Capítulo Treze – Diga que não é verdade

A primeira reação de Harry foi achar que estava ficando maluco. Gina com certeza não tinha dito o que ele pensava ter ouvido. Não, era impossível! Ele não tinha ouvido direito, com certeza escutara errado.

- Gina... Você... O que você disse? Eu... eu... eu não estou entendendo...

- Eu quis dizer, Harry... – ela respondeu devagar, como se ele fosse uma criança que não entendia o que ela dizia. - ...que estou terminando com você. Estou terminando o nosso namoro.

Foi como se um cubo de gelo caísse bem na boca de seu estômago. Harry abriu a boca, sem saber o que dizer, e por alguns instantes ficou apenas olhando para a garota à sua frente. Aquela era Gina? Ela estava falando sério? Não... não! Não era possível... Isso não estava acontecendo... era só um sonho ruim, e ele iria acordar...

- Você não está dizendo isso... não está... Você não quer dizer isso, Gina...

Harry ouviu sua própria voz falha dizendo essas palavras. Havia alguma coisa na sua garganta que não o deixava falar direito. E por que ele tinha que piscar tanto? Por que sentia que seus olhos estavam mais molhados do que o normal? Não, ele não queria e não iria chorar. Não faria isso simplesmente porque o que estava acontecendo não era real, e sim um pesadelo, e ele iria acordar na sua cama, para depois rir muito desse sonho tolo.

Gina respirou fundo e seus lábios se contraíram; o que dava a impressão de que ela estava fazendo muita força para não chorar, ou gritar. A chuva começava a cair forte, encharcando seus cabelos vermelhos, e Harry não pôde deixar de pensar no quanto ela ficava bonita molhada. Gotas de chuva caíram nas lentes dos seus óculos, mas ele não se importou em limpar. Tudo o que ele queria era que Gina dissesse que aquilo tudo era um sonho, ou uma brincadeira de mau gosto, e o abraçasse forte como fazia antes.

Mas nada disso aconteceu. Pelo contrário; Gina mostrava feições duras, muito diferentes da costumeira meiguice que pairava sobre o rosto delicado dela. Os seus olhos estavam estreitados, e ela mordia tanto os lábios que dava a impressão de que iria rasgá-los ao meio. Com uma voz que tentava soar dura, mas já soluçando de vez em quando, ela disse:

- Eu quero dizer exatamente isso que você ouviu. Eu estou falando muito sério, Harry. Acabou. O nosso namoro acabou.

Finalmente, Harry caiu em si. Aquilo não era um sonho. Ele não iria acordar depois disso na sua cama. Não, aquilo era real... E ela estava terminando com ele! Terminando tudo, tudo o que passaram juntos! Ela estava abandonando-o, e isso era a dura realidade.

- Por quê? Por que você está fazendo isso, Gina? Eu te amo tanto...

- NÃO! – ela gritou numa voz muito aguda, o que fez Harry se sobressaltar. – Você não me ama! Ou não faria o que fez!

- Fazer o quê? Do que você está falando?

Ela abriu a boca, parecendo surpresa, mas não disse nada. Girou nos calcanhares, fazendo seus cabelos girarem também, e um pouco de água voou no rosto de Harry quando ela fez esse movimento, já que seus cabelos estavam molhados pela chuva, que não parava de cair. Aproximou-se um pouco do lago e, com uma voz profundamente magoada e decepcionada, falou:

- Eu não pensei que você fosse tão cínico, Harry. Você fez o que fez e ainda tem a coragem de mentir? De tentar me fazer de idiota? Eu pensava que você era diferente, mas agora vejo que estava enganada...

Harry ficou boquiaberto. Não era possível! Sim, ela estava enganada! Isso tudo era um grande equívoco, e ele iria esclarecê-lo!

- Espera um pouco, Gina... Eu não estou entendendo... O que você quer dizer? O que aconteceu para você me tratar assim?

Ela se virou para encará-lo e havia dor e mágoa nos seus olhos castanhos.

- Você vai fingir? Fingir que não fez aquilo? Não adianta, Harry, porque eu vi! Eu vi tudo! Eu vi quando... quando você... quando você beijou aquela garota!

- O quê? Do que você tá falando? Isso não faz sentido! Eu nunca beijei ninguém além de você!

Harry estava sendo mais do que sincero. Estava expondo toda a sua intimidade para ela. Nunca tinha contado à Gina, mas sim, ela fora sua primeira namorada, a primeira garota que beijara em toda a sua vida e a única...

- SEU MENTIROSO!

Gina não agüentou e começou a se debulhar em lágrimas, as quais se confundiam com a chuva grossa que caía sobre eles. Ela se ajoelhou no chão, enfiando as unhas nos cabelos e chorando descontroladamente. Harry, por sua vez, não sabia o que fazer. Não entendia o que estava acontecendo, mas queria desesperadamente ajudá-la. Aquilo tudo lhe doía tanto quanto devia estar doendo nela. Ele se aproximou e se ajoelhou ao seu lado, mas ela, percebendo que ele estava ali, se afastou, tirando a mão do rosto e olhando-o cheia de mágoa.

- Não chegue perto de mim!

- Gina, eu juro que não beijei ninguém além de você... Acredite em mim...

- Por que você fez isso, Harry? – ela parecia tê-lo ignorado. – E justo ela, justo aquela garota...

- Que garota? Gina, eu não sei o que isso significa, mas deve haver uma explicação...

- PARE DE FINGIR! Pare... pare de mentir... – a voz dela ia se esgotando, e os soluços dificultavam sua fala. Harry respirava em longos haustos, fazendo muito esforço para tentar controlar sua cabeça e entender aquela situação.

- Gina...

- Justo ela, Harry... Justo ela... Seria difícil se você fizesse isso com qualquer uma, mas justo com ela...

- Ela quem?

Gina o olhou bem no fundo dos olhos com muita raiva.

- E você ainda pergunta quem? Você beija Katherine Willians e ainda tem coragem de me fazer essa pergunta?

Novamente, Harry ficou estático. Isso não fazia sentido! Nenhum! Nas únicas vezes em que estivera com essa garota tudo o que aconteceu foram insultos e discussões, e ele nunca a beijaria! A única garota que ele queria no mundo era Gina, e nunca a trairia! Ele não tinha feito isso, não tinha...

- Eu não fiz isso, Gina! Eu nunca te trairia... Eu só quero você e mais ninguém... Acredite em mim, por favor...

Ele sentiu que os cantos dos seus olhos ficaram molhados e, por isso, fechou-os com força, tentando impedir que as lágrimas caíssem. Gina, porém, deixava as suas lágrimas rolarem livremente, assemelhando-se a uma cascata salgada de mágoa e ressentimento.

- Por que você não diz a verdade, Harry? Eu vi... eu vi tudo... pare de mentir...

Harry passou as mãos pelos cabelos, tentando pensar. Tinha que manter a calma e resolver isso. Ele não tinha beijado aquela garota e tinha que provar isso à Gina. Ele não fazia idéia de como ela pusera aquilo na sua cabeça, mas ele tinha que mostrar a verdade a ela.

- Gina, eu não fiz isso... Você está enganada...

- EU NÃO ESTOU ENGANADA! ERA VOCÊ, EU TENHO CERTEZA!

- Quando foi isso?

- Cínico... Pare com isso, Harry, fica cada vez pior...

- Gina, é importante! Quando você viu isso?

Ela virou o rosto novamente e fechou seus olhos. Respirava muito rápido e soluçava mais ainda. Quando Harry pensou que ela nunca responderia à sua pergunta, ela abriu os olhos e encarou vagamente o lago à sua frente. Com uma voz quase inaudível, disse:

- Ontem... de noite... aqui mesmo... no lago...

Foi como se uma onda de esperança arrebatasse Harry. Agora sim ele tinha uma chance de provar sua inocência à Gina. Sim, ele tinha como provar! E ele o faria. Nada nem ninguém os separaria, ele não iria permitir que isso acontecesse!

- Gina...

Ela continuou encarando o lago. Ele a segurou pelos ombros e forçou-a a se virar. As lágrimas ainda rolavam pela sua face, confundindo-se com a chuva. O olhar dela permanecia vago, e ela não dirigia-o a Harry.

- Gina, não tem como você ter me visto aqui nesse dia... Eu estava em outro lugar, eu posso te provar!

Ela continuava encarando o nada, como se aquilo que ele estivesse falando não significasse absolutamente nada.

- Você tem que me ouvir, Gina! Olha, eu estava no salão comunal nessa noite... Eu estava estudando História da Magia com o Rony e Mione, eles podem provar! Vamos até lá falar com eles! Eles vão te contar a verdade, eles vão dizer que eu estava com eles!

Como se fosse uma marionete inanimada, Gina permanecia impassível, ainda com o olhar vago, não demonstrando nenhuma emoção. Ela até parara de chorar, como se a fonte de suas lágrimas tivesse secado. Sentindo sua própria pulsação em suas têmporas, e os batimentos de seu coração mais acelerados do que nunca, Harry se levantou e puxou Gina pela mão, forçando-a a se levantar também. Contudo, ela permaneceu firme no chão e, devagar, soltou sua mão da dele.

- Mesmo que você esteja falando a verdade, Harry... Mesmo que eles possam confirmar o que você está dizendo, e que realmente você não tenha beijado aquela garota... – ela suspirou e continuou a falar com uma voz que era mais um sussurro. – Não adiantaria...

- Como não? – novamente o desespero começava a tomar conta de Harry. Como não adiantava se ele lhe provasse a verdade? Isso não importava para ela?

Ela virou a cabeça lentamente de um lado para o outro. Vagarosamente, ela se levantou e caminhou para mais perto do lago, ficando de costas para Harry. As gotas grossas de chuva caíam sobre a água, formando incessantemente grandes círculos sobre sua superfície. Gina ficou por alguns instantes que, para Harry, pareceram durar a eternidade, observando aquele constante gotejar dos pingos de chuva sobre a água.

No coração e na mente de Harry, tudo era confusão e desespero. Ainda permanecia, bem no fundo, a esperança de aquilo tudo fosse somente um pesadelo, um sonho ruim que iria acabar. Mas a parte racional de seu cérebro tentava alertá-lo da verdade, que aquilo realmente estava acontecendo, e que ele estava perdendo Gina... Sim, ele estava perdendo-a e não conseguia reverter isso, por mais esforços que fizesse...

- Não adianta, Harry. Talvez você esteja falando a verdade...

- EU ESTOU! – ele gritou desesperado. – Gina, pelo amor de Deus, acredite em mim... – uma lágrima teimosa tentou rolar pela sua face, mas ele pressionou as duas mãos no rosto, e a impediu. – Eu estou falando a verdade... Eu nunca te trairia... Eu só quero você, Gina, só você... Por que não acredita em mim? Você me ensinou a amar, você me fez me apaixonar por você... Eu aprendi a te amar, e eu sinto que não conseguiria viver sem você! Eu te amo, por que não acredita em mim?

Foi difícil dizer aquilo, de certa maneira. Harry sempre sentira que era arriscado expor seus sentimentos, fosse para qualquer um, não importava quem. Havia um bloqueio nele, uma couraça que o impedia de dizer tudo o que vinha dentro de si, verdadeiramente. Ele podia dizer um pouco do que sentia, mas tudo... tudo ele nunca conseguiu dizer... Era como se fosse uma proteção que construíra ao seu redor para não sofrer. Tantas coisas já o fizeram sofrer de alguma maneira, que ele temia, sim, temia, que se revelasse todos os seus sentimentos dessa maneira, sofreria ainda mais. Mas agora ele sentiu que era necessário, que ele precisava dizer tudo aquilo para Gina, sem esconder absolutamente nada. Era a primeira vez que fazia isso, que dizia tudo o que vinha de dentro dele. Era como se o desespero tivesse empurrado todos aqueles sentimentos para fora de sua boca na forma de palavras. Mas ele nunca poderia esperar que a resposta de Gina à toda a sua sinceridade fossem aquelas palavras, que ficariam guardadas na sua memória para sempre:

- Acontece, Harry, que... – parecia que era difícil dizer essas palavras, mas ela persistiu. – Ah, eu sinto tanto, Harry... Eu não sei se um dia você vai me perdoar... me desculpe... Me desculpe, mas eu... Eu não te amo...

Harry não pôde dizer nada depois que ouviu isso. Foi como se sua mente tivesse esvaziado, e a única coisa que ainda permanecesse nela fosse a voz de Gina dizendo: "Eu não te amo... Eu não te amo... Eu não te amo...". Essa frase martelava na sua cabeça repetidamente, uma, duas, três, milhares de vezes. Ele não conseguia pensar em mais nada, não conseguia ver Gina olhando-o, não mais com raiva ou mágoa, mas com pena, com dó dele... Ele não se importou em secar as lágrimas que finalmente rolavam soltas pelo seu rosto já molhado pela chuva. Uma lágrima após a outra, ela iam descendo e descendo pela sua face, uma ou outra entrando na sua boca ligeiramente aberta pelo que tinha ouvido. Ele não conseguia se mexer, não conseguia falar, não conseguia pensar... Ele só ouvia aquela frase, como se sua cabeça fosse um gravador e ficasse repetindo aquelas mesmas palavras, uma vez atrás da outra.

"Eu não te amo... Eu não te amo... Eu não te amo..."

- Harry... – a voz de Gina, distante, soava.

Como resposta a ela, ele apenas fechou os olhos, sentindo que mais lágrimas rolaram pelo seu rosto depois disso. Finalmente conseguindo se mexer, ele enterrou as mãos nos cabelos molhados pela chuva, e lentamente se virou, praticamente se arrastando até que encontrou aquela árvore, aquela árvore que agora era apenas uma lembrança distante de um tempo feliz. Ele tirou as mãos dos cabelos e as apoiou no tronco da árvore, inclinando seu corpo mais para frente até que sua testa também encostou no tronco gelado e molhado da planta. As lágrimas continuavam a rolar pelo seu rosto cada vez que a frase "Eu não te amo" era repetida em sua mente transtornada pelo sofrimento.

- Harry... – novamente a voz dela soou distante atrás dele. – Por favor, tente me escutar e entender...

Ele não respondeu, não disse nada. Vagamente, ficou ouvindo as palavras dela, como se viessem de um lugar muito longe do abismo em que ele mergulhara naquele momento. Com a voz trêmula, mas determinada, ela continuou a falar:

- Eu sei que não fui honesta com você, Harry... Eu devia ter te contado antes, mas eu não consegui! Eu tinha medo de estar errada, mas eu não estava. Eu sei que não estava e não estou.

"Harry, eu sempre soube que você era muito especial para mim. Desde a primeira vez que eu te vi, eu gostei de você de uma maneira diferente... Não era do mesmo jeito que eu gostava dos meus irmãos, era diferente. Mas você nunca me notou, nunca percebeu que eu existia. Eu sei que para você eu sempre fui a irmãzinha do seu melhor amigo. E eu nunca tive coragem de me aproximar de você. Eu me anulei, anulei minha vida e meus sentimentos por causa da minha covardia... Para mim, você estava distante demais, você era só um sonho bom, mas que eu nunca realizaria..."

"Mas então, você deu me deu uma chance! Você me notou, você me aceitou do jeito que eu sou! Por muito tempo eu não acreditei, eu sempre achava que aquilo era um sonho, mais um dos meus sonhos... Mas não era! E quando eu percebi isso, eu tive certeza que te amava. Sim, eu te amava! Esse era o meu pensamento. Durante muito tempo eu pensei nisso, eu tive essa certeza! Mas a verdade é que eu ainda era muito imatura para perceber o que realmente é amar... O que é o amor..."

"Com o tempo, eu pude notar que o que eu sinto por você não pode ser chamado de amor. Não o amor entre um homem e uma mulher... Eu te amo de outra forma, Harry, mas não é o que exatamente se chama por amor. Não, é outra coisa. Eu sei que é. A verdade, Harry, é que desde que o nosso namoro começou a ficar mais sério, mais intenso, eu percebi isso. Quando você me beija, Harry, eu não me sinto completa como deveria... Eu, no começo, achei que fosse besteira minha, inexperiência, incompreensão, mas vejo que não é. Harry, eu não sinto tudo o que deveria sentir por você."

"Todas essas vezes em que eu parecia estranha... sim, eu sei que você devia pensar isso, porque eu realmente estava. Todas essas vezes, Harry, eu percebia, a cada dia, que não era isso! Não era isso que eu queria e não era isso que você merecia! Harry, você merece alguém que te ame por inteiro, não alguém que tenha... se iludido e te iludido... Eu fiz isso, Harry. Eu iludi nós dois, tudo foi uma ilusão. Eu acho que, na verdade, eu me impressionei por você. Por quem você representa e, mais tarde, pela pessoa que você é. Harry, você sempre me pareceu uma pessoa inatingível e inalcançável, e eu fiquei deslumbrada quando percebi que você poderia ser uma pessoa diferente disso. Alguém com sentimentos tão comuns quanto os meus, alguém que eu poderia atingir, na verdade. Quando você me aceitou e me deu uma chance, eu fiquei totalmente surpresa e deslumbrada! Nós começamos a namorar e eu alimentei essa relação, pensando que o que sentia e sinto por você era amor, mas não é, Harry, não é!"

- Eu te decepcionei, não foi? – Harry finalmente encontrou sua voz e forças para falar. Finalmente ele estava voltando a pensar, e a sua cabeça ficava mais confusa a cada palavra que Gina dizia. – Você fez uma imagem de mim, e eu te decepcionei...

- Não! – ela respondeu em desespero, como se fosse muito importante frisar aquilo. – Não, Harry, não! Você não me decepcionou... Você é tudo que eu poderia querer, tudo que alguém pode querer, e é por isso que nós não podemos mais ficar juntos! O amor que eu posso te oferecer não é o bastante, Harry, não é tudo que você merece. Olha, depois de tudo o que você fez, de tudo que você falou, eu acredito em você, acredito que você não seria capaz de me trair... Eu é que tenho que pedir desculpas a você. Eu te enganei por tanto tempo, fingindo um amor que eu não sentia e não tendo coragem de te contar a verdade e, pior, eu, de certa forma, aproveitei o que vi, o que achava ter visto para acabar com tudo! Eu tentei me enganar pensando que você realmente me traiu para eu me desligar de você, sendo que eu já estava desligada há muito tempo! Eu te enganei, Harry. Eu enganei a mim mesma... Nós nos enganamos. Harry, se você pensar bem, você também não me ama...

Harry se virou bruscamente para olhá-la. A sua visão estava inteiramente turva por causa das lágrimas e da chuva, mas ele não se importou. O que Gina acabara de dizer, de certa forma, o despertara do estado de torpor em que se achava anteriormente.

- Como você pode dizer isso com tanta certeza? Como pode afirmar que eu não te amo? Você não está aqui dentro para saber o que eu sinto! – ele bateu a mão no peito, bem no lugar do coração. – Você não sabe, você não entende. Nem você, nem ninguém, entendeu, entende ou entenderá algum dia o que se passa dentro de mim! Por que você não pára de inventar histórias e fala a verdade, Gina? – ela permaneceu com a boca aberta, porém, sem dizer nada. – Fale a verdade. Diga que você nunca acreditou em mim, no meu amor por você. Ninguém nunca acreditou! Meu Deus, quantas vezes eu vou ter que repetir? Eu sei que errei com você, Gina. Eu sempre me preocupei demais com meus próprios problemas para notar que você gostava de mim, mas um dia eu notei, não foi? Você acha que foi tarde? Ou você acha que eu comecei a namorar com você por pena? Não foi nenhum dos dois, Gina. Eu percebi que você poderia ser uma pessoa diferente do que eu imaginava, e percebi que poderia dar uma chance, não a você, nem a mim, mas a nós dois! E eu aprendi a te amar, Gina, a amar como nunca amei ninguém na minha vida! Eu admito que sempre tive uma certa dificuldade para entender o amor, porque só depois de muitos anos da minha vida eu soube o que a palavra "carinho" significava, mas eu aprendi! E o que eu sinto por você é diferente de qualquer coisa que já tenha sentido por qualquer outra pessoa! Eu nunca tinha sentido isso, Gina, essa sensação de estar tão bem perto de você, de querer sempre estar ao seu lado, de me sentir feliz e completo com você. Ninguém nunca me fez sentir assim, só você! Quantas vezes eu vou ter que repetir isso? Eu te amo, Gina! Você não entende isso?

Ela fechou os olhos, deixando que mais lágrimas rolassem por sua face. Virou a cabeça de um lado para o outro, para depois abrir os olhos novamente e dizer:

- Quem não entende é você, Harry. Você também está se iludindo, se enganando! E é culpa minha isso. Eu fiquei alimentando a nossa relação ao invés de falar a verdade, para que nós dois percebêssemos! O que há entre nós, Harry, não é amor! Pode ser carinho, respeito, admiração, amizade... Mas não é amor! Amor... amor é outra coisa!

Sentindo a visão mais turva do que nunca por causa das lágrimas, e a cabeça um rodamoinho de pensamentos e sentimentos, Harry respirou fundo, sentindo o nariz entupido pelo choro, antes de perguntar:

- Você se cansou de mim, Gina? Você percebeu que há garotos mais interessantes do que eu?

- NÃO! Não, Harry... Ah, por que você não entende? Eu não quero mais te enganar, Harry! Eu não posso mais alimentar um sentimento que não existe! Eu não posso mais fingir que te amo! Harry, quando você vai perceber que isso é o melhor para nós dois? Você também não pode permanecer assim, você vai ter que aceitar isso! E você vai entender, eu tenho certeza, um dia você vai entender que isso é o certo. Você vai entender que também não me ama, e que o certo é acabarmos logo com isso antes que nos machuquemos...

- EU JÁ ESTOU MACHUCADO! – ela se encolheu, e lágrimas rolaram ao ouvir o tom dele. Havia mágoa e dor na voz de Harry. Havia mais que isso, havia rancor. – Eu já estou machucado, Gina, você está me machucando! Você está abrindo uma ferida na minha alma que nunca cicatrizará...

Ela fechou os olhos, e mais lágrimas rolaram pelo seu rosto. Harry também sentia as lágrimas rolarem pela sua face e se misturarem às gotas geladas da chuva insistente que não parava de cair, uma chuva tão insistente quanto Gina e seus argumentos sem sentido...

- Não adianta, Harry... Você não está pronto para entender... Mas você vai ter que aceitar que eu não posso mais estar com você sem te amar como deveria. Eu não posso mais fazer isso, está além das minhas forças. Por mais que eu goste de você, Harry, não te ame, mas goste de você, não posso fazer isso. Eu sei que está sofrendo e que isso vai ser doloroso, mas acredite, está sendo doloroso para mim também. Eu não queria que fosse assim, eu queria que você entendesse... Mas não dá, você não vai conseguir ainda. Mas eu não posso continuar a fingir, eu não quero mais mentir! Eu não quero mais me sentir culpada por não te amar! Eu não consigo... Eu não quero... Eu sinto muito, Harry, mas como eu já disse antes, terminou.

Harry escutou tudo aquilo sem olhar nos olhos dela. Ficou apenas encarando vagamente o nada. Depois que ela terminou, ele não disse nada. Era como se suas cordas vocais estivessem travadas, e sua mente estivesse apenas tentando absorver todas aquelas palavras duras. Vagamente, notou que Gina, ao perceber que ele não iria falar mais nada, se abaixou para pegar seu material, agora totalmente encharcado, e depois se levantou novamente. Ele pôde perceber que ela o olhou com pena antes de dar-lhe as costas e começar a ir embora. Porém, antes que ela fosse embora, ele disse, como uma voz amarga e carregada de mágoa:

- Você não está sofrendo mais do que eu. Isso é impossível. E você nunca vai entender o quanto eu te amo. Você nunca vai compreender o quanto me fez sofrer negando isso.

Ela não respondeu nada, e ele pôde escutar o barulho das poças de água sendo pisadas por ela enquanto se afastava. Por alguns minutos, Harry permaneceu parado no mesmo lugar, apenas sentindo sua dor e a chuva, que ainda caía sobre ele sem parar.

Harry deu alguns passos à frente, sentindo seus sapatos molhados pisando nas poças d'água e as gotas de chuva caindo sobre seu corpo. Quando chegou na beira do lago, ele se largou, deixando-se cair de joelhos no chão. Foi como se o seu corpo se paralisasse por completo. As suas mãos ficaram largadas ao lado de suas pernas, e ele não conseguia sair daquele posição que se encontrava: ajoelhado, olhando, sem ver, o lago à sua frente. As inúmeras gotas grossas ainda caíam sobre a superfície da água, formando aqueles grandes círculos. O barulho ensurdecedor da chuva caindo sobre a água e sobre a relva invadia seus ouvidos, e o cheiro de terra molhada penetrava em suas narinas embriagando-o e deixando tonto. As lágrimas quentes rolavam pelo seu rosto sem parar, e elas entravam pela sua boca aberta, fazendo-o sentir o gosto salgado delas, que não era mais amargo do que ele estava sentindo. As mesmas gotas grossas que molhavam a grama também o molhavam; gotas geladas que refletiam o que se passava dentro do seu coração.

Era como se uma pedra de gelo tivesse se instalado ali. Como se as gotas geladas da chuva tivessem virado gelo e entrado no seu coração. A sua boca estava amarga, tão amarga como ele estava se sentindo. Todas aquelas palavras ouvidas há pouco ainda martelavam na sua cabeça sem parar, sem trégua; elas pareciam não ter o mínimo de pena dele, e continuavam a atormentá-lo, como se não fossem parar nunca. Cada uma delas fazia seu coração doer mais e mais, e se endurecer. Cada lágrima que caía era um grito desesperado e silencioso de sua alma, que queria berrar o quanto estava sufocada por todos aqueles sentimentos dolorosos que o invadiam e o dilaceravam sem piedade. A sua cabeça girava e girava, igual a um rodamoinho de pensamentos confusos e desconexos, e ela doía, mas não mais que seu coração. Ele estava em pedaços, em cacos minúsculos que ele acreditava que nunca mais se juntariam...

Nunca poderia precisar por quanto tempo permaneceu ali. Minutos? Horas? Não saberia dizer. A sua cabeça doía tanto e estava tão confusa, que ele nunca poderia dizer por quanto tempo durou aquilo. Ele só sentia as gotas da chuva gelada, as lágrimas quentes, a dor da perda, a incompreensão e a tristeza. O seu mundo tinha ruído, e ele não fazia a mínima idéia de como reconstruí-lo. Nunca sequer imaginara que poderia ficar assim por uma pessoa. Por uma única pessoa.

Era quase inacreditável o que estava sentindo e, principalmente, o que tinha acontecido. Ainda era difícil compreender todas aquelas palavras... "Eu não te amo." Sim, essa era a única frase que conseguia entender. Ela não o amava. Tudo por que passaram foi somente uma ilusão? Um sonho? Não sabia dizer... Só sabia que o que estava acontecendo agora era um pesadelo e ele queria acordar... mas sabia que era impossível.

A partir daquele momento não somente sua vida iria mudar.

Ele também mudaria.

A noite já estava alta quando Harry ouviu passos perto de si. Era quase como se a terra estivesse tremendo à aproximação do quê, ou de quem quer que fosse. Ele não se importava. Não se importava com mais nada para falar a verdade.

A chuva não desistira de cair. Parecia que nunca acabaria. Harry ainda sentia vagamente as gotas grossas e geladas caírem na sua face, nos seus cabelos e no resto do seu corpo. Tantas gotas já tinham caído, e ele estava tão molhado, que era como se seu corpo estivesse dormente e quase não sentisse as outras inúmeras gotas que ainda caíam. Mas, diferente de antes, ele não sentia mais as lágrimas rolarem, porque cansara de chorar.

Os passos continuavam, sempre se aproximando mais e mais. Harry podia escutar o barulho de água sendo pisada por algo muito grande e pesado. A terra realmente tremia agora. Passados mais alguns minutos, ou segundos, pois era difícil precisar qualquer intervalo de tempo, uma voz grossa e ressonante se fez ouvir:

- Quem está aí?

Harry não respondeu. Não queria que o vissem ali, mas também não tinha ânimo para sair. Queria mesmo era ficar sozinho e torcia, bem no seu íntimo, para que quem quer que fosse, desse meia volta e fosse embora.

Mas a pessoa não fez isso. Pelo contrário, ela se aproximou mais e, quando a voz soou novamente, dava a impressão de que a pessoa estava bem atrás dele:

- Harry?

Era estranho, mas em um canto distante de seu cérebro Harry achava ter reconhecido aquela voz. Mas ele estava tão tonto e desorientado, que nem ao menos se virou para ver quem era. A pessoa se pôs na frente dele e se abaixou.

- O que está fazendo aqui na chuva, Harry?

Fosse quem fosse, parecia preocupado. Harry finalmente forçou-se a levantar a cabeça e, por detrás de sua visão turva e das lentes molhadas dos seus óculos, ele pôde ver a grande figura de Hagrid, agachado à sua frente, vestindo seu velho casaco de pele de topeira e com uma expressão muito preocupada estampada no rosto por detrás da enorme barba negra.

Harry novamente abaixou a cabeça e não disse nada. Estava ainda tão sem rumo, que não conseguiu formular nenhum pensamento sobre o que Hagrid estava fazendo ali ou como o achou. Nem ao menos conseguiu dizer a ele que queria ficar sozinho. Enquanto tirava o casaco das costas, Hagrid disse com uma voz semelhante à de um pai preocupado:

- Vamos, Harry, levante daí, você vai acabar ficando doente se não sair dessa chuva!

- Eu nunca fico doente. – Harry se ouviu dizer, com uma voz que não parecia a sua.

- Sempre pode haver uma primeira vez! – o amigo respondeu severo, e logo Harry se viu coberto pelo pesado casaco de pele de toupeira. Hagrid se levantou logo depois e começou a puxar fortemente o rapaz pelo braço. – Vamos, Harry! Você não pode ficar aqui nessa chuva!

- Hagrid, eu quero ficar sozin...

- Você não tem querer, Harry! – ele cortou, dando um forte puxão em Harry que o obrigou a se levantar. – Eu não vou deixar você aqui nessa chuva de jeito nenhum!

Sem nenhuma opção, Harry foi forçado a se levantar e caminhar, já que Hagrid praticamente estava empurrando-o à frente. Depois de um tempo, o rapaz passou a não se importar mais e deixou-se levar, as pernas caminhando sozinhas para onde quer que estivessem indo. Vagamente, Harry ouviu as palavras de Hagrid pelo caminho, mas não respondeu a nenhuma delas. Talvez por isso o amigo, depois de um certo tempo, tenha começado a resmungar ao invés de fazer perguntas. Mais uma vez, Harry não se importou.

Os dois chegaram até a cabana do guarda-caça, que abriu a porta e fez Harry entrar por ela. Ainda se podia ouvir o forte barulho da chuva e do vento antes que Hagrid fechasse a porta. Ele conduziu Harry até um grande sofá, onde o sentou e disse logo após:

- Você fica aí quietinho, Harry. Eu vou buscar algo quente para você.

Ele saiu pisando duro, e Harry permaneceu ali, encolhendo-se ligeiramente por debaixo do casaco, finalmente sentindo o frio que fazia e como seu corpo estava gelado. A água pingava em grandes gotas do seu cabelo, caindo no tapete formando grandes marcas molhadas no chão. Foi difícil para Harry formular pensamentos coerentes, mas ele conseguiu perceber que estava na cabana de Hagrid, e que o amigo estava cuidando dele. Mas não conseguiu pensar em mais nada depois disso, porque logo as lembranças do que tinha acontecido antes voltaram frescas em sua memória. Harry fechou os olhos com força, tentando em vão não pensar nisso. A sua sorte foi que Hagrid tinha voltado com o chá, e Harry abriu os olhos ao ouvir seus passos pesados.

- Tome, vai te fazer bem.

Harry aceitou a xícara grande e fumegante que o amigo lhe oferecia. Hagrid foi até a lareira acesa e colocou mais alguns galhos de árvore para que o fogo aumentasse. Depois, ele se aproximou novamente de Harry, e puxou uma cadeira, que colocou com as costas para frente, sentando-se com os braços apoiados no encosto, olhando para o rapaz à sua frente. Hagrid sorriu ligeiramente e brincou:

- Pode beber o chá. Eu não envenenei não.

Harry sorriria se não estivesse tão chateado. Aos poucos, começou a tomar o chá, que, estranhamente, o fazia se sentir bem mais consciente, reconfortado e aquecido. Sua mente parecia menos turva quando Hagrid voltou a falar:

- E então? Você vai me contar por que estava sozinho na chuva?

O rapaz levantou os olhos e encarou Hagrid. Ele tinha aquele olhar doce por detrás do seu rosto aparentemente embrutecido. Harry conhecia-o há tanto tempo, mas nunca deixara de se surpreender no quanto Hagrid poderia ser contraditório para quem o visse pela primeira vez: por fora, ele parecia bruto e selvagem, mas por dentro ele sempre fora doce e amável. Sim, esse era o Hagrid que conhecia.

- Você faz mesmo questão de saber?

- Ora, depois de te encontrar daquele jeito, você acha mesmo que eu não ia perguntar o porquê? Mas se você não quiser contar, eu vou entender...

Harry olhou para o amigo à sua frente. Sim, precisava contar a ele, precisava dizer a alguém ou ficaria sufocado por tudo que tinha acontecido. Bebeu mais um grande gole de chá antes de dizer:

- Ela terminou comigo...

- Gina? – era quase uma confirmação.

- Sim. Acabou, Hagrid. Ela acabou com tudo...

Hagrid suspirou.

- Você quer falar sobre isso?

Por alguns instantes, Harry encarou o meio-gigante. Ele, por sua vez, mantinha um olhar preocupado e que também demonstrava uma certa pena. Sem pensar direito, Harry começou a falar. Contou tudo, desde quando Gina começou a ficar estranha com ele, até o momento em que ela o deixou desolado na beira do lago. De certa forma, foi bom contar tudo aquilo. Harry sentiu como se algo ruim estivesse se desprendendo dele, algo que não o deixava pensar ou até mesmo respirar direito. Hagrid não disse nada durante todo o tempo, apenas ficou prestando o máximo de atenção às palavras de Harry. Quando o rapaz terminou, o chá jazia esquecido e frio em uma mesa ao seu lado, e até mesmo o seu cabelo encharcado parecia estar mais seco.

- Como você está se sentindo? – Hagrid perguntou com preocupação.

Harry respirou fundo e soltou o ar longamente pela boca.

- Arrasado.

Hagrid passou a mão enorme na cabeça de Harry com um carinho de pai.

- Eu não gosto de te ver assim, Harry...

- E como você quer que eu me sinta?

- Você tem que entender, Harry, que Gina deve ter seus motivos para ter feito isso e que talvez...

- NÃO! – Harry respondeu enérgico e categórico. – Ela não podia ter feito isso comigo, Hagrid! Ela nem pensou em mim!

- Talvez ela tenha pensado mais em você do que pensa... – Hagrid ponderou.

Harry recostou no sofá, sentindo-se extremamente cansado. Repousou a cabeça no encosto e fechou os olhos. Finalmente a sua dor de cabeça parecia estar melhorando, mas o seu corpo parecia moído pela exaustão.

- Ela disse que não me ama. Disse isso com todas as letras na minha cara. Como pode ter pensado em mim desse jeito?

- Você preferiria que ela mentisse, então? Que não fosse verdadeira com você?

Harry abriu um olho para ver o amigo. Hagrid o encarava esperando uma resposta.

- Às vezes é melhor não ouvir a verdade.

- Dói muito mais quando você a descobre sozinho, Harry, acredite...

Ele novamente fechou os olhos e não respondeu. Começou a sentir a cabeça pesada e sua vontade era deitar. As suas pálpebras não respondiam mais ao comando de "abrir" do cérebro.

- Com o tempo você vai entender, Harry... E vai passar o que você está sentindo...

- Duvido.

- Eu te garanto.

Harry começou a escorregar pelo sofá, ainda com olhos fechados e sentindo cada vez mais seu cansaço físico e mental. Devagar, ele acabou por encostar a cabeça e deitar. Não ouviu Hagrid dizer mais nada. Vagamente, ouviu o som de uma cadeira sendo arrastada e passos. Passado algum tempo, sentiu sua cabeça sendo levantada. Abriu um pouco os olhos. Hagrid estava colocando um travesseiro debaixo da cabeça dele.

- Você acha que tem volta, Hagrid?

O amigo tirou o casaco de cima de Harry e colocou um cobertor no seu lugar.

- O namoro de vocês?

- É...

- Você tem que pensar em si mesmo primeiro, Harry. Não adianta ficar remoendo coisas que não voltam mais.

Harry fechou os olhos.

- Então você acha que acabou mesmo.

- Eu não sei o futuro, Harry. Mas sei que devemos amar nós mesmos em primeiro lugar, senão não há como amar os outros.

Ele não respondeu nada. Sentiu Hagrid bagunçar ainda mais seu cabelo já bagunçado. Novamente os passos pesados do amigo.

- Hagrid?

Harry abriu um olho e viu quando o amigo parou e se virou para olhá-lo.

- Obrigado.

Hagrid sorriu e apagou a luz usando o seu guarda-chuva. Harry fechou os olhos e finalmente se deixou adormecer, vencido pelo cansaço.

A luz do sol matinal invadiu seus olhos. Ele se virou, sentindo-se ligeiramente desconfortável. Virou-se umas duas ou três vezes, mas não conseguiu achar uma posição agradável. Finalmente se deu por vencido e abriu os olhos, sentando-se logo depois.

Ainda um pouco tonto, Harry demorou alguns minutos para se localizar. Logo percebeu porque estava se sentindo descadeirado: tinha dormido em um sofá, mas que sofá mesmo? Estreitou os olhos tentando enxergar; estava sem óculos...

Tateou pelos lados do sofá e encontrou as benditas lentes em uma mesinha ao lado. Rapidamente as colocou no rosto e, dessa forma, pôde observar a cabana do Hagrid e finalmente lembrar dos acontecimentos do dia anterior.

Hagrid o tinha levado para sua cabana, e ele acabara dormindo por lá mesmo. Tinha ficado muito tempo na chuva, no lago... Droga, não queria lembrar o que tinha acontecido antes, mas foi inevitável; tudo isso porque... Gina terminara com ele...

Não! Não queria ficar lembrando isso! Levantou de um ímpeto do sofá e olhou ao redor. Não tinha ninguém ali. Foi então que ouviu o som de... roncos? E eram altos! Começou a se guiar por eles.

Seguindo o som, achou um quarto, com uma enorme cama, e Hagrid estava deitado nela. O amigo estava jogado na cama, com os braços abertos, assim como sua boca. O peito subia e descia, e a cada movimento, um alto ronco podia ser ouvido. Harry quase sorriu. Realmente não via outro jeito que não fosse esse de Hagrid dormir...

Deu meia volta e foi ao banheiro. Depois de tantas vezes que visitara essa cabana, já sabia de cor onde tudo ficava. Como tudo ali, o banheiro era enorme, e Harry precisou ficar na ponta dos pés para poder se ver no espelho da pia. Quando conseguiu, ficou encarando por alguns minutos o seu rosto. Estava pálido. Realmente estava muito pálido. Os seus cabelos estavam mais desalinhados do que de costume e, apesar de ter tentado ajeitá-los umas duas ou três vezes, não obteve sucesso. Seus olhos estavam caídos e, para completar o quadro lamentável, havia olheiras fundas ao redor deles.

Harry suspirou e abaixou o rosto, apoiando as mãos na pia. Olhar aquele seu reflexo no espelho o deprimia ainda mais. Mostrava o quão no fundo do poço ele se encontrava. No fundo do poço? Podia até ser exagero, mas era assim que ele se sentia. No fundo do poço.

Retirou os óculos e levou as mãos ao rosto, esfregando os olhos com força. Abriu a torneira, ouvindo o som da água caindo, e juntou as mãos, pegando um punhado de água para banhar o rosto. Fechou a torneira e, lentamente, levantou o rosto e olhou-se novamente ao espelho. A água escorria pela sua face, acentuando sua palidez e as olheiras. Suspirou novamente e levou os óculos aos olhos.

Deu as costas ao espelho, decidindo-se não mais encarar sua imagem deprimente nele. Por algum tempo ficou ali, de pé, olhando para a parede sem vê-la, sua mente vagando sozinha, quase como que se não fosse preenchida por pensamento algum. Qualquer lembrança era expelida de sua cabeça em uma atitude quase de defesa, para não remoer o que tinha acontecido. Tomado, de ímpeto, por uma decisão, saiu do banheiro e se dirigiu novamente ao quarto de Hagrid.

O amigo ainda dormia (e roncava) a sono solto. Não poderia acordá-lo, mas também... não poderia ir embora sem deixar nenhuma satisfação, afinal, o amigo o ajudara muito na noite anterior. Harry atravessou o quarto, tomando cuidado para não fazer barulho, e achou, em cima de uma escrivaninha, um pedaço velho de pergaminho e uma pena. Era exatamente do que precisava. Molhando a pena em um tinteiro que achou no mesmo lugar, escreveu essas poucas linhas:

Obrigado por tudo e desculpe o mau jeito.

Você é um grande amigo, Hagrid.

Harry

Depois de escrever essas palavras, reparou que a sua letra estava ligeiramente tremida. Efeito da noite anterior. Tudo era efeito disso... Mas dava para entender, era o que importava. Deixou o recado, com cuidado para não acordar o amigo, em uma mão aberta dele, fechando-a em seguida. Hagrid se mexeu na cama, mas não acordou. Quase na ponta dos pés, Harry saiu do quarto e encostou a porta atrás de si.

O dia estava nublado quando Harry deixou a cabana do guarda-caça de Hogwarts. Podia-se, ainda, sentir o cheiro de terra molhada e o silêncio que reinava nos jardins da escola. Várias poças d'água estavam espalhadas pelo chão, resquícios da chuva da noite anterior. Não havia pios de coruja, nem o som de qualquer outro animal. Vez que outra o farfalhar das folhas nas copas das árvores, nada mais. Essa atmosfera silenciosa só fazia Harry se sentir mais solitário. Decidiu caminhar e deixar suas pernas o conduzirem para aonde queriam.

As suas pernas o levaram até o castelo e, para seu alívio, não encontrou nada nem ninguém no caminho pelo jardim. Deveria ser bem cedo ainda, ou então, cedo para um sábado. Sim, era um sábado e ele quase tinha se esquecido disso. Geralmente gostava dos sábados, mas esse se apresentava nublado, feio e doloroso. Talvez passasse a gostar de outro dia da semana depois disso, ou talvez, não que isso passasse pela sua cabeça naquele momento, esquecesse essa besteira de dias e não lembrasse mais que tudo acontecera de uma sexta para um sábado.

Que viagem, realmente a cabeça do ser humano é algo que não pode ser explicado e muito menos entendido. Ficar pensando em uma besteira dessas em uma hora como aquela? Chegara a uma conclusão: realmente estava com problemas para que seu pensamento vagasse para coisas como essa. Melhor do que pensar nos recentes acontecimentos...

Subiu a escadaria de mármore e empurrou o grosso portão de carvalho, que rangeu longamente. Não havia ninguém no saguão de entrada. Entrou e novamente encostou o portão, fechando-o.

Havia um silêncio quase assustador no local. Nenhum som, nenhum ruído, nem mesmo o som dos elfos domésticos fazendo a faxina matinal. Absolutamente nada. Todo esse silêncio dava a difícil sensação de completa solidão. Era quase como se Harry fosse o único ser vivo naquele imenso castelo. Óbvio que isso era besteira, mas ele se sentia assim. Porém, ele pensou enquanto subia a escadaria para o primeiro andar, era melhor dessa forma; não havia ninguém para importuná-lo, ninguém para lhe fazer perguntas que não queria responder. Não queria mesmo encontrar ninguém. Aproveitaria a calmaria do castelo para subir direto para a torre da Grifinória, ir para o seu dormitório e se enfiar nas cobertas, para ficar lá o dia inteiro. Não estava nem um pouco a fim de ver, muito menos falar, com quem quer que fosse.

No entanto, o seu desejo foi por água a baixo dali a poucos minutos, mais precisamente quando ele se encontrava no terceiro andar. Ouviu um som estranho vindo do corredor que levava às salas de aula, olhou para o local, mas, como não viu nada, resolveu continuar seu caminho. Porém, quando se virou quase esbarrou em alguém parado ao seu lado e foi por pouco que não soltou uma exclamação de susto ao ver quem era. Ninguém menos do que a Profª. Samantha Stevens.

- Olá, Harry. – ela disse com um sorriso nos lábios que não chegava a seus olhos.

- Oi, professora. – ele respondeu muito rápido, ainda um pouco desnorteado pelo susto. Ainda não conseguia entender como ela apareceu ali; em uma hora não estava, mas na outra... Parecia até um fantasma!

Talvez ela tivesse notado a cara assustada do rapaz, porque brincou, ainda sorrindo daquele jeito esquisito e nunca arrancando os olhos azuis dos verdes dele:

- Que cara é essa? Parece que viu uma assombração...

- Não! – ele novamente respondeu muito rápido. Não entendia como a simples presença daquela mulher podia afetá-lo tanto. Ela o embaraçava, o confundia e o colocava fora de si... – Eu só... só me assustei com a senhora... Não vi de onde apareceu...

- "Senhora"? – ela desconversou e, pela primeira vez, desviou o olhar e girou nos calcanhares. Foi nessa hora que Harry notou: ela não estava como das outras vezes, tão bem composta e arrumada. Na verdade, ela até parecia... ligeiramente descabelada... Mas não se podia esquecer que era ainda de manhã, ela poderia ter acordado naquele momento... Se bem que não fazia o gênero dela se apresentar dessa maneira, mesmo pela manhã...

Ela riu ligeiramente e, segurando as mãos nas costas, deu uma volta completa em torno de si mesma, olhando do teto ao chão. Era esquisito, mas Harry tinha a impressão de que ela não estava sendo natural. Poderia até dizer que ela estava dissimulando algo...

- Quantas vezes terei que dizer para não me chamar de "senhora"? – ela perguntou, novamente fixando profundamente seus olhos nos dele. – Eu pareço tão velha assim para você?

Harry deixou seu queixo cair pela pergunta e, sem poder se conter, olhou para ela. Não era exagero quando muitos garotos de Hogwarts elogiavam as várias "qualidades" da professora. Ela novamente usava um de seus inúmeros vestidos negros, mas esse era especialmente provocante, um vestido que obviamente não era para ser usado pela manhã, o que levava à certeza de ela não ter acordado naquele momento. Era um vestido de cetim colado ao corpo, com um ousado decote e uma fenda na barra, que deixava à mostra as pernas alvas da mulher. Realmente Harry não poderia dizer que ela era velha, e se fosse, era muito bem conservada. Não era à toa que Sirius tivera tão grande paixão por ela na juventude; se ela era assim mais velha, o rapaz só ficava imaginando como deveria ser quando jovem...

Estranhamente, ela não se importou nem um pouco em Harry tê-la "analisado" tão minuciosamente. Pelo contrário, ela parecia até estar se divertindo com isso. Seu sorriso era largo e, dessa vez, chegava aos olhos. Era quase como se ela estivesse se deliciando com aquilo. Harry, por uns instantes, quase se esqueceu de onde estava e o que estava fazendo. Quando voltou a si, ficou um pouco sem jeito e, não encarando os olhos dela, disse encabulado:

- Não... A senhora não parece velha para mim...

- Então por que ainda me chama de "senhora"? – ela perguntou como se fosse algo banal.

- Porque a senhora é uma professora e...

- E eu estou te pedindo... – o tom dela não era de um "pedido". - ...que não me chame mais assim. Quando estivermos a sós... – era impressão, ou ela tinha frisado a expressão "a sós"? - ...não precisa me chamar desse jeito. Chame-me apenas de você, ou de Samantha, se preferir...

Harry levantou os olhos para ela, e viu aquele brilho característico no azul profundo das pupilas da mulher. Um pouco menos desembaraçado, ele respondeu no mesmo tom que ela utilizava:

- Como preferir... Samantha...

Era estranho dizer o nome dela, mas ele não se importou. Se ela queria assim, quem era ele para dizer o contrário? Ou talvez ele não quisesse dizer o contrário...

Ela alargou o sorriso e cruzou os braços antes de perguntar, lançando um olhar astuto a ele:

- Então... posso saber o que faz aqui, no meio do castelo, às seis e quinze da manhã?

- Eu... eu... vim buscar alguma coisa para comer na cozinha...

Putz, não podia ter arranjado uma desculpa melhor? Essa não enganava nem uma criancinha de cinco anos de idade! Samantha estreitou os olhos.

- E com o uniforme da escola?

Harry olhou rapidamente para si mesmo. Sim, ele ainda estava com o uniforme da escola. Com toda a confusão do dia anterior, não teve como trocar de roupa. E ainda por cima, as manchas de barro na barra das vestes e na altura dos joelhos (estas por ele ter ficado ajoelhado na beira do lago, na chuva, por um tempo indeterminado) o denunciavam de que a última coisa que ele veio fazer ali era buscar comida nas cozinhas. Porém, sua cabeça trabalhou bem rápido em vista dos últimos acontecimentos, e ele conseguiu formular uma boa resposta para a pergunta:

- Mas, e você? – ele indicou com os olhos a roupa dela. – O que estaria fazendo aqui, a uma hora dessas, com uma roupa de sair?

- Acontece, que uma coisa não tem nada a ver com a outra... – ela retrucou, como se aquilo fosse um jogo. – Eu sou uma professora e não devo satisfações a um aluno, já você...

Harry riu cinicamente. Estava começando a gostar daquela brincadeira.

- Quer dizer que é assim? Pensei que tivesse proposto retirarmos as formalidades quando estivéssemos a sós... Se vai me tratar como um mero aluno, acho que voltarei a tratá-la por "senhora", Profª. Stevens...

Ela sorriu, um sorriso divertido, e novamente estreitou os olhos, levando as mãos ao quadril.

- Você é mesmo muito espertinho, não é, Harry? Cheio de "voltinhas"... Não é à toa que Severo não gosta de você, afinal, ninguém gosta de levar uma "rasteira" dessas... e ele é o tipo de pessoa que não somente não gosta, como não admite também...

Harry sorriu, novamente cínico. Não disse nada, esperando que ela dissesse algo mais. Não entendeu por que ela colocou Snape na conversa, mas se ela queria falar nele, que falasse. Não era problema algum descobrir algo mais sobre os dois, afinal, desde aquela conversa, há muito tempo, que Harry tivera com a Murta Que Geme no banheiro, ele realmente ficara com "a pulga atrás da orelha".

- Mas... – ela começou e, para a decepção de Harry, novamente mudou de assunto. – Eu não me importo com as suas "voltinhas"... Até gosto se quer saber... Gosto de pessoas assim...

O olhar que ela lhe lançou foi mais profundo do que qualquer outro. Novamente, aquela sensação de desconforto tomou conta de Harry. Ele não gostava quando ela o olhava assim, não gostava mesmo...

- Vamos fazer um acordo, Harry. Eu não pergunto onde você estava, você não pergunta onde eu estava. Fechado?

Ela estendeu a mão para ele. Harry abaixou os olhos, ligeiramente indeciso. Não entendia por que ela estava fazendo isso, mas era difícil entender qualquer atitude daquela mulher, da mesma maneira... Porém, não tinha outra escolha; estendeu a sua mão também e apertou a dela, sentindo a pele macia e fria de sua mão. Era quase gélida e, por um milésimo de segundo ele sentiu algo que já sentira uma vez ao toque dela: sua cicatriz ardeu, por um mínimo instante, mas ardeu. De certa maneira, ele se sentiu aliviado quando soltaram as mãos.

- Fechado.

Ela sorriu e se aproximou mais dele, que não recuou. Ela, por ser um pouco mais baixa que ele, suspendeu-se na ponta dos pés para alcançar a bochecha dele. Por um segundo, ele pensou que ela fosse beijá-lo no rosto, mas não. Ele sentiu, mais uma vez, aquele perfume forte quando ela quase encostou sua face na dele para dizer-lhe ao pé do ouvido, em uma voz rouca, baixa e muito provocante:

- Fico feliz que esteja tirando suas próprias conclusões a meu respeito, Harry... Quem sabe ainda não poderemos ser amigos... um dia...

Ele não respondeu nada, e ela, sem olhar para ele, afastou-se e começou a caminhar no sentido oposto ao de Harry, de modo que ele ficou de costas, apenas ouvindo o barulho dos saltos altos dela. Ele não se virou, porém, pelo canto dos olhos, pôde ainda vê-la se distanciar e sair do seu foco de visão, ainda ouvindo o barulho dos saltos. Começou a caminhar no sentido contrário, sem olhar para trás.

Fosse quem fosse, dissessem o que dissessem, ainda assim ele não conseguia deter esse desejo de saber mais, de aceitar esses "jogos" para que descobrisse nem que fosse um pouquinho mais a respeito dessa mulher.

Como disse antes, ela o embaraçava, o confundia e o colocava fora de si... Mais do que isso, ela o intrigava, o incomodava e, o que ele mais gostava:

Ela o desafiava.

A conversa, ou o jogo, ou o que quer que fosse que acabara de ter com a Profª. Stevens no corredor o distraíra, mas não o fizera esquecer o que tinha acontecido. Esquecer que Gina tinha terminado com ele, e, pior, esquecer todas as palavras duras que ela disse, especialmente a frase "Eu não te amo" seria muito difícil, aliás, seria impossível.

Harry encostou a porta do dormitório masculino do sexto ano da Grifinória com cuidado para não acordar ninguém. Neville certamente estava dormindo, já que roncava baixinho; Simas estava de bruços, jogado na cama, enquanto que Dino se abraçava no travesseiro, murmurando palavras incompreensíveis. Realmente estavam dormindo, e Harry não tinha com o que se preocupar. O rapaz olhou para a cama de Rony, mas as cortinas do dossel estavam fechadas. Devia estar dormindo também.

Com cuidado, Harry sentou na ponta da sua cama e começou a tirar os sapatos. Quando estava tirando o par do pé esquerdo, a cortina do dossel à sua frente se abriu com uma certa violência e, atrás dela, apareceu a cara cheia de sardas de Rony, com um olhar inquisidor:

- Onde você esteve durante toda a noite, Harry?

- Bom dia pra você também, Rony. – o rapaz respondeu sarcástico, tirando as meias.

- Eu te fiz uma pergunta.

- Pensei que não gostasse de acordar cedo nos sábados. – e jogou a capa numa cadeira ao lado da cama.

Rony respirou muito fundo, tentando se acalmar, e se sentou ereto na ponta da sua cama, olhando feio para Harry, que agora tinha levantado para ir pegar uma roupa limpa no armário. Rony o acompanhou com os olhos e ficou tamborilando os dedos na mesa de cabeceira, esperando o amigo se trocar. Depois de colocada uma roupa limpa, Harry se sentou na sua cama e ajeitou o travesseiro. Sua vontade era deitar e ficar na cama o dia inteiro, se fosse possível. Mas parecia que Rony iria atrapalhá-lo.

- Você não vai me responder onde esteve?

- Dormi na cabana do Hagrid. – respondeu como se fosse banal.

Rony franziu a testa.

- Por quê?

- Um interrogatório logo pela manhã, Rony? Eu tô cansado...

E ia se deitar, mas o amigo não deixou e o segurou pelo braço.

- Isso tem algo a ver com a Gina, Harry?

A simples menção do nome dela fez seu coração doer e seu sangue latejar.

- Não me fale no nome dela. – respondeu seco, e encostou a cabeça no travesseiro, emburrado.

Rony fez uma expressão intrigada e se levantou, sacudindo Harry, que acabou se levantando, aborrecido.

- O que tem ela? O que aconteceu? O que você fez?

Harry olhou irritado para o amigo. Não estava com cabeça para enfrentar seus ciúmes fraternos logo pela manhã, principalmente depois do que tinha acontecido.

- Primeiro, uma pergunta de cada vez. Segundo, se quiser saber o que aconteceu, por que não pergunta para a sua irmã?

Rony abriu a boca, estupefato. Seus olhos se estreitaram e ele fez uma coisa que nem Harry previra, mesmo sabendo o quanto Rony poderia ser irritadiço e ciumento; o ruivo segurou a sua gola, olhando com raiva para ele.

- O que você fez com a minha irmã?

Isso já tinha ido longe demais, e Harry tinha que dar um basta naquele momento. O rapaz empurrou o outro que, devido ao impacto, caiu para trás e se apoiou com as mãos no colchão. Harry, muito irritado, respondeu:

- Eu não fiz nada com a sua irmã, Rony. Quer saber? Ela fez comigo, isso é a verdade!

Agora o outro estava espantado.

- Como é que é?

- O que você tá pensando, Rony?

As orelhas do ruivo ficaram instantaneamente vermelhas. Harry suspirou e resolveu falar, ainda aborrecido, e sem olhar nos olhos do amigo.

- Ela terminou comigo.

Rony fez uma cara de quem não entendera. Ele se ajeitou na cama e tentou achar os olhos de Harry:

- Eu não ouvi direito.

- Exatamente o que você ouviu. Ela terminou o nosso namoro.

Por alguns segundos, ninguém disse nada. Rony parecia estar absorvendo a informação, enquanto que Harry não estava mesmo a fim de falar.

- Então era por isso que...

- "Por isso" o quê, Rony? – perguntou, olhando o amigo.

Rony devolveu o olhar.

- Ontem a Gina entrou desesperada pelo salão comunal. Chorando.

Harry poderia rir. Então ela estava chorando? E ele? Ele perdeu a conta de quantas lágrimas verteu naquela noite, mas isso não importava, não é? Quer dizer que ela vinha, terminava com ele, partia seu coração, e ainda vinha chorando? Ela não era a vítima, ele era!

- Mas por que vocês terminaram? – Rony perguntou, não mais com aquele tom ciumento de interrogatório, mas sim com um tom preocupado.

- Terminamos, uma vírgula. – Harry respondeu aborrecido. – Ela terminou comigo. Eu não queria terminar... – agora seu tom era chateado, e ele poderia se socar pela sua voz ter saído tão tremida.

- Mas o que houve para que... ela terminasse?

- Ela não me ama mais. – Harry disse sem emoção.

Rony arregalou os olhos.

- O quê?

- Ela não me ama mais! – ele quase gritou. – Foi o que ela disse... na minha cara...

- Mas como?

- Eu não sei... – a sua voz ficava cada vez mais pequenina, e ele teve que limpar a garganta para que ela voltasse.

Mais alguns minutos de silêncio. Rony, novamente, parecia estar absorvendo a mensagem. Harry, por sua vez, deixou o pensamento vagar e pegou-se pensando no porquê de Gina ter chorado... Se ela chorara, seria por que... ainda se importava? Não! Pare, Harry! Pare de ficar se enchendo de esperanças! Ela disse, com todas as letras, que não te amava, e você ainda fica pensando se ela se importa? Ela não se importa, e essa é a verdade! Como poderia se importar, fazendo o que fez? Ela te estraçalhou, acabou com você! Ela não se importa!

Harry fechou os olhos com força e se deixou cair no travesseiro, virando-se para o lado oposto ao de Rony. Depois, tirou o travesseiro de debaixo da cabeça para colocá-lo em cima dela, tapando-a. O amigo o olhou com certa pena, e disse:

- Você tá bem?

- Tô ótimo! – respondeu emburrado e ouviu o som de um suspiro de Rony.

Silêncio.

- Harry?

Novamente silêncio. Rony pareceu não se importar.

- Desculpe o interrogatório.

Harry não respondeu.

- Mas... tem volta, não tem?

- Não.

- Ah...

Suspiro. Silêncio. Novamente a voz de Rony:

- Se você precisar de mim...

- Eu preciso ficar sozinho!

Silêncio de novo. O som de Rony se levantando. Harry tirou o travesseiro da cabeça e, virando-se, viu Rony, sentado na sua própria cama o olhando com uma cara que misturava arrependimento e pena. Sem dizer nada, e com uma certa brutalidade, Harry fechou as cortinas do dossel de sua cama, encobrindo a visão de Rony, e novamente se deitou com o travesseiro na cara, virado para o lado da janela.

Fechou os olhos com força, mas não conseguiu dormir.

E muito menos parar de pensar.

Naquela manhã, Harry ouviu muitas coisas enquanto estava deitado forçando sua cabeça a parar de pensar: ouviu quando os garotos do quarto acordaram, ouviu as piadas deles sobre garotas, ouviu Neville perguntar pelo menos umas cinco vezes se alguém tinha visto Trevo, o sapo, se alguém tinha visto sua varinha, sua camisa ou seus sapatos, ouviu Simas se gabar de ter ficado com Lilá Brown na noite anterior, ouviu Dino retrucar que tinha começado a namorar a monitora da Lufa-lufa, ouviu Rony resmungar que tinha nascido uma espinha no seu nariz, ouviu quando Neville perguntou a Rony por ele, Harry, e quando o amigo respondeu que ele ainda devia estar dormindo, ouviu quando todos comentaram sobre a visita a Hogsmeade à tarde e quando Rony contou sobre a loja de logros dos gêmeos e, finalmente, ouviu quando Rony abriu as cortinas do seu dossel perguntando se não iria descer para o café da manhã; como Harry não respondeu, o amigo murmurou alguma coisa parecida com "teimoso" e foi embora.

Demorou algum tempo para que Harry se enchesse de ficar deitado e fosse procurar o que fazer, mas, enfim, chegou uma hora que ele não conseguiu mais permanecer ali, mesmo que ainda estivesse chateado. Levantou e olhou o relógio: passava das dez da manhã, na verdade eram quase onze já. Foi até o banheiro e, quando se olhou no espelho, desistiu de lavar o rosto e foi tomar um banho. Estava com uma cara tão lamentável, que não adiantava somente lavar o rosto, só um banho resolveria. Perdeu a conta de quanto tempo ficou debaixo do chuveiro; na verdade, não lembrava de ter algum dia tomado um banho tão longo. Quando era pequeno, seus banhos não podiam demorar mais que cinco minutos, ou tia Petúnia o arrancava do chuveiro dizendo que ele estava desperdiçando energia elétrica; depois, quando veio para Hogwarts, de tão acostumado que estava em tomar banhos rápidos, não se demorava mais que dez minutos no chuveiro. Só demorava mais que isso quando estava chateado e queria pensar; e dessa vez ele estava especialmente chateado e tinha muito no que pensar.

Parecia que finalmente tinha se dado conta que terminara com Gina. Fora difícil admitir, mas agora ele tinha certeza disso, finalmente. Depois do sentimento de tristeza que tomara conta de si, outro sentimento lhe dominou: a raiva. Ele estava muito bravo pelo que ela tinha feito; ainda não conseguia acreditar que uma menina aparentemente tão doce como ela pudesse ter sido tão dura, e tê-lo magoado tanto. Se fosse um pouquinho mais maduro, ele admitiria que estava tendo uma atitude muito egoísta pensando daquele jeito, mas ser maduro aos dezesseis anos é muito difícil, quase impossível na verdade. Lembrou-se de uma frase que sua avó lhe escrevera em sua última carta: "Na verdade, você é o rapaz mais maduro para a sua idade que eu já vi em todos os meus anos de vida." Talvez ela estivesse errada; talvez ele não fosse tão maduro quanto ela pensasse... Porém, na altura dos acontecimentos, ele não era e nem queria ser maduro.

Quando finalmente saiu do chuveiro, todo o banheiro estava tal qual uma nuvem de tão enevoado. Ele se enrolou em uma toalha e foi procurar o que vestir; colocou a primeira calça que achou, afinal, não precisava estar arrumado. Sair da cama era uma coisa, sair do quarto e ver pessoas era outra totalmente diferente. Quando estava revirando o malão para encontrar uma camisa, encontrou algo em que não mexia há muito tempo: uma caixa, em que guardava todas as suas recordações mais importantes, como cartas dos amigos, de Sirius, de sua avó e até mesmo a primeira carta de Hogwarts. Ali dentro também havia fotos e outros guardados mais antigos, pelo que se lembrava, pois realmente fazia muito tempo que não mexia naquilo. No momento em que ia abrir a caixa, alguém bateu na porta e uma voz feminina perguntou:

- Harry? Posso entrar?

O rapaz começou a procurar freneticamente por uma camisa, mas a pessoa foi mais rápida e, quando Harry finalmente achou uma camisa qualquer, a porta entreabriu-se e a cabecinha de Hermione espiou pela fresta dela. Os olhos dela correram para o peito nu do rapaz e, instantaneamente, a menina ficou quase roxa de vergonha. Ela bateu a porta com estrépito, enquanto Harry, também bastante envergonhado, enfiava a camisa de qualquer jeito pela cabeça e corria para abrir a porta novamente. Quando ele assim o fez, viu uma Hermione muito vermelha cobrindo o rosto com as mãos.

- Anh... Mione?

Ela abriu um pouco os dedos da mão e espiou por entre eles.

- Desculpe...

Harry, pela primeira vez em muito tempo, sorriu, um pouco sem jeito, mas sorriu.

- Tudo bem... é que eu tinha acabado de tomar banho e...

Ela tirou as mãos do rosto, ainda ligeiramente avermelhado, e negou com a cabeça.

- Eu não devia ter aberto a porta... devia ter esperado você abrir...

- Tudo bem, Mione, não tem problema... – ele abriu mais a porta e abriu passagem. – Você ainda quer entrar?

- Eu posso?

- Claro.

Ela entrou ainda um pouco sem jeito, e ele encostou a porta atrás dela.

- Faz tempo que eu não venho aqui, não é? – ela puxou assunto.

- Desde aquele dia que estávamos eu, você, o Rony e... – abruptamente, Harry parou de falar. Hermione, percebendo, completou, em um tom que demonstrava um certo dó:

- E Gina...

Harry não respondeu, e desviou seu olhar do da amiga. Ela suspirou e prosseguiu:

- Eu vim aqui para conversar com você sobre isso mesmo...

- Eu não quero falar sobre isso. – ele respondeu muito rápido e, em poucos passos, cruzou o quarto, indo se sentar no parapeito da janela. Olhando para o jardim, pôde notar que o dia nublado e o frio não tinham desanimado os alunos que estavam passeando.

Hermione se aproximou e, vendo que o amigo não iria olhá-la, deixou-se sentar na cama dele. Harry sentiu o olhar dela sobre ele, e virou a cabeça para vê-la. A amiga tinha um olhar que misturava pena e preocupação.

- Rony me contou o que aconteceu.

Silêncio. Harry desviou o olhar.

- Ele estava meio receoso de vir aqui falar com você, por causa de hoje de manhã, então eu vim.

- Ele te contou o interrogatório que me fez de manhã?

- Contou. Daquele jeito dele, meio achando que está certo, meio admitindo que estava errado, mas contou.

- Ele também é tão ciumento com você como é com... a irmã?

Hermione soltou uma risadinha baixa.

- Sem comentários.

Harry não respondeu, mas seus lábios se encresparam em um sorriso torto que ele logo desfez.

- Não liga para o Rony, não... – Hermione falou. – Você conhece tanto como eu o jeito dele... Não adianta ficar se importando com tudo que ele fala, é besteira... Se eu fosse ligar para tudo, já tinha brigado com ele muitas vezes...

- Você quer dizer, mais do que o normal? – Harry perguntou sarcástico.

Hermione riu.

- É, mais do que o normal... Até que eu tô me achando muito mais tolerante com ele do que antes...

Harry lançou um olhar muito descrente para a amiga. Hermione tolerante?

- Tá bom, um pouquinho mais tolerante, tá melhor assim?

- Deixe estar...

Ela suspirou longamente.

- Não é para falar do Rony que eu vim aqui...

- Se não vamos falar do Rony, ou dos pais dele, ou dos cinco irmãos dele, eu não quero falar sobre mais nenhum membro da família Weasley.

- Ah, tá bom, não vamos falar de nenhum Weasley, vamos falar de um Potter. Você. Como você está?

Ele finalmente se virou para olhá-la.

- Eu pareço bem para você?

- Não, mas eu quero ouvir isso de você.

- Estou ótimo.

- Harry, você não é sarcástico.

- Posso aprender a ser.

- Não, não pode, você não é assim.

Silêncio. Harry novamente se virou para olhar o jardim pela janela.

- Você não pode ficar assim, Harry! Tem que reagir!

- Não agora.

- Então quando?

- Não me pergunte.

- Harry... Você não pode ficar aqui trancado nesse quarto o dia todo... Você nem comeu!

- Não tô com fome. E não quero sair.

- Ah, Harry... Você não vai perder uma visita à Hogsmeade, vai? Nós vamos à loja dos gêmeos, vai ser engraçado! Você vai se divertir!

- Desista, Hermione.

Ela suspirou mais longamente do que das outras vezes.

- Eu não vou desistir! – disse decidida. – Você vai!

- Eu não vou! Não perca seu tempo.

- Não adianta mesmo insistir?

- Não.

Ela bufou.

- O que eu fiz para merecer um amigo e um namorado tão teimosos?

Ele se virou para olhá-la.

- Quem sabe porque você também é teimosa...

Ela lhe lançou um olhar quase assassino.

- Ótimo! Então somos o "trio teimoso de Hogwarts"!

- Boa definição.

- Pare com isso, Harry.

- O quê?

- Sarcasmo. Você está me irritando. Não queira me ver irritada.

- Ótimo, mais um problema para a minha coleção.

- Ah... – ela deixou seu corpo cair na cama dele, derrotada. – Você tá muito chato!

- "Estou" ou "sou"?

- "Está"! – ela disse, voltando a se sentar, e olhando-o com severidade. – Pelo menos saia um pouco desse quarto, dê uma volta, espaireça a cabeça.

Ele não respondeu. Ela bufou novamente e bateu as mãos nas coxas, para depois se levantar.

- Eu fiz tudo o que podia, eu juro...

- Eu sei, Mione...

- Pela primeira vez, eu desisto.

- Puxa, esse dia vai ficar marcado para a história! – Harry exclamou abrindo os braços para o céu. – O dia em que Harry Potter conseguiu fazer Hermione Granger desistir de alguma coisa!

Ela o olhou aborrecida.

- Você me promete sair daqui, pelo menos para comer alguma coisa?

Harry revirou os olhos.

- Por favor...

Ele virou a cara para não ver a expressão dela.

- Mione, não faz essa cara!

- Por favor, Harryzinho...

- "Harryzinho"? – ele franziu as sobrancelhas, olhando boquiaberto para ela. A garota sorriu e mordeu os lábios.

- Vai, eu tô pedindo...

Ele suspirou.

- Tá... Depois eu vou...

Ela soltou um gritinho extasiado e quase deu pulinhos de alegria. Em dois passos, aproximou-se do amigo e deu um beijo estalado na bochecha dele. Harry não conseguiu deixar de sorrir. Hermione poderia ser muito engraçada quando queria...

A menina deu meia volta e, quando estava com a mão na fechadura para abrir a porta, perguntou:

- Já que você não vai mesmo, quer alguma coisa de Hogsmeade? – ele negou com a cabeça. – Então, tá! Eu vou escolher algo bem legal para você, e vou pedir para o Rony escolher algo bem engraçado na loja dos gêmeos! – ela sorriu e piscou para ele antes de fechar a porta e ir embora.

Harry respirou fundo, soltando o ar bem devagar depois. Ficou ainda por mais alguns minutos olhando a movimentação no jardim pela janela. Por fim, cansou-se e levantou. O malão ainda estava aberto. Ele se abaixou para fechá-lo, mas viu a caixa, aquela mesma caixa de antes. Pegou-a, levou até a cama e sentou-se.

Aquela caixa era realmente muito antiga, devia ter pelo menos uns doze ou treze anos. Ela era razoavelmente grande, feita de uma madeira escura, mas ele não sabia precisar direito que madeira era aquela; tinha uns desenhos gravados, pareciam flores, mas ele nunca teve certeza, porque a caixa era muito velha, desde que a encontrara, e as formas estavam meio apagadas pelo tempo.

Forçando bem a memória, pôde até se lembrar da ocasião em que a conseguira. Ele era muito pequeno ainda, devia ter por volta de uns três ou quatro anos de idade. Lembrou-se que, no dia, estava ajudando tia Petúnia a limpar o sótão. Ela ia jogar aquela caixa fora, e ele, nunca soube por que fizera isso, mas fizera, ele pedira para ficar com a caixa. Talvez porque a tivesse achado bonita, ou talvez porque nunca tivera nada de seu... Não importava. Ele pediu a caixa e, a tia, em um arrebatamento de bondade, deixou que ficasse com ela.

Depois que terminou a faxina, ele se lembrava de ter levado a caixa para o armário debaixo da escada. Por muito tempo ficou admirando seu "presente". Daquele dia em diante, passou a guardar besteiras naquela caixa, apenas coisas sem valor, desde brinquedos velhos que o Duda não queria mais e ficavam para ele, até coisas ou desenhos que fazia na escola. Como não tinha pais para dar aqueles desenhos, ele os guardava ali. Desenhos que fazia para a sua mãe no Dia das Mães, ou então os que fazia para seu pai no Dia dos Pais... Cartões de Natal que fazia para amigos imaginários... Enfim, todo tipo de besteiras infantis.

Com o tempo, foi crescendo e deixando de guardar coisas ali dentro, e a caixa ficou esquecida. Só quando entrou para Hogwarts, foi que passou a mexer nela novamente. Passou a guardar as cartas da escola, as cartas de Rony e as de Hermione, as de Sirius, as de Hagrid... Alguns pequenos presentes que ganhara deles em aniversários ou nos Natais... Teve até que fazer um feitiço para aumentar o tamanho da caixa magicamente por dentro, para que coubessem mais coisas. Porém, geralmente, nunca mexia no que tinha ali dentro. Só a abria para colocar mais coisas. Mexer ali trazia-o uma certa nostalgia, e uma certa tristeza...

Por fim, depois de tanto relembrar, abriu a caixa. Ela tinha um fecho velho e enferrujado, que geralmente emperrava, o que, milagrosamente, não aconteceu dessa vez. Ao abrir a caixa, um mundo de coisas apareceu na sua frente; papéis, fotos, bibelôs, tudo extremamente bagunçado e amontoado. A primeira coisa que viu foi um colar, aquela correntinha que pertencera à sua mãe e que lhe fora dada pela avó. Depois de um tempo, resolvera guardá-la ali, ao invés de ficar andando para cima e para baixo com ela no bolso. Por algum tempo ficou olhando o adereço, para depois colocá-lo de lado.

Havia um maço de fotos depois disso. Harry o pegou e começou a olhá-las. Na primeira delas, estavam ele, Rony e Hermione juntos. Era uma foto do primeiro ano deles. Harry sorriu. Era estranho vê-lo com onze anos... como estava diferente! E os amigos então? Hermione ainda tinha dentes grandes naquela época... E Rony, se isso era possível, tinha mais sardas no rosto e uma cara inconfundível de criança...

A próxima foto era dele e de Sirius. O padrinho sorria muito, mas seus cabelos estavam grandes e a aparência era ainda meio suja. Harry deveria ter uns quatorze anos naquela foto... apenas dois anos atrás, mas já parecia muito tempo... Depois dessa havia uma foto com Hagrid e os amigos, também antiga. Outra foto, Harry voava na Firebolt... Mais uma, com todo o time de quadribol dos primeiros anos... Outra, esta somente com Rony e Hermione. Lembrava dessa foto, ele mesmo a batera. Os amigos já namoravam na época.

A última foto era bem recente. Era aquela que Hermione batera no salão comunal, com todo o atual time da Grifinória: ele, Rony, os irmãos Creevey, Peta, Jonnathan e... ela, Gina. Rapidamente, Harry guardou esta e as outras fotos na caixa.

Depois havia cartas. Inúmeras... Uma carta grande chamou a atenção do rapaz: era a carta de sua avó, a última, na qual ela contava toda a verdade. Harry a releu com calma e pausadamente, voltando algumas linhas de vez em quando. Ainda lembrava a emoção que sentira quando leu aquela carta, assim que a recebera, meses antes. Era indescritível. Mistura alegria por ter descoberto um parente que o amava, e tristeza por ter perdido essa pessoa... Depois de lê-la, guardou a carta com cuidado na caixa.

Revirou muitas cartas depois disso. Cartas de Rony, Hermione, Sirius, Hagrid, as de Hogwarts, as de sua avó, ainda anônimas... Riu em algumas e se emocionou em outras. As últimas cartas, ele demorou muito para abrir: eram as de Gina. Hesitou muito, mas abriu uma ao acaso e a primeira coisa que bateu os olhos foi nessas frases:

"Estou com saudade de você... Penso em você sempre! E você, tem pensado em mim?"

Sentindo um nó na garganta, leu mais algumas linhas e chegou à essa frase:

"Amo você!"

Teve o ímpeto de rasgar a carta ao ler isso, mas se deteve. Seria infantil fazer isso, mas também não conseguia ler mais nada. Jogou as cartas de Gina de qualquer jeito na caixa, e se virou na cama, apoiando os cotovelos nas coxas e segurando a cabeça com as mãos, passando os dedos pelos cabelos. Como era difícil... Por que isso tinha que acontecer, por quê? Por que ela tivera que fazer isso com ele? Por que tudo tinha que ser difícil quando era com ele? Por que não podia ser feliz?

Respirando fundo, ele levantou a cabeça, e olhou para a cama: nem notara que espalhara as coisas da caixa por toda o colchão. Mas não iria arrumar... Não mexeria nisso agora, não conseguia... Virou o rosto e olhou para a mesa de cabeceira. Bateu os olhos no porta-retrato que Gina lhe dera no seu aniversário e na foto que ali estava, deles dois... Com uma certa violência, ele bateu o porta-retrato na mesa, com a foto virada para baixo. Passados alguns segundos, levantou-o de novo e o trouxe para junto de si. Não agüentou mais de três segundos olhando para aquela foto, e logo abriu a gaveta, praticamente jogando o objeto ali dentro. Respirou muito fundo, tremendo pela emoção.

Ao levar os olhos novamente para a mesa, viu aquele globo de vidro com Hogwarts que sua avó lhe dera. Chovia ali dentro. Trovejava. Era uma noite escura e chuvosa...

"De acordo com o que estiver sentindo, Harry, a paisagem dentro dele e a música que toca irá mudar... se estiver nervoso com algo, a música será sombria e provavelmente haverá uma tempestade dentro do globo... muitas foram as tempestades..."

Sim, era isso que sentia, uma tempestade dentro de si. E sentia que o tempo de seu coração demoraria muito para ficar ensolarado novamente...

Pela janela do dormitório era possível ver a paisagem lá fora. Uma tarde nublada, fria e triste. Os jardins ainda estavam molhados pela chuva do dia anterior, e Hogwarts parecia praticamente deserta, muito pelo fato de todos os alunos da escola do terceiro ano para cima terem ido a Hogsmeade. O silêncio só era quebrado pelo pio de algumas corujas que sobrevoavam o castelo de vez em quando.

Harry ainda estava sozinho no dormitório. Mesmo depois de Hermione ter-lhe pedido para sair e dar uma volta, ele ainda assim não tivera ânimo de fazê-lo. Sua vontade era ficar ali, sentado no parapeito da janela, observando o jardim da escola pelo vidro que separava o seu mundo do mundo real de lá de fora.

Havia cartas e fotos espalhadas pela sua cama, e a sua "caixa de lembranças" ainda estava aberta sobre ela. Ainda não tinha se preocupado em fechá-la e guardá-la. Aliás, estava adiando esse momento, pois saberia que seria difícil olhar novamente aquelas recordações.

Foi quando observava Hagrid arrastar um enorme pinheiro para o Natal pelo gramado que bateram à porta. Harry virou levemente a cabeça, e viu quando a maçaneta girou em falso. Fosse quem fosse, não conseguiria entrar; mesmo aquele quarto não sendo somente dele, Harry o trancara com um feitiço que nem o Alorromora conseguiria desfazer.

Mais batidas à porta, agora mais fortes e insistentes. Uma voz grossa gritou do outro lado, abafada pela madeira:

- Abra, Harry! Eu sei que está aí dentro!

O rapaz reconhecera aquela voz. Realmente a pessoa que estava do outro lado não iria desistir facilmente se ele não abrisse a bendita porta. Levantou-se de um salto e ainda deixou a pessoa esperando até que guardasse as coisas espalhadas na cama de qualquer jeito na caixa, e a enfiasse no malão por entre as roupas.

- Harry! Pare de ser teimoso e abra essa porta! Eu sei que você sabe quem eu sou!

Harry se aproximou da porta, mas hesitou em abri-la. Uma luz ultrapassou o buraco da fechadura no mesmo momento que a voz abafada do outro lado da porta gritava: "Alorromora!". O rapaz riu baixinho e, finalmente abriu a porta.

- Oi, Sirius.

O padrinho ainda estava com a varinha apontada e, no rosto, uma expressão muito aborrecida. Ele cruzou os braços e perguntou:

- Se sabia que era eu, por que não abriu a porta antes?

- Porque eu queria ver você com essa cara de tacho quando abrisse.

Sirius arreganhou os dentes e deu um sorrisinho muito debochado.

- Muito engraçado você, Harry. – ele disse, entrando no quarto. Harry deu de ombros e encostou a porta.

Olhando o quarto ao redor, Sirius perguntou abruptamente depois de algum tempo:

- Onde aprendeu a trancar portas desse jeito? Eu tentei abrir, mas não consegui.

- Quando eu ainda estava na casa dos Dursleys e não tinha o que fazer... – Harry começou, cruzando o quarto e indo novamente se sentar no parapeito da janela. - ...eu lia uns livros antigos de Feitiços e ficava tentando aprender alguns avançados, que o Prof. Flitwick não ensinava na aula. Esse de trancar portas é bem útil.

- E com quem você aprendeu essa mania? – Sirius perguntou, encostando-se na parede próxima à janela, de modo que podia olhar de frente para o afilhado. – Com a Hermione? Que eu saiba isso é mania dela, não sua.

- Não era porque eu estive me esforçando mais nos estudos... – o rapaz explicou, ainda observando o jardim pela janela. Hagrid não estava mais lá. – Era só falta do que fazer mesmo.

- Ah... – Sirius disse vagamente, voltando a observar o quarto ao seu redor. – Eu me lembro desse quarto na minha época... – ele apontou a cama de Harry. – Seu pai dormia ali, e eu na outra cama. – e apontou a cama de Rony.

Harry se virou bruscamente, para depois encarar Sirius, que entendeu.

- É a sua cama agora, não é?

- É sim...

Sirius sorriu.

- É, eu me lembro que era a mesma quando eu entrei aqui escondido, naquela época que eu ainda era fugitivo de Azkaban...

- Por falar nisso... – Harry começou. – Como você entrou aqui? Você tem a senha?

- Hermione me deu a senha. – ele respondeu banalmente.

- Hermione?

- Sim. Ela e o Rony me mandaram uma carta pela sua coruja, pedindo que eu fosse falar com eles. Então, eles me contaram a seu respeito e me pediram que eu viesse aqui tentar colocar algum juízo na sua cabeça oca! – ele bateu na cabeça de Harry com os punhos fechados. – Hermione me deu a senha e disse que você estaria aqui. Você tem bons amigos, Harry. Eles realmente estavam preocupados com você.

- Eu sei. – o rapaz respondeu vagamente, e debochou: – Mas você vindo colocar juízo na minha cabeça? Você nunca teve juízo...

Sirius novamente arreganhou os dentes.

- Tenho mais juízo que você.

- Tá bom...

O padrinho suspirou.

- Como você está?

- Por que todo mundo me pergunta a mesma coisa?

- Porque estão preocupados com você, bobão!

Harry revirou os olhos. Sirius bufou.

- Você quer conversar sobre o que aconteceu?

- Não.

- Curto e grosso...

- É.

- Tá bom, tá bom... Não vou ficar perdendo meu tempo...

- É bom mesmo.

Sirius o olhou aborrecido.

- Onde está o Mapa do Maroto?

Harry levantou as sobrancelhas, sem entender.

- O que você quer com ele?

- Somente pegue-o.

O rapaz o olhou enviesado, mas mesmo assim levantou, revirou o malão e pegou o mapa do fundo dele, passando-o ao padrinho, que o pegou e ficou olhando para o pergaminho por um tempo, sorrindo meio abobado. Harry se postou ao lado dele e ficou observando palavras surgirem na superfície lisa do mapa, como se uma mão invisível estivesse escrevendo nele:

"O Sr. Almofadinhas apresenta seus mais digníssimos respeitos ao Sr. Sirius Black, atual portador desse objeto, e aproveita para enaltecer as grandiosíssimas qualidades do maior garanhão de Hogwarts."

Sirius riu baixinho, e Harry não pôde deixar de rir também, discretamente. O padrinho explicou:

- Toda vez que um dos fabricantes do mapa o segura, ele o reconhece automaticamente e o cumprimenta.

Mais frases começaram a aparecer, e Harry prestou uma atenção especial nesta:

"O Sr. Pontas aproveita para frisar que esse folgado referido anteriormente não passa de um bobão que se acha demais. Ele só fala, mas não faz. O garoto mais cobiçado de Hogwarts sou eu, e ninguém duvida disso, obviamente."

Harry sorriu. Sirius mostrou a língua para o mapa e falou:

- Bobão é você, Pontas.

Mais palavras se formaram no mapa:

"O Sr. Aluado gostaria de deixar seu adendo para avisar aos digníssimos leitores de que não acreditem nesses dois mentirosos de marca maior. A verdade é que os dois estão encalhados há dois meses e não tem o que fazer, por isso ficam tentando agradar seus próprios egos para esquecerem que estão sozinhos."

Sirius novamente mostrou a língua para o mapa. Harry não conseguiu deixar de rir da cara do padrinho. As últimas palavras que o mapa proferiu foram estas:

"O Sr. Rabicho gostaria de lembrar que ele e o Sr. Aluado são os únicos a terem pares para o Baile de Natal e que, por serem ótimos amigos dos Srs. Almofadinhas e Pontas, não podem deixar de rir da cara dos dois que, provavelmente, só terão como última alternativa encher a cara de cerveja amanteigada e curtirem seus momentos de 'encalhamento' juntos."

Sirius revirou os olhos e falou para o mapa:

- Mas não fui eu que fui chutado depois de duas semanas de namoro... Bestalhão!

- Que história é essa, Sirius? – Harry perguntou curioso.

- Uma longa história... – ele respondeu, apontando a varinha para o mapa e dizendo: - "Juro solenemente não fazer nada de bom."

Instantaneamente, as linhas começaram a se juntar e formar o mapa de Hogwarts. Sirius correu o dedo indicador pelo mapa, parecendo estar procurando algum lugar. Harry pôde ver que os pontinhos denominados "Harry Potter" e "Sirius Black" estavam lado a lado no dormitório do sétimo andar. O pontinho "Alvo Dumbledore" andava de um lado para outro na sua sala, sendo acompanhado pelos pontinhos "Minerva McGonnagal", "Remo Lupin" e "Severo Snape". O ponto "Samantha Stevens" se movia pelo corredor do quinto andar, não muito longe de onde Sirius pousou seu dedo.

- Como eu sei que não adianta ficar aqui insistindo para que você converse comigo, Harry, eu vou embora e esperar que você faça isso por sua própria vontade. – o padrinho disse. – Está vendo esse lugar que estou indicando? – Harry assentiu. – É o meu quarto, onde estou hospedado. Eu vou ficar lá o resto da tarde, arrumando minhas malas. Se você quiser aparecer lá para conversar, estarei esperando.

Ele disse isso e entregou o mapa para o afilhado, afastando-se em seguida.

- "Arrumando as malas"? – Harry repetiu.

- Eu vou embora amanhã, parece que minha "folga" terminou. – Sirius disse, enquanto abria a porta. – Se você quiser aparecer, Harry, já disse que estarei lá. – ele sorriu. – Parece que funcionou te mostrar as frases dos Marotos. Sua cara parece bem melhor. Até mais. – e saiu, fechando a porta atrás de si.

Harry ainda ficou olhando para a porta por algum tempo depois que Sirius saiu. Realmente não podia negar que o padrinho o conhecia bem; mostrar aquelas frases para ele – principalmente a de seu pai – o fez se sentir melhor. Abaixou os olhos para o mapa, pensando se deveria ou não visitar o padrinho mais tarde. O pontinho "Samantha Stevens" ainda caminhava pelo corredor do quinto andar...

A tarde estava começando a cair quando Harry decidiu sair do quarto. Estava começando a ficar neurótico de tanto olhar para aquelas mesmas paredes. Além do mais, estava se sentindo um pouco idiota ficando ali; vários pensamentos correram pela sua cabeça e ele ficou imaginando se Gina não estaria, naquele momento, se divertindo com os amigos, enquanto ele estava ali, esquecido por ela e curtindo sua dor. Um desejo doentio de mostrar a ela que ele não se importava (por mais que se importasse e muito), e que poderia continuar vivendo sem ela, começou a florescer dentro dele. E o primeiro passo para isso seria sair daquele quarto e... comer alguma coisa. Depois de algum tempo seu estômago começou a dar sinais de vida e reclamar por comida. Talvez fosse um bom sinal; pelo menos ele estava se preocupando com outras coisas que não fossem Gina, nem que essas coisas fossem comida.

Ao descer para o salão comunal, viu os alunos do primeiro e segundo ano, que ainda não podiam visitar Hogsmeade. A maioria deles estava se divertindo ou conversando, e alguns olharam intrigados quando viram Harry, um aluno do sexto ano, ali no castelo, podendo estar se divertindo em Hogsmeade. O rapaz nem ligou e passou direto por eles, não se importando com os comentários que surgiram. Depois de perder a conta de quantas vezes comentavam qualquer coisa sobre ele na escola, Harry passou a se importar bem menos com isso. Era como se estivesse quase se acostumando. Quase. Sempre achava que nunca se acostumaria com isso por completo.

Enquanto andava pelos corredores do castelo, não encontrou ninguém e agradeceu por isto. Foi direto para a cozinha pegar algo para enganar o estômago. Obviamente que Dobby fez mais do que "enganar o estômago do senhor Harry Potter"; o elfo doméstico praticamente empanturrou o rapaz de comida, falando muito durante todo o tempo. Durante sua visita à cozinha de Hogwarts, Harry pôde descobrir muitas coisas através do elfo: Dobby falou muito entusiasmado sobre o Baile de Inverno e, principalmente, sobre o cardápio da festa; além do baile, Dobby contou a Harry sobre seu namoro com Winky e, muito ruborizado, sobre uma idéia que estava tendo de pedi-la em casamento. Elfos domésticos não tinham costume de casar e fazerem cerimônias, mas Dobby, sendo o elfo mais diferente que Harry conhecia, resolveu que queria uma festa para celebrar a união. Harry incentivou o elfo e o aconselhou a conversar com Dumbledore sobre isso, porém seria desnecessário dizer todas as palavras de alegria e gratidão que Dobby proferiu depois do que Harry falou a ele.

Depois de sair da cozinha de barriga cheia, Harry começou a andar pelo castelo, pensando se deveria ou não ir falar com Sirius. Resolveu que iria sim, mesmo que não fosse para falar sobre "aquele assunto". De qualquer jeito teria que ir se despedir do padrinho antes que ele fosse embora novamente. Deu meia volta e mudou seu caminho na direção do quinto andar. Mesmo sem estar com o Mapa do Maroto consigo, ainda lembrava como chegar ao quarto do padrinho. Porém, no caminho, um vento arrepiou sua nuca e uma voz irritante gritou aos quatro ventos:

- "Potter abobado, tá sozinho e encalhado nesse feriado!"

A risada de Pirraça, o poltergeist, ecoou pelo chão e teto do corredor. Harry, muito aborrecido, parou de andar e levantou os olhos por cima das lentes dos óculos para ver Pirraça dando cambalhotas no ar e repetindo a mesma frase, rindo em seguida. Cruzando os braços de irritação, Harry debochou:

- Nem é feriado, seu cabeça de abóbora! As suas rimas já foram melhores, sabia?

Pirraça parou de dar cambalhotas e mostrou a língua para Harry, que riu cinicamente. O poltergeist começou a flutuar bem à frente de Harry e perguntou, seu rosto largo e malicioso cheio de curiosidade:

- É verdade que você está sozinho, Potter?

- Eu estava sozinho até você aparecer, se é que se pode contar você por gente... – Harry disse sarcástico.

Pirraça bufou e novamente mostrou a língua para Harry, dando mais uma cambalhota no ar. Harry aproveitou para voltar a andar e continuar em seu caminho para o quarto de Sirius. Pirraça não desistiu e começou a descrever voltas em torno dele:

- Eu fiquei sabendo que a sua namoradinha ridícula o abandonou... – Harry rolou os olhos e não respondeu. – É verdade? Quer dizer que ela não agüentou a sua chatice, Potter?

Harry olhou pelo canto dos olhos para o poltergeist, que ria e girava ao seu redor. Seria possível que essa história já tivesse chegado aos ouvidos das pessoas? Será que não se podia esconder absolutamente nada das paredes com ouvidos do castelo?

- As fofocas correm rápido aqui em Hogwarts... – Pirraça continuou. Harry deu de ombros. – Mas pode deixar que eu vou me encarregar de espalhar esse boato pelo castelo, Potter fedido e encardido!

E ele saiu rindo e flutuando, dando cambalhotas no ar. Harry continuou no seu caminho. Que todas as pessoas descobrissem, então! Dane-se! Ele não estava nem aí... Afinal, o que ao seu respeito que não virava assunto nas bocas dos alunos? Ou manchete de jornal? Estava chegando em tal ponto que queria mesmo era mandar o mundo e quem quer que fosse para o espaço, ou para aquele lugar, falando o inglês claro. Estava de saco cheio, e se Pirraça quisesse espalhar que ele estava sozinho, melhor! Quem sabe não aparecesse uma garota legal que se interessasse por ele, sabendo que ele estava livre e desimpedido novamente?

A quem estava tentando enganar, ele não queria mais ninguém... queria mesmo era Gina, mas quem não o queria mais era ela...

Finalmente chegou ao final do corredor do quinto andar. Porém, não havia nada ali. O corredor acabava e não havia nenhuma porta. Será que tinha se enganado e entrado no andar errado? Não, já estava na escola há quase seis anos, e não tinha como se enganar de andar... Talvez Sirius tivesse se enganado, no final das contas... Encostou a mão na parede para pensar, e ela brilhou intensamente onde ele tinha tocado e, antes que tivesse tempo de se desencostar, ela sumiu, e ele caiu de cara no chão por ter perdido o apoio, produzindo um grande estrondo.

Xingando alto de dor, ele se sentou, um pouco descadeirado, e alisou o traseiro para ver se não tinha nada quebrado. Suas mãos estavam vermelhas e ardidas por tê-las usado para amparar o impacto. Olhou ao redor para se certificar de que ninguém tinha visto o vexame. Quando já estava suspirando de alívio, ouviu uma risada alta e debochada:

- "Potter burro, caiu de maduro!"

"Ah, não... Agora não... Estou sonhando, o Pirraça não viu isso... É um pesadelo..."

Pior que não era. Pirraça apareceu atrás dele, e deu voltas ao seu redor, segurando a barriga de tanto rir. Dava a impressão de que ele iria ter um ataque se não parasse de dar risada. Falando um palavrão muito feio, Harry se levantou ainda um pouco dolorido, olhando emburrado para o poltergeist, que não parava de rir.

- "Olha a boca, Potter boboca!"

Harry mandou Pirraça ir tomar em um lugar que não mandaria se Hermione estivesse presente à cena. O poltergeist estirou a língua, mas parou de rir quando viu a passagem que tinha sido aberta na parede por Harry. O rapaz olhou para trás também e viu o mesmo que Pirraça: uma espécie de túnel fora aberto na parede, e, olhando mais atentamente, dava para ver que ele continuava até muito longe e não dava para enxergar o fim.

- O que é isso? – Pirraça perguntou curioso, aproximando-se do túnel com os olhos arregalados e a boca aberta. Harry, percebendo que era uma passagem secreta para os dormitórios dos hóspedes, respondeu seco:

- Nada que seja da sua conta! Agora dá o fora, vai!

- Eu, não! Não vou perder essa chance! – ele falou, passando zunindo por Harry e entrando no túnel rápido como o vento.

- Ah, não! – Harry praguejou e saiu correndo atrás do poltergeist fugitivo.

O rapaz ainda pôde ver a passagem se fechando atrás dele depois que entrou, mas não se importou com isso e começou a correr atrás de Pirraça, que ia dando cambalhotas pelo túnel. Não era um túnel muito grande, por isso Harry tinha que tomar cuidado para não bater nas paredes enquanto corria. As paredes eram decoradas com cores quentes, dispostas em círculos, o que o estava deixando ligeiramente tonto. Concentrando seu pensamento em não perder Pirraça de vista, ele continuou a correr.

Quando Harry estava começando a pensar que o túnel não tinha mais fim, ele acabou sem mais nem menos. A passagem dava numa grande sala circular de teto alto, ricamente decorada, cheia de quadros de bruxos famosos e de objetos antigos de valor. Havia tapetes decorados com pinturas exóticas tanto no chão como nas paredes, e um lustre de cristal pendia do teto alto. Mas o estranho era que não havia portas na sala. Pirraça assobiou alto.

- Uau... Não conhecia esse lugar... – ele disse abobalhado. Harry o olhou feio e disse:

- Tá bom, Pirraça, ficou feliz? Agora que você já viu, pode ir embora?

- Não, Potter bobão! – ele gritou, rindo, e flutuou até um vaso de porcelana. Harry tremeu ao pensar no que ele estava prestes a fazer.

- Não... Pirraça, não!

Mas já era tarde. O poltergeist tinha levantado o vaso e jogado bem nas fuças de Harry, que rapidamente sacou a varinha, esquecendo da regra que dizia ser proibido magia fora das salas de aula.

- Wingardium Leviosa!

Harry conseguiu parar o vaso no ar e fazê-lo flutuar até o chão, em segurança. Mas Pirraça, rindo descontroladamente, já tinha arrancado da parede um quadro de uma bruxa gorducha, que gritava desesperada, e jogado-o na direção do quadro de um outro bruxo montado num cavalo, que arregalou os olhos e desmontou do animal. Harry novamente usou o feitiço de levitação e conseguiu parar o quadro voador antes que se chocasse na parede. A bruxa suspirou de alívio.

- Pare com isso, Pirraça! – Harry pediu aflito. Se alguém descobrisse, certamente Pirraça iria desaparecer no ar e quem levaria a culpa seria ele. E mais uma detenção para sua pequena coleção era o que ele menos queria naquele momento.

Pirraça riu ainda mais e pegou um outro vaso, maior e mais antigo do que o outro, de cima de uma aparadora de canto. Harry sentiu um frio na barriga ao ver que o poltergeist contorcia a cara maliciosa fazendo mira nele e, por isso, começou a andar de um lado para outro, desviando-se da mira do homenzinho. Porém, Pirraça o encurralou em um canto e, antes que Harry lançasse um feitiço nele, produziu um vento forte que arrepiou os cabelos do rapaz e fez sua varinha voar de suas mãos em um rodamoinho. Pirraça parecia ter realmente aprendido alguns bons truques nesses anos, mas Harry não podia perder seu tempo pensando nisso e sim em alguma saída, e rápido. O poltergeist fez novamente mira e, antes que Harry pensasse em algo, ele jogou o vaso bem na direção dele. A única coisa que Harry pôde fazer foi se abaixar e esperar pelo pior, mas, por um milagre, o vaso não se estatelou na parede. Pirraça parou de rir, e Harry, olhando para cima, viu o vaso flutuando sobre sua cabeça. Ao virar a cabeça para trás viu Remo Lupin empunhando sua varinha na direção do artefato.

- Que bagunça é essa? – Remo perguntou ligeiramente irritado.

- Foi ele! – Harry e Pirraça gritaram ao mesmo tempo, um apontando para o outro. Remo suspirou cansado e fez o vaso flutuar até seu devido lugar. Harry ainda não entendia de onde o ex-professor tinha surgido.

Remo olhou para Harry e depois para Pirraça. Cruzou os braços e disse para o poltergeist:

- Tenta enganar outro, Pirraça! Tá na cara que foi você, o Harry não faria isso!

O rapaz suspirou aliviado. Pirraça emburrou a cara e debochou:

- Só porque ele é o Potter não faz nada de errado? Pois eu vi que ele entrou aqui sem permissão!

Remo olhou intrigado para Harry, que devolveu o olhar, só que de inocência.

- Pirraça, vá embora... – Remo mandou. – Se você for bonzinho, eu prometo que não conto isso para o Filch.

- Lupin louco, lobo bobo! – Pirraça caçoou e foi embora pelo mesmo túnel que entrou. Remo olhou ainda intrigado para Harry.

- Mas o que ele disse tem sentido... O que você tá fazendo aqui, Harry?

- Vim visitar o Sirius. – o rapaz respondeu. – Ele falou que eu podia vir.

- E o Pirraça, por que estava aqui?

- Ele me seguiu.

- Ah...

Harry olhou curioso para trás de Remo e perguntou:

- De onde você apareceu?

- Ah, isso... – Remo riu. – Os quartos não têm portas aqui. Para entrar precisa saber a passagem secreta e a senha. O meu quarto é aqui atrás. – ele indicou com o polegar para as próprias costas.

- E o do Sirius?

- Ali, atrás daquele... – Remo indicou o lugar onde estava o quadro da bruxa gorducha que Pirraça atirou na parede. – Onde está o quadro da Lady Rockfort?

Harry apontou para um quadro caído no chão, perto dali.

- Ah... – Remo disse vagamente, fazendo o quadro flutuar com um feitiço e colocando-o no seu devido lugar. Enquanto isso, Harry cruzou a sala para pegar sua varinha.

- Então... – o ex-professor continuou, depois que colocou o quadro da bruxa no lugar. Ela ainda parecia pálida do susto e dizia palavras incompreensíveis. – O quarto do Sirius é atrás desse quadro, você só precisa dizer a senha "Criquet-wicket" que ela vai abrir a passagem.

- "Criquet-o-quê"? – Harry perguntou sem entender, mas não foi preciso Remo responder; a bruxa do quadro, de tão aflita, abriu a passagem na mesma hora que o ex-professor tinha dito a senha.

- Esquece... – ele disse.

Harry olhou para a passagem aberta; pelo que ele via, ela parecia dar em um outro cômodo menor. Olhou para o ex-professor.

- Mas eu entro assim? Sem mais nem menos? E se eu atrapalhar alguma coisa?

Remo deu de ombros.

- Você não disse que ele deixou você vir? Então! – ele guardou a varinha entre as vestes, e começou a caminhar na direção do túnel que dava no corredor do quinto andar. – Além do mais, eu sempre entro aí e ele não liga, vai ser o mesmo com você. Até mais, Harry.

- Até... – o rapaz disse vagamente, enquanto o bruxo ia embora. Virou-se para a passagem e entrou.

O que havia ali dentro era um cômodo menor, que se assemelhava a um hall de entrada. Era decorado no mesmo estilo da sala circular de fora. Havia uma única porta, que Harry supôs ser a do quarto do seu padrinho. O rapaz se aproximou e bateu nela. Não houve resposta. Nenhum barulho lá dentro, também. Hesitando um pouco antes, Harry girou a maçaneta e percebeu que a porta não estava trancada. Empurrou-a ligeiramente, abrindo uma pequena fresta, por onde colocou os olhos, e chamou:

- Sirius? Sou eu, o...

Mas ele não conseguiu terminar a frase. O que viu o fez perder as palavras, e sentir seu rosto imediatamente quente, seu queixo caindo de surpresa. Aquilo era, no mínimo, imensamente constrangedor. Harry quase engasgou.

Sirius estava no meio de um intenso beijo com ninguém menos que Samantha Stevens. Os dois se beijavam com tanto ardor e intensidade, e seus corpos estavam tão próximos, que pareciam um só. Definitivamente, eles não eram mais aquela dupla que desferia insultos a cada encontro; no momento, eles pareciam muito mais com um casal apaixonado.

Harry engoliu em seco quando os dois pararam de se beijar e olharam para ele. O rapaz rapidamente se virou e encostou na parede ao lado da porta. Não precisou de muito tempo ou observação para entender o que tinha acontecido. Ouviu a voz de Sirius o chamando, mas não voltou a olhar para o quarto. Estava em um dilema entre sair correndo e fingir que nada aconteceu, ou esperar a reação dos dois. Deveria ter batido mais vezes na porta, droga! Ou então deveria ter avisado que viria! Mas o próprio Sirius lhe disse que poderia vir, e Remo o encorajou a entrar. Droga, não devia ter confiado em nenhum dos dois, mas como poderia prever isso?

- Harry...

Era Sirius. Ele tinha aparecido na porta e olhava para Harry tão constrangido quanto o afilhado. O bruxo estava com os cabelos desarrumados, a camisa aberta e sem sapatos. Harry se virou para o padrinho, mas não olhou em seus olhos.

- Sirius... Eu sinto muito, não era minha intenção... Eu vou embora!

- Não! – ele o segurou pelo ombro. – Eu mesmo falei para você vir... Ah... – ele soltou um longo suspiro e, olhando para dentro do quarto, disse: - Samantha! É melhor você ir embora!

Harry pôde escutar ela xingando alto e soltando um som abafado de irritação. Depois de poucos segundos, a professora apareceu na porta. Seus cabelos estavam mais desalinhados do que os de Sirius, e seu vestido negro mal colocado sobre o corpo, parecendo muito amassado. Ela carregava os sapatos de saltos altos nas mãos, e de longe não era aquela mulher bem composta de sempre. Seu olhar era extremamente aborrecido quando encarou Harry, sem cumprimentá-lo, mas mais aborrecida ainda ela ficou quando olhou para Sirius.

- Antes eu era "Sam" e podia ficar! Agora eu sou "Samantha" e tenho que ir! Você é mesmo um cafajeste, Sirius! Só quis se aproveitar de mim!

- Eu? – ele perguntou abismado, rindo cinicamente em seguida. – Sinto muito, mas eu não me lembro de ter ido procurá-la no seu quarto.

Ela bufou irritada, e saiu batendo os pés. Sirius a acompanhou com os olhos, mas não tinha aquele brilho raivoso no olhar, e sim uma expressão um tanto desapontada. Harry se culpou mais ainda por seu descuido. Sua vontade era ir embora para bem longe, mas sabia que o padrinho não permitiria. Enquanto caminhava para a passagem, Samantha ia colocando os sapatos nos pés. Harry não conseguia entender como ela conseguia fazer aquilo com tanta desenvoltura e sem ao menos se desequilibrar. Quando ela estava bem na passagem, parou e soltou um grito:

- PIRRAÇA!

Sirius e Harry se entreolharam, este último já sabendo do que se tratava: Pirraça não tinha ido embora, somente se escondido. Em dois passos, Sirius alcançou a porta e ficou atrás de Samantha. Harry se aproximou também, mas manteve uma distância dos dois adultos. Porém, ainda podia ver Pirraça dando cambalhotas no ar e rindo. A professora dirigiu um olhar bastante assassino para o poltergeist quando ele caçoou:

- Cobra dissimulada, se não tomar jeito vai entrar numa enrascada!

Sirius ia dizer alguma coisa, mas não teve tempo. A mulher sacou a varinha e apontou para o poltergeist, dizendo algumas palavras mágicas complicadas, que Harry não conseguiu entender. No mesmo instante ouviu-se um "ploc", e Pirraça desapareceu. Harry ficou boquiaberto, enquanto Sirius soltou um som parecido com "tsk, tsk", enquanto girava a cabeça de um lado para outro. Como se nada tivesse acontecido, a mulher saiu caminhando altiva e pisando duro no chão.

- Ela nunca vai mudar... – Sirius suspirou, cruzando os braços, quando a mulher estava longe de suas vistas.

- O que foi isso? – Harry perguntou, referindo-se ao desaparecimento de Pirraça.

- Ela mandou Pirraça para uma outra dimensão.

- O quê?

- Uma dimensão paralela à nossa... Ele provavelmente não vai dar as caras em Hogwarts por umas três semanas ou mais. Uma vez ela me mandou para esse lugar também.

- Como?

- Ah, ela sabe uns feitiços bastante adiantados, sempre soube, desde a época da escola... Ela me mandou para esse lugar, mas eu tive sorte e consegui realizar um contra-feitiço e sair.

Harry não disse mais nada depois disso. Um silêncio caiu sobre os dois e, rapidamente, ambos voltaram a se constranger com a situação. Sirius descruzou os braços e disse, caminhando em direção ao seu quarto:

- Vamos, Harry... Venha, vamos conversar.

- Anh... Sirius... Você não acha melhor eu... voltar outra hora?

- Tudo bem. – o padrinho respondeu, entrando no quarto e segurando a porta, fazendo um sinal para que o afilhado entrasse. – Vamos, entre.

Meio sem jeito, Harry entrou, e Sirius fechou a porta atrás dele. O quarto era ricamente decorado, como os outros ambientes, mas estava incrivelmente bagunçado. Havia roupas jogadas no chão, e malas abertas com roupas espalhadas sobre elas. A cama estava totalmente desfeita, comprovando a teoria que Harry formulou ao chegar e ver aquela cena. Não era preciso ser muito esperto para imaginar o que teria acontecido antes daquele beijo.

Sirius atravessou o quarto e sentou na ponta da cama, colocando a cabeça entre as mãos, parecendo muito desanimado. Harry nunca tinha visto o padrinho assim, ele parecia até mesmo... desesperado. O rapaz se sentiu muito mal ao ver isso, já que a culpa era sua! Se não tivesse entrado na hora errada, nada disso teria acontecido... Começou a se culpar por não ter ficado no dormitório o dia todo, como era sua vontade antes.

- Sirius... anh... me desculpe, eu...

- Você não me deve desculpas, Harry. – o outro disse rapidamente. – Eu é que lhe devo explicações.

- Não! – Harry disse se sentando ao lado do padrinho, que continuava com a cabeça entre as mãos. – Sirius, eu não tenho nada a ver com o que você faz... Você é adulto e sabe o que é melhor para você. Não precisa explicar nada!

- Mas eu quero! – ele insistiu, virando-se para olhar o afilhado com um brilho quase suplicante nos olhos castanhos escuros. – Eu preciso... Senão vou sufocar...

- Tudo bem, então... Se falar for te ajudar, eu tô aqui.

- Ah, Harry... Eu não devia ter feito o que fiz hoje! Eu não queria!

- Então por que fez?

- Porque eu queria!

- Queria ou não queria?

- Queria, mas também não queria!

- Assim você vai me deixar maluco, Sirius...

- Ah... – ele manteve o olhar focado no nada. – Eu sabia que estava errado, que não devia, mas... eu não consigo! Não consigo resistir a ela, não consigo me controlar! – ele suspirou. – É como uma doença... o que eu sinto por ela não é amor, nem paixão... é uma doença, e eu não consigo me curar!

Harry não respondeu de imediato. Sabia que era egoísmo pensar em seus próprios problemas quando o padrinho precisava dele, mas não se conteve. Lembrou de Gina. Será que ela estaria certa, afinal? Será que o que ele sentia por ela não era amor? Nem paixão? Será que era uma doença, como Sirius definia? Não... não poderia ser... ele tinha certeza que não.

- É como se ela fosse uma droga, Harry... – Sirius continuou. – E eu sou viciado nessa droga, e não consigo deixá-la, não consigo esquecê-la... Eu sei que é errado, mas é só ela chegar perto de mim que eu não me controlo... Eu perco o controle sobre minhas ações e, quando dou por mim, já aconteceu...

- Sirius... e se você tentasse ficar com ela? Realmente? Se lhe desse uma chance?

- Não! – ele disse categórico, olhando bem fundo nos olhos de Harry. – Não, Harry! Não posso perdoá-la! Não posso aceitá-la!

- Mas o que ela fez de tão errado que te magoou tanto?

Ele suspirou, virando-se novamente para olhar o nada.

- Não... eu... não quero te contar isso ainda, Harry... Não consigo te contar ainda... me desculpe...

- Tudo bem... – Harry, um pouco desajeitado, colocou a mão sobre o ombro do padrinho, tentando confortá-lo. Era estranho fazer isso, porque geralmente não era ele que confortava as pessoas, e sim elas que faziam isso. – Você é quem sabe... mas... se quiser, pode contar comigo...

Sirius se virou para olhá-lo e sorriu.

- Obrigado. – ele riu chateado. – Você veio aqui para que eu te ajudasse e no final você acabou me ajudando...

- Ah... – Harry tirou a mão do ombro do padrinho, virando-se e apoiando as mãos nos joelhos. – Não tem problema, acho que foi melhor assim...

Harry não estava mentindo. Realmente se sentiu melhor com essa tentativa de ajudar Sirius. Por um momento esqueceu seus próprios problemas pensando nos dele. Era estranho, mas parecia que se sentia melhor do que se voltasse a falar das suas complicações com Gina para o padrinho. Era melhor ajudá-lo do que voltar a pensar no que tinha acontecido.

- Você ainda quer conversar sobre...

- Não. – Harry sorriu ligeiramente. – É sério. Não precisa. Você me ajudou muito mais dividindo seus problemas comigo do que se tivesse me ouvido por horas e horas a respeito dos meus problemas...

Dessa vez foi Sirius que colocou a mão no ombro de Harry. O rapaz se virou e olhou para ele. O padrinho sorria. Harry conseguiu sorrir também, o primeiro sorriso realmente sincero que dava depois de muito tempo.

N/A: Leiam também a songfic desse capítulo, Disease, em breve aqui na ff.net!!! Bjks mil e um ;)