Capítulo Nove – A culpa, a dúvida e o medo
Os meses de setembro e outubro passaram fugazes como um fim de tarde. O tempo já estava bem mais frio, fazendo com que os alunos andassem mais agasalhados, principalmente quando saíam para os jardins. A metade de novembro já se aproximava e com ela, o primeiro jogo da temporada: Grifinória versus Sonserina, tradicionalmente. Por isso, Harry estava treinando o novo time três vezes por semana, para o desespero dos jogadores, principalmente os que estavam no quinto ano, pois eles também tinham matéria extra como preparativo para os N.O.M.s no fim do ano.
Harry estava bem satisfeito com o time; com a convivência, foi descobrindo particularidades e manias dos jogadores que escolhera: Colin continuava com sua admiração exacerbada para com ele e, por isso, era o mais dedicado nos treinos, tentando mostrar eficiência para o capitão. O seu irmão, Dênis, era o oposto: não tinha muita responsabilidade e era um dos que mais davam trabalho para Harry; vivia se atrasando para os treinos, mas a sua habilidade somada com a familiaridade que ele e o irmão possuíam entre si faziam com que Harry não se importasse tanto com isso. Colin, diferente do capitão, se importava e muito, sempre pedindo desculpas a Harry pelos atrasos e irresponsabilidades do irmão.
Gina se mostrava cada vez mais habilidosa na sua posição, o que fez com que Harry definitivamente não se arrependesse de sua escolha. Mas o que ele mais gostava era que, devido aos treinos, eles acabavam passando mais tempo juntos e sempre ficavam namorando depois. A sua colega, Peta, também era bastante hábil e se dava muito bem com os outros, já que era a mais receptiva e extrovertida de todos; o único problema dela era que freqüentemente se empolgava, o que a desconcentrava, induzindo-a ao erro; Harry constantemente tinha que dar conselhos a ela e tentar fazê-la levar as coisas mais a sério.
Mas o maior problema era, de longe, Jonnathan Cavendish, ou Jonh, como todos se acostumaram a chamá-lo, menos Harry. Ele era talentoso, talvez o mais talentoso de todos ali, e isso não se podia negar; também pudera: esse fora o motivo que levara Harry a escolhê-lo. Porém, o temperamento do garoto era muito difícil, impossível, na opinião de Harry. Ele e o garoto freqüentemente tinham discussões memoráveis. Harry admitira para si mesmo que não gostara dele, desde o início, mas tentava não ser implicante ou injusto; Jonh, por sua vez, não escondia que não gostava mesmo de Harry. Se somente não gostasse, era uma coisa, mas o pior era que o garoto, em quase todos os treinos, discutia, desautorizava e não seguia as orientações de Harry. Dizia que não estava ali para ser mandado; o que era uma mentira, porque Harry nunca tivera o costume de mandar nos outros, e como capitão não era diferente. A verdade era que Jonh gostava de fazer o que queria, e não era gentil com ninguém, exceto uma pessoa: Gina. Isso era o que mais enfurecia Harry, e a conseqüência eram as brigas constantes.
Rony também era um dos jogadores mais desesperados por ter muito o que fazer. Ele e Hermione, por serem monitores, estavam muito atarefados com um "evento" que aconteceria em Hogwarts. Todos os monitores estavam carregados de trabalho, além do que já tinham que fazer. Pelo que Harry sabia, isso porque os amigos contavam muito pouco a ele, aconteceria alguma coisa em Hogwarts, e o cuidado com os preparativos estava nas mãos dos monitores e monitores-chefes. Harry já se cansara de tentar arrancar alguma informação sobre "o evento" com os amigos e desistira de perguntar.
Fora os treinos e a preocupação com quadribol, Harry estava conseguindo levar bem as matérias. Diferente do ano anterior, as aulas não estavam tão frenéticas; a matéria do sexto ano era comprida e complicada, mas o professores não eram tão exagerados como no quinto ano. O motivo, provavelmente, era porque no sexto ano não haveria os N.O.M.s ou N.I.E.M.s para se preocupar.
No momento, era uma segunda-feira nublada. Harry estava tomando café, junto com os amigos, no salão principal. O teto encantado estava carregado de nuvens negras que anunciavam chuva. Rony e Hermione conversavam em voz baixa sobre alguma coisa, que Harry presumiu ser sobre "o evento". Já Gina parecia muito entretida em olhar para a mesa dos professores. Harry, desistindo de ser percebido por algum dos três, ocupou-se em comer.
Foi quando Harry estava enchendo seu copo de suco de abóbora que uma bola de penas o derrubou, fazendo com que líquido caísse todo bem em cima de seu prato de bacon e ovos. Rony e Hermione pararam de conversar e olharam intrigados para o prato de Harry; Gina desviou o olhar da mesa dos professores. No instante em que aconteceu, Harry se assustou, mas depois viu do que se tratava. A bola de penas era, na verdade, Píchi, a coruja mínima de Rony, que caiu no seu prato e agora estava completamente encharcada de suco.
- Ah, não acredito! – o dono da corujinha reclamou. – Por que você tem que fazer isso? – ele perguntou para a coruja, pegando-a do prato de Harry e levantando-a na altura dos olhos. Ela piou alegremente e começou a bater as asas, espalhando suco de abóbora para os lados. Harry se afastou um pouco para que o suco não o sujasse, mas algumas gotas respingaram nas lentes de seus óculos, e ele teve que retirá-los e limpá-los na camisa.
Depois que recolocou os óculos já limpos no rosto, Harry reparou que chegara o correio-coruja. Várias corujas pardas, marrons e até pretas sobrevoavam as mesas das Casas, entregando encomendas e cartas para os alunos. Harry procurou pelo salão para ver se achava uma branca entre todas as outras e a viu: Edwiges sobrevoava a mesa da Grifinória e pousou suave e imponentemente no ombro do dono, que a acariciou. A coruja piou indignada ao ver um Rony emburrado desamarrar uma carta manchada de suco de abóbora das patas de Píchi, alegre e estridente. Gina ria, e Hermione olhava de esguelha para o namorado, sorrindo, enquanto lia o Profeta Diário que recebera.
- Ei! O que você tem para mim, Edwiges? – Harry perguntou ao reparar que a coruja trazia uma carta amarrada na pata.
O rapaz desatou a carta da pata de Edwiges, que, depois disso, ocupou-se em beliscar a comida do prato de Harry. Ele começou a lê-la, enquanto Gina voltava novamente sua atenção para a mesa dos professores, com uma expressão ligeiramente irritada, Rony ainda reclamava de Píchi, e Hermione ainda lia tranqüilamente o jornal.
Harry reconheceu a letra corrida e pouco caprichada de seu padrinho Sirius:
Caro Harry,
Fiquei feliz com a sua última carta sobre o time de quadribol, espero que você tenha sucesso com os novos jogadores. Não sei se já te contei alguma vez, mas seu pai também foi capitão do time, por dois anos. Ele levou a Grifinória à taça no último ano (em grande parte porque eu estava no time também, e eu, modéstia à parte, era um EXCELENTE batedor). Vou ficar torcendo para que você também consiga a mesma façanha!
Harry soltou uma risadinha ao ler essas últimas palavras. Sirius poderia ser cômico às vezes. Voltou à leitura:
Bem, mas devo dizer que quadribol não é o principal motivo dessa minha carta. Eu esperava que fosse. Mas não vou falar disso agora, deixarei para depois; preciso te contar uma coisa antes, Harry, talvez você fique feliz com a notícia: retomei meu emprego no Ministério da Magia (é, eu trabalhava lá antes de tudo acontecer), em grande parte devido à ajuda do pai de Rony. Mas não pense que o meu emprego antigo era aquele tipo engravatado que fica atolado em papéis. Não mesmo! Não posso te contar o que eu fazia (e o que faço), mas saiba que é algo de que gosto muito, e voltar a trabalhar, de verdade, realmente me faz ficar vivo de novo. Tem dedo de você nisso, Harry; se não fosse por você, eu não estaria livre agora. Espero que fique tão feliz como eu estou.
"Mas é claro que eu fiquei, Sirius!" – Harry pensou, ao ler essas linhas. Gostava muito de Sirius, e saber que ele voltara a trabalhar – sabe-se lá em que, mas isso não importava – era realmente uma ótima notícia. Sirius já fora muito injustiçado na vida e merecia tudo de bom que estava acontecendo com ele.
É, mas nem tudo são flores, e você sabe melhor do que ninguém. Dumbledore já falou com você? Bem, se ele falar me avise. Provavelmente, se ainda não falou, vai falar. E é sobre isso que eu quero conversar com você, Harry. Eu vou me encontrar com Dumbledore aí em Hogwarts daqui a algum tempo, não posso te precisar quando, mas você saberá. Preciso muito conversar com você pessoalmente. Mas enquanto não nos encontramos, já posso te dar um conselho, ou uma ordem se você quiser encarar assim: fique longe da sua professora de Defesa Contra as Artes das Trevas. É, eu soube que ela está dando aulas em Hogwarts, muito antes de você, eu diria. Por isso te falei, aquele dia na estação antes do início do período letivo, para tomar cuidado com "certas pessoas" que encontraria aí. Ela é essa "certa pessoa". Harry, isso é para o seu próprio bem, FIQUE LONGE DELA! É sério. Você nunca me ouve, mas por favor, dessa vez, abra uma exceção. A gente conversa melhor sobre isso quando eu chegar em Hogwarts.
Um abraço e se cuide,
Sirius
Agora Harry estava completamente desnorteado. O que será que a Profª. Stevens tinha feito de tão ruim para Sirius a odiar tanto? E por que ele insistia para que Harry tomasse cuidado com ela? Não fazia sentido, e o pior era que o rapaz sabia que o padrinho não contaria o verdadeiro motivo para ele. Lembrou-se daquele dia, na sala da professora, no final da aula; ela não parecia ser tão ruim assim como Sirius dizia... Tá, ela era misteriosa e dava a impressão de possuir uma personalidade forte, mas não conseguia entender por quê... Se bem que... também tinha aquilo que a Murta falara... Ah, assim ele ficava cada vez mais confuso, tinha que dar um jeito de entender isso! Depois pensaria em alguma forma. Mas...
- O que ele quer dizer com isso, afinal? – sem querer, soltou a frase em voz alta. Rony e Hermione o olharam curiosos. Gina ainda olhava a mesa dos professores, mas dava para notar que ela também desviara um pouco sua atenção para Harry.
- O que foi, Harry? – Hermione perguntou e, em seguida, olhou para a carta nas mãos do amigo. – Carta de quem?
- Sirius. – respondeu emburrado. – Ele tá cada vez mais estranho...
- Mas ele sempre foi meio esquisito, Harry... – Rony debochou. Harry o olhou ameaçadoramente, mas não podia deixar de concordar intimamente com o amigo.
- Afinal, o que aconteceu? – Hermione voltou a perguntar.
- Ele está novamente implicando com a Profª. Stevens... Não sei por que ele insiste em falar para eu me afastar dela.
Hermione iria dizer alguma coisa, mas Gina finalmente desviou sua atenção da mesa dos professores e a cortou, com um tom de voz muito irritado:
- Eu concordo com ele. – os outros três olharam surpresos para a garota. Ela não mudou o tom quando voltou a falar, encarando emburrada o namorado: - E acho que vou ser a próxima a insistir para que você fique longe dela!
Hermione parecia chocada com a atitude da garota. Rony estava boquiaberto e colocou a mão no ombro da irmã, que estava muito vermelha:
- Nossa... Calma, Gina...
- Eu estou calma, Rony! – ela respondeu em um tom que a desmentia. Harry não estava entendendo nada.
- Gina... O que eu fiz? Por que você tá brava assim?
- Você eu não sei se fez alguma coisa, mas a tal professora... – ela fez questão de colocar um tom de deboche em "tal", ao mesmo tempo em que apontou para as costas, na direção da mesa dos professores. - ...não tira os olhos daqui, e eu tenho certeza que ela não tira os olhos é de você!
Harry abriu e fechou a boca, para depois olhar para a mesa dos professores. Gina estava certa: Samantha Stevens tinha os olhos cravados nele, sem nenhuma discrição. Quando ele a encarou, novamente teve aquela sensação estranha ao ver os olhos azuis profundos dela observarem-no. Assim que percebeu que ele a vira, ela abriu um sorriso irônico e misterioso. Harry rapidamente desviou o olhar. Talvez Sirius realmente tivesse algum motivo significativo para querê-lo longe dela, afinal. Aquilo já era demais, o salão era tão grande, Hogwarts possuía tantos alunos! Por que ela não olhava para outro? Certamente devia haver uma multidão de garotos que adorariam que ela os olhasse dessa maneira. Por que tinha que ser justo ele?
- Ah, então você viu? – Gina perguntou mais irritada ainda. Rony e Hermione se entreolhavam amedrontados; aquilo era diferente, pois geralmente eram os dois que discutiam, não Harry e Gina. – Por que ela te olha desse jeito, Harry?
- Não sei, Gina! – o rapaz explodiu, também irritado. Ele não tinha culpa se a mulher tinha encarnado justo nele! Gina não podia culpá-lo como estava fazendo! – Como é que vou saber o que se passa na cabeça dela? Não tenho culpa se ela fica me encarando!
- Isso quer dizer que você já tinha percebido que ela te olhava assim? E não fez nada para mudar isso? – ela aumentou o tom de voz. Alguns alunos na mesa olhavam para eles agora.
O sangue de Harry estava começando a ferver. Por que Gina estava agindo assim? Estava com ciúmes? Mesmo que estivesse, não era motivo para tratá-lo assim! Ele não tinha feito nada!
- E o que você queria que eu fizesse? Que eu chegasse para ela e dissesse: "Olha, professora, dá para a senhora parar de me olhar assim? A minha namorada não gosta, ela tá com um ciuminho idiota!"
Definitivamente, Harry tinha ido longe demais. Gina ficou mais vermelha que os cabelos, e era possível ver o fogo ardendo nos olhos castanhos dela. Ela respirou fundo várias vezes, bufando em seguida, e nunca desviando os olhos enfurecidos de Harry, que devolvia o olhar.
- Tudo bem! Se é assim que você quer! – ela parecia fazer um esforço sobre-humano para não gritar ali mesmo. Bateu com força na mesa, fazendo algumas coisas se agitarem, e o garfo, que estava próximo à ponta da mesa, cair no chão tilintando. Levantou-se enfurecida, colocou a mochila nas costas com violência, pegou alguns livros em cima da mesa e saiu batendo os pés.
Harry ficou olhando para ela se distanciar com a cabeça rodando. O que ela estava fazendo? Por que ela estava fazendo isso? Todos na mesa da Grifinória olhavam para ele agora. Levantou-se também, mas logo sentou-se, cruzando os braços. Não, não iria atrás dela! Não tinha culpa de nada, então por que ele é que tinha que ir atrás dela e pedir desculpas? Não fazia sentido! Ele não iria se humilhar! Olhou para Rony e Hermione à sua frente. Eles retribuíram o olhar, ambos com expressões estranhas: Rony de incompreensão, Hermione de pesar. A amiga abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Harry compreendeu antes que ela falasse e decidiu seguir o conselho que ela iria lhe dar: enterrou, dessa vez, seu orgulho; levantou, pegou a carta de Sirius e a embolsou, para depois colocar a mochila nas costas e sair pelo mesmo lugar onde saiu Gina.
Decidiu. Iria atrás dela. Precisava tirar isso a limpo, não podia conviver com esse mal entendido o dia todo, podia? Mesmo que ainda tivesse certeza de que estava certo, precisava ir atrás de Gina e tentar, ao menos, entendê-la. Saiu do salão principal e encontrou-se no imenso saguão de entrada. Como iria encontrar Gina agora? Por sorte, ouviu passos pesados subindo a escada. Correu até lá e pôde ver os cabelos cor de fogo da garota ondularem no alto da grande escadaria.
- Gina!
Ela fingiu não o ter escutado e continuou seu caminho, agora mais rápido. Harry não se deu por vencido e começou a subir a escada, galgando dois degraus de cada vez. Viu Gina olhar de soslaio para ele, emburrada, e virar a cabeça novamente para o outro lado, continuando a andar. Harry subiu mais rápido ainda os degraus e finalmente chegou lá em cima. Gina virara um corredor. Ele bufou. Ela estava sendo infantil! Correu atrás dela.
- Gina! Espera!
- Eu quero ficar sozinha! – ela gritou em resposta, numa voz trêmula.
Harry a alcançou e segurou-a firmemente pelo braço esquerdo. Os livros que ela segurava caíram no chão, mas nenhum dos dois se importou em pegá-los. Harry também deixou que sua própria mochila escorregasse de suas costas, caindo no chão. Gina não olhava para ele, mantinha o rosto virado, respirando muito forte. Ela soluçava. Foi então que Harry notou: ela estava chorando.
- Gina... – ele falou mais calmo do que antes, soltando o braço dela e escorregando sua própria mão para a dela, mais delicadamente.
- Eu... já falei... que quero... ficar sozinha... – os soluços interrompiam a frase, mas ela ainda tentava esconder as lágrimas, com o rosto virado.
- Ah, Gina...
Ele colocou as duas mãos nos ombros dela, forçando-a a se virar para ele. Ela continuou sem olhá-lo, mantendo a cabeça virada para o lado oposto. Ele podia ver as lágrimas grossas escorrerem pelo seu rosto, quando ela fechou os olhos com força. Então, ele segurou com delicadeza o queixo dela, virando seu rosto para ele. Ela manteve os olhos fechados, mais lágrimas caindo.
- Gina... por favor, olha para mim...
Ela respirou fundo, seu corpo tremendo, e abriu lentamente os olhos, encarando-o profundamente. Não transmitia mais aquela fúria de antes, agora o brilho de seu olhar estava triste, mas não parecia magoado. Ela, depois de respirar fundo, abriu a boca para falar alguma coisa, seus lábios tremendo muito. Parecendo fazer um grande esforço para deixar as palavras saírem, ela disse numa voz trêmula e soluçante:
- Me... desculpe...
Harry sentiu o estômago afundar. Um sentimento pesado de culpa o invadiu. Droga, ele a tinha feito chorar! Que porcaria, mas o que ele tinha feito? Tinha culpa? Ao vê-la daquela maneira, olhando-o ansiosa, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, a razão lhe dizia que ele não tinha feito nada, mas o coração estava pesado e dizia o contrário. Por que tudo tinha que ser difícil com ele?
- Não... – ouviu-se dizer. – Eu é que... tenho que te pedir desculpas... Eu te fiz chorar, Gina...
Ela negou veemente com a cabeça.
- Não se importe com isso. Você não teve culpa. Eu sim. Eu sou uma idiota!
- Não! Gina...
- Esqueça, Harry, por favor. Eu sou uma burra, me descontrolo... – ela olhou para ele, soltando uma risadinha baixa. – Você deve estar surpreso comigo, não é? Nunca deve ter pensado que eu era assim... Imatura, insegura... Se você estiver magoado comigo, eu vou entender...
- NÃO!
Ele a abraçou forte. Ela, no começo, se surpreendeu, mas depois retribuiu o abraço. Harry a abraçava com sofreguidão, como se quisesse mantê-la ali consigo, protegê-la, tê-la como sua pelo menos naquele instante. Eles não disseram mais nada, apenas ficaram abraçados, sentindo a respiração um do outro. Eles estavam tão próximos, que podiam sentir os batimentos cardíacos em si mesmos, como se fossem um só. Tinham sorte que ninguém passava por ali no momento, e Harry pensou que isso era ótimo, porque não queria ser interrompido.
Harry se afastou lentamente do abraço e pegou o rosto dela entre suas mãos. Ela não se opôs, mas seus olhos ainda estavam marejados e as bochechas molhadas pelas lágrimas. Ele enxugou-as com os dedos, enquanto ela o observava com uma expressão que ele não conseguia definir. Lentamente, ele se aproximou do rosto dela, ainda seguro entre suas mãos e, fechando os olhos depois dela, roçou seus lábios nos dela. A seguir, começou a beijá-la como nunca tinha feito antes: com ardência, com desejo, com paixão, com amor... Não sabia o porquê, mas sempre sentira um bloqueio em beijá-la dessa forma; era como se alguma coisa, bem no fundo, lhe dissesse que aquilo era errado. Mas agora não. Sentia que aquilo estava certo, e perguntava-se por que não tinha feito antes. Precisava disso, como precisava dormir, comer... Havia ainda mais necessidade do que qualquer outra coisa nisso. Era como se, naquele momento, precisasse fazer isso para sobreviver. Sentia como se alguma coisa tivesse mudado dentro de si naquele momento; se tivesse alguma dúvida sobre o que deveria fazer, ela se dissipara assim que ele beijou Gina daquela maneira, com todos aqueles sentimentos juntos dentro de si.
A garota, por sua vez, apenas deixava-se levar. Não abraçara Harry, nem ao menos se movera. Ele sentiu falta disso no início, mas depois sentiu que não importava, que nada mais importava. Gina apenas deixava-se conduzir, assim como as folhas secas das árvores no outono, que se deixam levar, sem resistir, pela brisa fria da estação. Mas nada disso importava para Harry agora, ele só queria estar ali, sentir o calor que emanava do corpo dela, embriagar-se com o perfume dela, os lábios doces, a sua boca, os cabelos lisos e sedosos entre seus dedos, sentir o seu sangue arder e o coração disparar, perder o ar, e beijá-la, beijá-la como se fosse a última coisa que fizesse, o último momento de sua vida. Só queria ficar ali, beijando-a, para sempre.
Mas acabou. Gina, delicadamente, se separou dele. Harry abriu os olhos e olhou para ela, que ainda estava com as pálpebras cerradas. Devagar, ela também abriu seus olhos e o encarou. Permanecia neles aquele brilho estranho, um brilho que transmitia uma sensação que ele não conseguia definir. Ele sorriu para ela, tentando transmitir a felicidade que sentia. Ela não retribuiu o sorriso, apenas o olhou daquele jeito. Com as costas da mão, ela acariciou a face dele e depois o abraçou, com aquela carência que ela sempre demostrava. Harry retribuiu o abraço, sentindo-se bem com o toque e a proximidade dela. Ela se separou e, mais uma vez, acariciou o rosto dele. Sem dizer nada, abaixou-se para pegar os livros. Harry foi mais rápido e pegou-os para ela. O silêncio permanecia enquanto os dois levantavam, ele ainda segurando os livros para ela, e ela o olhando. Ela estendeu as mãos, pedindo com o gesto que ele lhe passasse os livros. Ele assim o fez, aproveitando para tocar nas mãos dela. Ela puxou os braços para si, segurando os livros contra o peito. Sorriu levemente, com aquele mesmo brilho estranho no olhar, antes de se virar e caminhar na direção oposta, sem dizer nada.
Harry apenas ficou ali, em silêncio, parado no meio do corredor, olhando-a se distanciar. Não via nada à sua frente exceto Gina. Nada ao seu redor importava mais. Nada nem ninguém, ele só conseguia ver o que queria, e o que queria era Gina. Passou os dedos nos lábios, ainda sentindo o gosto do beijo. Por mais que Gina já tivesse desaparecido, ele ainda continuava olhando para o lugar por onde ela se fora. Sentia-se entorpecido, a cabeça estava vazia. Nenhum pensamento lhe ocorria naquele instante, apenas Gina. Nunca tinha sentido isso antes... Agora tinha certeza, certeza do que queria, do que estava certo: amava Gina. Sim, aquilo era amor. Não precisava da confirmação de ninguém, o seu coração lhe dizia que era amor. Tinha que ser.
Ele não via mais a verdade, via apenas o que queria ver. Não via que Gina, enquanto se distanciava, carregava um imenso sentimento de culpa, dúvida e medo.
- E aí, vocês se acertaram? – Rony perguntou ansioso quando Harry se sentou ao lado dele na sala de Defesa Contra as Artes das Trevas. Hermione, que por sua vez estava do outro lado de Rony, olhava para Harry com uma certa preocupação estampada no rosto.
- Sim. – Harry respondeu, não conseguindo esconder um sorriso bobo no rosto.
- Hum... sei... Pela sua cara, dá pra ver que foi tudo bem mesmo... – Rony falou, com um quê de deboche, substituído depois por aquele tom vigilante que ele usava quando se tratava da irmã. – E o que aconteceu?
- Rony! Você está sendo indiscreto! – Hermione repreendeu.
Rony deu de ombros. Harry riu.
- Nos beijamos, Rony, o que o você achava que tinha acontecido?
- Melhor assim. – o amigo respondeu, cruzando os braços.
Hermione suspirou e ocupou-se em folhear o livro de Defesa Contra as Artes das Trevas, ainda com a mesma expressão de preocupação no rosto. Harry pôs-se a descarregar o material necessário para a aula. Nesse instante, o barulho de saltos altos e finos pôde ser ouvido. Rapidamente, todo o burburinho que se mantinha na sala anteriormente deu lugar a um silêncio tão profundo que se poderia ouvir o ruído das asas de uma mosca, se houvesse alguma ali. Isso porque todos sabiam muito bem que a Profª. Stevens não tolerava indisciplina e, nesse pouco mais de dois meses de convivência com ela, puderam perceber que ela era um daqueles poucos professores que tinham o condão de manter uma classe silenciosa; assim como Snape ou a Profª. McGonagall.
O único ruído que cortava o silêncio era o dos saltos finos do sapato dela. A professora entrou na sala com sua costumeira altivez e soberba; trajava um de seus vestidos pretos mais decotados e provocantes, seu corpo esguio coberto por uma capa também negra que ela tirou e jogou sobre sua própria mesa, arrancando olhares de cobiça dos representantes do sexo masculino da classe e de desdém das de sexo feminino. Como sempre fazia, sentou na mesa, cruzando as pernas e olhando para cada aluno como se os medisse. Suspirou e cumprimentou a classe:
- Bom dia.
Todos responderam em coro ao cumprimento. Ela olhou superficialmente a sala antes de instruir:
- Página 229 do livro. Já deveria estar aberto.
Todos se puseram a abrir a página rapidamente. Hermione sorriu pretensiosa; já tinha aberto a página antes que a professora falasse. Harry olhou para a página que abriu: no alto dela estava escrito "Torturas Psicológicas".
- Muito bem! – a professora exclamou, batendo uma mão na outra, para depois cruzar os braços. – Se leram o título do capítulo em que mandei que abrissem, viram que o tema da aula de hoje é sobre "Torturas Psicológicas". Alguém aqui sabe o que elas são?
Ninguém levantou o braço, nem mesmo os garotos que faziam isso somente para terem a oportunidade de se dirigirem à professora.
- Não acredito que nenhum de vocês sabe... – a professora comentou num tom surpreso.
Hermione, seguindo seus instintos, levantou a mão.
- Sim, Srta. Granger?
- São aquelas torturas que não atingem o corpo da vítima, e sim sua mente. Elas procuram os pontos fracos da pessoa, seus sentimentos mais profundos, seus medos e angústias, e as exploram nos seus pontos negativos. – a garota disse tudo isso como se ela fosse a professora e usando aquele seu antigo tom de sabe-tudo.
Samantha Stevens tinha uma expressão em seu rosto que demonstrava claramente que ela estava surpresa, ou talvez chocada, com a explicação tão precisa de Hermione. Contudo, apenas limitou-se a um gesto com a cabeça que mostrava que concordava com o que a garota tinha dito, mas não disse ao menos uma única palavra de elogio. Hermione parecia não se importar, ao contrário, dava a impressão de estar bastante satisfeita com o efeito que causara na professora. Depois de um suspiro, a professora continuou:
- Um exemplo de tortura física, como já aprendemos na aula passada, é a Maldição Cruciatus. Ela atinge apenas o corpo da pessoa, causando dor física. Quem é atingido por essa maldição, apesar da dor, ainda tem controle sobre si mesmo e seus pensamentos, por isso ela pode ser reversível. Mas é muito difícil quem consiga se concentrar o bastante e esquecer a dor a ponto de reverter a maldição. É preciso muito controle sobre si mesmo para isso, e somente bruxos realmente poderosos o tem.
A classe permanecia em silêncio e prestando atenção a todas as palavras da professora. Após respirar fundo, ela prosseguiu:
- As torturas psicológicas são bem diferentes e, dependendo do ponto de vista, podem ser consideradas mais cruéis do que as físicas. A pessoa que conjura a maldição passa a entrar nos pensamentos da vítima, nos seus sentimentos, manipulando-os a seu bel prazer. Se os senhores acham difícil tentar controlar ou suportar uma maldição que cause dor física, acharão impossível fazer isso com uma que transmita a dor sentimental. Vocês são jovens e ainda não têm experiência de vida; porém, quem já viveu mais um pouco sabe que um corte na pele pára de sangrar rapidamente, mas uma ferida no coração não fecha nunca, ou é muito difícil de ser curada. – ao falar essa frase, Harry notou nos olhos dela, geralmente despidos de qualquer emoção aparente, uma certa melancolia e nostalgia, que logo desapareceram. – É por isso que uma tortura desse tipo é tão cruel; ela resgata seus piores sentimentos, tudo aquilo que se quer esquecer, e os faz vir à tona, da pior maneira.
Neville Longbottom levantou a mão timidamente.
- Sim? – a professora perguntou.
- Bem... – ele começou incerto. – Qualquer bruxo pode conjurar uma maldição desse tipo?
A Profª. Stevens fez uma cara que dava a impressão de estar ponderando sobre a pergunta.
- Sim, Sr. Longbottom, qualquer bruxo pode conjurar uma maldição como essa, mas poucos a farão bem o bastante para que sirvam de alguma maneira.
- Como assim, professora? – um sonserino perguntou.
- Com qualquer feitiço é assim; ele sempre depende do grau de energia mágica que um bruxo tem. Um feitiço ou uma maldição nada mais é do que a energia de um bruxo canalizada por uma varinha. É muito raro, mas às vezes pode-se fazer magia sem uma varinha. Todos vocês aqui já devem ter feito isso alguma vez na vida, mais provavelmente quando eram crianças, mas involuntariamente.
Harry teve uma súbita lembrança: Tia Guida inflando como um balão na cozinha dos Dursleys. Não pôde conter um sorriso no canto dos lábios.
- Porém, existem bruxos capazes de fazer isso voluntariamente. São muito raros, mas existiram em maior quantidade antigamente e ainda existem alguns, poucos, com esse tipo de dom. O que vocês fizeram quando crianças, provavelmente, foram coisas mínimas, mas bruxos como esses são capazes de grandes feitos sem o uso da varinha. De qualquer maneira, isso não é o mais importante agora.
"O ponto é que, dependendo do quanto de energia esse bruxo possui, suas magias saem mais fortes ou mais fracas. Isso mostra qual é o bruxo poderoso e qual não é. Qualquer feitiço é mais potente com um bruxo poderoso, mas eles também funcionam com bruxos de poder reduzido. Acontece que as maldições que resultam em torturas psicológicas só são realmente eficazes quando são conjuradas por bruxos poderosos. E uma coisa que aumenta a eficácia dessas maldições é o sentimento de rancor ou ódio que o bruxo que a conjura possa vir a possuir pela vítima. Isso acontece porque essas são maldições malignas; toda e qualquer maldição como essa é mais forte quando alimentada pelo ódio."
- A senhora pode dar um exemplo de maldição como essa, professora? – Dino pediu.
- A maldição Soturnus Sognus. – alguns alunos sentiram arrepios ao ouvir o nome da maldição. Rony foi um deles. – Essa maldição é uma das torturas mais cruéis e talvez a pior que exista. A vítima é transportada para suas piores lembranças e passa a revivê-las. Na verdade, a pessoa não é transportada para lugar algum, apenas lembra de acontecimentos dolorosos de seu passado, mas a forma com que as lembra, tão vivamente, faz com que digam que a pessoa é levada para um outro lugar, um mundo alternativo, que denominam "A Terra das Sombras".
Vários alunos se encolheram nas cadeiras. Rony escorregou um pouco no próprio assento, com uma expressão de temor no rosto. Hermione parecia um pouco assustada, mas permanecia atenta à explicação. Até mesmo Harry, que nunca tinha ouvido sequer falar da tal maldição, sentiu arrepios ao ouvir a descrição dela.
- Deram esse nome à maldição porque as lembranças são tão ruins, e sempre relembradas de uma forma mais cruel do que realmente aconteceram, que se costumou dizer que essas lembranças são as sombras do nosso próprio ser. A maldição é tão complexa, que entra tanto no consciente, ou seja, as lembranças que a pessoa realmente se lembra, quanto no subconsciente da vítima, isto é, aquilo que ela já esqueceu, mas continua armazenado na memória. Por exemplo, duvido que algum de vocês se lembre de algum acontecimento de quando eram bebês, mas tenho certeza de que tudo o que viveram está guardado na memória de vocês, mesmo que não se lembrem. Nós temos uma parte no nosso cérebro que guarda essas "lembranças esquecidas", e essa parte é o nosso subconsciente. Pois bem, a maldição da Terra das Sombras os faria não somente lembrar desses acontecimentos, como revivê-los.
- Como assim "revivê-los"? – uma garota da Sonserina, Katherine Willians, perguntou. A professora olhou-a atentamente antes de responder com uma pergunta para a classe:
- Quem de vocês aqui sabe o que é uma penseira?
Vários alunos levantaram a mão. Encorajado com isso, Harry também levantou a sua, lembrando-se da penseira que vira na sala de Dumbledore, quase dois anos antes.
- E quem de vocês já entrou numa penseira? – ela perguntou.
Ninguém levantou a mão dessa vez. Harry lembrou-se novamente da penseira de Dumbledore; tinha sim entrado na penseira e visto uma cena de algo que acontecera com o diretor, mas... deveria levantar a mão? Olhou para a professora que examinava a classe, como que esperando que alguém fizesse isso. Então Harry se decidiu: levantou a mão.
A Profª. Stevens o encarou interessada. Ainda permanecia nos olhos azuis dela aquele brilho que tanto incomodava Harry, mas ele permaneceu firme e devolveu o olhar. As cabeças de todos os alunos se voltaram para ele.
- O senhor poderia, então, nos contar de que maneira viu a cena quando entrou na penseira? – ela pediu.
Harry parou alguns instantes para pensar. Como tinha visto aquela cena na penseira de Dumbledore? Ninguém naquele "pensamento" sabia que ele estava lá, e não podia interferir na cena. Era um mero espectador.
- Eu apenas... observei a cena. – ele começou. – Não podia interferir, era como se não estivesse ali, porque ninguém lá sabia da minha presença. Eu só era um... espectador do que estava acontecendo.
A professora sorriu, mais para Harry do que pela resposta dele.
- Provavelmente o senhor assistiu a uma cena que aconteceu com uma outra pessoa que não fosse o senhor, ou estou enganada, Sr. Potter?
- Não, a senhora está certa. – Harry respondeu, já se arrependendo um pouco por ter levantado a mão, já que sentia os olhos de todos nele e não gostava disso. – Eu assisti a uma cena que aconteceu com uma outra pessoa.
- Então o senhor não deve ter tido nenhum sentimento especial ao ver a cena. Talvez... curiosidade, somente.
Harry afirmou com a cabeça, concordando. Ela prosseguiu com as perguntas:
- E se a cena fosse alguma de seu próprio passado, Sr. Potter? Como o senhor acha que se sentiria?
- Eu... – ele pensou por algum tempo. A cada instante se arrependia mais por ter levantado a mão. Aonde a professora queria chegar com todas aquelas perguntas, afinal? – Dependeria da cena, acho.
Ela não disse nada por alguns instantes. Parecia estar pensando no que perguntaria a seguir. Harry sentiu-se inquieto e nervoso. Ela girou sua cabeleira negra e cacheada, e olhou para ele novamente, com aqueles profundos e misteriosos olhos azuis.
- E se a cena fosse a morte de seus pais? O que o senhor acha que sentiria?
Harry ficou chocado. E não era o único, todos ficaram ou chocados ou surpresos com a pergunta tão direta e indiscreta da professora. Rony e Hermione olhavam quase enfurecidos para a professora pela pergunta que ela fizera ao amigo. Draco Malfoy o encarava com divertimento.
Por alguns instantes o cérebro de Harry parecia ter parado de funcionar, para depois cair em si. Por que ela lhe perguntara isso? Mais do que isso, com que direito ela se achava para perguntar uma coisa dessas para ele? Já era demais! Ela não tinha o direito de fazer uma pergunta como essa, tinha passado dos limites, mesmo sendo uma professora e ele um mero aluno. Ela não podia ter feito isso, uma pergunta tão pessoal e de um assunto tão delicado como esse! "Fique longe dela" – as palavras que Sirius lhe escrevera ecoavam em sua cabeça, e por um segundo Harry pensou que o padrinho tivesse razão com sua preocupação. Harry passou de chocado para enraivecido e respondeu, sem se intimidar com a postura rígida que a professora tomava e sem temer perder pontos ou qualquer outra punição:
- Creio que eu não lhe deva satisfações sobre isso. É um assunto meu e não importa para mais ninguém.
Agora o clima estava tenso. Podia-se sentir sentimentos no ar como apreensão e aflição de alguns alunos, até curiosidade e diversão da parte de outros. O certo era que ninguém, até esse dia, tinha se atrevido a desafiar ou responder para a Profª. Stevens como Harry tinha feito. Mesmo que ele estivesse certo, ninguém acreditava que sairia ileso daquela situação. Estavam enganados, para a sorte dele.
Depois de dizer sua frase, Harry esperou o impacto que ela faria na professora, antevendo que perderia pelo menos uns cinqüenta pontos ou ainda poderia receber uma detenção bastante indigesta, como destripar iguanas. Contrariando tudo o que pensara Harry e todos os outros alunos, a professora sorriu de um jeito que transmitia... não, não poderia ser outra coisa: diversão, uma fria e quase macabra diversão.
- Não precisa responder, Sr. Potter. – ela disse num tom de quem está tratando com uma criança teimosa. Isso só aumentou a raiva que Harry estava sentindo. Ele sentiu que estreitara os olhos e encarava a professora como jamais o fizera, sem se importar com aquele sentimento de desconforto que ela lhe passava. Ela continuava a sorrir. – Contudo, não preciso da sua resposta para saber que o senhor provavelmente ficaria muito emocionado e, aposto minha varinha, essa seria uma das lembranças que o senhor reviveria se fosse atingido pela maldição da Terra das Sombras.
Ao ouvir aquelas palavras, Harry sentiu uma raiva que não sentia desde o dia que saíra da casa dos Dursleys. Sua vontade era falar todas as coisas que passavam pela sua cabeça para a professora. Ele desviou o olhar do rosto dela, temendo descontrolar-se, e concentrou-se na mesa dela, sua cabeça zunindo. Mas a queda de um globo de cristal que estava sobre a mesa da Profª. Stevens, o qual se estatelou no chão em vários pedacinhos, interrompeu seus pensamentos.
A professora, que tinha levantado da mesa e estava prestes a recomeçar a falar para a classe, virou-se rapidamente para ver o que tinha acontecido e viu o cristal quebrado no chão, um líquido escorrendo dele. Os outros alunos também viraram seus olhares para o lugar. Enquanto todos estavam distraídos, a Profª. Stevens virou novamente sua cabeleira negra e, por um segundo, o olhar dela cruzou com o de Harry, fazendo-o entender: ele tinha quebrado o globo de cristal. Para a sorte dele, ninguém mais tivera a mesma percepção.
- Reparo! – a professora fez um gesto com a varinha, e o globo voltou a ser o mesmo. – Droga, por que eu fui deixar isso na ponta da mesa? – ela murmurou irritada, ajeitando o globo na mesa para que não caísse mais.
Mas por que ela fizera isso?, Harry perguntou a si mesmo em pensamento. Então... ela não notara que foi ele... Talvez nem tenha sido ele mesmo, afinal... Não. Tinha sido ele sim, como tinha feito na cozinha dos Dursleys, meses atrás.
A Profª. Stevens recomeçou a falar, dando mais explicações sobre a maldição da Terra das Sombras e outras torturas como ela, pedindo para que anotassem. Dessa forma, os alunos passaram o resto da aula fazendo anotações sobre a explicação. Quando o sinal bateu, todos se apressaram em sair, alguns alunos, garotos obviamente, parando para despedirem-se da professora ou comentar alguma coisa. Harry, Rony e Hermione também se apressaram em sair, mas quando estavam passando ao lado da mesa da professora, ela disse:
- O senhor pode permanecer aqui por mais alguns minutos, Sr. Potter?
Harry parou de andar. Estava bem mais controlado do que antes agora, mas ainda se sentia bastante enfurecido pelo que a professora fizera. Rony e Hermione também pararam de andar, olhando para Harry ansiosos.
- Se eu ficar, chegarei atrasado na próxima aula. Pode ser outra hora?
- Não. – ela respondeu firme. – Tem que ser agora.
Harry bufou. Olhou para os amigos. Hermione o aconselhava com o olhar a não contrariar a professora. Rony disse a frase que impediu Harry de dizer outra coisa:
- Então a gente se vê mais tarde, Harry.
Os dois saíram, deixando Harry sem outra opção. O rapaz fez uma anotação mental de depois tirar satisfações com os dois por terem-no deixado naquela situação. A professora esperou todos os alunos se retirarem para sair detrás da mesa e fechar a porta.
Harry forçou-se a não olhá-la quando se aproximou dele. Sentiu novamente aquele perfume forte que emanava dela. Em um tom cínico, ela perguntou:
- Ora, você não vai conversar comigo desse jeito, vai, Harry? – a menção de seu primeiro nome o fez ficar com mais raiva dela, mas ele ainda não desviou o olhar do ponto fixo em que se concentrava: um buraco na mesa. – O que foi? – ela perguntou num tom de deboche. – Está com medo de me encarar nos olhos?
Isso foi o estopim para Harry. Ele virou bruscamente o rosto, olhando enraivecido para ela, diretamente nos olhos, e disse:
- Eu não lhe dei o direito de falar comigo desse jeito.
Estranhamente, o jeito com que ela o tratava, com deboche e cinismo, irritava-o mais do que as constantes implicâncias de Snape para com ele.
Ela soltou uma gargalhada alta e estridente.
- Você é igualzinho ao seu pai, Harry... Ele também ficava furioso quando eu o provocava desse jeito. Você é muito previsível, assim como ele era. Foi só eu tocar na palavra "medo" que você se queimou. É fácil ferir o orgulho de um grifinório, principalmente se for um Potter: apenas deboche de sua coragem.
Decididamente Sirius tinha razão em não gostar dela. Realmente ela era irritante. Mas ela tinha uma coisa que Harry conseguiu admirar: ela o desafiava. Aproveitando a brecha que ela abrira, ele perguntou algo que gostaria muito de saber:
- Como você e meu pai se conheceram?
Ela sorriu quase sinceramente.
- Em Hogwarts. – ela tamborilou os dedos pela ponta da mesa, sem olhar para Harry. – As circunstâncias e o que aconteceu depois não vêm ao caso. – olhando novamente nos olhos dele, com aquele brilho misterioso, ela continuou: - Mas não estamos aqui para falar de Tiago e sim de você.
- E o que quer comigo?
- Pedir desculpas. – Harry se surpreendeu, mas logo notou o tom dela: sem o mínimo arrependimento. – Eu não deveria ter tocado naquele assunto na aula, desculpe-me.
Ele não respondeu nada. Ela não se importou e prosseguiu:
- Espero que você não guarde rancor de mim por causa disso.
Ela sorriu ligeiramente e fez uma coisa que Harry nunca esperaria: acariciou a face dele. Ele, rapidamente deu um passo para trás; não somente pela surpresa, mas também por algo que o assustou: assim que sentira o toque dela, sua cicatriz ardeu, por um milésimo de segundo.
- Você promete que não vai ficar chateado comigo por hoje? – ela perguntou como se nada tivesse acontecido, abaixando a mão que ainda estava no ar.
Um pouco atordoado ainda, Harry respondeu:
- Tudo bem...
Ela sorriu.
- Então, acho que o senhor pode seguir para a sua aula.
Samantha Stevens dirigiu-se para detrás de sua mesa, sentando na cadeira. Harry demorou alguns segundos para sair do torpor que se encontrava e tomou a direção da porta. Porém, antes que ao menos encostasse a mão na maçaneta, ouviu a voz dela:
- E devo acrescentar, Harry, que sei que foi você que derrubou o meu globo de cristal da mesa.
Harry se virou espantado para ela que, sem ao menos tirar os olhos do que estava fazendo, encerrou a conversa:
- O senhor vai se atrasar para a aula se não andar rápido.
O rapaz entendeu e saiu da sala, ainda atordoado. Começou a andar pelo corredor, automaticamente, pensando no que tinha acontecido. Quem era essa mulher afinal? Como ela sabia disso, que relação ela tivera com seu pai e Sirius? Por que a cicatriz doera quando ela o tocou? Novamente as palavras de Sirius ecoaram em sua mente, lembrando que ele deveria se afastar dela. Talvez devesse seguir o conselho de seu padrinho, mas... alguma coisa dentro de si o dizia para não fazer isso. A verdade era que ele não queria fazer isso.
Ele estava em lugar que já conhecia, ou pelo menos achava que conhecia. Era uma caverna fracamente iluminada. O silêncio reinava no ambiente, sendo apenas cortado pelo som distante de água pingando, insistentemente. O ambiente transmitia a ele uma sensação de tristeza a qual não sabia a origem.
Subitamente, ouviu uma voz soluçante e entrecortada por lágrimas, às vezes também por longas aspirações de ar. Procurou pelo dono da voz, andando pela caverna, mas parecia que por mais que andasse, não saía do mesmo lugar do começo. Foi nesse momento que viu, ao longe, alguém deitado no chão, sendo amparado por um outro alguém, debruçado sobre si. A pessoa que estava deitada parecia ser dona da voz. E também parecia estar sofrendo.
Ele teve o ímpeto de ir até lá, tentar ajudar. Não sabia como nem porquê, mas aquela cena lhe trazia uma tristeza inexplicável. Só sabia que precisava ajudar aquela pessoa, tentar diminuir seu sofrimento. Mas, como da outra vez, por mais que corresse, não saía do lugar; pior, parecia que a distância ficava ainda maior a cada passo que tentava dar.
Lá, ao longe, viu a pessoa que estava deitada beijar o alto da testa da outra que a amparava. Aquilo o fez sentir-se ainda mais angustiado... Precisava ajudar aquela pessoa, alguma coisa lhe dizia que ela iria morrer. Mas não conseguia sair do lugar, e isso o desesperava mais e mais. Aquele outro que a amparava levantou-se, deixando a primeira pessoa nos braços de um outro vulto, que não podia ser distinguido, assim como os outros.
Como podia deixá-la? Ela ia morrer! Sentiu um completo sentimento de impotência ao ver essa cena. Tinha que ajudar, mas não conseguia. Tentou novamente correr, mas foi inútil. A cada passo, a cena ficava mais disforme, até que desapareceu por completo. Viu-se, então, engolfado por uma súbita falta de ar. Tentava, de todas as formas, com toda a força que conseguia reunir, respirar, mas o ar lhe faltava. A cabeça começou a doer, sentindo a falta de oxigenação... Ele não suportaria mais...
Harry acordou sobressaltado na sua cama. Sentou-se rapidamente, aspirando todo o ar que conseguia. A respiração estava descompassada, e a cabeça permanecia doendo ainda, talvez pelo esforço que fizera para respirar. Ficou por alguns minutos assim, apenas controlando a respiração, fazendo-a voltar ao normal. Só depois de muito tempo conseguiu se acalmar e respirar melhor.
Foi então que se deu conta do que tinha acontecido. Fora um sonho... mas... não, era real. Ele sentiu a falta de ar, e sua cabeça ainda doía pelo esforço... Não era a cicatriz que doía, era a cabeça. E isso era ainda mais estranho... Não era um sonho como os outros; Voldemort não estava presente nele, e a cicatriz estava intacta. Mas então... o que era aquele sonho, afinal? O que significava? Tentou se lembrar dele, mas não conseguia; a cabeça doía ainda mais quando fazia isso. Os detalhes escorriam de sua mente, como água entre os dedos. Era impossível tentar lembrar sem que a dor se tornasse insuportável; por isso, desistiu.
Ainda sentindo a cabeça rodar, pegou os óculos sobre a mesa de cabeceira. O relógio despertador marcava pouco mais das sete e meia da manhã. Droga, não era para ter acordado tão cedo num sábado! Era verdade que teria treino de quadribol de manhã, como sempre tinha todos os sábados e, por isso, acordaria mais cedo do que os outros jogadores, mas não tão cedo. Deitou novamente na cama, mas percebeu que não cairia no sono, por mais que tentasse. A cabeça dolorida não o deixaria.
Levantou-se e decidiu tomar um banho. Talvez um bom banho quente melhorasse a dor. Pegou as vestes vermelhas do time e, enquanto deixava a água morna escorrer pelo seu corpo, forçou-se a desviar o pensamento do sonho. Repassou mentalmente toda a programação que tinha feito para o treino. Precisava melhorar o entrosamento entre Gina, Peta e Jonnathan; eles andavam errando muitos passes. Também precisava dar alguns conselhos à Peta e lembrá-la de não se desconcentrar no jogo do dia seguinte contra a Sonserina. E Dênis estava sempre se atrasando, tinha que lembrá-lo de acordar mais cedo para não se atrasar para a partida.
Pensar nisso o fez esquecer um pouco o sonho, mas não a dor de cabeça, que não passou. Quando saiu do banho, já vestido, e foi pegar a Firebolt no armário, viu Rony dormindo a sono solto. Não precisava acordar o amigo hoje e, se o fizesse, tinha certeza de que ele reclamaria o dia todo.
Desceu do dormitório, ainda com a cabeça rodando. Pensou um pouco no que faria agora. Ficara tanto tempo no banho que já passava das oito, e o café já estava servido a essas alturas. Mas não tinha fome. Então decidiu que iria para o campo, talvez voar um pouco refrescasse suas idéias. Porém, quando estava saindo pelo buraco do retrato, uma voz ecoou atrás de si, chamando-o e fazendo-o dar um sobressalto, pois a cabeça doeu ainda mais ao ouvir o barulho. Segurando a cabeça, como se aquilo fosse melhorar a dor, virou-se para ver quem era; Colin parou derrapando na frente dele, um pouco ofegante pela corrida que fizera a fim de chegar até Harry.
- Você já vai para o campo, Harry? – o garoto perguntou com aquele tom de voz ansioso que sempre tinha quando falava com ele.
- Não sei, eu... – o rapaz tentou esconder o mau humor. Colin não tinha culpa da enxaqueca que ele estava tendo. – Eu acabei acordando um pouco mais cedo e ainda nem sei direito o que vou fazer agora...
- A gente pode tomar café juntos e depois ir para o campo! – o outro garoto sugeriu num tom de empolgação.
Harry não teve como recusar sem parecer grosseiro e acompanhou um Colin muito alegre, mesmo que não estivesse com o mínimo de fome, e sua vontade fosse ficar sozinho. Colin realmente tinha um defeito: falava demais. Durante o caminho inteiro não parou de tagarelar ao lado de Harry. Era praticamente um monólogo: Colin falava, e Harry respondia de vez em quando com um aceno de cabeça ou uma frase bem curta. Por que afinal só se repara os defeitos de uma pessoa quando não se está bem? Talvez porque Harry estivesse com uma dor de cabeça chata e insistente, e ela só piorasse quando Colin não parava de falar.
- Ah, Harry, você viu a foto do time todo que a gente tirou? – Colin perguntou quando estavam entrando no salão principal. – Aquela que a Hermione tirou do time no dia que você anunciou os nomes...
- Não, Colin, eu não vi.
- Então eu vou te mostrar! – ele continuou animado, tirando a foto de um bolso da camisa, enquanto os dois sentavam na mesa da Grifinória, com bem poucos alunos a essa hora da manhã. – Eu revelei o filme ontem!
- Você anda por todo o canto com essa foto? – Harry perguntou, pegando a foto que Colin lhe estendia.
- Não, só estou com ela hoje porque queria mostrar para o pessoal. – ele respondeu sorrindo, enquanto passava manteiga em uma torrada e começava a comer, um raro momento em que parava de falar.
Harry ficou observando a foto ao mesmo tempo em que o colega comia. O primeiro lugar em que bateu os olhos foi na figura de Gina: ela estava sendo abraçada por ele mesmo, rindo quando ele insistia em beijá-la na bochecha. Correu o olhar para Rony, tentando achar uma posição mais confortável, ou seja, mais folgada, o que Peta não deixava, ao mesmo tempo em que empurrava um Jonnathan emburrado como sempre. Colin e Dênis freqüentemente mudavam suas posições, inquietos, no chão. Mas os olhos de Harry voltaram novamente à figura dele e de Gina na foto; instantaneamente sorriu, esquecendo por alguns segundos da dor de cabeça que o atormentava, mas logo voltou à realidade pela voz de Colin:
- Você gostou?
- Hã? Ah, claro, Colin, ficou muito legal. – ele entregou a foto para o colega. – Será que você poderia me fazer uma cópia? Eu gostei do jeito que eu e Gina ficamos na foto...
- Sério que você quer uma cópia? Pode deixar que eu faço sim, Harry, com todo o prazer!
Colin não podia esconder a empolgação quando Harry se interessava por alguma coisa que ele fizesse. O colega ficou encarando a foto na sua mão com orgulho, quando alguém a tirou de sua mão.
- Ei, você não tinha me mostrado isso, Colin!
Era Peta. Ela disse isso, sentando-se e olhando a foto. Harry aproveitou a deixa para sair, já que agora Colin tinha uma companhia e não pegaria mais no seu pé.
- Você já vai, eu acabei de chegar, capitão! – Peta disse em tom brincalhão, enquanto Harry se levantava.
- Vou voar um pouco antes do treino.
- Mas você não vai tomar café, Harry? – Colin perguntou.
- Não estou com fome. – ele respondeu, pegando a vassoura e avisando antes de sair: - Não se atrasem para o treino.
- Sim, capitão! – Peta bateu uma continência.
Harry nem ligou e saiu; já estava se acostumando com o jeito despachado da menina. Suas pernas foram levando-o sozinhas até o campo, já que ele estava mais preocupado com a dor de cabeça, que ainda o incomodava.
Quando chegou lá e pisou na grama ainda molhada pelo orvalho, com a brisa fresca da manhã agitando seus cabelos rebeldes, sentiu-se um pouco melhor. Montou a Firebolt e deu impulso nela. Logo estava voando, sentindo aquela maravilhosa sensação de estar no ar, em uma vassoura. Era como se esquecesse seus problemas, suas aflições, quando voava. O vento no rosto, a liberdade que o céu o proporcionava era magnífica. Esquecia tudo e vivia aquele momento, somente voando, fazendo manobras, curvas, às vezes até rindo sozinho do perigo a que punha si mesmo em uma outra mais arriscada. Quando não estava bem, preferia voar sozinho, somente sentindo aquela sensação, sem nada que desviasse seu pensamento para outras coisas.
- Ei, Harry!
Uma voz o chamou lá de baixo no exato momento em que ele sobrevoava a arquibancada sempre ocupada pelos grifinórios. Correu os olhos para a direção da voz, e a visão que teve não podia ser mais animadora. Gina acenava sorridente lá do chão, pena que estivesse acompanhada pelos seus colegas: Peta, Colin e o mal-humorado Jonnathan.
Harry desviou a vassoura para a direita, saindo da reta da arquibancada, e depois foi diminuindo a altura, até pousar suavemente perto de Gina e de seus colegas. Não pôde deixar de notar quando os cabelos da ruiva se agitaram com o vento que ele fez ao pousar.
- Bom dia! – Gina disse sorridente quando ele desmontou a vassoura, dando um beijo estalado na bochecha do namorado. Jonnathan se revirou incomodado e cruzou os braços.
- Nós achamos esses dois e os trouxemos para cá, capitão! – Peta se intrometeu e indicou Gina e Jonnathan.
- Que bom... – Harry disse, olhando Gina e pedindo com os olhos que ela conseguisse um momento a sós para eles. Ela respondeu com um olhar que dizia "não dá".
- O que vamos treinar hoje, Harry? – Colin perguntou ansioso.
- É só um preparo a mais antes do jogo de amanhã... Nada de mais... – Harry respondeu, um pouco desapontado porque não podia ficar com Gina a sós. O pior era que a dor de cabeça estava voltando.
- Espero que não seja mais um daqueles treinos idiotas sobre passes e tiros ao gol... – Jonnathan reclamou, obviamente provocando Harry, como sempre fazia, aliás. – Eu não quero ficar perdendo meu tempo com isso.
Gina, Peta e Colin olharam um pouco amedrontados para Harry, esperando a resposta dele, que resultaria em mais uma discussão entre o capitão e o artilheiro. Harry apenas olhou com desprezo para Jonnathan, preparando uma resposta à altura:
- E eu espero que você treine com mais dedicação, Cavendish, porque você é o artilheiro que mais vem errando passes. Eu não quero ficar perdendo meu tempo com um jogador displicente.
Peta soltou um prolongado "oh". Gina repreendeu Jonnathan com os olhos por ter começado novamente uma discussão. Colin deu de ombros. Harry aproveitou que vira Rony e Hermione entrando, abraçados, no campo, para sair dali e ir até eles. Gina o seguiu.
- Você também não precisava ter respondido assim, Harry... – ela comentou enquanto andavam.
- Só falei a verdade, Gina. – ele falou um pouco mais seco do que pretendia. A cabeça deu uma pontada. – Além disso, foi ele que começou.
- É... parece que eu me atrasei... – Rony disse quando Harry e Gina se aproximaram dele e de Hermione.
- Tudo bem, Rony. – Harry respondeu, sentindo outra pontada na cabeça. – Os outros acabaram de chegar, e o Dênis ainda não chegou também.
- Nós o vimos tomando café da manhã. – Hermione informou. – Disse que estava acabando e já iria vir.
- Melhor assim. – Harry disse, colocando a mão na cabeça involuntariamente.
- O que houve, Harry? – Gina perguntou, olhando-o preocupada.
- Tô com uma dorzinha chata na cabeça...
- Por que você não fala com a Madame Pomfrey? – Hermione sugeriu. – Ela cuida disso rapidinho.
- Não, daqui a pouco passa... Não tô a fim de tomar aquela poção esquisita que o Snape ensinou...
- Por falar nela, o Simas me disse que descobriu a nota dele. – Rony comentou. – Seis e meio. Não quero nem ver a minha...
- Parece que o Dênis chegou. – Gina disse, mudando de assunto e indicando um Dênis Creevey suado e cansado entrando correndo no campo.
Colin, Peta e Jonnathan se aproximaram. Ao ver o irmão, Colin não deixou de repreendê-lo:
- Não podia ter se adiantado um pouquinho, Dênis?
- Não deu... – o menino respondeu ofegante. – Perdi a hora. Desculpe, Harry...
- Tudo bem... Agora já dá pra gente começar o treino, então.
- Acho que devo me retirar, nesse caso... – Hermione disse. – Vou assistir vocês lá da arquibancada. – ela completou, soltando um beijo para Rony no ar e foi embora.
Os sete jogadores, então, entraram nos vestiários, para pegarem as vassouras e colocarem alguns outros aparatos de última hora, como luvas e joelheiras. Harry daria as instruções para eles ali também, antes de começarem o treino. Quando todos já tinham terminado de pegarem suas coisas, ele começou:
- Como todos vocês sabem, amanhã jogaremos contra a Sonserina. É um time complicado de se jogar, mas isso não deve intimidá-los, muito menos o fato de ser o primeiro jogo de vocês, exceto Rony. Eu marquei esse treino hoje para nós consertarmos os últimos defeitos e fazermos uma última preparação para o jogo. Se nos esforçarmos, poderemos sim ter uma grande chance de vencer a Sonserina, mesmo eles sendo um time forte.
- Eu acho que esse treino de hoje é desnecessário. – Jonnathan interveio.
Todos olharam de Harry para Jonnathan e deste para o outro, já esperando o que viria a seguir; não havia um único treino em que os dois não discutissem por alguma coisa.
Harry, que estava de pé, encostado na parede, olhou para o garoto sentado ao longe, do lado de Gina. Por que ele estava sempre perto de Gina? Ah, por que estava pensando nisso agora? Concentre-se no quadribol, Harry. Veremos o que ele vai falar dessa vez...
- E por que você acha isso, Cavendish?
- Simplesmente, Potter, porque nós já treinamos por quase dois meses, três dias por semana, quando poderíamos estar estudando para os N.O.M.s! – ele respondeu com insolência, olhando desafiadoramente para Harry.
- Entendo que precisem estudar, eu passei por isso ano passado e não nego que é complicado tudo o que se tem para fazer. Os professores realmente exigem muito. Mas não foi por causa disso que eu deixei minhas outras obrigações, como o quadribol, de lado. E não foi por causa do quadribol que eu tive notas ruins nos N.O.M.s. Se você, Cavendish, ou qualquer outro aqui se prontificaram a fazer o teste, deveriam ter em mente que precisariam dedicar um pouco do seu tempo para com o quadribol. Por mais talento que se tenha, não se consegue vencer uma partida se não estiver preparado para ela.
Harry estava usando um tom ponderado, como era sempre o começo das discussões dele com Jonnathan; os dois começavam educadamente, somente usando ironia e sarcasmo, mas depois as coisas pioravam. Os outros ficaram observando atentos esperando esse momento chegar para tentarem intervir. Jonnathan, ao ouvir a resposta de Harry, mordeu os lábios e se levantou. Andou um pouco a fim de ficar mais próximo de Harry. Olhou-o nos olhos, pronto para falar. Harry ficou esperando.
- Acontece, Potter, que eu não sou o menino perfeito que você é... O capitão perfeito, o apanhador perfeito... o queridinho do diretor, o menino-que-sobreviveu...
Agora ele tinha ido longe demais. Aquele garoto estava passando dos limites, falar aquilo e naquele tom não era uma coisa que Harry iria tolerar. Jonnathan o lembrava muito uma pessoa: Draco Malfoy, tirando que não possuía cabelos loiros untados com gel. Mas no resto, era muito parecido. E se Harry não deixava por menos o que Malfoy falava, não seria diferente com Jonnathan, fosse ele um grifinório, um colega de time, um amigo de Gina ou o que quer que fosse!
Harry desencostou seu corpo da parede e encarou mais de frente Jonnathan, que o olhava com ar de vitorioso. Os outros que estavam no lugar tiveram ímpetos de interferir, mas provavelmente desistiram ao ver a expressão no rosto de Harry. Até mesmo Jonnathan desfez o sorriso vitorioso, entretanto permaneceu firme onde estava.
- Acho que você não entendeu as coisas direito, Cavendish, ou talvez você não tenha capacidade ou maturidade suficiente para entender. Mas eu não me importo de explicar. Primeiro: eu não sou perfeito, tenho muitos defeitos como qualquer pessoa. Segundo: eu não sou o "queridinho" do diretor, porque que eu saiba ele não favorece ou desfavorece ninguém nessa escola, nunca fez isso, pelo menos que eu saiba, mas se você souber de algum exemplo disso, pode dizer. Duvido que você encontre algum.
Jonnathan ia tentar falar alguma coisa, mas Harry não deixou e disse para o garoto algo que queria dizer para o mundo, desde muito tempo atrás:
- Não me interrompa porque eu ainda não acabei. Eu não me lembro de tê-lo interrompido quando você falava. – o outro fechou a boca, irritado e até mesmo um pouco envergonhado. – Por último, Cavendish: eu não sou o "menino-que-sobreviveu" porque quis. Deram pra mim essa porcaria de título por uma coisa que nem sei como aconteceu ou o porquê. Às vezes eu fico tão cansado disso, de pessoas como você jogando isso na minha cara e eu nem saber por que, que a minha vontade é jogar toda a minha vida para o alto... Ah, às vezes eu queria tanto ser como você, Cavendish, que só se preocupa com os N.O.M.s ou com o capitão chato e exigente do time de quadribol! Mas não dá; eu tenho a minha vida, você tem a sua. Por isso, Cavendish, eu peço para você pensar duas vezes na hora de falar algo tão... como eu poderia descrever sem ofender? Algo tão... infantil, essa é a palavra, infantil! Algo tão infantil como você disse agora. Eu realmente não pensei que você fosse tão criança, mas você provou que é. Parece que eu me enganei; eu pensei que tinha escolhido os melhores, mas agora vejo que não. Escute bem agora, Cavendish, porque talvez isso seja útil para você algum dia: talento apenas não fará de você um bom jogador; você precisa ter, ao menos, o mínimo de paciência e bom senso. Para jogar aqui, você vai ter que, necessariamente, conviver com pessoas que pensam diferente de você. E não é por causa disso que você vai sair por aí dirigindo provocações ou insultos para essas pessoas. Tomara que você tenha ouvido direito, porque eu não vou repetir; não quero ficar perdendo meu tempo com criancices. Não vou mais tolerar criancices aqui.
Harry parou de falar e respirou fundo para retomar o fôlego. Saiu da frente de um Jonnathan abobado e estático. Harry pegou sua Firebolt sob o olhar espantado de todos os outros. Dirigiu-se até a saída que dava para o campo, mas antes de passar por ela, parou e falou, dirigindo-se a Cavendish, ainda parado no mesmo lugar, o que o fazia estar de costas para Harry:
- Só mais uma coisa, Cavendish. Eu não sei por que você não gosta de mim, mas sei que eu acabei também não gostando de você. Por mim, eu conseguirei conviver com você para que possamos continuar jogando os dois no time. Porém, se você achar que não vai conseguir me agüentar... tudo bem, você não precisa ficar, ninguém está te obrigando, você faz o que quiser. Se você quiser sair do time para estudar para os N.O.M.s... tudo ótimo, não haverá problemas. Eu te escolhi para o time, assim como qualquer um aqui, porque tem potencial. Mas se você quiser desperdiçá-lo com infantilidades, você que sabe. O meu recado está dado. – ele se virou para os outros. – Eu vou começar o treino, quem quiser vir, venha.
E saiu, deixando os vestiários para trás. Caminhou pelo gramado, a Firebolt nas costas. Sua cabeça estava estourando de dor. Repreendeu a si mesmo em pensamento; droga, por que tinha dito tudo aquilo? Era difícil se descontrolar tanto assim a ponto de dizer tanta coisa dura junta! Andava se descontrolando muito ultimamente, e isso não era bom. Talvez tenho sido muito duro com o garoto, mas também, ele fora longe demais! Não podia suportar aquilo calado! Ah, agora não tinha volta. Quem sabe isso não serviria para diminuir as constantes discussões entre ele e o garoto? Não agüentava mais aquilo, todo treino era um motivo novo, um pretexto diferente que desencadeava um novo desentendimento. Já estava demais! E isso nem com dois meses de time novo... o que viria depois?
- Ei, Harry!
Alguém o alcançou. Era Rony. Percebeu que o resto do time estava vindo bem lá atrás. Inclusive Jonnathan.
- Harry... – Rony começou indeciso. – Você não acha que...
- Que fui duro demais com ele? – Rony fez uma expressão concordando. – Talvez tenha sido mesmo, Rony, mas... ele foi longe demais, você sabe muito bem o quanto eu odeio quando me provocam usando argumentos como o que ele usou. Eu não agüentei e explodi. O que você faria no meu lugar? Iria ficar calado?
- Claro que não! Mas...
- A diferença, Rony, é que você não usaria palavras. Sejamos francos: você daria um soco bem no meio da cara dele, ou não?
Rony fez uma careta. Harry interpretou como um "sim".
- Mas por que será que ele implica tanto com você?
Harry olhou para o amigo. Valeria a pena compartilhar dos seus pensamentos com ele?
- Eu não tenho certeza, Rony, mas... alguma coisa me diz que tem algo a ver com a Gina...
- Gina?
- Fala baixo, não quero que ela nos ouça! – Harry sussurrou, olhando de esguelha para trás. Não tinha problema, eles já estavam aquecendo no ar.
- Por que você acha isso? – Rony perguntou.
- Eu não sei... Ah, você já reparou como ele sempre tá perto da Gina?
Rony olhou de lado para os outros no céu.
- Não, nunca reparei. – Harry suspirou. – Ah, Harry, será que você não tá exagerando?
- Talvez...
- Então esquece isso por agora, e vamos treinar! Amanhã temos o jogo, e você mesmo disse que quer ver todos nós bem preparados! – o amigo disse isso e decolou com sua Cleensweep Seven.
- Talvez não... – Harry murmurou para si mesmo, também decolando com sua Firebolt em seguida.
- Você tem certeza de que não quer que eu fique com você agora?
Era Gina quem fazia a pergunta. Já tinham terminado o treino, que fora calmo e sem mais problemas. Conseguiram aperfeiçoar as imperfeições, e Harry achava que estavam bem preparados para o jogo do dia seguinte. Jonnathan, diferente dos outros treinos, ficou calado todo o tempo. Todos sabiam muito bem o porquê. Ao mesmo tempo, Harry também não falou muito. Somente o necessário para orientar os jogadores. No final das contas, tudo tinha saído bem e terminaram quase na hora do almoço. Os outros já tinham ido embora há algum tempo, mas Harry permanecera mais um tempo no vestiário, acompanhado de Gina.
- Não precisa, Gina... – ele respondeu, fechando o armário e olhando para ela. – Daqui a pouco vai ser hora do almoço, você deve estar querendo tomar um banho para tirar o suor do corpo... – ele sorriu. – Eu sei que você gosta de fazer isso e, além do mais... – ele começou, chegando mais perto dela e a abraçando. – Depois eu quero te encontrar cheirosinha, mesmo que goste quando você está suada assim... – ele colocou o rosto entre os cabelos dela, fazendo-a se arrepiar.
- Pára com isso, Harry! – ela disse rindo e empurrando-o. – Esqueceu que você também tá suado? – ele soltou um muxoxo. – Já que é assim, eu vou tomar um banho, almoçar... E depois a gente se encontra. Quero você de banho tomado também, viu?
- Pode deixar, senhorita.
Ela riu, mas depois fechou a cara, preocupada.
- Mas você não vai almoçar também?
- Depois eu passo na cozinha e pego uma coisinha pra comer. O Dobby não vai negar... – ele respondeu fazendo um gesto displicente.
Ela cruzou os braços.
- Você precisa se alimentar direito, Harry! O que foi? Ainda a dor de cabeça?
- Tá um pouco melhor. – Harry mentiu.
- Cuida disso! – ela mandou e deu um selinho nele. – A gente se vê mais tarde, então?
Ele concordou com a cabeça, e ela foi embora. Harry encostou, cansado, no armário. Insistiu para que ela o deixasse sozinho porque a mente dele estava uma confusão só. Tanta coisa estava acontecendo que ele mal podia organizar as idéias. Talvez essa confusão toda fosse a causa da dor de cabeça, no final das contas. Precisava conversar com alguém e já tinha pensado em quem. Não dava para conversar com Rony ou Hermione, já que os dois, nos sábados, estavam mais interessados em namorar em algum canto escondido de Hogwarts. Sirius estava não sabia onde e não o veria tão cedo; fora de cogitação. Só tinha uma pessoa que poderia ajudá-lo; além do mais, estava mesmo devendo uma visita a ele...
- Hagrid? – Harry chamou batendo na porta da cabana. Ninguém respondeu. Bateu mais duas vezes e estava ficando desanimado, pensando em desistir, quando ouviu risadas, e a porta se abriu. Hagrid apareceu com sua grande cara barbada.
- Harry! – ele exclamou sorrindo de orelha a orelha. – Pensei que tivesse esquecido de mim! – e abraçou o rapaz tão apertado que ele pensou ter quebrado alguma costela quando se separaram.
- Não dá pra esquecer você, Hagrid...
- Fico feliz em saber! Mas vamos, entre! – ele disse, oferecendo passagem a Harry. – Mas onde estão Rony e Hermione? E Gina? – ele perguntou, fechando a porta atrás de Harry.
- Bem... Rony e Hermione você já deve imaginar... – Hagrid sorriu marotamente. – Gina foi tomar um banho, já que acabamos o treino agora... – Harry explicou, mostrando a Hagrid que ainda estava com os trajes de quadribol e a vassoura na mão.
- Hum... sei, sei... Mas diga a eles três que eu os quero aqui qualquer hora dessas. Vou pegar uma xícara a mais; você aceita um chá, Harry?
- Claro, mas... "uma xícara a mais", você está com visitas, Hagrid? – o rapaz perguntou. Já estava desconfiado disso desde quando ouviu risadas.
Hagrid sorriu e tirou o grande corpo da frente de Harry. O guarda-caça estava encobrindo a visão de Harry de uma pessoa, sentada na mesa bebericando chá. Essa pessoa acenou para Harry, sorrindo por detrás da grande barba branca. Era Dumbledore.
Harry ficou um pouco sem jeito ao ver o diretor ali. Sentia como se tivesse atrapalhado uma conversa importante entre os dois, ele e Hagrid. Rapidamente tratou de dizer:
- Anh, Hagrid... Se eu estiver atrapalhando, eu posso voltar mais tarde...
Dumbledore respondeu por Hagrid, seus olhos cintilando por trás dos óculos de meia lua, sorrindo.
- Você não está atrapalhando, Harry... E será mais divertido se eu e Hagrid tivermos companhia para o chá.
- Viu, Harry? Não tem problema algum, e eu sei muito bem que mais tarde você não vai querer estar aqui e sim perto de uma certa menina ruiva, não? – ele perguntou com uma piscadela.
Harry sorriu encabulado, enquanto Hagrid se retirava para buscar mais uma xícara na cozinha.
- Você vai ficar de pé, Harry? – Dumbledore perguntou.
O rapaz entendeu e dirigiu-se até a mesa, sentando-se de frente ao diretor. Ele sorriu e bebericou o chá. Harry notou que havia alguns bolinhos do Hagrid na mesa, quase intocados. Dumbledore também pareceu notar o mesmo.
- Você quer um bolinho, Harry?
- Ah... não... É que... não estou com fome.
- Que coincidência! Eu também estou sem apetite! – ele sorriu de boca aberta e Harry pôde ver os dentes colados dele. Ele fechou a boca e explicou: - Só comi um.
Harry rapidamente transformou o riso em um acesso repentino de tosse, mas não tinha muita certeza se Dumbledore tinha acreditado. Hagrid chegou nesse momento e sentou-se, colocando chá na xícara de Harry e passando-a para ele. O amigo iria falar alguma coisa, mas olhou para Harry melhor e comentou:
- Seus olhos estão um pouco caídos, Harry... Você tem alguma coisa?
- É verdade... – Dumbledore concordou, olhando melhor para o rapaz. – Você não parece muito bem, Harry.
- Não é nada de mais... – o rapaz respondeu, tentando melhorar a cara. – Só uma dor de cabeça chata que tá me incomodando desde de manhã...
- E por que você não disse isso logo? – Hagrid perguntou, levantando-se bruscamente da mesa e indo até a cozinha. Quando voltou, trouxe uma folhinha meio amarela, que colocou no chá de Harry. – Agora tome o chá e vai ver como melhora.
Harry olhou desconfiado para o chá, que estava mudando de cor.
- É uma erva antiga que cura dores como a sua. – Dumbledore explicou, ainda bebericando o próprio chá. – Eu sempre a peço para Hagrid. Cá entre nós, eu não gosto muito daquela poção que Severo ministra. – ele segredou, para depois completar: - O gosto é ruim.
Harry sorriu à observação do diretor e começou a tomar seu chá. Dumbledore tinha razão, o chá não perdia o gosto doce em contato com a erva.
- Como estamos com o time, hein, Harry? – Hagrid perguntou sorrindo.
- Bem... – o rapaz respondeu. – Acho que temos chances amanhã de vencer a Sonserina.
Dumbledore sorriu ao ouvir isso. O diretor não podia declarar sua preferência a ninguém, mas Harry sabia que ele gostava quando a Grifinória ganhava, afinal, fora um grifinório também.
- Foi bom você ter aparecido aqui hoje, Harry. – Dumbledore comentou, mudando de assunto. – Eu queria mesmo ter uma palavrinha com você.
Harry se lembrou da carta de Sirius e da menção a Dumbledore que o padrinho fizera na mesma. Hagrid começou a perguntar, em tom de mistério:
- É sobre a...
- Não, Hagrid, ainda não é tempo de falar sobre isso. – o diretor o interrompeu, e Harry sentiu como se estivessem escondendo alguma coisa dele. – É sobre outra coisa que quero lhe falar, Harry.
- Sirius me contou em uma carta que talvez o senhor fosse falar comigo.
- Ele disse? Bem, eu já previa que ele fosse falar disso com você. Sirius anda muito preocupado, talvez até mais do que eu.
- Eu sei muito bem com o quê, ou quem, ele se preocupa. – Hagrid interveio. – E é sem fundamento, Dumbledore; a Profª. Stevens é de inteira confiança. Eu a conheço muito bem desde os tempos de Hogwarts.
- Não o recrimine, Hagrid. Ele deve ter seus motivos. Concordo com você, eu também confio nela, mas ele deve ter seus motivos para não o fazer.
Harry estava totalmente confuso. Do que eles estavam falando? Sabia que Sirius não gostava da professora, mas... chegar a dizer que ela não era de confiança? Como assim? E Hagrid, o que sabia sobre tudo isso? Lembraria depois de perguntar a ele o que isso significava; provavelmente conseguiria arrancar alguma coisa do amigo, ele sempre acabava falando demais.
Dumbledore e Hagrid pareceram notar que Harry estava ali, porque pararam de falar no assunto, e Dumbledore voltou ao tema original da conversa:
- Como eu estava dizendo, Harry, eu queria muito falar com você sobre algumas coisas. Não são agradáveis, mas precisam ser ditas. Não sei se você percebeu, mas Voldemort tem estado quieto por muito tempo...
O diretor tocou num assunto que também vinha perturbando o rapaz de vez em quando. Era muito estranho mesmo a calma em que estavam as coisas.
- Eu notei sim, professor. E acho muito estranho.
- Você não é o único, Harry. – ele continuou, num tom preocupado. – Isso está me tirando o sono. Alguns estão tentando fechar os olhos e pensar que isso significa que ele desistiu, mas é impossível, tenho certeza. Eu o conheço. Provavelmente ele está planejando alguma coisa, e é isso que me inquieta. Não faço idéia do que seja, ninguém faz...
- Os melhores homens do Ministério da Magia estão tentando descobrir o que está havendo, a mando do ministro, mas até agora nada... – Hagrid interferiu na conversa. – O homem simplesmente evaporou, e ninguém consegue saber o que ele está querendo... – ele completou, referindo-se a Voldemort.
- É aqui que você entra, Harry. – Dumbledore falou. – Por causa de sua ligação que tem com Voldemort, você consegue ver o que está acontecendo, por meio de sonhos... Você não teve nenhum, Harry? Nenhum sonho durante todo esse tempo?
O rapaz recostou-se na cadeira, depositando a já vazia xícara de chá. A cabeça estava melhorando gradualmente, e ele conseguia pensar melhor. Tivera sim um sonho na noite passada, mas nada que se relacionasse a Voldemort, portanto sem importância. De resto, não teve mais nenhum sonho estranho, com exceção... sim, daquele sonho, muito tempo atrás, no apartamento de Remo... Harry fez um esforço de memória para se recordar, mas não conseguiu puxar nada pela memória; o sonho fora tão confuso que acabara esquecendo todo o seu conteúdo por completo. Porém, talvez pudesse ajudar em alguma coisa se contasse.
- O senhor se lembra daquele dia que foi no apartamento de Remo, para falar sobre o julgamento de Sirius? – ele perguntou ao diretor.
- Sim, lembro-me perfeitamente.
- Eu tive um sonho naquele dia, mas foi o único em muitos meses... – Harry explicou. – E foi diferente dos outros, sei lá... Era tão confuso, tão sem sentido... Eu nem me lembro mais como era, só sei que, no sonho, Voldemort conversava com alguém, mas eu não lembro quem, nem o teor da conversa.
Dumbledore fez uma expressão cansada.
- E, fora esse sonho, você não teve mais nenhum, Harry?
- Nenhum, professor. Também achei muito estranho porque, ano passado, os sonhos eram freqüentes, mas agora... foram se tornando cada vez mais raros, até que não se repetiram mais.
- Entendo... – ele murmurou, coçando a barba branca. Harry e Hagrid o observavam atentos. – Isso pode significar duas coisas, Harry. Ou Voldemort achou um jeito para que você não saiba o que ele está pensando, através dos sonhos... ou... – ele parou de coçar a barba e olhou para Harry atentamente e penetrantemente. – Ou então ele desistiu de você, Harry, pelo menos por agora.
- O senhor acha? – Harry perguntou indeciso. Já estava tão acostumado com as investidas e tentativas de Voldemort em matá-lo, que lhe parecia mais estranho que ele o deixasse de lado, a tentar outra coisa novamente.
- Não tenho certeza, Harry... E é isso que mais me intriga e preocupa...
- E se for um plano? – Hagrid perguntou, ligeiramente aflito. – Um outro plano, algo muito bem bolado? Ele já fez isso antes, não? Fingir estar quieto para depois atacar...
- Não podemos descartar essa possibilidade... – Dumbledore ponderou. – De qualquer maneira, não chegamos a lugar nenhum... Isso parece pior do que se ele estivesse agindo na ativa... – o diretor olhou profundamente, mais uma vez, para Harry. – Voldemort age baseado em vários sentimentos, colocando-os nos corações das pessoas... Dúvida, ódio, medo, impotência... culpa... expectativa... É isso que ele está fazendo agora. Ele não está parado, está planejando alguma coisa e não termos a mínima idéia do que seja é a carta que ele guarda na manga.
Hagrid estremeceu involuntariamente. Harry abaixou os olhos, absorvendo as palavras de Dumbledore. Ele tinha razão. O fato de não se ter absoluta idéia do que Voldemort faria era uma arma poderosa para ele. Quando resolvesse atacar, não falharia... Harry quase teve vontade de ter mais um daqueles seus sonhos, somente para entender, nem que fosse um pouco, os planos do bruxo das trevas. Sentiu-se impotente por não poder ajudar... O que aconteceria dali em diante?
Dumbledore subitamente se levantou. Tanto Harry, quanto Hagrid o olharam surpresos. Com uma expressão de cansaço e preocupação, ele disse:
- Eu preciso ir. Hagrid, obrigado pelo chá e pela conversa. Harry... – ele olhou bem fundo para o rapaz. – ...não deixe de me avisar imediatamente se tiver algum sonho ou se alguma coisa anormal acontecer. É importante.
O rapaz acenou afirmativamente com a cabeça. Hagrid levantou-se bruscamente, dizendo que acompanharia o diretor até a porta. Dumbledore negou, alegando que era desnecessário. Dando um leve aceno de cabeça e desejando sorte para Harry no jogo do dia seguinte, o diretor foi embora.
Hagrid sentou-se novamente, a expressão quase tão preocupada quanto a de Dumbledore. Com a mão tremendo ligeiramente, ele encheu novamente sua xícara de chá e a de Harry, deixando que o líquido derramasse um pouco.
- Pobre Dumbledore... Está se acabando... Isso o está consumindo... Não me lembro de tê-lo visto tão preocupado, talvez antes do homem ressurgir, mas agora parece estar mais atormentado... – Hagrid olhou para Harry nos olhos. – Ele não sabe dizer qual será o próximo passo dele e se culpa por isso. Bobagem, ele não é culpado por não saber. Ninguém sabe!
Harry apenas concordou com a cabeça, incapaz de formular uma frase inteligente para aquela situação. Hagrid continuou:
- Na minha opinião, e que isso não saia daqui, Harry, por favor! – Harry concordou. – O que eu acho é que Dumbledore está com medo que aconteça algo semelhante ao que aconteceu no seu quarto ano aqui. Ele não pôde prever os passos do homem e... acabou dando no que deu, como você bem sabe. Dumbledore não teve culpa do que houve, ele não tinha como saber, mas sei que no fundo ele se culpa pelo que aconteceu e... pelo que te aconteceu, Harry.
- Mas você está certo, Hagrid! – o rapaz finalmente falou, uma enxurrada de lembranças o arremetendo naquele momento. – Tudo o que aconteceu naquela época... Dumbledore não tinha como prever, ninguém tinha! Voldemort foi muito cuidadoso, planejou tudo nos mínimos detalhes...
Hagrid concordou.
- O meu medo é que ele esteja planejando muito bem o próximo passo agora, como da outra vez...
O meio gigante tomou de um gole só a xícara de chá e encheu-a novamente. Harry, por sua vez, ficou olhando seu reflexo no líquido. Parecia difuso e cansado. Sobrava apenas um resquício da dor de cabeça ainda... Subitamente, perguntou:
- Hagrid? Posso te fazer uma pergunta?
- Claro, Harry, o que foi?
- O que você sabe sobre a Profª. Stevens e a relação dela com Sirius ou, ainda, meu pai?
Hagrid quase engasgou com o chá. Harry olhou preocupado para ele. Acalmando o rapaz ao dizer que estava tudo bem, ele disse:
- Eu conheci Samantha quando ela estudava aqui em Hogwarts, na mesma época que Sirius, seu pai, sua mãe e todos os outros, aliás, eles eram todos do mesmo ano. – ele respirou fundo. – A diferença era que Samantha era uma sonserina, enquanto que eles eram grifinórios. Mas Samantha era uma boa menina, ela sempre me visitava, assim como você, Harry. Ela dizia que não tinha muitos amigos e... – ele sorriu. – Ela falava que eu era o melhor amigo dela. É claro que ela tinha seus defeitos, como todo mundo, mas é uma pessoa essencialmente boa, mesmo que possa aparentar, às vezes, não ser. Eu gostava muito dela, ainda gosto. Se você notou, nós geralmente sentamos juntos no salão principal nas refeições.
- Mas então por que Sirius não gosta dela, Hagrid? Eu não entendo!
Havia um certo pesar e um quê de dúvida nos olhos de Hagrid, quando ele respondeu:
- Sirius e Samantha namoraram por quase três anos...
- O quê? – Harry estava totalmente boquiaberto. Eles... namoraram? Mas então, como podiam se odiar tanto agora? Além disso, Sirius namorava uma sonserina? Isso era um pouco desconexo para Harry. Aliás, tudo estava sem sentido ali.
- Exatamente o que você ouviu, Harry. Eles namoraram. Formavam um casal jeitoso... combinavam. Sempre tão geniosos... – agora havia nostalgia nos olhos do amigo. – Mas, eu nunca entendi por que eles terminaram. E tudo parecia ir tão bem... De uma hora para outra, terminaram. Nenhum dos dois me contou o porquê, assim como nenhum dos outros, digo, seus pais e os outros explicaram. Não sei se eles sabiam, só sei que eu nunca cheguei a entender o que aconteceu. De uma hora pra outra eles terminaram e começaram a se odiar. Tanto que, até hoje, não se pode tocar no nome de um para outro, a menos que se queira uma resposta seca. Eu não sei, Harry... Não sei mesmo o porquê...
Depois de um bom tempo conversando com Hagrid sobre estes e outros diversos assuntos, Harry foi para a torre da Grifinória, mais precisamente para o seu dormitório, vazio naquela hora. A sua cabeça ainda estava cheia por tudo o que acontecera naquela manhã, mas ao menos não doía mais; a erva que Hagrid lhe dera fizera mesmo efeito. As palavras de Dumbledore sobre Voldemort ainda ecoavam num canto obscuro de sua mente, mas o que mais a ocupava agora era a conversa com Hagrid sobre Sirius e a Profª. Stevens. Nunca lhe passara pela cabeça que os dois tiveram um relacionamento no passado, se bem que fizesse algum sentido, se pensasse bem. Desde que a vira novamente, Sirius não deixava de falar nela, fosse pessoalmente, fosse em carta, mas de um jeito sempre rancoroso. O que poderia ter acontecido no passado?
Harry se jogou em sua cama, ainda com a roupa do quadribol no corpo. Estava exausto. A tarde dava indícios de que logo cairia. Os pensamentos ainda o perturbavam, confusos, na sua mente. Não entendia como Hagrid podia achar Samantha Stevens uma boa pessoa, e Sirius, pelo contrário, abominá-la por completo. E se pensasse na professora, não conseguia achar uma explicação, entretanto. Às vezes, como naquele dia que ela usou um feitiço para limpar sua roupa, ela parecia não ser tão ruim como Sirius a pintava. Mas em outros, como naquele dia, na aula dela, quando insinuou sobre seus pais, enfurecendo-o... Nessas ocasiões, ela parecia ser exatamente o que Sirius dizia dela; talvez... sim, uma típica sonserina: irônica, perversa e sarcástica. Mas então, como Hagrid dizia que ela era boa? Será que ele se enganava, assim como quando dizia que seus "bichinhos" eram inocentes e doces? Nem sempre julgue um livro pela capa: bonito por fora, feio por dentro, e vice-versa. Será que ela era assim? Ah! Estava dando voltas e chegando a lugar nenhum!
Mas qual teria sido o motivo para a separação de Sirius e a professora?
Essa pergunta martelou na cabeça de Harry até ele adormecer, exausto, em um sono turbulento.
