Capítulo Doze – Terminou?

Ele estava em um lugar escuro. Seu corpo doía todo. Era difícil ver o que estava acontecendo por causa da dor. Alguém falava dentro de sua cabeça, mas ele não sabia quem era. Estava difícil respirar...

"É tudo culpa sua, olhe para o lado, veja o que você fez..."

Havia um corpo, ao longe, caído... morto... Devia ter feito alguma coisa para ajudar, mas não fez. Não conseguiu... Foi culpa sua ele ter morrido.

À sua frente havia alguém que se divertia em vê-lo sofrer. Esse alguém jogava uma luz nele, que fazia seu corpo doer mais. A sua cabeça parecia que ia estourar. Alguma coisa o rodeava e sibilava frases para ele. Riam à sua volta.

"Isso é só o começo..."

Dois olhos vermelhos brilharam na escuridão, e ele sentiu o ar faltar. A cabeça estourava ao longo da testa. Abriu a boca para tentar inspirar o ar, mas não conseguiu. Era angustiante.

Risadas ecoaram à sua volta.

Harry abriu os olhos assustado, mas não viu mais aqueles olhos vermelhos à sua frente, apenas o teto do dossel de sua cama. Respirava descompassado, tentando recuperar todo o ar que lhe faltara antes. A cabeça estourava de dor. Novamente, não era a cicatriz que doía, e sim toda a sua cabeça.

Sentiu-se ligeiramente tonto quando se sentou na cama. Tentou se lembrar do sonho, mas a cabeça doeu tanto que resolveu parar. A dor se tornava insuportável se tentasse pensar nisso. O que estava acontecendo com ele, afinal?

Ficou somente ali, segurando a cabeça com uma das mãos, por um bom tempo, até ouvir vozes. Ainda um pouco tonto, puxou as cortinas do dossel e viu os contornos difusos de Rony, Simas, Dino e Neville colocando os uniformes de Hogwarts enquanto conversavam.

- Ah, ele acordou. – o vulto que parecia Dino disse. – Bom dia, Harry!

- Bom dia... – Harry respondeu em um resmungo, enquanto sentava na ponta da cama e tateava na mesa de cabeceira. Quando colocou os óculos, percebeu que os contornos ficaram menos difusos, mas devido à dor de cabeça, eles ainda pareciam ligeiramente embaçados.

- Nossa, você tá com olheiras enormes. – Neville observou.

- Hum... Ficou fazendo o que ontem, hein? – Simas perguntou malicioso. – Aproveitou a noite?

- Quem me dera... – Harry divagou, levantando-se e tentando não se desequilibrar. A cabeça doía muito.

Rony olhou com uma certa preocupação quando Harry passou por ele na direção do banheiro. No momento em que estava jogando água no rosto, Rony apareceu na porta e encostou no batente. As vozes de Neville, Dino e Simas foram cessando ao passo que iam saindo do quarto.

- Você tá bem? – Rony perguntou.

Harry apenas assentiu com a cabeça. Parecia que até mesmo falar fazia a cabeça doer.

- Não parece. – o amigo insistiu. – Você dormiu?

- Não. Só um pouco. – Harry respondeu, jogando mais água no rosto, para depois começar a escovar os dentes.

- Você não devia ter ficado pensando no que aconteceu ontem. A gente vai falar com a Gina hoje.

Harry concordou com a cabeça. Rony suspirou.

- Desculpa por ontem. – disse embaraçado.

Harry cuspiu a água misturada com pasta de dente na pia.

- Não esquenta com isso, não. Tudo bem.

Rony sorriu enviesado.

- Pode descer. – Harry disse. – Eu vou me trocar e já vou também. A Mione já deve tá te esperando lá embaixo.

- Tá bom. – Rony desencostou do batente e já ia embora, quando se virou. – Você tem certeza que tá bem?

- Sim. Só falta de sono mesmo.

Rony assentiu um pouco descrente e foi embora. Harry lembrou de uma coisa e foi atrás dele. Abriu a porta do quarto e viu o amigo no corredor.

- Rony!

Ele se virou.

- Não esquece de falar sobre aquilo com a Mione.

Rony concordou e foi embora. Harry fechou a porta e encostou-se nela. A cabeça ainda doía muito. Parecia que seria um dia difícil... Mal sabia que seria um dos mais difíceis de sua vida...

Quando Harry chegou ao Salão Principal, já havia muitos alunos tomando o café da manhã. O rapaz veio direto para o salão porque não vira nem Hermione, nem Rony no salão comunal quando descera. Muito menos Gina...

Da mesa dos professores, Sirius acenou, sorrindo, para o afilhado. Harry retribuiu com um leve aceno de mão. Isso o fez lembrar que não estava tendo muito tempo para conversar com o padrinho, por causa das tarefas escolares. Talvez conseguissem no fim de semana.

Indo na direção da mesa da Grifinória, Harry primeiramente correu os olhos por ela para tentar achar Gina. Inútil, ela não estava ali. No entanto, Rony e Hermione acenaram para que ele fosse se sentar com eles.

- Você demorou, por isso a gente resolveu descer... – Rony explicou assim que o amigo se sentou de frente a ele e Hermione.

- Tudo bem. – Harry respondeu, sentindo uma grande pontada na cabeça, que o fez levar a mão à testa. – E a Gina, vocês a viram?

- Não... – Hermione respondeu desanimada. – E ontem eu não consegui falar com ela também...

- Não? Por quê?

- Ela não quis conversar comigo, Harry. Me mandou ir embora...

- Isso não está nada bom... – Rony comentou com preocupação.

- Como ela estava? – Harry perguntou.

Hermione abaixou os olhos e não respondeu nada. Rony respondeu pela namorada:

- Chorando.

- Chorando? – Harry repetiu assustado, já sentindo o estômago revirar de aflição. O que teria acontecido com Gina, afinal? Precisava encontrá-la, e rápido!

- Isso mesmo. – Hermione confirmou. – Foi o que eu vi, mas ela não quis explicar...

- Ei, olhem! – Rony exclamou. – A colega dela tá vindo aí, a gente pode perguntar o que houve!

Era verdade. Peta Spencer vinha caminhando ao lado da mesa da Grifinória, procurando um lugar vago. Harry se levantou e foi até ela. Rony e Hermione também levantaram e foram atrás dele.

- Peta! – Harry interpelou a garota. – Você viu a Gina?

- Vi de manhã... quando acordei.

- E você sabe onde ela está?

A garota fez uma careta.

- Não posso te contar...

- O quê? Como assim?

- Não posso, Harry! Ela pediu para não te contar... – depois de uma pausa, ela completou com um certo dó na voz: - Sinto muito...

Harry estava chocado e não conseguiu formular nenhuma frase depois disso. Rony olhava meio feio para o amigo. Hermione foi a única que conseguiu dizer algo:

- Mas você sabe o porquê disso, Peta?

- Não... – a garota respondeu desanimada. – A Gina não quis me contar.

- Como não? – Rony perguntou, um pouco irritado. – Você não é amiga dela?

Peta bufou, aborrecida.

- Com a fama de "fofoqueira" que eu tenho, você acha que ela ia me confiar algo pessoal? Ela não confia em mim! - e saiu batendo os pés à procura de um lugar vago na mesa.

Harry olhou para os amigos, ainda se sentindo entorpecido por tudo que estava acontecendo. Hermione o olhava com pena, ou preocupação. Rony, ao contrário, o olhava muito bravo, como Harry não via há muito tempo.

- Você vai me explicar direitinho o que está acontecendo, Harry! – Rony disse num tom de voz um pouco mais alto.

- Explicar o quê? Eu sei tanto quanto você, Rony!

Alguns alunos que estavam próximos olharam para eles. Hermione, percebendo isso, praticamente arrastou os amigos para fora do salão. Puxando os dois pelas mangas de suas camisas, a amiga os levou até um lugar isolado ao lado da escadaria. Ali, ela parou os dois e ficou entre eles, cruzando os braços e os encarando com uma expressão de "mãe que repreende seus filhos desobedientes".

- Francamente, vocês dois! O que pensavam que estavam fazendo, afinal? Um escândalo no meio do Salão Principal?

Nem Rony, nem Harry responderam. Rony olhava muito nervoso para Harry, tentando esconder, sem sucesso, seu mau humor. Harry devolvia, indignado, o olhar, já começando a se irritar pela desconfiança do amigo. Hermione suspirou desanimada, e olhou de um para outro. Rony, fazendo muita força para permanecer calmo, finalmente se manifestou:

- O que está acontecendo, Harry?

- Eu não sei! – o rapaz respondeu dando uma pausa em cada palavra, como se Rony não entendesse sua língua.

- Pois eu muito menos, Harry! O que eu sei é que você é o namorado da minha irmã e que, por isso, deveria saber melhor do que ninguém o que se passa com ela!

- Rony, eu já disse que sei tanto quanto você! – Harry aumentou ligeiramente seu tom de voz, o sangue já correndo quente em suas veias. – Eu não vejo a Gina desde o almoço de ontem, como você!

- E o que você fez com ela para que ficasse assim? – Rony quase gritou.

Aquilo foi o estopim para Harry, que descarregou tudo sem se lembrar que estava falando com seu melhor amigo:

- Escuta aqui, Rony, e escuta bem! Eu não fiz nada para a Gina, eu a trato como sempre! Eu a amo, e não faria nada para magoá-la! Agora se você não acredita em mim, o problema é seu!

Rony deu um passo à frente, suas orelhas muito vermelhas, mas Hermione se interpôs entre os dois e gritou mais alto que eles:

- PAREM COM ISSO!

Imediatamente, os dois ficaram quietos e não disseram nada. Rony virou o rosto para um lado, enquanto que Harry para outro. Porém, pelo canto dos olhos, os dois viam que Hermione estava muito chateada, e lágrimas brotavam dos seus olhos.

- Por favor, parem... – ela pediu, agora numa voz baixa, quase um sussurro. – Vocês são amigos... Não façam isso...

Novamente, os dois não disseram nada. Harry se sentiu arrependido, não por ter brigado com Rony, porque ele mereceu, mas sim por ter deixado a amiga dessa forma. Depois de um longo silêncio, Hermione voltou a falar:

- Prometam que não vão discutir mais. – nenhum deles respondeu. – PROMETAM! – ela repetiu, usando seu tom de voz mais energético, o mesmo que usava para repreender alunos desobedientes.

Muito a contragosto, os dois concordaram com a cabeça. Hermione suspirou.

- Muito bem, vamos voltar para o Salão Principal e terminar nosso café da manhã. Eu deixei pela metade um pedaço de torta de morango que não quero perder. – ela brincou.

Os dois sorriram ligeiramente e seguiram junto com a amiga para o salão; ela no meio deles, obviamente. Era impressionante como ela conseguia neutralizá-los, Harry pensou enquanto caminhava. Por sua parte, Harry nunca se sentia bem em ver a amiga chateada e, se fosse por sua causa, parava na hora com o que estava fazendo-a ficar assim. Com Rony era do mesmo jeito, principalmente depois que começaram a namorar. Ultimamente, os dois só discutiam por bobagem, coisas que esqueciam em cinco minutos. Já se fora o tempo em que brigavam para valer.

Quando chegaram à mesa da Grifinória, alguns olhares se voltaram para eles. Hermione encarava esses alunos tão friamente, que nenhum deles os encarou por mais de três segundos. A primeira a se sentar foi Hermione, e Harry e Rony sentaram um de cada lado dela, ainda sem dizer uma única palavra. A garota olhou de um para outro e em seguida revirou os olhos, murmurando algo como "Eu mereço".

Se Harry tinha alguma fome, ela tinha sumido completamente. Primeiro, pela discussão com Rony. Segundo, pela imensa dor de cabeça, que parecia aumentar a cada instante. Em vão, tentou se lembrar do que tomara da outra vez que teve uma dor como essa, mas nem pensar direito conseguia. Rony também não estava comendo, o que dava a impressão de ele estar doente, afinal, Rony comer feito um louco todo dia era uma verdade da natureza como fazer frio no inverno ou até mesmo uma lei física, como a gravidade.

Alguns minutos e três pedaços de torta de morango depois (Hermione estava extremamente tensa com aquela situação, e sua válvula de escape era, aparentemente, se entupir de doces), alguém parou atrás de Harry e disse com uma voz arrastada e inconfundível:

- Vejo que sua namoradinha pobretona não está aqui, Potter... Será que vocês brigaram? – Draco Malfoy provocou em um tom de claro divertimento. Crabbe e Goyle riram como babacas que eram atrás dele.

Rony olhou para Malfoy tão friamente, que dava a impressão de que a sua vontade era fatiá-lo em pedacinhos e dar o que sobrasse para algum tipo de animal bastante amigável, como as corísporas do Hagrid, por exemplo. Harry foi mais drástico e, ao invés de permanecer apenas no olhar, fez algo que quase nunca fazia:

- Malfoy, vá tomar no seu...

- Que boca suja, Potter! – Malfoy debochou. – Seus pais não te deram educação?

Antes que Harry socasse aquela cara nojenta de Malfoy, ou antes mesmo que Rony cumprisse seu plano de fatiá-lo com uma faca de cozinha, Hermione, que até o momento bebia tranqüilamente seu suco de abóbora, se virou na cadeira e, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, jogou todo o suco de abóbora bem no meio da cara de Malfoy. Alguns alunos da mesa da Grifinória e da Corvinal que estavam perto e acompanhavam a discussão, riram com contentamento do que tinha acontecido com o sonserino.

- Ah, eu sinto muito, Malfoy... – Hermione disse cínica. – Caiu... Acho que agora você vai ter ir embora limpar, não é?

Pasmos, Harry e Rony olharam para a amiga, que mantinha um sorriso cínico no rosto. Malfoy, com raiva, limpou a cara de qualquer jeito com as costas da mão e olhou com muita raiva para a garota.

- Granger, sua sangue-ruim, você... – mas ele não completou a frase porque Harry e Rony ergueram-se e fecharam os punhos para ele. Por um milésimo de segundo, os dois se entreolharam e sorriram. Mesmo depois do que tinha acontecido, se uniriam para bater em Malfoy, mesmo que ele estivesse ladeado pelos seus dois capangas e que estivessem no meio do Salão Principal.

Crabbe e Goyle arregaçaram as mangas, mas Malfoy fez um sinal para que parassem. Ignorando Rony, ele olhou para Harry bem no fundo dos seus olhos e disse, num tom de voz que não escondia claramente um tom de satisfação.

- Não importa, Potter. Eu ainda vou rir muito de você, e vai ser logo.

- Você só fala, Malfoy, não faz.

- É o que vamos ver...

Depois de lançar um olhar raivoso para Hermione, ele saiu ladeado pelos seus capangas e não mais foi se sentar na mesa da Sonserina; indo embora direto.

Ao menos uma coisa boa tinha acontecido naquele dia; e essa coisa era que, por uma incrível e maravilhosa sorte, ninguém além dos alunos em volta tinha visto essa "conversa" entre o trio grifinório e o sonserino. Ao mesmo tempo em que tudo aconteceu, os alunos estavam fazendo a maior algazarra, porque já era hora das aulas e todos levantavam ao mesmo tempo. A segunda coisa foi que Harry e Rony esqueceram a discussão anterior por terem se unido a favor de uma causa maior: espancar Malfoy.

- Eu ainda faço esse nojento em pedacinhos! – Rony disse entredentes, enquanto Hermione novamente conduzia Harry e ele para fora do Salão Principal.

- Se ele não fugisse que nem um covarde, eu juro que ia quebrar a cara dele ali mesmo. – Harry falou no mesmo tom que o amigo.

- E eu ia te ajudar, Harry, pode crer.

Hermione, ao contrário dos garotos, estava muito sorridente.

- O que você tem? – Rony perguntou, franzindo as sobrancelhas. – Por que tá com essa cara de boba alegre?

Ela fez uma careta.

- Eu não estou com cara de boba alegre, bobão.

Harry tentou, mas não conseguiu segurar o riso.

- Você vai me desculpar, Mione, mas tá sim!

Ela fez uma nova careta.

- Até você, Harry! E eu que ia fazer uma coisa legal pra vocês...

- O quê? – Rony perguntou curioso.

- Agora não faço mais!

- Ah, Mione...

Ao ver a cara de "pidão" do namorado, ela sorriu e deu um selinho em Rony, e depois um beijo na bochecha de Harry.

- É só um agradecimento por terem me defendido. E por terem feito as pazes como eu pedi.

Harry e Rony se entreolharam confusos.

- Nós fizemos as pazes? – perguntaram em uma única voz.

- Sim! – Hermione respondeu abrindo um sorriso bobo. Ao vê-la, Harry e Rony novamente se entreolharam e caíram na risada. – Parem de rir de mim!

- Não dá... – Harry disse, quase se engasgando.

- Humpt! – e ela entrou batendo os pés na sala de História da Magia.

Depois de se controlarem e pararem de rir, Harry e Rony se encararam. Após um longo suspiro, Rony estendeu a mão. Harry sorriu e apertou-a. Rony retribuiu o sorriso e entraram juntos na sala, para enfrentarem algo muito pior do que Malfoy, Crabbe ou Goyle: uma prova de História da Magia.

O Prof. Binns não fora nem um pouco bonzinho com a prova que aplicou nos alunos do sexto ano da Grifinória. Trinta perguntas dissertativas sobre a História Moderna do país e do mundo. Quando Harry saiu da classe percebeu ter uma única certeza em sua vida: tinha se ferrado, no sentido da palavra. Se fizera três questões inteiras certas se dava por feliz. O resto tinha enrolado excepcionalmente mal.

Rony também não estava muito feliz. Como Harry, disse ter ido muito mal e deixado pelo menos umas dez questões quase em branco. A preocupação de Hermione sobre ter perdido vinte e cinco centésimos em uma pergunta não melhorou o humor de Rony, muito menos o de Harry.

Por outro lado, a preocupação do rapaz na hora do almoço não era o péssimo desempenho em História da Magia. Sua preocupação tinha cabelos longos, lisos e vermelhos, e se chamava Gina Weasley.

Como das outras vezes, ela não aparecera no almoço. Não adiantou perguntar a respeito novamente para Peta, ou então para Colin. Harry, sem pensar no que fazia, também perguntou sobre a garota para Jonnathan: recebeu um grunhido e um olhar frio como resposta.

Harry e Rony decidiram não mais discutir, ou melhor, Hermione decidiu isso por eles. Na verdade, Harry percebeu que o amigo ainda estava um pouco irritado, mas tentava não demonstrar. De certa forma, Harry entendia; Rony estava preocupado com a irmã, e essa era a forma de demonstrar isso. Hermione, por sua vez, experimentou todos os tipos de sobremesas. Pelo menos Harry descobriu essa particularidade da amiga: quando estava nervosa, comia todos os doces que encontrava pela frente.

A hora de início das aulas da tarde chegou, e nada de Gina aparecer. Sem outra opção, Harry, Rony e Hermione seguiram juntos para a aula de Poções. "Maravilha, duas aulas com Snape só para melhorar o dia!", Harry não deixou de pensar. A cabeça ainda o incomodava, somente mais um de seus problemas. O que afinal tinha tomado da outra vez para que melhorasse?

No caminho para as masmorras, Hermione tentou "quebrar o gelo":

- Ah... Pelo menos uma coisa boa: depois da aula de Poções temos tarde livre! E amanhã Hogsmeade!

- Realmente demorou bastante para marcarem a primeira visita a Hogsmeade. – Rony comentou.

- Mas isso foi por causa de todos aqueles ataques de Você-Sabe... – Hermione ia dizendo, mas parou, olhando para Harry, que devolveu o olhar e disse indiferente:

- Voldemort? – os amigos tremeram ligeiramente. – Você está certa, foi por causa dele mesmo.

- Depois de todos esses ataques... – Hermione continuou. - ...não é de se estranhar que Dumbledore tenha ficado receoso de expor os alunos.

- Mas o que pode acontecer? – Rony perguntou displicente. – O homem nem dá mais sinais de vida...

- Não se engane, Rony. Ele ainda deve estar por aí... – Hermione retrucou, não escondendo outro tremor.

Harry preferiu não comentar nada. Andava muito inquieto com esse assunto tanto quanto os amigos, principalmente desde aquela conversa com Sirius. Era quase como se pressentisse que algo estava para acontecer. E algo nada bom.

Realmente era muito difícil algo de ruim lhe acontecer, pensou com ironia.

- Vamos mudar de assunto? – Rony sugeriu quando entravam na masmorra fria e escura de Snape.

Hermione concordou prontamente e engatou uma conversa sobre a prova de História da Magia, um assunto que não animou nem um pouco Rony. Harry, por sua vez, preferiu concentrar-se em retirar todos os materiais para a aula de sua mochila, e não se intrometer na conversa dos amigos. Logo, eles estariam começando uma nova discussão, e Harry estava aprendendo quando tinha que interferir ou não. Discussões banais sobre escola eram um exemplo das que não interferia.

Porém, quando Harry estava retirando o vidro com a secreção de rã do fundo da mochila, uma pancada forte na sua mesa o sobressaltou e o fez parar com o que estava fazendo. Ao levantar um pouco os olhos, viu duas mãos apoiadas sobre sua mesa e, ao correr mais ainda os olhos para cima, viu uma garota com o rosto muito vermelho de raiva e os olhos soltando fogo.

Aquela garota se chamava Katherine Willians e, ao vê-la, Harry lembrou-se instantaneamente que teve que passar quase uma hora na ala hospitalar para tratar de um nariz quebrado por uma certa batedora sonserina, em uma certa partida de quadribol. Essa lembrança não melhorou seu humor, que já estava ruim, ou péssimo, diga-se de passagem. Tentando não soar grosso ou mal-educado, perguntou, olhando diretamente nos olhos castanhos dela:

- Posso saber por que você bateu as mãos na minha mesa desse jeito?

Ao ouvir a pergunta, ela bateu novamente na mesa, dessa vez mais forte, o que fez Harry dar um outro sobressalto. O pior era que a dor de cabeça parecia aumentar com o barulho alto. Isso irritou Harry ainda mais; se aquela garota não parasse de bufar na cara dele e encará-lo como se fosse o último ser do mundo e o mais desprezível, ele descarregaria todo o seu mau humor nela mesmo. Rony e Hermione tinham parado de discutir para ver o que estava acontecendo. Em um tom de voz muito alterado, a garota disse:

- Não preciso lhe dar explicações, você é que precisa me explicar muita coisa! Eu devia bater desse jeito não na sua mesa, mas na sua cara!

Por alguns instantes, Harry permaneceu estático. Com certeza aquela garota era louca, completamente insana. Sim, ela estava pirada; aquilo não tinha sentido! É, realmente ela parecia ser mais maluca do que o primo; pelo menos Draco Malfoy dava algum motivo para dizer coisas como essa a Harry. Diante da aparente estupefação do amigo, Hermione interviu, utilizando um tom que dificilmente Harry a via usar; havia cinismo e sarcasmo na sua voz quando falou:

- Eu não sabia que você podia ficar mais louca do que antes, Willians... O que aconteceu agora? Você resolveu infernizar a vida das pessoas que nem lhe dirigem a palavra, por acaso?

Olhando com extremo desprezo para Hermione, a sonserina respondeu com um tom de voz frio e cortante:

- Eu não estou falando com você, Granger. Deixe de ser inxerida, se não se importa.

Hermione arregalou os olhos e, muito vermelha, levantou-se num ímpeto e diria umas boas verdades para a garota, se Rony também não se levantasse e se interpusesse entre elas:

- Escute bem, garota: eu não vou permitir que você fale assim com Hermione!

Willians sorriu em deboche, e Harry se perguntou de onde conhecia aquele sorriso. Não era igual ao de Malfoy, era parecido com o de outra pessoa que ele não conseguia lembrar quem era.

- Agora você precisa de seu "namoradinho" para te defender, Granger? Perdeu o jeito, foi? Sinceramente, eu pensei que você tivesse mais fibra...

Decididamente o jeito dela de falar também lembrava uma pessoa, mas quem era mesmo? Droga de dor de cabeça que não o deixava pensar!

Hermione ficou mais vermelha que os cabelos de Rony, e parecia prestes a dar um tapa na cara debochada de Willians. Harry se levantou e impediu tanto Hermione, quanto Rony, de tomarem uma atitude mais drástica, lançando-lhes um olhar que dizia que ele cuidaria disso. Os amigos eram monitores, e se alguém tinha que bater boca com aquela maluca, era melhor que fosse ele. Aliás, era atrás dele que ela viera mesmo. Os alunos que estavam na classe, e os que chegavam, paravam para ver o que estava acontecendo.

Virando-se para olhar a garota, Harry disse:

- Vamos por partes. O que você quer? Exatamente.

- Eu quero que você me explique o que fez ontem de noite. Que direito você acha que tem para fazer aquilo?

Certamente eles não estavam falando a mesma língua.

- Do que você tá falando?

- Não se faça de desentendido, garoto! – ele não gostou nada do modo que ela pronunciou a palavra "garoto". A pontada de dor que a cabeça dera não colaborou também. – Você vai me explicar direitinho o que estava fazendo ontem e vai ser agora!

Ele olhou para a garota como se ela fosse uma visão do outro mundo.

- Eu estava estudando. História da Magia. Você quer que eu te conte os detalhes sobre a Revolta de Michael, o destemido, de 1847? Ou prefere outra parte da matéria? – perguntou com a voz carregada de sarcasmo e ironia.

Hermione e Rony não segurariam o riso se a situação não estivesse tão séria. Katherine Willians tentou dar um tapa no rosto de Harry, mas ele segurou o pulso dela antes que consumasse o ato. Realmente aquela garota deveria ser de outro planeta.

- Seu desgraçado! – ela gritou, tentando soltar o pulso, mas Harry apertou-o com mais força. Se era para brigar, ele ia brigar; já estava de saco cheio de tudo mesmo. – Não me venha com cinismo, você sabe muito bem o que fez!

- EU NÃO FIZ NADA, SUA LOUCA! – ele gritou mais alto do que ela, e soltou seu pulso com um movimento brusco. No lugar que ele tinha segurado restava uma marca vermelha, de tão forte que apertara.

Os alunos olhavam com maior interesse e curiosidade agora. A classe já estava dividida entre grifinórios, apoiando Harry, e sonserinos, apoiando Willians. Novidade... Era apenas uma questão de tempo para que Snape chegasse e os apanhasse ali, mas Harry nem estava ligando. Aliás, ele não estava ligando para mais nada a essa altura. A cada momento era alguma coisa que lhe aparecia, e essa garota era só mais uma dessas coisas.

- Eu nem sei do que você tá falando! – ele continuou, em um tom de voz mais alto que o normal. Como geralmente acontecia quando ficava nervoso, o sangue corria quente em suas veias, e logo ele não mediria suas conseqüências. – Eu nem te conheço, garota! Isso pouco te importa, mas eu estava estudando ontem de noite e há várias pessoas que podem confirmar isso. Grande parte da Grifinória, porque eu estava no salão comunal.

- E você pensa que eu vou acreditar num bando de grifinórios sujos como você? – ela retrucou.

Ao ouvirem isso, a maioria dos grifinórios presentes xingaram a garota de coisas inomináveis, e os sonserinos não deixaram barato. Isso desencadeou mais uma briga histórica entre grifinórios e sonserinos. Antes que Harry respondesse à altura a provocação de Willians, ninguém menos que o primo dela chegou e se posicionou ao seu lado, olhando friamente para Harry. Porém, escondido naquele brilho frio dos olhos cinzentos de Draco Malfoy estava incrustado um certo divertimento e, por um segundo, Harry teve a impressão de que ele esperava que isso tudo acontecesse.

- Potter está te incomodando, Kathy?

- Cala a boca, Draco, eu sei me virar sozinha!

- Quem é que precisa do "namoradinho" agora, hein, Willians? – Hermione provocou.

- Já falei para não ser intrometida, Granger! – e agora ela parecia ainda mais nervosa. – E quanto a você, Draco... – mas ela parou de falar e fez uma cara de quem tinha entendido tudo. Olhava para o primo boquiaberta e com surpresa estampada no rosto.

Harry, ao contrário dela, não estava entendendo nada.

Só para ficar melhor, Draco Malfoy resolveu dar uma de "cavalheiro" e defender a "namoradinha" (como dizia Hermione). O contraditório era que, de desprotegida, Katherine Willians não tinha nada.

- Olha aqui, Potter! – ele disse com o dedo em riste para Harry, que não pôde reprimir um pensamento muito doido: Malfoy não estava sendo natural, ele parecia estar... atuando. – Você fica longe da minha prima, porque eu não quero você atormentando-a! Só porque você é o "Potter perfeito", o "queridinho do diretor", não quer dizer que possa sair por aí humilhando as pessoas!

Harry poderia gargalhar daquela cena. Não era possível, isso não estava acontecendo! O mundo estava de cabeça para baixo, não tinha outra explicação! Agora ele é que era o prepotente? Aquele que humilhava as pessoas? Quem era Draco Malfoy para acusá-lo disso?

Não podia deixar barato, mesmo achando que era exatamente isso que Malfoy queria: uma resposta. Mas ele merecia, não?

O esquisito era que Malfoy ainda parecia estar atuando, como se aquilo tudo fosse uma grande peça de teatro...

- Olha aqui você, Malfoy! E vê se tira esse dedo da minha cara! – Harry deu um tapa na mão de Malfoy, e ele foi obrigado a desviar o dedo. – Primeiro de tudo: foi a sua querida priminha que começou tudo isso.

Estranhamente, Willians não esboçou nenhuma reação histérica à afirmação de Harry. Pelo contrário, ela parecia hipnotizada ao olhar para Malfoy. Tinha uma expressão parecida com a do próprio Harry quando ela mesma começou a desfiar todas aquelas acusações a ele.

- Segundo e mais importante: eu quero distância de você e qualquer pessoa de sua família. Para mim, vocês são todos um bando de loucos e deveriam pensar seriamente em terapia. Pior, vocês já são caso de internação!

Muitos grifinórios riram a esse comentário. Pela primeira vez, Malfoy parecia realmente ofendido. E dessa vez ele dava a impressão de ser natural quando colocou a mão entre as vestes e puxou sua varinha. Mas ele não teve tempo de azarar Harry, porque uma voz gelada perguntou:

- O que está acontecendo aqui?

Snape. Estava demorando...

Malfoy rapidamente guardou a varinha nas vestes e tomou a pose de inocente. Típico.

A classe ficou em um silêncio mortal quando o temível mestre de Poções deslizou pela masmorra até o foco da briga, como uma grande raposa preparando-se para o bote. Harry sentiu-se "a caça".

- O que estão esperando? – ele perguntou com sua voz letal ao se aproximar de Harry e Malfoy. – Respondam!

- Potter começou tudo, professor! – Malfoy falou com seu tom de "inocência".

Harry não agüentou mais e gargalhou diante daquela cena. Obviamente, todos o olharam como se ele tivesse cinqüenta cabeças. Rony e Hermione, especialmente, o encaravam como se ele tivesse cem cabeças. Ele estava rindo? Não, ele não estava gozando de seu perfeito juízo mental... Ninguém, absolutamente ninguém, riria quando Severo Snape o olhasse daquela forma assassina. Realmente, Harry não deveria estar bem...

O pior era que estava. Harry simplesmente estava de saco cheio. Não estava maluco e nunca estivera tão lúcido. O cinismo de Malfoy é que fora a última carta em uma pirâmide delas que a fez desmoronar. O pior não era o cinismo de Malfoy, o pior era a velha ladainha que Snape lhe aplicaria depois disso; algo do tipo: "Era só o que se poderia esperar de Potter... Sempre arranjando problemas, sempre desrespeitando as regras... Igualzinho ao pai. Cinqüenta pontos a menos para a Grifinória e detenção!". A velha punição "a la Snape", especialmente preparada para Harry.

Essa é a explicação aproximada do porquê ele rira. Simplesmente porque Malfoy o provocando – pontos a menos e detenção aplicada por Snape eram um efeito em cadeia, algo tão casual depois de mais de quase seis anos de Hogwarts que virara piada. Hipocrisia pura.

Talvez hormônios de adolescente fossem outra explicação também, mas isso não vinha ao caso.

- Do quê você está rindo, Potter? – Snape perguntou usando o seu tom mais mortífero.

Outros alunos no lugar de Harry sairiam correndo ao ver aqueles olhos negros do professor ficarem vermelhos de raiva. Mas Harry não fez isso; apenas se controlou e respondeu, nem ligando mais se fossem duzentos pontos que perderia. Dane-se! Ele não ganhara mais do que isso no quadribol? Poderia ganhar de novo! Agora era o momento de chutar o balde!

- Do quê eu estou rindo? Estou rindo disso tudo. O senhor vai me tirar não sei quantos pontos e vai me dar a pior detenção que conseguir encontrar. É claro que Malfoy não vai perder nada... Ele é tão inocente, não é? Não vai adiantar eu tentar explicar que não fui eu que comecei. Não vai adiantar dizer que eu estava quietinho no meu canto tirando o material para a aula da minha mochila. Não vai adiantar pedir para o senhor, ao menos, perguntar aos outros se eu estou falando a verdade. Mesmo que fizesse, somente os grifinórios diriam o que realmente aconteceu, e o senhor não acredita em grifinórios. Isso acontece desde o primeiro ano, e eu sei que não adianta. Simplesmente não adianta. Não é para rir?

Ninguém disse nada depois disso. Parecia que todos estavam muito estupefatos para emitirem algum som. Era óbvio que todos os grifinórios... não, todos os alunos, incluindo os sonserinos na conta, sabiam que isso era verdade. Mas ninguém despejaria tudo na cara do Snape desse jeito. Ninguém era doido, ou idiota, ao ponto. Por isso ninguém disse nada. Dizer o que depois disso?

Snape tinha que tomar cuidado, ou o veneno que irradiava dele poderia contaminá-lo também. Ele parecia prestes a espumar pela boca, como um cão raivoso. Mas até ele parecia, de certa forma, surpreso com a atitude de Harry. Para se ver a gravidade da situação, nem Snape esperava por aquilo. Quanto mais os outros... É claro que, como qualquer outro sentimento impensado, a surpresa logo se dissipou e deu lugar à raiva. Provavelmente a última vez que Harry vira Snape tão furioso fora naquele dia memorável em que Harry e Hermione ajudaram Sirius a escapar de um beijo do dementador (algo nada agradável, diga-se de passagem). Mas talvez até mesmo um dementador fosse menos assustador do que Snape naquele momento. Harry desejou, por um segundo, saber um feitiço igual ao do Patrono, mas que espantasse Snapes ao invés de dementadores.

- QUEM VOCÊ PENSA QUE É PARA FALAR COMIGO DESSE JEITO, POTTER? SEU GAROTO PETULANTE, VOCÊ DEVERIA SER EXPULSO POR ISSO! VOCÊ ACHA QUE EU SOU QUEM PARA FALAR DESSE JEITO COMIGO? UM DE SEUS AMIGUINHOS? OU UM DAQUELES BRUXOS RIDÍCULOS QUE TE IDOLATRAM SÓ PORQUE VOCÊ É HARRY POTTER? POIS SAIBA QUE EU NÃO SOU NENHUM DOS DOIS, EU SOU SEU PROFESSOR, E EXIGO RESPEITO!

Snape cuspia tanto enquanto gritava, que Harry desejou que seus óculos tivessem limpador de pára brisa. Pensou em retrucar que aquela gritaria fazia mal aos seus tímpanos, em especial, à sua já ruim dor de cabeça, mas o pingo de razão no fundo de si o impediu. Talvez tivesse ido longe demais, afinal...

"Não! Nem pensar!", o outro lado do cérebro (muito parecido com Rony, por sinal) respondia. "Ele merecia isso há muito tempo! Você não é saco de pancada para só receber patada dele!"

"Mas ele é um professor, e isso é uma verdade.", o pingo de razão tentava se manifestar. Engraçado como esse pingo de razão se assemelhava muito à Hermione. "Não poderia ter falado tudo isso para ele. Mesmo sendo verdade..."

"Besteira. Além do mais, agora já era. Fato consumado."

- CENTO E CINQÜENTA PONTOS A MENOS PARA A GRIFINÓRIA!

Poderia ser pior... Poderiam ser duzentos... Pelo menos ele só perdeu os pontos que ganhara pelo próprio esforço no quadribol. Não perdera ponto de ninguém, afinal.

Depois de gritar aquilo, Snape pareceu se acalmar um pouco, bem pouco. Retomando, ao menos aparentemente, sua posição fria e calculista de sempre, ele acrescentou com veneno:

- E a detenção, Potter, será discutida depois da aula na sala do diretor. – e baixando o tom de voz, para que só Harry ouvisse. – Vamos ver o que ele vai pensar do seu protegido...

Snape sabia ser cruel. Ele agora tinha pisado no calcanhar de Aquiles de Harry: Dumbledore. Com certeza ele ficaria desapontado... Mas Snape não parou por aí:

- Você está cada vez mais parecido com seu odioso pai, Potter. Ele também era petulante desse jeito. E ele se deu mal, como acontecerá um dia com você.

Harry não resistiu. Mexeu com a memória de seus pais, mexeu com ele.

- Ainda bem, já pensou se eu fosse parecido com o senhor?

Snape encrespou os lábios, mas, miraculosamente, não descontou mais pontos de Harry. Ainda bem. O rapaz não se lembrava de ter ganho outros pontos além dos cento e cinqüenta, agora perdidos, por pegar o pomo de ouro.

O professor, depois de um estreito olhar para Harry, deslizou até sua mesa. Essa foi a deixa para que todos se tocassem que o espetáculo tinha terminado e era hora de começar a aula. Malfoy sorriu debochadamente e seguiu para sua mesa. Antes de ir sentar em uma carteira isolada e totalmente oposta à do primo, Katherine Willians olhou para Harry de um modo muito estranho: seria pena aquele brilho no olhar dela? Ou arrependimento? Fosse o que fosse, Harry lhe devolveu um olhar rancoroso e muito frio, afinal, a culpa inicial de tudo foi dela! A garota foi embora.

Snape começou a passar na lousa os ingredientes da lição, e os alunos copiaram sem hesitar e, obviamente, sem falar. Alguns grifinórios olhavam bastante bravos para Harry, provavelmente por ele ter perdido os pontos. Problema! Que olhassem feio! Diferentemente, os sonserinos faziam sinal de agradecimento para Harry. Claro, com essa perda de pontos Sonserina ficava na frente... Problema!

Rony e Hermione olhavam para Harry com cara de enterro. Harry olhou meio virado para os dois. Já podia até escutar Hermione dizendo, com seu tom responsável de quem nunca faz nada errado:

"Como você pôde, Harry? Onde estava com a cabeça para fazer aquilo? Será que perdeu o juízo? Falar com um professor daquele jeito? Ainda mais o Snape!"

Ou Rony, mais flexível do que Hermione, mas ainda assim, reprovador a seu modo:

"Ele bem que mereceu, mas... sério, Harry, você pegou pesado! Poderíamos ter soltado uma bomba de bosta no meio do corredor quando ele estivesse passando, ou qualquer coisa do tipo. Fred e Jorge ajudariam com o maior prazer. Mas fazer isso?"

Irritado como estava, Harry apenas puxou o caderno de Rony e escreveu no alto da página, em letras corridas:

"Não falem comigo agora. Nem depois."

Os amigos apenas se entreolharam. Hermione suspirou, e Rony fez uma careta de desaprovação. Harry deu de ombros e, com muito desagrado, começou a copiar a porcaria dos ingredientes daquela maldita poção idiota.

Mas o dia ainda não tinha terminado.

- Você tá bem? – Hermione perguntou baixinho.

A aula de Snape tinha acabado. Rony e Hermione estavam prontos para sair, mas Harry estava enrolando para guardar suas coisas. Sabia que teria que ficar depois da aula para combinar a detenção na sala de Dumbledore. E, inconscientemente, estava adiando isso, guardando o mais lento que pudesse seu material. Além dos três, havia ainda alguns outros alunos na masmorra.

- Você quer a verdade ou algo para te confortar?

- A verdade.

- Estou péssimo, como você queria que eu estivesse? Feliz?

Hermione murchou ao ouvir a resposta. Rony se intrometeu:

- Mas por que diabos você foi fazer aquilo, Harry? – e abaixando a voz. – Eu também odeio o Snape, mas...

- Vocês leram aquilo que eu escrevi no caderno? Eu não agüento lição de moral, já não basta a que eu vou levar agora... – ele se lembrou que logo estaria na sala de Dumbledore. Com Snape o acompanhando. Isso fez o seu estômago dar uma reviravolta bastante desconfortável.

Rony bufou e não disse mais nada. Hermione, em um tom preocupado, perguntou:

- Você vai ficar bem?

- Espero. Mas vai ser difícil. – os amigos se entreolharam novamente com cara de enterro. – Vão embora, é melhor irem antes que o Snape os mande sair.

- A gente se vê, então. – Rony disse e puxou Hermione, que parecia não estar muito decidida entre ir e ficar.

Harry voltou à sua tarefa de guardar o material na mochila. Pelo menos era uma distração. A cabeça ainda rodava, mais do que antes até. Sua vontade era se encostar em algum canto e dormir, dormir até que aquela maldita dor de cabeça passasse. Mas isso era impossível. Além disso, outra coisa voltou a lhe perturbar: não podia deitar e dormir sem antes falar com Gina. Por algum tempo esqueceu da namorada, mas agora isso voltou a lhe preocupar. Depois de "resolvidos" seus problemas, jurou a si mesmo que poderia revirar o castelo, mas a acharia.

Pelo canto do olho, viu quando um Draco Malfoy bastante constrangido tentava se livrar das perguntas da prima. Era impressionante como aquela garota gostava de ficar vomitando coisas na cara dos outros e fazendo perguntas como se precisasse saber de tudo. Pela primeira vez, Harry viu Malfoy sem saber o que fazer. Seria cômico, se não fosse trágico. Ele ficava se afastando dela, tentando sair da sala, mas ela não deixava e continuava com as perguntas. Em dado momento, ela falou mais alto, e Harry conseguiu escutar o que dizia:

- O que você sabe? O que você fez? O que está me escondendo? Você está me enganando, Draco, o que você fez?

Ela fazia todas aquelas perguntas de uma vez só, sem dar tempo para o primo responder. Daria uma boa delegada de polícia, se não fosse bruxa. Ela era do tipo: "Onde você estava na noite do dia tal? O que estava fazendo? Por que estava lá?".

Que asneira, por que estava pensando essas coisas? Talvez estivesse ficando tão maluco quanto qualquer Malfoy... Que desgraça!

- Os senhores poderiam se retirar? – Snape perguntou seco, encarando Malfoy e a prima, os únicos além dele e Harry na sala.

Malfoy rapidamente se aproveitou da situação e puxou a prima pela mão porta afora. Era sabido da escola toda que ele era a fim dela. Mas ficar com ela, era outra coisa. Mas isso também não vinha ao caso.

Snape fechou a porta que os dois deixaram aberta e, depois, voltou a se sentar atrás da mesa. Calmo, como se nada tivesse acontecido, ele chamou com sua voz seca:

- Venha até aqui, Potter. E traga seu material.

Sabendo que esse momento chegaria, Harry, resignado, colocou o resto das coisas na mochila, para depois jogá-la de qualquer jeito nas costas. A passos lentos, se aproximou da mesa do mestre.

- Sente-se. – ele disse sem olhar para o rapaz.

Harry olhou para os lados, intrigado. Sentar onde? No chão? Sua pergunta foi respondida quando Snape ergueu a varinha. Por um segundo Harry pensou que o professor fosse azará-lo, mas ele apontou para uma cadeira e a fez flutuar até Harry, que se sentou.

Snape finalmente levantou os olhos e encarou Harry. Não tinha mais aquele olhar raivoso e descontrolado como antes. O que havia ali era alguém que sabia o que fazer, que calculara friamente seu próximo passo. Ele tinha um plano em mente, e Harry se sentiu um pouco nervoso ao ficar imaginando o que seria.

- Isso que aconteceu hoje nunca mais se repetirá, Potter.

Não era uma pergunta, e sim uma afirmação. Harry teve vontade de perguntar: "O senhor tem certeza?", mas já tinha falado demais por um dia inteiro na aula de Snape.

- Eu vou me encarregar de que isso não aconteça.

Harry não disse nada, apenas ficou encarando-o, ligeiramente perturbado. O que ele estava aprontando?

Snape se levantou e, em uma grande prateleira, apanhou um livro grosso e velho. De relance, Harry pôde ler "Poções muy potentes" na capa. Lembrava desse livro, já tinha usado uma vez um da biblioteca. Snape provavelmente tinha um outro exemplar. Mas isso não importava, o que importava mesmo era aonde ele queria chegar com isso.

O professor se sentou novamente e abriu o livro em uma das páginas.

- Leia o título dessa página, Potter.

Harry se aproximou um pouco da mesa e leu:

Poção Polissuco

Agora o negócio estava mudando de figura. A Poção Polissuco era uma poção ilegal, que transformava uma pessoa em outra. No segundo ano, Harry, Rony e Hermione ministraram essa poção para entrarem escondidos no salão comunal da Sonserina e descobrirem mais sobre a Câmara Secreta. Mas por que Snape estava mostrando isso para ele? Será que... Não, não podia ser...

- Você entende, Potter? Ou vou precisar explicar os detalhes?

Harry estava assustado. Amedrontado. Queria não demonstrar isso no seu rosto, mas era difícil. Não podia estar acontecendo o que ele achava que estava. Era impossível Snape ter descoberto! Algo tão antigo, fazia tanto tempo!

O mestre sorriu enviesado. Vitorioso.

- Eu descobri, Potter. Há muito tempo... Eu sabia que algum dia me seria de alguma valia... Eu descobri o que você e seus amiguinhos fizeram naquele ano em que a Câmara Secreta foi aberta...

Agora Harry estava apavorado. Ele descobriu? Tudo? Isso não era uma brincadeira! Arrependeu-se amargamente pelo que tinha dito ao professor antes... Realmente estava brincando com fogo... Se ele contasse... ele, Rony e Hermione estariam encrencados, e muito! Não importava que fosse há muito tempo, era encrenca na certa. Isso estava ruim, muito ruim! Snape o tinha em suas mãos agora! Ele estava chantageando-o!

- Assustado, Potter? Você percebe o que eu posso fazer? Eu posso espalhar isso aos sete ventos... Quem sabe você não é expulso? Bem, você não tem medo, não é? Mas e os seus amigos? Eles são monitores... já imaginou o que pode acontecer? O mínimo é que eles percam seus tão preciosos cargos...

Isso não estava acontecendo... Não... Ele não ia contar, estava blefando! Estava jogando verde para colher maduro! Sim, era isso!

- O senhor não tem provas.

- Eu tenho minha palavra. E eu sou um professor, se você já se esqueceu, Potter.

Harry engoliu em seco. Mas entendeu a jogada dele. Ele desconfiava, ele tinha quase certeza... E o estava testando... Como ele chegou a essa conclusão? Quanto tempo passava só imaginando as regras a que Harry desobedecia? Sádico. Severo Snape era um sádico. Mas, de qualquer jeito, não podia desafiá-lo. E se ele resolvesse contar? A carreira de monitores estaria acabada para Rony e Hermione. E Harry sabia o quanto eles prezavam isso. Hermione descaradamente, mas Rony também gostava, mesmo que não admitisse. Harry não podia fazer isso com seus melhores amigos. Desejou por um instante que eles não estivessem sempre envolvidos em todas as suas encrencas.

Mas não podia admitir também. Negaria até a morte se preciso. No final, teria que ficar nesse chove não molha com Snape. Ou então se ferraria. E muito.

- Você vai parar de me desafiar, Potter? Vai deixar de ser o garoto petulante? Vai, finalmente, me respeitar? Ou estou pedindo demais para o filho de Tiago Potter?

Harry olhou para ele por cima dos óculos com muita raiva. Quem nunca o respeitou era o professor, que desde o primeiro dia que se viram já destilara seu veneno! Mas não podia dizer isso agora, ou pioraria as coisas.

- Não sei do que o senhor está falando.

Snape sorriu.

- Tudo bem. Só quis lhe dar um alerta. – e se levantou. – Acompanhe-me. Precisamos ir até a sala do diretor.

Sem nenhuma escolha, Harry acompanhou Snape para fora das masmorras e pelos corredores do castelo. Ainda não acreditava no que estava acontecendo... Não era possível... Com certeza aquele era o pior dia de sua vida...

Para Snape parecia ser o melhor. Harry entendia muito bem... É claro que o professor estaria feliz! Entregar Harry para Dumbledore por alguma coisa errada que ele realmente fez! Isso era o maior sonho de Severo Snape. Não era preciso ser muito inteligente para notar isso.

Maldita hora em que resolvera dizer todas aquelas verdades para o professor! Não podia ter esperado um pouco? Digamos, até sua formatura, quando Snape seria apenas uma longínqua lembrança infeliz de sua adolescência? Não... Tinha que dizer isso no meio do sexto ano, quando tinha tanto tempo pela frente para agüentar Snape. Onde estava com a cabeça para ter deixado seu lado revoltado aflorar? Estava parecendo o Rony!

O mais deprimente era que nem Rony faria essa tremenda burrice...

Os dois chegaram à frente do gárgula de pedra que guardava a entrada para a sala de Dumbledore. Os lábios de Snape se encresparam em desagrado quando teve que pronunciar a senha "Pudim de leite". Mas isso não o desencorajou de fazer o que queria fazer.

Harry poderia vomitar ali mesmo quando passaram pelo gárgula e subiram a escada circular. Seu estômago dava voltas e mais voltas, e sua cabeça o deixava tonto. Desejou estar em qualquer lugar menos ali. Receber uma bronca de Snape era infinitamente melhor do que um olhar decepcionado de Dumbledore. E provavelmente não receberia apenas o olhar dele...

Mas a hora chegou. Snape deu três batidas na porta, e a voz rouca de Dumbledore respondeu que podia entrar. Harry decididamente sentiu a comida vir quente na sua garganta. E se dissesse que estava com dor de barriga e saísse correndo para a ala hospitalar? Não, não adiantaria. Snape faria um feitiço rápido para que ele parasse de vomitar. A sua única escolha foi engolir a comida de volta. Tinha que enfrentar mais essa... Por mais que doesse decepcionar Dumbledore...

- Com licença, diretor. – Snape disse ao abrir a porta, não escondendo um visível tom de contentamento na voz. – Desculpe importuná-lo, mas eu tenho um problema para o senhor...

Dumbledore olhou ligeiramente intrigado quando viu um Harry pálido e mudo entrar atrás de Snape, que fechou a porta a seguir. Além do diretor, a Profª. McGonagall também estava presente, sentada à frente da mesa de Dumbledore; ela se levantou com a sobrancelha erguida ao ver Snape e Harry.

Estranhamente, toda a dor de barriga parecia ter passado e, agora, Harry se encontrava em um total estado de torpor. Sabia o que viria pela frente, e estava começando a se acostumar com idéia. Snape desfiaria todos os seus podres para Dumbledore. Não deu outra.

- Desculpe-me... – Dumbledore começou a falar, ajeitando os óculos de meia lua no rosto. – Não estou entendendo, Severo. O que aconteceu? Por que Harry está aqui?

Snape sorriu de lado.

- Justamente porque Potter é o problema.

Dumbledore fez o dois sentarem de frente a ele e então, Snape começou a falar. Como Harry previra, ele contou tudo e mais um pouco para Dumbledore e, de quebra, para a Profª. McGonagall. Contou o que acontecera quando entrara na masmorra e vira a discussão entre Harry e Malfoy. Tudo com riqueza (ou exagero) de detalhes. O diretor escutava tudo atento, assim como a professora. Harry nem olhou para nenhum deles; não queria ver a cara de decepção de ambos. Preferiu ficar observando Fawkes, que tinha renascido e estava ainda muito feia. A única coisa que fez além foi deixar seus ouvidos apurados para o que Snape estava falando. No momento em que ele afirmou categoricamente que Harry o tinha insultado na frente dos alunos, o rapaz não se controlou e virou rapidamente o rosto para olhar o tão odiado professor:

- Eu não fiz isso! Eu não insultei o senhor!

Dumbledore desviou o olhar de Snape para Harry. Parecia estar examinando o rapaz com aquele seu olhar perspicaz de sempre. Snape estreitou os olhos e respondeu seco:

- É claro que você me insultou, Potter! Nenhum aluno tem o direito de falar comigo daquele jeito!

Harry respirou fundo. Precisava ser racional. Se enervasse muito Snape, ele poderia contar ali mesmo o que sabia sobre a Poção Polissuco do segundo ano. Tentando controlar a voz, Harry respondeu, não para Snape, mas sim para Dumbledore:

- Eu admito que me excedi, professor. Mas o Prof. Snape está exagerando. Eu não o insultei. – como poderia dizer o que falou sem parecer ofensivo? Queria contar, mas se contasse, Snape poderia ficar mais furioso do que já estava... Estava entre a cruz e a espada. O que faria?

Porém, não pôde dizer mais nada, de qualquer maneira. Batidas na porta o interromperam, e a Profª. McGonagall foi abrir. Qual não foi a surpresa ao ver, parada à porta, com uma expressão um pouco receosa, mas ainda assim, determinada, uma garota sonserina de seus dezesseis anos:

Katherine Willians.

Harry ficou totalmente embasbacado. O que aquela garota estava fazendo ali? Desistira de importunar o primo e viera rir da sua desgraça? Já era ruim o bastante somente com Snape contando todos os seus podres para Dumbledore e a Profª. McGonagall, e ainda teria que agüentar aquela nojentinha? E não se surpreenderia se depois ela contasse tudo o que viu para toda a Sonserina. Realmente não deveria ter posto o pé para fora da cama.

- Como a senhorita entrou? – foi a primeira reação de uma Profª. McGonagall bastante surpresa.

A menina abriu a boca e começou a soltar sons indecifráveis, claramente não tendo uma resposta convincente para a pergunta da professora. Antes que desse tempo para inventar uma desculpa, Dumbledore interviu:

- Como ela entrou não importa.

Em um movimento automático, tanto Harry, como a Profª. McGonagall e Snape viraram-se para olhar Dumbledore. Provavelmente o mesmo pensamento passou pela cabeça dos três: "Como assim, não importava? Aquela sala era de acesso restrito a professores, nenhum aluno, exceto Harry, por motivos conhecidos, tinha a senha."

Dumbledore sorriu ao ver as expressões confusas dos três. Virando-se novamente para olhar Willians, Harry notou que ela não parecia surpresa com a atitude de Dumbledore; parecia demonstrar um leve quê de alívio.

O diretor fez um sinal para que a garota se aproximasse. A Profª. McGonagall, totalmente aturdida, encostou a porta e também se aproximou, postando-se ao lado de Dumbledore. Um pouco desconfortável, Willians chegou mais perto da mesa, de modo que ficou entre Harry e Snape, que estavam sentados lado a lado.

- A senhorita quer sentar? – Dumbledore perguntou, dirigindo um olhar bondoso a ela. Harry se lembrou de quantas vezes viu o diretor fazer isso; ele sempre costumava dar esses olhares para que os alunos ficassem mais confortáveis na sua presença.

Willians negou com a cabeça, mantendo a posição rígida, como se fosse uma pedra de gelo. Era visível o quanto ela estava nervosa. Parecia que, para ela, estava sendo muito difícil estar ali.

Harry definitivamente não estava entendendo nada. Provavelmente alguma coisa muito estranha estava se passando; nada parecia se encaixar direito naquele dia. Para início de conversa, Gina estava mais do que esquisita, Malfoy parecia estar atuando em uma grande peça de teatro, ele mesmo, Harry, estava descontrolado, Dumbledore não se importava se alguém não autorizado sabia a senha de sua sala, e Willians demonstrava nervosismo e indecisão; ela, que sempre pareceu tão fria e calculista. Hogwarts não estava normal naquele dia.

Novamente, Dumbledore sorriu. Com uma voz branda, falou:

- E então? O que a senhorita quer?

Instantaneamente, a garota olhou para Harry. Foi aí que ele teve certeza de que o mundo estava de cabeça para baixo. Willians o olhava com pena, sim, era pena. O que isso significava? Depois de olhar por alguns segundos para ele, ela encarou Dumbledore firmemente e, tomando ar, disse muito rápido:

- O senhor vai punir Potter? Não faça isso, ele não teve culpa de nada.

O queixo de Harry caiu. O que ela estava dizendo? Com certeza não ouvira bem e precisava tirar a cera dos ouvidos. Não, isso era loucura! Ela disse que ele não tinha culpa? Ou ela era maluca mesmo, ou era uma sonserina ilegítima. Nenhum sonserino, em sã consciência, diria que ele, Harry Potter, não tinha culpa de alguma coisa.

Snape ia abrir a boca para protestar, mas Dumbledore não deixou. A Profª. McGonagall parecia estar apreciando aquilo tudo com crescente curiosidade.

- Poderia explicar melhor, Srta. Willians? – o diretor perguntou.

Remexendo-se desconfortavelmente, ela prosseguiu:

- Eu comecei a discussão. Na verdade, eu fui pedir explicações para ele sobre algo... pessoal...

"O que ainda é um mistério...", Harry pensou com sarcasmo.

- Depois, Draco apareceu; ele e Potter começaram a discutir, o Prof. Snape chegou e... aconteceu o que aconteceu.

Dumbledore olhou para a garota com uma cara que dava a entender que ele tinha certeza de que ela não estava contando tudo. Snape, olhando com muita irritação para a garota, disse:

- Mas isso não tira a culpa de Potter por ele ter me insultado...

- Eu não o insultei! – Harry não conseguiu se controlar.

- Bem, temos como resolver esse problema! – Dumbledore falou. – Temos uma testemunha imparcial do que aconteceu na sala de aula. Senhorita Willians, pode nos dizer o que viu lá?

- Isso! – a Profª. McGonagall disse de supetão, juntando as mãos e depois cruzando-as sobre o colo. – A senhorita pode nos dizer exatamente o que o Sr. Potter disse ao Prof. Snape! Porque essa história não está fazendo sentido!

A garota engoliu em seco e, por alguns segundos, pareceu estar escolhendo as palavras.

- Potter parecia bastante indignado porque... o Prof. Snape geralmente não... entende seus motivos, por assim dizer.

Snape lançou um olhar quase assassino para a menina. Harry, por sua vez, a olhava incrédulo. Ela era maluca, só havia essa explicação. Nada mais fazia sentido...

Dumbledore sorriu e olhou para Harry:

- Você confirma isso?

Ainda boquiaberto, Harry concordou ligeiramente com a cabeça. Snape protestou:

- Isso não está certo! Potter me insultou! Isso não pode ficar por isso mesmo!

A Profª. McGonagall sorriu ligeiramente e provocou numa voz divertida:

- Sejamos francos, Snape: entre o Sr. Potter e o Sr. Malfoy, você escolheria Malfoy, não é?

Snape bufou por entre os dentes.

- Parem os dois. – Dumbledore disse, tentando acalmar os ânimos. – Severo, tenha certeza de que não vai ficar por isso mesmo, mas entenda que é preciso analisar os dois lados da moeda: a sua versão e a de Harry. – ele respirou fundo e prosseguiu, um pouco cansado. – Pelo que eu entendi, a Srta. Willians começou a discussão quando foi falar com Harry; o Sr. Malfoy chegou em seguida, e ele e Harry discutiram fortemente; você, Severo, entrou na sala nesse momento e não entendeu direito as razões de Harry, que expôs seu problema a você de uma maneira bastante... excessiva. Foi isso?

Snape bufou e não disse nada. Harry relaxou os ombros e assentiu com a cabeça. Willians também fez um sinal afirmativo com a cabeça. Dumbledore suspirou com um leve desânimo, e olhou para Harry profundamente. O rapaz sentiu que finalmente chegara o momento no qual o diretor iria dizer tudo o que tinha a falar.

- Harry, você pode ter suas razões, mas você também tem que saber que agiu errado. Por mais que você tenha algo a dizer

ao Prof. Snape, sempre se lembre que ele é um professor, e o mínimo que um aluno deve a um professor é respeito. Vou ter que puni-lo, e espero que isso nunca mais se repita.

O tom de voz de Dumbledore era duro, e fez Harry abaixar a cabeça. Droga, por que Dumbledore tinha que ser assim? Ele não precisava gritar ou se exaltar, era só endurecer um pouquinho o tom de voz e o olhar para que Harry se sentisse completamente arrependido. E por que ele fora tão burro? Se tivesse pensado um pouquinho só antes de agir, não teria feito essa besteira! Saco!

- E quanto à senhorita... – ele continuou, olhando para Willians. – Também não agiu da forma correta começando uma discussão. A senhorita viu que tamanho isso tomou, não foi? Eu também terei que puni-la, mesmo que a senhorita tenha sido honesta para vir aqui e contar a verdade.

A garota também abaixou a cabeça e não disse nada. Snape sorria discretamente e, pelo canto do olho, observava Harry com diversão. Dumbledore, enquanto isso, pegou um caderno em uma de suas gavetas, molhou uma pena e começou a escrever rapidamente no caderno. Enquanto escrevia, falou:

- Srta. Willians, a sua detenção será limpar a ala hospitalar sem magia durante uma noite inteira. Pode ser a noite de segunda-feira, depois do jantar. O Sr. Malfoy e o Sr. Potter a ajudarão. – Harry levantou os olhos. O que Dumbledore pretendia colocando os três juntos? – Cumprirão essa detenção todos juntos para aprenderem a tolerarem uns aos outros. A senhorita poderia avisar o Sr. Malfoy e pedir para que ele viesse falar comigo depois?

A garota concordou, e Dumbledore prosseguiu, olhando para Harry:

- E quanto a você, Harry, além da detenção junto com seus colegas, terá que catalogar os livros da biblioteca junto com Madame Pince durante o resto da semana, a partir de terça-feira, no mesmo horário. Ela está recatalogando os livros, e realmente está precisando de ajuda. Acho que acabamos.

Harry se levantou, e Willians já estava se preparando para ir embora, quando Snape pediu licença para falar.

- Diretor? Pelo que Potter fez, eu sugiro que seja proibido de visitar Hogsmeade amanhã.

Harry arregalou os olhos. Já não era o bastante ter que passar a semana toda trabalhando, ainda seria proibido de ir a Hogsmeade? Isso já era demais!

Dumbledore pareceu ponderar por alguns instantes e disse em seguida, categórico:

- Não concordo. Acho que a detenção que apliquei já é o bastante, Severo. Além disso, você trouxe o problema até mim, então significa que a punição tem de ser aplicada por mim, e não por você.

Harry poderia rir da cara de Snape. Ele ficou sem palavras depois dessa e não mais argumentou. Com um gesto de mão, Dumbledore dispensou Harry e Willians, e os dois saíram juntos da sala.

Depois que Harry encostou a porta atrás de si, olhou para a garota ao seu lado. Ela lhe dirigiu um olhar aborrecido, e começou a descer a escada circular rapidamente. Harry apertou o passo para acompanhá-la e emparelhou com ela:

- Ei! Eu quero saber por que você fez isso!

- Não te interessa, Potter!

- Claro que me interessa!

Os dois cruzaram a passagem do gárgula e deram no corredor. Willians começou a andar apressada no sentido do Salão Principal, deixando Harry para trás. O rapaz correu até ela e se pôs na sua frente, impedindo sua passagem. Ela quase esbarrou nele, mas freou a tempo. Com um olhar que era só irritação, ela disse num tom mandão:

- Sai da minha frente, Potter!

- Não antes que você me explique por que foi até lá contar a verdade.

Ela tentou contorná-lo de um lado e do outro, mas ele sempre se colocava à sua frente, impedindo a passagem. Depois de soltar o ar longamente pela boca, ela resolveu falar:

- Tá bom, você quer mesmo saber?

- Quero! – Harry respondeu cruzando os braços. Não ia deixar isso barato. Precisava de uma explicação, afinal, ela acabou ajudando-o de uma certa forma. E ela poderia ser considerada sua inimiga, já que era prima de Malfoy e, ainda por cima, era tão ruim como ele.

Novamente, ela bufou, para depois revirar os olhos e encará-lo profundamente.

- Eu posso ter milhares de defeitos, mas uma qualidade eu tenho: eu sou justa quando o assunto é sério. E deixar você, mesmo sendo quem é, ser punido por alguma coisa que não foi sua culpa, seria injustiça.

Harry ficou boquiaberto. Uma sonserina sendo justa? Hogwarts estava mesmo de pernas para o ar naquele dia.

Willians, aproveitando-se da estupefação de Harry, conseguiu contorná-lo e seguir seu caminho. Harry se virou e, antes que ela sumisse de suas vistas, perguntou:

- E desde quando sonserinos são justos?

A garota parou de andar e se virou, olhando novamente nos olhos de Harry.

- Nem todos os sonserinos são iguais.

O céu estava nublado naquele dia. Nuvens negras pairavam nele, anunciando chuva próxima. Era um fim de tarde preguiçoso, perfeito para os casais se aconchegarem e se aquecerem. Mas não para Harry. Ele estava sozinho nessa tarde. Sozinho, chateado e com dor de cabeça.

A brisa gelada do inverno roçava sua face enquanto caminhava sobre a grama fofa dos jardins de Hogwarts. Ele tinha saído há pouco do castelo, depois de todos aqueles acontecimentos na sala de Dumbledore. Por sorte, não encontrara ninguém no caminho; estava mesmo com vontade de ficar sozinho.

Tantas coisas aconteceram num dia só que era até complicado lembrar de tudo. E só coisas ruins. Desde um péssimo rendimento na prova de História de Magia até detenção de uma semana por discutir com Snape. Realmente não era um bom dia, era um dia horrível.

Ao ver um casal à sombra de uma árvore, Harry parou. Reconhecia aqueles dois adolescentes abraçados em qualquer lugar: Rony e Hermione. Poderia ir até lá, mas não quis. Seus problemas só iam estragar aquele momento deles.

Vendo os dois amigos tão felizes, abraçados e rindo, Harry não pôde deixar de sentir uma pontinha de inveja. Fazia tanto tempo que ele e Gina não ficavam assim...

Harry riu. Quem diria? Rony e Hermione se dando tão bem? Quem vira todas aquelas brigas que eles tinham antes (e ainda chegavam a ter) não acreditaria no que o rapaz estava observando agora. Aqueles dois de que, por tantas vezes, Harry teve que mediar brigas e discussões, agora estavam ali, se dando tão bem e felizes. Mas a verdade é que eles sempre se gostaram, e Harry tinha percebido isso há tempos; eles só não admitiam...

Mas com Harry e Gina era diferente..., o rapaz pensou, enquanto caminhava para longe dali; não queria que os amigos o vissem. Com os dois tudo era muito diferente. Harry sempre soube que Gina tinha uma "quedinha" por ele desde que se conheceram. Mas ele, sempre muito preocupado com seus próprios problemas, não dava importância. Porém, um dia ele percebeu o quanto ela poderia ser uma pessoa diferente do que ele achava; não aquela menininha tímida, mas uma garota de personalidade. Isso o fez... sim, era como Sirius dizia... se apaixonar por ela.

Harry não podia dizer que amou Gina à primeira vista. Nem que começou a gostar dela de uma hora para outra. A verdade é que ele começou a notá-la e, depois que deu uma chance aos dois, percebeu o quanto poderia ser bom estar com ela, o quanto ele se sentia feliz e completo. Com o progresso do namoro, ele descobriu que a amava, sim, amava. Como poderia afirmar que amava uma pessoa sem nunca ter conhecido o amor? Não tinha explicação, ele só sabia.

Mas Gina, ao contrário dele, não parecia acompanhar isso. No começo ela era tão alegre, tão carinhosa e espontânea... mas agora... Agora ela estava distante, até mesmo fria... E tudo isso que estava acontecendo... O sumiço dela na noite anterior, o que Peta contara a Harry no café da manhã, sobre Gina ter chorado e não querer falar com ele... O que estaria acontecendo afinal?

Arre, por que tudo tinha que ser difícil com ele? Por quê? Como queria ser normal e se preocupar somente com as provas no fim do semestre... Mas não, tudo, absolutamente tudo, tinha que acontecer com ele. Tudo era complicado. Ele era complicado.

Harry parou de andar e finalmente se deu conta de onde as suas pernas o tinham levado. Até a cabana do Hagrid. Sim, talvez um bom chá e uma conversa franca com o amigo o ajudassem.

O rapaz ficou na ponta dos pés para olhar pela janela por dentro da cabana. Vazia. Onde será que ele estava? Logo, sua pergunta foi respondida com o som de vozes por perto. Harry contornou a cabana e caminhou até o canteiro das abóboras; apesar do dia das bruxas já ter passado, Hagrid continuava a cultivá-las.

Pulando as frutas, Harry aproximou-se da cerca que separava o canteiro de uma clareira, onde Hagrid estava dando uma aula sobre unicórnios para uma turma do... peraí, essa turma era... sim, ele reconheceria aqueles cabelos cor de fogo em qualquer lugar! Era a turma do quinto ano da Grifinória, a turma da Gina!

Harry quase não conseguiu controlar a euforia que estava sentindo. O rapaz se esgueirou para baixo de uma árvore grande, onde ninguém o veria, e apoiou os braços sobre a cerca, o queixo sobre eles.

Por alguns segundos, ele só ficou ali, hipnotizado, olhando para a garota. Ela e mais um grupinho de meninas estavam perto do unicórnio, enquanto que os meninos estavam mais afastados, e Hagrid dava a sua explicação sobre o assunto. Gina estava tão linda... Engraçado como apenas um dia que passara longe dela a fez ficar tão bela... Os seus cabelos vermelhos destacavam-se contra o uniforme preto da escola e a sua pele clara. Tudo nela estava bonito aos olhos de Harry... a fita que ela usava no cabelo, seus olhos, sua boca e até mesmo o livro que ela segurava parecia especial...

Harry poderia ficar ali a eternidade, somente observando-a, mas em algum lugar um sinal alto tocou, anunciando que a aula tinha terminado. Hagrid deu uma última orientação sobre fazer uma redação, ou algo assim, e os alunos começaram a se arrumar para irem embora.

Era esse o momento. Harry tinha que ir lá e falar com Gina. Se não fosse agora, quem sabe quando seria a próxima oportunidade? Teria que ir lá e resolver tudo isso! Conversar com ela e descobrir o que estava acontecendo. Sim, era isso que ia fazer.

Novamente pulando as abóboras, Harry contornou a cabana de Hagrid, ouvindo o burburinho da conversa dos alunos extasiados pela semana de aulas ter terminado. Quando deu a volta na cabana, Harry viu um grupo de alunos vindo. Não, não era o grupo de Gina. Passaram mais três meninas e nada. O último grupo era o certo. Gina estava, como sempre, acompanhada por Peta, Colin e Jonnathan. Todos eles estavam conversando, mas Gina era a única calada. Ela andava abraçada aos livros, com uma expressão vaga e triste no rosto.

Harry sentiu um aperto no peito ao ver isso. Por que será que ela estava assim? Lembrou do que Hermione disse no café da manhã sobre a menina ter chorado. O que teria acontecido? E por que ela não queria dividir isso com ele?

Mas ele também não podia esperar, não podia deixar a oportunidade passar. Quando os quatro passaram por ali, ele chamou:

- Gina?

Peta, Colin e Jonnathan se viraram para olhá-lo, mas Gina se limitou apenas a verificar se era ele mesmo pelo canto do olho. Um certo constrangimento pairou no ar, e Colin quebrou o silêncio:

- Oi, Harry! O que está fazendo aqui?

- Anh, eu... Estava com a tarde livre e vim dar uma volta para cá... Então eu vi vocês...

Novamente silêncio. Gina se abraçara ainda mais aos livros, encolhendo-se um pouco atrás de Peta. Jonnathan cruzou os braços, emburrado como sempre. Colin parecia sem saber o que fazer, e foi Peta quem quebrou o silêncio dessa vez, dando um fim na situação:

- Então nós vamos jantar! A gente encontra você depois, Gina!

E a garota saiu espevitada, praticamente carregando Colin e Jonnathan para longe dali. Gina abriu a boca, mas depois a fechou, sem saber o que fazer. Sentindo-se mal por aquela situação, Harry tentou se aproximar de Gina, mas ela recuou e não olhou para ele.

Harry ia perguntar por que ela estava tão distante, mas resolveu não fazer isso, não naquele momento. Era esquisito aquilo; os dois pareciam estranhos entre si. Harry se decidiu por dizer outra coisa:

- Precisamos conversar.

- Não tenho nada para conversar com você. – ela respondeu numa voz miúda.

- Como não? – ele perguntou se sentindo extremamente desconcertado. O que estava acontecendo? – Gina... O que houve? Por que você está assim? Você pode contar para mim...

Ele tentou tocar seu rosto, mas ela novamente recuou. Aquilo não estava normal. Tudo bem que Gina ficasse um pouco estranha às vezes, mas isso? Harry não conseguia entender o que estava acontecendo.

- É melhor você ir embora, Harry...

Pelo jeito que a voz dela tremeu, parecia que doía dizer o nome dele.

- Não, Gina... Antes eu preciso entender o que está acontecendo...

Ela levantou o rosto e o olhou bem fundo. Os olhos dela estavam marejados, e ele não conseguia entender o porquê. Isso doía. Se ao menos ela o deixasse ajudá-la...

Gina novamente abaixou o rosto e fechou os olhos com força. Harry pôde ver quando lágrimas caíram de seus olhos. Ela balançou a cabeça e disse numa voz trêmula.

- Não aqui...

- Onde, então?

- Não sei... Algum lugar onde não tenha ninguém... – parecia que ela fazia um grande esforço para falar. – Daqui a pouco o Hagrid vai estar aqui e... se vamos conversar, é melhor que seja a sós.

Harry concordou com a cabeça e tentou conduzi-la pela mão. Ela não deixou e puxou a mão rapidamente. Harry percebeu que ela o seguiria, então ele saiu andando na frente, com Gina atrás.

A noite já estava caindo, ou então as nuvens estavam ficando mais negras. Todos aqueles casais que estavam à beira do lago anteriormente agora tinham entrado no castelo para jantar. Harry andou até um lugar bastante conhecido – e especial – para ele e Gina: aquela árvore onde se beijaram pela primeira vez.

Ao chegarem debaixo da árvore, Harry se virou para olhar Gina. Ela observava com tristeza aquela árvore, talvez com um pouco de nostalgia também. Ele ficou apenas observando a garota, sem dizer uma única palavra. Depois de um tempo olhando a árvore, ela se abaixou para colocar seus livros sobre a grama, e se levantou novamente, olhando bem no fundo dos olhos de Harry.

- Gina...

- Não fale nada, Harry.

Ele se calou. Seu coração batia acelerado, e suas pernas estavam dormentes. Gina estava muito séria, como ele nunca vira antes. O coração batia tão rápido e tão forte que chegava a doer. O barulho de trovões começava a se ouvir, anunciando a tempestade. Mas isso não importava para Harry. Tudo o que importava agora era Gina. E o que ela tinha para lhe dizer...

- Você quer mesmo saber o que está acontecendo, Harry? Quer dizer que você não sabe?

Havia um leve tom de mágoa na voz dela. Harry não disse nada, apenas continuou olhando-a.

- Você não sabe... – ela repetiu vagamente. – Pois então eu vou lhe explicar, Harry Potter.

Harry sentiu a barriga doer. Ela nunca o chamara assim, nunca. Nunca com esse tom... Um tom de deboche. Deboche? Sim, era isso. Mas carregado de mágoa. O que era isso?

Gina respirou fundo e fechou os olhos. Ela inclinou ligeiramente a cabeça para trás, e abriu os olhos quando uma gota de chuva caiu no seu rosto. Quando ela voltou a cabeça ao lugar, essa gota rolou pela sua face, como uma lágrima quente, ao invés da chuva fria que começava a cair sobre eles. Olhando bem no fundo dos olhos de Harry, ela disse:

- Terminou.

- Terminou? Terminou o quê?

- Eu estou dizendo, Harry, que terminou. O nosso namoro acabou.