarts muito boa mesmo!
Harry se serviu de alguns biscoitos e pedaços de bolo.
- E então, Dobby? O que você me conta de novo? – perguntou mordendo uma bolacha salgada. Rony se esbaldava de comer.
- Ah! Harry Potter está perguntando como Dobby está! Harry Potter é muito generoso e atencioso!
Harry sentiu que corara de vergonha. Não gostava quando Dobby fazia esses elogios exagerados.
- Dobby está muito bem mesmo, Harry Potter! – ele continuou desatando a falar. – Dobby saiu de férias nesse verão!
- Férias? – Rony perguntou com a boca cheia de farelos de bolo. – Você foi pra onde?
- Hogsmeade! – ele respondeu animado.
Rony deu de ombros e voltou a comer.
- Foram só alguns dias, mas Dobby se divertiu muito. Professor Dumbledore ser muito generoso com Dobby. Professor querer mais dias para Dobby, mas Dobby dizer não! Dobby sabe de seus deveres e sabe que precisar trabalhar! – ele se aproximou dos dois garotos e disse em um tom mais baixo. – Mas a viagem só foi mais divertida porque Dobby estava acompanhado...
- Hum.... Acompanhado? Como assim? – Rony perguntou malicioso.
O elfo ficou muito vermelho.
- Dobby estar de compromisso...
- Você tá namorando? – Harry perguntou animado. – Quem?
- Winky! – ele respondeu com um sorriso de orelha a orelha. – Dobby e Winky estar namorando desde o início do verão!
- Dobby, seu espertinho... – Rony falou, dando uma piscadela para o elfo. – E nem contou nada pra gente, né?
- Dobby não teve oportunidade... – ele estava mais vermelho do que nunca.
- Dobby! – uma elfa, vestida mais discretamente que Dobby, mas ainda assim de forma esquisita, guinchou com uma voz fina e veio na direção deles. A elfa, ou melhor, Winky, parou de andar quando viu os garotos e fez uma reverência. – Bom dia, senhores. Os senhores querem alguma coisa?
- Dobby já nos serviu, obrigado, Winky. – Harry respondeu.
- E ele nos contou do namoro de vocês. – Rony comentou.
Winky ficou vermelha como um pimentão, e murmurou alguma coisa para Dobby no sentido de precisarem dele na cozinha, para depois sair em disparada. Dobby sorriu e se virou para os garotos:
- Dobby precisar ir. Harry Potter e o senhor Wheezy querer mais alguma coisa? Dobby traz!
Rony ia pedir algo, mas Harry o cortou:
- Não, Dobby, não queremos. Obrigado pelo lanche e parabéns para você e Winky.
- É, Dobby, parabéns. – Rony olhou feio para Harry por não tê-lo deixado comer mais.
- Dobby agradece. – e ele saiu na mesma direção de Winky.
Harry e Rony também saíram e tomaram a direção do saguão de entrada. Quando estavam quase na enorme porta de carvalho, Harry perguntou:
- Sente-se melhor agora?
- Depois de comer? Sim! – Rony comentou alegre, prolongando o "sim" de propósito. A seguir, virou-se para Harry de supetão: - Dobby tirando férias e namorando? A Mione precisa saber disso, não acha?
- Com certeza ela vai ficar feliz. – o rapaz respondeu, lembrando-se da obsessão da amiga pela causa dos elfos domésticos.
- O perigoso é ela retomar o "fale".
Os dois saíram pela porta de carvalho; Harry caminhando com a Firebolt no ombro e Rony ao seu lado, não mais bocejando. O dia já estava claro, e o sol aparecia tímido por detrás das nuvens. O clima não estava nem muito frio, nem calor. Uma manhã agradável para quadribol.
Harry e Rony caminharam até o campo, e começaram a organizar tudo. Foi preciso separar todas as vassouras necessárias, alguns equipamentos, como luvas para os artilheiros e bastões para os batedores, além das bolas do jogo. Não foi muito difícil porque os dois estavam trabalhando juntos. Terminaram tudo às oito e puderam ouvir os ruídos que anunciavam um novo dia começando em Hogwarts. Ainda tinham meia hora de sobra, e Harry reparou que a expressão de Rony dizia claramente "Podíamos ter acordado mais tarde". Foi então que teve uma idéia.
- Ei, Rony?
- Que foi?
- Que tal uma corrida?
O rosto do amigo se iluminou.
- Tá falando sério?
- Claro!
Rony rapidamente pegou uma das vassouras disponíveis, ou seja, uma Cleensweep Seven: velha e com as cerdas desparelhadas. O rosto de Rony, tão rápido como se iluminou, escureceu assim que olhou da Firebolt de Harry para a velha Cleensweep. Soltou um muxoxo.
- Isso é injusto! Eu vou perder feio!
- Não seja por isso. – Harry arrancou a Cleensweep da mão de Rony e ofereceu a Firebolt para ele. O rosto de Rony voltou a se iluminar.
- Eu não acredito! Você...
- Pega antes que eu mude de idéia!
Rony segurou, então, a vassoura de Harry como se ela fosse feita de ouro. Os dois se posicionaram nas vassouras. Rony, com um sorriso maroto, provocou:
- Duvido que você ganhe de mim agora, Harry!
- Ah, é? Pois eu duvido que você me supere mesmo com a Firebolt, Rony!
Harry, obviamente, estava blefando. Sabia que Rony só perderia se errasse feio. Chegava a ser covardia competir uma Cleensweep com uma Firebolt, mesmo que o piloto fosse bom.
- Bem, então vamos ver!
- Quando eu contar três. – os dois se prepararam. – Um... dois... TRÊS!
E dispararam. Rony muito na frente, algo que Harry já previra, afinal a aceleração da Firebolt era insuperável. Harry sentiu a diferença de pilotar uma simples Cleensweep, que era bem mais instável e lenta. Porém, depois de algum tempo tomando velocidade, conseguiu se estabilizar melhor na vassoura. Sentia a brisa fria da manhã roçar-lhe o rosto e despentear ainda mais os cabelos já despenteados. Aquela antiga sensação de prazer ao voar novamente tomou conta do rapaz, e ele nem percebeu que abrira um grande sorriso.
Ao mesmo tempo, Rony parecia uma criança pilotando a Firebolt; subiu pelo menos uns quinze metros rapidamente, Harry observando tudo de trás. O ruivo fazia curvas bruscas com facilidade, e numa delas gritou, provocando:
- Eu disse que você não conseguiria me alcançar, Harry! Você nunca vai conseguir!
Agora era um desafio. Harry esqueceu que Rony era seu amigo e que aquilo era apenas uma brincadeira; abaixou-se na vassoura e imprimiu o máximo de velocidade que conseguiu nela. Aproveitou-se de um erro de Rony, no qual ele abriu uma curva muito grande, e cortou caminho em uma linha reta até onde estava o amigo, conseguindo emparelhar com ele. Rony se assustou, e Harry percebeu que ele, a partir daquele momento, também passou a encarar com seriedade a disputa. A aparência de Rony poderia enganar, Harry pensou, mas ele sabia que o amigo era muito competitivo, assim como também o era.
Rony imprimiu mais velocidade à Firebolt e tomou a dianteira. Harry quase deitou na vassoura e conseguiu alcançá-lo novamente. Os dois fizeram, lado a lado, a volta em torno dos aros, sempre se esbarrando de vez em quando. Rony tentou escapar em um mergulho próximo às arquibancadas geralmente ocupadas pelos alunos da Corvinal durante os jogos. Harry o seguiu muito de perto, voando na velocidade máxima que a vassoura podia atingir; foi nesse momento que ele viu: em uma abertura na arquibancada, que dava acesso aos patamares mais altos, dois olhos vermelhos o encaravam na escuridão. Eles brilhavam como dois rubis sob a luz da lua na noite.
Harry sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha quando ouviu palavras sem sentido em uma voz sibilante. Não sabia de onde elas vinham, mas penetravam na sua mente sem pedir licença. Não conseguia entender, eram palavras estranhas, que nunca ouvira antes. Assim que as ouviu dentro de sua cabeça, sentiu um aperto no peito e uma súbita falta de ar. Fechou os olhos, mas mesmo assim podia vê-los, aqueles olhos vermelhos, dentro de seus pensamentos. Não ouvia mais nenhum som exceto aquela voz sibilante dentro de sua cabeça. O ar não chegava aos seus pulmões, e ele começava a se desesperar em busca dele, abrindo a boca e inspirando com toda a força que conseguia, mas a impressão que tinha era que o oxigênio esvaíra-se do ambiente. Aqueles olhos vermelhos ainda o encaravam na sombra de seus pensamentos, e imagens se formavam difusas na sua mente agora; não conseguia distinguí-las, mas a cada borrão que passava na sua frente, o aperto no peito aumentava. Sentiu o corpo paralisar membro por membro, e a última imagem que viu foram novamente os dois olhos vermelhos, antes de sentir novamente os membros e, junto com eles, o baque violento na grama fofa.
Primeiramente sentiu o impacto brusco no chão, para depois a dor do baque invadir seu corpo. Por um lado, isso o aliviava; era melhor sentir dor do que não sentir o corpo, o que era desesperador. Percebeu-se rolando na grama, ainda levemente úmida do sereno da noite anterior, até parar de costas e abrir os olhos. O que viu foi o céu nublado acima de si. Notou que conseguia respirar agora, e fazia isso profundamente e rapidamente, como que tentando recuperar todo o ar que não conseguira aspirar anteriormente. A cabeça estava rodando, e ele se sentia um pouco tonto; no corpo ainda permanecia uma sensação de desconforto, como se tivesse sido espancado. Ao mesmo tempo, não mais a voz e as imagens o perturbavam, estas sumiram como apareceram, sem nenhuma explicação. Ainda ficou alguns instantes naquela posição, estendido na grama, olhando o céu e tentando entender o que acontecera, num total estado de estupor, até que viu um rosto invertido sobre si: Rony o olhava com uma expressão que misturava espanto e preocupação.
- Harry? Você tá bem?
O rapaz rapidamente se sentou, e o mundo pareceu girar nesse instante. Levou a mão à cabeça, como que tentando colocá-la nos eixos. Ficou um tempo parado, esperando a tontura passar. Assim que ela se foi, ajeitou os óculos tortos no rosto e levantou-se. Com alívio, sentiu que o desconforto no seu corpo estava melhor e que conseguiria se sustentar sem dificuldade. Olhou para Rony, que ainda segurava a Firebolt e parecia não entender nada.
- Eu... estou bem, Rony.
Harry, depois de falar isso, avaliou o estrago que fez em si próprio: não havia nada quebrado, nem machucado. Somente as suas vestes estavam terrivelmente sujas. Porém, não conseguia entender o que acontecera ainda; olhou para o lugar onde vira os olhos, mas não conseguia divisar nada de onde se encontrava. Ouviu Rony perguntar ao seu lado:
- O que aconteceu? Numa hora você tava voando e quase me alcançando, e na outra você tava caindo...
Sem ao menos responder para o amigo, Harry correu naquela direção onde vira os olhos. Será que ainda estavam lá? Provavelmente não, o que quer que fosse, já deveria estar longe... ou talvez não. Não importava, precisava se certificar. Rony, completamente desnorteado, correu atrás do amigo.
Harry parou derrapando no lugar. Era uma das passagens que davam acesso do campo para as arquibancadas. Uma escada levava direto aos patamares mais altos. Estava tudo escuro lá dentro, apenas um facho da luz do sol incidia sobre a entrada, mas o que estava mais além era apenas escuridão. Harry procurou desesperado pelos olhos, mas não os viu. Deviam ter ido embora. Ouviu quando Rony parou, também derrapando, atrás de si:
- O que foi, Harry?
- Rony, você não viu?
- Ver o quê?
- Tinha alguma coisa aqui! – Harry se virou para o amigo com aflição; será que só ele tinha visto? – Eu vi! Tinha algo aqui ou... alguém... Foi isso que me fez cair!
- Eu não vi nada, Harry... – Rony disse, e Harry teve a nítida impressão de que o amigo estava duvidando de sua sanidade mental. – Vai ver... bem, você não está acostumado com vassouras antigas, talvez...
- Eu não caí sozinho, Rony! – Harry já estava ficando nervoso. Não era possível, ele não estava maluco! Tinha visto sim aqueles olhos vermelhos ali! Não estava enganado! E não tinha como ter caído sozinho; Harry não se achava o maior piloto do mundo, mas sabia conduzir muito bem uma vassoura, e um erro, numa situação como aquela, estava fora de cogitação.
- Harry...
- Eu não me enganei, Rony! Eu vi! Seja o que for, foi isso que me fez cair!
Rony mordeu os lábios.
- O que você viu?
- Olhos... vermelhos... – Harry começou incerto; era estranho, as lembranças escorriam de sua memória como água pelos dedos.
- Olhos? Você tem certeza?
- Tenho! Acho...
Rony esboçou uma expressão desanimadora.
- O que foi, Rony?
O outro virou a cabeça e fez uma de suas caretas características; Rony tinha uma para cada ocasião, e esta era a de quando ele queria e não queria dizer alguma coisa, ao mesmo tempo.
- Fala, Rony! – Harry já estava angustiado.
- É que... – o amigo primeiro tentou evitar os olhos de Harry, mas não conseguiu e o encarou diretamente nos olhos. – Isso não é bom, Harry...
- Como assim?
- Sei lá... – ele parecia escolher as palavras. – Parece um agouro... um mau agouro.
- Ah, não, Rony! Você não vai dar uma de Trelawney agora, vai? – Harry perguntou, lembrando-se do terceiro ano e do Sinistro, que se revelou como sendo seu padrinho, Sirius.
Rony fez um gesto de impaciência.
- É sério, Harry! Sei lá... eu não gosto disso não. Essas coisas não são boas, quando a gente vê coisas como essas... – Rony o encarou assustado. – Você viu o que aconteceu? Assim que você viu o agouro, caiu da vassoura!
Harry não disse nada. E não queria admitir que Rony estivesse certo; o passado já provara que esses tais agouros eram apenas superstições, como a do Sinistro. Mas o que seria aquilo então?
Ouviu, naquele instante, passos e vozes do outro lado do campo. Eram os alunos que estavam chegando para os testes. Rony também constatou isso e olhou preocupado para o amigo.
- Você tá bem mesmo? Não quer cancelar? Ou então eu mesmo faço...
- Não. – Harry afirmou firme. – Não é preciso, eu estou bem. Além disso... – ele se abaixou para pegar a velha Cleensweep largada no chão e começou a se dirigir para o lugar onde estavam os alunos. - ...será necessário que nós dois estejamos presentes para que o teste seja satisfatório. Não posso deixar tudo nas suas mãos, Rony.
- Se você tá dizendo... Você é quem sabe. – Rony deu de ombros, andando emparelhado com Harry, que lembrou de uma coisa e parou de andar, virando-se para o amigo:
- Você não conta isso que aconteceu para ninguém, Rony? Nem para as meninas?
- Por quê? – o outro perguntou intrigado.
Harry não saberia explicar o porquê, só sabia que não queria que ele contasse.
- Besteira minha. Você não conta?
- Tudo bem. Se você prefere assim.
- Obrigado.
Harry e Rony continuaram caminhando até onde estavam os alunos que haviam chegado; eram dois, Peta Spencer, a amiga faladeira de Gina, e mais um outro colega de Gina também, o mesmo para o qual ela estava explicando algumas coisas certo dia na biblioteca. O garoto ainda tinha a mesma cara emburrada, contrastando com a garota empolgada ao seu lado. Ela acenou freneticamente quando viu Harry e Rony se aproximarem:
- Ei! – ela cutucou o colega ao lado, que emburrou mais a cara. – São eles! Ei, Harry!
Quando Rony e Harry chegaram até os dois, a garota abriu um enorme sorriso e parecia prestes a saltitar, ao contrário do colega ao seu lado, que tinha uma expressão de tédio e cruzara os braços. Harry achou o garoto muito mal encarado, desde a primeira vez que o vira.
- A gente veio fazer os testes também! – Peta informou empolgada.
- E parece que vocês foram os primeiros a chegar... – Rony constatou, olhando ao redor.
- Foi a Gina que disse para a gente vir! – a garota falou, sorridente. – Ela disse que você a indicou para os testes, Harry! Foi verdade?
- Sim, foi. – o rapaz respondeu, tendo a ligeira impressão de estar numa entrevista, pelo jeito que a menina não parava de falar e fazer perguntas.
Harry largou a Cleensweep de lado, e Rony notou, constrangido, que ainda segurava a Firebolt do amigo. Rapidamente passou-a para Harry, que preferiu segurá-la a deixá-la junto com as outras vassouras.
- Vocês dois viram a Gina? – perguntou para Peta, já que sabia que a garota poderia ser uma boa fonte de informações.
- Ah... Eu não lembro não... Acho que ela estava no salão principal, mas... – ela se virou para o colega emburrado: - Você lembra onde tava a Gina, Jonh?
- Conversando com a monitora. Ela não veio falar com a gente hoje. – a voz dele era entediada, e Harry percebeu que não simpatizou muito com o garoto.
- Com a Mione? – Rony perguntou.
- Sim, com a Granger. – o garoto respondeu rabugento.
- Ah! – Peta exclamou olhando para trás de si mesma. – Aí estão vindo elas!
Era verdade. Gina e Hermione vinham conversando animadamente. Elas sorriram ao ver o grupo e se aproximaram. Hermione chegou-se ao namorado, e os dois se beijaram rapidamente. Gina apenas sorriu para Harry, que ficou um pouco decepcionado. Ela logo perguntou animada para os outros dois colegas:
- Ah, então vocês vieram mesmo!
Peta sorriu de uma orelha a outra, parecia realmente empolgada. O garoto que se chamava Jonh, e depois Harry veio a descobrir que seu nome inteiro era Jonnathan Cavendish, descruzou os braços e desfez a cara emburrada. Gina prosseguiu, animada:
- Até você, Jonh! Eu pensei que fosse desistir!
O garoto respondeu, já sem o tom entediado e até um pouco sem jeito:
- Não, Gina. Eu disse que não iria desistir.
Harry sentiu novamente aquela coceira incômoda na barriga e tentou fazer com que os dois parassem com a conversa, num tom que demonstrava ligeira irritação:
- E então? Quais posições vocês vieram tentar?
- A mesma que eu, Harry! – Gina respondeu sorrindo. – Artilheiros!
- Hum. – Harry grunhiu e foi pegar uma prancheta que separara para anotar os nomes dos candidatos e suas vagas. – Então vocês vão ter que enfrentar o Rony.
- Eu? – Rony, que estava totalmente entretido com Hermione, perguntou surpreso.
- Claro. – Harry respondeu, ainda no mesmo tom irritado, que não sabia de onde vinha. – Você acha que eu te acordei às seis e meia só para arrumar vassouras e bastões?
Rony franziu as sobrancelhas, e ele e Hermione se entreolharam intrigados. Harry se ocupou em anotar os nomes dos candidatos e suas posições. Aos poucos, o campo foi se enchendo de alunos da Grifinória. Muitos vieram tentar conseguir alguma posição no time, como Dino Thomas, que veio para a vaga de artilheiro, e Simas Finnigan, Colin Creevey e seu irmão, que estava no terceiro ano, Dênis Creevey, que vieram para as vagas de batedores. Além dos candidatos, também havia muitos alunos ansiosos por assistir aos testes, que começaram pouco depois das nove horas da manhã.
O primeiro teste foi o de vôo. Harry, depois do tanto que a Profª. McGonagall fizera questão de atormentá-lo durante a semana, praticamente exigindo competência por parte do rapaz, resolveu se organizar: ele tinha planejado anteriormente quais testes seriam feitos, com quem e em qual ordem. Nesse primeiro teste, seriam verificadas apenas as habilidades de todos sobre uma vassoura. Depois de algum tempo observando os alunos voarem, Harry dificultou um pouco as coisas para eles e soltou os balaços, para que se desviassem. A maioria dos alunos não teve dificuldades quanto a isso, menos um menino do segundo ano, que só não foi acertado em cheio porque Rony interveio com um feitiço de expulsão e desviou o balaço. O menino ficou bem desanimado, porque percebeu que isso descontaria pontos dele e estava certo.
A seguir, Harry fez o teste com os batedores, enquanto os artilheiros esperavam sua vez. Além de Simas, Colin e Dênis, havia mais outros cinco alunos para as vagas, três do quarto ano, um do segundo e outro do terceiro. O teste consistia em tentar acertar Harry, ou pelo menos atrapalhá-lo em seu vôo. Os alunos foram separados em duplas, já que eram dois batedores no time.
- Mas isso é quase impossível, Harry! – Simas reclamou. – Você tem uma Firebolt e é um ótimo piloto, vai ser muito difícil te acertar!
- O time da Sonserina também é muito rápido com as Nimbus 2001 que eles possuem. – Harry retrucou. – E vocês vão encontrar muitos pilotos bons pelo caminho se realmente forem escolhidos, então não podem se intimidar facilmente.
Esse teste foi bem trabalhoso para Harry porque, além de desviar dos balaços, ele tinha que observar com atenção os alunos, e ainda avaliá-los individualmente e em grupo. Harry procurou pela dupla com mais sincronia e não pôde deixar de notar que Colin e Dênis se entendiam muito bem, talvez por serem irmãos.
O terceiro e último teste foi o dos artilheiros. Nesse, Harry só assistiu. Foi Rony quem cuidou do teste propriamente dito; ele ficava nos aros, enquanto os aspirantes às vagas cobravam, alternadamente, pênaltis, faltas, ou lances indiretos para o gol. Rony estava particularmente inspirado, porque defendia quase todas as bolas. Como Harry, previra, Gina foi um dos poucos alunos que conseguiu penetrar a barreira que Rony fazia no gol. Além dela, Peta também se destacou, mas o seu problema era que se empolgava demais e isso poderia atrapalhá-la; Dino também tinha jeito para a coisa, assim como um aluno quartanista; mas o que mais impressionou Harry foi mesmo aquele garoto emburrado, Jonnathan Cavendish. O menino podia ser mal encarado, mas realmente tinha talento para a posição; foi o que mais marcou, chegando a irritar Rony quando fez três gols seguidos. Harry, também dessa vez, observou a sincronia dos jogadores e seu entrosamento, e já teve em mente quais eram os três que se davam melhor juntos em campo. Depois só precisava discutir com Rony as opções e escolher os melhores.
Os testes terminaram pouco antes do meio-dia. Harry dispensou os alunos e não permitiu, de maneira alguma, que Gina (muito interessada em ficar perto dele agora) olhasse sua prancheta de anotações. O rapaz dispensou a todos, inclusive a ela, que sabia estar interessada, pelo menos agora, não nele e sim nos resultados. Hermione também tentou ver, mas Harry não deixou, e ela respondeu displicente que nem queria saber, o que era mentira, porque, assim como os outros, estava bastante curiosa. Harry combinou de conversar com Rony sobre os testes depois do almoço, e sem interferências.
Os dois se reuniram no dormitório masculino do sexto ano, já que a sala comunal estava cheia de alunos, devido à chuva que caía nos jardins. Ficaram discutindo por um bom tempo sobre os alunos testados, cada um dando palpites sobre as impressões que tiveram. Rony era de grande valia, já que, desde criança, estava acostumado a assistir quadribol e observar os jogadores. Harry ia anotando tudo, e Rony tirava sarro dele, dizendo que parecia Hermione, de tão organizado que estava.
- Então são esses! – Rony, que estava sentado na beira da cama de Harry, falou, pegando a relação dos jogadores das mãos do amigo e observando-a. – Você tem certeza de que eles são bons, Harry?
- Tenho. – Harry, que estava encostado na cabeceira da cama, respondeu. – Eles foram os melhores em campo, e acho que, com um pouco mais de treino, eles vão melhorar ainda mais.
- Tomara que sejam... Se não forem, a McGonagall vai tirar o seu couro, não é? – o amigo perguntou com uma risada. Harry arrancou o papel das mãos dele, rindo e ao mesmo tempo tentando ficar sério.
- Nem fala... Ela parece um general dando ordens. Se eu não mostrar serviço, ela é capaz de me aplicar uma detenção por falta de competência. Acho que é por isso que o Olívio era um capitão tão exigente.
- "O feitiço virando contra o feiticeiro!" – Rony debochou. – Você reclamava tanto dele, e agora tá ficando igualzinho, "general" Potter!
- Também não exagera...
Nesse momento, ouviram batidas na porta. Rony falou para que entrassem, e apareceram duas cabecinhas no beiral da porta: Hermione e Gina.
- Será que os dois senhores terminaram a conferência, ou vão ficar desprezando as namoradas o sábado todo? – Hermione perguntou, brincalhona.
- Os senhores aqui terminaram a conferência, e as senhoritas podem entrar. – Rony respondeu no mesmo tom.
Elas entraram, Hermione indo direto na direção de Rony e sentando junto dele, abraçando-o. Gina sentou na cama do irmão, que ficava do lado para a de Harry, olhando com uma expressão curiosa para o papel que o namorado guardava na gaveta da mesa de cabeceira.
- O que é isso, Sr. Potter? – ela só o chamava assim quando queria provocá-lo.
- Nada de seu interesse imediato, Srta. Weasley. – ele respondeu sorrindo para ela, e fechando a gaveta.
- Não acredite, Gina! – Hermione recomendou. – Provavelmente é algo de que lhe interessa muito, não é, Harry?
O rapaz respondeu apenas com um sorriso enigmático, esparramando-se na cama, com os braços atrás da cabeça. Gina colocou as mãos na cintura, fingindo indignação:
- Mas que folgado você é!
- Ué, eu tô no meu quarto... na minha cama... Por que não posso fazer isso?
Rony riu. Hermione deu um tapinha brincalhão no braço dele e perguntou:
- Vocês resolveram o que tinham que resolver?
- Sim! – Rony respondeu animado. – Todos os jogadores já estão devidamente escolhidos!
- Isso significa que vocês podem contar para a gente... – Gina insinuou.
- Eu não disse isso, você disse, Rony? – Harry perguntou, ainda deitado na sua cama.
- É, eu não me lembro de ter dito isso, Gina...
- Vocês vão deixar a gente na curiosidade? – Hermione perguntou.
Rony fez uma de suas caretas e olhou para Harry, perguntando com os olhos se deveria contar ou não. Harry fez que não com o dedo indicador; estava se divertindo com isso.
- Ah... por que não? – Gina choramingou.
- Ainda preciso repensar se serão esses mesmos os escolhidos. – Harry respondeu. Rony olhou para o amigo com uma expressão que mesclava surpresa e divertimento.
- E quando você vai se decidir? – Gina inquiriu.
- Não sei... talvez hoje, talvez amanhã... Acho que amanhã.
- Chato! – a ruiva respondeu emburrada, encostando-se, por sua vez, na cabeceira da cama do irmão. – É isso que você é, Harry Potter, um chato!
Harry riu com gosto. Rony olhou para os dois e depois para Harry:
- Bem, a gente já resolveu tudo então? – Harry fez que sim com a cabeça. – Se eu e a Mione formos aproveitar a tarde, vocês dois irão se comportar?
Gina ficou mais vermelha que os cabelos e rapidamente se endireitou na cama, colocando novamente as mãos na cintura, e olhando brava para o irmão.
- Rony! Vai ficar me controlando agora? Eu já tenho quase quinze anos! Não sou mais uma garotinha! Você não confia em mim?
- Confio... – ele disse, como se desconfiasse. – Não confio nele! – falou em tom brincalhão, apontando para Harry.
- Ei, eu tô quietinho! – o rapaz se defendeu e depois aproveitou para zombar do amigo. – E, na verdade, em quem não se deve confiar é em você, Rony!
- Hum... Do que você tá falando, Harry? – Hermione perguntou curiosa. Gina também olhou intrigada para o namorado. Foi a vez de Rony ficar vermelho; ele olhou ameaçadoramente para o amigo, já prevendo o que ele ia dizer.
- Depois do que você falou quando eu te acordei hoje cedo, Rony... Aquilo foi muito suspeito... – Harry debochou e depois tentou assumir um tom igual ao que Rony usava quando defendia a irmã. – Vê lá, hein? A Mione é minha amiga, e eu quero que você se comporte com ela...
Hermione soltou uma exclamação de espanto e perguntou para o namorado, com uma expressão aturdida:
- O que você anda dizendo por aí, Rony Weasley?
- NADA! – as orelhas dele estavam muito vermelhas, e Harry e Gina desataram a rir. Rony olhou emburrado para os dois, principalmente para Harry, e depois saiu do quarto puxando uma Hermione muito confusa.
Harry e Gina ainda ficaram rindo por uns instantes, até o momento em que pararam e se entreolharam. Harry endireitou-se na cama, sentando encostado na cabeceira novamente. Olhou para Gina de um modo convidativo, e ela lançou um olhar repreendedor, mas acabou sentando-se na cama de Harry.
- Afinal de contas, o que o Rony disse quando você o acordou?
- Nada de mais... Ele estava falando o nome da Mione, e eu fiquei pegando no pé dele por causa disso.
- Suspeito... – ela fez uma expressão divertida, olhando para a porta pela qual os outros dois tinham saído, e depois se virou bruscamente para Harry: - Você não vai mesmo me dizer quais foram os escolhidos para o time?
Ele fez que não com a cabeça. Estava realmente se divertindo em fazer todos ficarem curiosos. Geralmente não era ele que deixava os outros curiosos e com dúvidas, eram os outros que o deixavam assim. Era engraçado estar do outro lado. Gina suspirou:
- Tudo bem... Já vi que não vou conseguir arrancar nada de você mesmo... Mas o que você achou da minha atuação?
- Não vai conseguir arrancar nada de mim.
- Ah... – ela suspirou novamente. – Você não vai nem me dizer quando realmente vai divulgar o resultado?
Harry ficou com dó da expressão ansiosa dela e respondeu:
- Amanhã. Depois do jantar.
- Tudo isso?
- Pelo menos eu te disse quando.
- É, já é um progresso...
O rapaz estava incomodado por ela estar na outra ponta da cama. Rony não estava ali, ninguém estava, ela não precisava ficar tão longe, precisava?
- Por que você tá distante, Gina?
Ela pareceu se assustar por um segundo, mas depois olhou para ele e entendeu sobre o que ele se referia. A garota, então, se aproximou e se aconchegou nos braços dele. Ele gostou disso. Abraçou-se a ela, sentindo o calor que emanava do seu corpo, e o perfume do seu cabelo... Eles ficaram por um tempo assim, apenas abraçados, sem dizer nada. Harry sentia vontade de beijá-la, mas ela parecia tão carente, tão precisada daquele abraço, que ele não ousou sair daquela posição em que se encontravam. Ela estava de olhos fechados, abraçando-o muito forte. Harry, aspirando o perfume dela, pensou que não conseguia realmente entendê-la. Em determinados momentos, ela parecia que se desligava dele, que o... evitava... mas em outros, ela dava a impressão de precisar dele, de estar tão carente a ponto de ficar muito tempo só assim, abraçada a ele sem dizer nada. Harry definitivamente não conseguia entendê-la, mas não se importava. Às vezes chegava à conclusão de que isso talvez fosse porque ela estivesse crescendo, se sentindo confusa, amadurecendo. Ele não sabia se sentia assim às vezes também. Talvez fosse isso...
Gina se tornara uma pessoa muito importante na vida de Harry depois que começaram a namorar. Ele não se sentia dependente, nem achava que sua vida não teria sentido se não estivesse com a garota, mas sentia que ela era importante. Também, isso não era novidade para ele, porque sempre fora tão sozinho, que, de certa forma, se sentia mais independente do que geralmente as pessoas são. Talvez por ter sido criado entre pessoas que nunca lhe deram a mínima, e por realmente ter se passado muito tempo até que alguém se importasse com ele, ou pelo menos soubesse disso. Com Gina ele se sentia bem, confortável. Gostava de estar com ela, de ter contatos como o que estava tendo com ela naquele momento. Gostava de conversar com ela, ouvi-la, contar coisas de si; gostava de acariciá-la, de beijá-la. Era verdade que nunca a notara no começo, mas agora era diferente, ele gostava dela; nunca tinha gostado de ninguém, amado ninguém, mas achava que era assim. Deveria ser assim.
- Harry... – ela chamou, ainda de olhos fechados e abraçada nele.
- Fala...
- Você gosta de mim?
Ele estranhou aquilo, mas respondeu firme:
- Claro que gosto, por que você tá perguntando isso?
Ela não respondeu. Passaram-se alguns minutos e ele perguntou, sentindo um frio na barriga, e uma dúvida despertada pela pergunta que ela fizera e pelo tom que ela utilizara:
- E você, Gina? Você gosta de mim?
Como resposta, ela o abraçou mais forte.
Estava uma noite chuvosa no dia seguinte, depois do jantar, no horário que Harry tinha marcado para anunciar os novos jogadores do time de quadribol. Depois de ter conversado com a Profª. McGonagall e recebido sua aprovação sobre o novo time, Harry tinha colocado um aviso no salão comunal, com o horário e, pontualmente às nove da noite, a Grifinória em peso estava reunida no salão. Mesmo os que não participaram dos testes estavam bastante curiosos para saberem o resultado. Era sabido que a Grifinória era uma Casa muito competitiva, mais do que as outras. Talvez a única que se equiparasse fosse mesmo a Sonserina. Por esse motivo, todos os alunos esperavam ver a Casa se destacar (e ganhar da Sonserina) em todos os sentidos, e principalmente no quadribol. Essa era a explicação mais provável para o salão comunal estar apinhado de gente.
Harry se sentiu um pouco intimidado para falar com todas aquelas pessoas, mas respirou fundo e disse para si mesmo que era necessário. Ele era o capitão do time de quadribol, e falar em público era uma das coisas que precisava fazer como capitão. Viu os rostos ansiosos de todos e principalmente dos alunos testados. Sabia que alguns iam se decepcionar, e por isso achou mais difícil a sua tarefa de anunciar os selecionados. Por que, simplesmente, não colocara um aviso na parede? Não, teve que escutar Hermione dizendo que seria melhor falar para todos. Bem, agora tinha que enfrentar.
- Primeiramente eu gostaria de agradecer a todos os que fizeram os testes. – ele começou e, estranhamente, agora que estava falando, as coisas foram ficando mais fáceis, e as palavras saíam de sua boca sem aquele nervosismo anterior. – Eu gostei muito dos resultados e tenho certeza de que aqui há várias pessoas com talento, mas como sabem, eu só podia escolher cinco pessoas para as vagas.
Ele colocou a mão no bolso, para pegar o papel com os nomes dos selecionados, mas percebeu que sabia todos de cor e não precisava realmente do papel. Olhou novamente para as expressões ansiosas de todos, e principalmente dos que tinha escolhido. Sorriu ao ver um deles lhe olhar com aflição e disse:
- Para as vagas de batedores, os escolhidos são: Dênis Creevey, do terceiro ano, e Colin Creevey, do quinto.
Os dois praticamente foram sufocados pela avalanche de pessoas cumprimentando-os e os abraçando. Depois do susto inicial, começaram a comemorar também. Colin estava com sua máquina fotográfica e fez questão de tirar fotos do momento. A bagunça só parou quando Harry pigarreou e todos perceberam que ele queria dar os últimos nomes escolhidos.
- Os selecionados para as vagas de artilheiros foram: Peta Spencer, Jonnathan Cavendish e... – ele respirou fundo e tentou não sorrir quando disse o último nome: - ...Gina Weasley, todos do quinto ano.
Tanto Gina, quanto Peta, gritaram ao mesmo tempo e se abraçaram, pulando. O emburrado Jonnathan se limitou a um leve sorriso. Harry percebeu que seria inútil tentar falar mais alguma coisa para todos naquela bagunça, e por isso desistiu e foi se sentar perto de Rony e Hermione, esperando o tumulto entre os jogadores esfriar para que pudesse falar com eles. Assim que sentou em uma poltrona ao lado do sofá onde estavam Rony e Hermione, viu que o amigo sorria (Harry sabia que Rony implicava com a irmã, mas ele ficou muito feliz desde o primeiro momento em que soube que Harry a tinha escolhido) e que a amiga tinha uma expressão de completa surpresa.
- Então era por isso todo aquele mistério? – ela perguntou, assim que Harry se sentou, olhando do amigo para o namorado ao seu lado.
- Não teria graça se eu contasse antes, não é? – Harry falou.
- Foi melhor assim, olha como a Gina tá feliz... – Rony comentou, olhando a irmã, que ria entre os colegas.
- Ah, quer dizer que agora você não vê mais problema nela jogar? – Hermione lembrou do dia em que Harry convidou Gina a fazer os testes, e Rony foi contra.
O ruivo abriu e fechou a boca várias vezes até finalmente pensar em algo para retrucar:
- Quadribol corre nas veias dos Weasleys! Com a Gina não poderia ser diferente!
- Mas e aquela conversa de que ela é uma garota, e blá, blá, blá... – Hermione fez uma imitação muito engraçada de Rony.
Ele abriu a boca, mas não disse nada. Para acabar com a discussão, beijou rapidamente a namorada. Harry começou a rir, mas logo parou quando viu Gina à sua frente. Ela se ajoelhou no chão para ficar na mesma altura que ele sentado e o abraçou. Harry retribuiu o abraço e sentiu um arrepio na espinha quando ela disse em seu ouvido, só para ele:
- Obrigada, Harry. Você me fez muito feliz hoje.
Ele respondeu, no ouvido dela também:
- Eu não te escolhi porque gosto de você, Gina. Foi porque você merece.
Ela se afastou dele e o olhou, sorrindo. Passou a mão carinhosamente no rosto do rapaz quando disse:
- Por isso eu estou mais feliz.
Harry riu.
- Prepare-se. Você vai ter que me agüentar agora te cobrando. Pergunta para o Rony, e você vai ver como eu sou exigente.
Ela abriu mais o sorriso e respondeu:
- Você não vai se decepcionar. Eu prometo.
Harry poderia beijá-la ali mesmo, mas não pôde porque Colin chegou gritando eufórico e arrastando o irmão e os amigos, Peta e Jonnathan.
- Pessoal! Vamos tirar uma foto do time!
- Ah, não... Eu odeio tirar foto... – Jonnathan resmungou.
- Pára de ser chato! – Peta o empurrou.
- Deixa que eu bato a foto para você sair também, Colin. – Hermione ofereceu, levantando e pegando a máquina de Colin.
Todos se ajeitaram para a foto: Gina sentou na ponta da poltrona de Harry, e ele a abraçou por trás. Rony se esparramou no sofá, mas logo se apertou porque Peta empurrou Jonnathan no sofá e sentou também. Colin e Dênis sentaram no chão, à frente de todos. Hermione deu alguns passos para trás e finalmente encontrou uma posição adequada para a foto. Ela, então, tirou a foto daquele que seria um dos melhores times de quadribol da Grifinória, e um dos mais problemáticos também.
