Capítulo Quatorze – A vingança de Malfoy

O dia seguinte, domingo, amanheceu nublado e frio novamente. Harry enrolou o máximo que pôde no dormitório naquele dia, pensando duas vezes se deveria ou não colocar o pé para fora da cama. Parecia que seus dias estavam se tornando piores a cada novo amanhecer. Porém, como não agüentava mais olhar para aquelas paredes do dormitório masculino do sexto ano, levantou um pouco mais tarde do que os seus colegas de quarto e, ao invés de ir para o café da manhã no Salão Principal, decidiu pegar alguma coisa para enganar o estômago com Dobby na cozinha. Isso já estava virando um hábito, mas o elfo doméstico não se importava, pelo contrário, ficava mais feliz a cada visita de Harry.

Depois de comer qualquer coisa, o rapaz resolveu ir dar uma volta de vassoura no campo de quadribol para refrescar a cabeça. Tinha trazido sua Firebolt de propósito quando saiu da torre da Grifinória justamente para poder voar mais tarde. Só havia duas coisas que ele mais queria naquele momento: preencher sua cabeça com alguma distração e ficar sozinho. Sabia que a história do término do seu namoro com Gina já deveria ter se espalhado por toda a escola, e ficar ouvindo perguntas e comentários por onde passava era a última coisa que queria no momento.

Sirius tinha ido embora na noite anterior, e Remo tinha ido junto. Pelo que o padrinho lhe contara quando Harry fora se despedir dele e conversar, ele tinha alguns trabalhos muito importantes para fazer, mas que não podia contar para Harry. O rapaz nem se importou com isso; já estava quase se acostumando em não poder saber de absolutamente nada que acontecia. Quase.

Hermione cumpriu sua promessa e, junto com Rony, trouxe muitas lembranças da loja dos gêmeos, além de vários doces para Harry. Entusiasmados, os dois contaram sobre a loja de logros e a visita a Hogsmeade, o que distraiu Harry de pensar em outras coisas por um tempo. A única coisa que fez o rapaz pensar novamente em tudo que tinha acontecido foi a aparição de Gina no salão comunal naquela noite, o que ele sabia que seria inevitável, já que os dois pertenciam à mesma Casa. Harry desviou os olhos e preferiu não olhar para a menina enquanto ela passava junto com os colegas do seu ano. Para o alívio de Harry, ela logo subiu para o dormitório junto com Peta.

Depois de muitas voltas pelo campo de quadribol, Harry resolveu voltar para a torre da Grifinória. Lembrou-se da montanha de deveres de casa que lhe esperavam e decidiu ocupar sua mente com algo útil. Voar realmente tinha refrescado suas idéias, e o fez enxergar que não podia parar de viver só porque Gina o abandonara. Pelo contrário, tinha que mostrar a ela que podia continuar a viver sem sua presença. Mesmo que fosse difícil.

Vários olhares se voltaram para ele quando entrou pela passagem do retrato da Mulher Gorda naquela tarde. Harry não se importou; passou direto por eles, subiu para seu dormitório, pegou seus livros e pergaminhos, e desceu novamente, sem dar atenção aos comentários de um grupinho de meninas do quarto ano que olhavam para ele, riam e suspiravam. Um dia teria que enfrentar isso, não é? Melhor enfrentar de uma vez do que ficar adiando. Aborrecido, começou a se concentrar na redação de Defesa Contra as Artes das Trevas que teria que entregar no dia seguinte.

Não demorou muito para que o salão começasse a se encher de alunos barulhentos, já que a chuva fina que caía nos jardins impedia que aproveitassem o domingo fora do castelo. Havia dois assuntos do dia: a visita a Hogsmeade do dia anterior e a fofoca bombástica do término do namoro de Harry Potter com aquela menina Weasley do quinto ano que ninguém lembrava direito o nome. Harry podia perceber a vontade que todos tinham de lhe perguntar sobre o assunto, mas fingiu que não percebia e continuou fazendo sua redação, sentindo uma vontade imensa de levantar dali e se trancar no dormitório novamente, mas dizendo a si mesmo que não podia fugir de seus problemas para sempre. De qualquer maneira, permaneceu onde estava, fazendo sua redação. No entanto, depois que uma garota sardenta e baixinha do sétimo ano veio acompanhada de duas amigas perguntar sobre o ocorrido para Harry, as três recebendo um olhar assassino do rapaz como resposta, os comentários pareceram diminuir um pouco, ou então o tom de voz foi o que diminuíra, porque Harry não escutou mais nada a respeito depois disso.

Não demorou muito para que Rony e Hermione aparecessem, para o imenso alívio de Harry. Os dois amigos se aproximaram de Harry, e Hermione, ao ver o que o amigo estava fazendo, alfinetou o namorado:

- Viu, Rony? O Harry é bem mais responsável do que você, ele já tá fazendo a redação da Profª. Stevens!

Harry não pôde conter um riso baixo. Engraçado como Hermione dizia o nome da professora com imenso desagrado.

Rony fez uma careta e se sentou de frente a Harry, enquanto Hermione sentou ao lado do namorado. Bufando, Rony pegou um pergaminho em branco qualquer e escreveu o título da redação no topo, olhando para o teto depois, parecendo estar em busca de inspiração.

- Você bem que podia ajudar a gente, né, Mione? – Rony pediu, enquanto a menina folheava o livro de Transfiguração. – Você já fez a redação, não foi?

- Claro que fiz! – ela respondeu com seu tom de sabe-tudo. – Eu não deixo as coisas para a última hora como certas pessoas... – ela provocou, olhando de Rony para Harry.

- Puxa, antes eu era responsável, agora deixo as coisas para última hora... – Harry comentou irônico. Hermione lhe lançou um sorriso muito falso, que fez Rony rir. – Mas o Rony tem razão, você bem que podia ajudar a gente, Mione...

- Viu como não sou só eu?

- Eu conheço bem vocês dois, Rony... – ela respondeu.

- Olha, me ajuda aqui nessa parte que tô com dificuldade, Mione... – Harry pediu, passando o pergaminho para a amiga. Ela não o pegou. – Por favor...

Ela puxou o pergaminho da mão de Harry, sob protestos de Rony:

- Ah, é assim? O Harry você ajuda, e eu só ganho patada!

- Começa a redação e, se você tiver alguma dificuldade, eu te dou uns toques, tá bom? – ela falou, lendo por cima a redação de Harry.

Rony bufou novamente e se pôs a escrever. Harry recostou na cadeira, e seu olhar se encontrou com o de Gina, que estava do outro lado da sala, conversando com Peta, Jonnathan e Colin. O rapaz começou a sentir o estômago dar voltas, e virou o rosto. Quando olhou novamente para o outro lado da sala, ela já estava conversando de novo com os amigos.

"Será que ela nem se importa?", ele pensou. "Será que nem ao menos ficou um pouquinho perturbada depois de tudo que aconteceu?" Lembrou-se de que Rony e Hermione lhe contaram que ela tinha ido a Hogsmeade, mas não parecia muito contente. Olhando agora para ela, a menina não parecia realmente feliz. Talvez tudo o que acontecera a tenha abalado, mas parecia que não tanto quanto abalou Harry. "Será que ela realmente falou a verdade quando disse que não me amava?" As palavras de Sirius ecoaram em sua cabeça: "É como uma doença... o que eu sinto por ela não é amor, nem paixão... é uma doença, e eu não consigo me curar!" Será que o que Harry sentia também era uma doença? Não, ele não conseguia imaginar isso. Conseguia se controlar, não conseguia? Desde que Gina o dispensara, ele não trocara sequer uma palavra com a menina, e nem era sua vontade fazê-lo. Claro que sentia falta dela, mas uma voz na sua cabeça insistia que falar com ela seria fraqueza, e ele interpretou essa voz como seu orgulho ferido se manifestando. Seu único desejo mais parecia mesmo uma obsessão: mostrar a ela que não se importava, que podia viver sem ela, mesmo que às vezes duvidasse disso.

- Harry, muda isso aqui porque tá errado... – a voz de Hermione interrompeu seus pensamentos, trazendo-o de volta à realidade, e ele novamente tentou concentrar sua mente na redação, mesmo que, às vezes, ainda olhasse de esguelha para a menina de cabelos vermelhos do outro lado da sala. Mas ela não mais lhe dirigiu um único olhar...

Foi na segunda-feira que Harry realmente pôde perceber o quanto a história do término do seu namoro se espalhou pela escola. Dessa vez não foi possível ficar trancado no quarto e também não pôde deixar de ir tomar o café da manhã no Salão Principal, já que Rony e Hermione pareciam empenhados em fazê-lo comer decentemente depois de um fim de semana inteiro pegando besteiras para enganar o estômago na cozinha. Em consideração com o amigo, os dois até pararam de se tratarem como namorados na frente de Harry, o que, mesmo sabendo que era egoísmo, fez o rapaz se sentir um pouco melhor. Era estranho, mas ver os dois felizes lhe doía, fazia-o se lembrar de que ele estava sozinho porque Gina o abandonara. Parecia que os amigos tinham percebido isso.

Antes de irem para a primeira aula do dia, que era Defesa Contra as Artes das Trevas, Harry, Rony e Hermione pararam no Salão de Entrada para assinarem a lista de alunos que ficariam para o Natal em Hogwarts. Por causa do baile que seria realizado, havia muitas assinaturas, tantas que parecia que todos os alunos passariam as férias de inverno na escola. Quando Hermione estava passando a pena para Rony assinar, ele comentou:

- Minha mãe me mandou uma carta ontem para que eu fosse passar as férias lá em casa...

- Mas você sempre passa as férias de inverno aqui, por que ela pediu para que você fosse? – Harry perguntou, enquanto aceitava a pena que Rony lhe passava e começava a assinar.

- Ela queria a família toda reunida, sabe? Gui e Carlinhos vão passar o Natal em casa, então eu vou ser o único que vai ficar faltando para estar toda a família...

- Mas a Gina também vai ficar em Hogwarts, não vai? – Hermione perguntou, mas rapidamente levou à mão na boca por ter mencionado a menina, olhando assustada para Harry, que fingiu que não escutou.

- Ela vai passar o Natal em casa também. – Rony respondeu sem graça. Harry levantou os olhos da lista onde tinha acabado de escrever seu nome e olhou para o amigo.

- Vai, é?

- Vai sim. Ela decidiu depois que... bem, depois que... vocês... terminaram.

Um silêncio constrangedor caiu sobre eles, e Hermione logo tratou de mudar de assunto:

- Bem, mas de qualquer jeito você não poderia ir, Rony! Lembre-se que somos monitores e não podemos abandonar a escola no meio de um evento desse!

Os três seguiam para a classe de Defesa Contra as Artes das Trevas, Rony e Hermione tentavam encontrar outro assunto que não fosse Gina, enquanto Harry ia pensando no que tinha acabado de escutar. Então ela não ia ficar para o baile? Ah, o que isso lhe importava, afinal? "Grande mentiroso você é...", uma vozinha lhe disse na sua cabeça. "Óbvio que isso te importa, senão não estaria pensando nisso! Não estaria nem ligando, mas você está aí, pensando!" Ok, talvez demorasse um tempo para que ele parasse de se importar com o que Gina fazia ou deixava de fazer, mas se empenharia em conseguir! Ele é que não ia se humilhar e pedir para voltar! Ah, nunca mesmo! Tinha seu orgulho! Por mais que estivesse sendo difícil suportar vê-la andando pelos corredores... no salão comunal... Ah, quer saber? Melhor mesmo que ela fosse passar uns tempos longe, assim ele não tinha que ficar vendo-a em todos os lugares! Sim, era melhor assim... por mais que fosse sentir sua falta...

- Andando no mundo da lua, Potter?

Uma voz arrastada lhe tirou de seus pensamentos, e Harry pôde notar que já tinha chegado à sala de aula. Draco Malfoy o encarava com um sorriso de contentamento, enquanto Crabbe e Goyle riam como trasgos atrás dele. Rony e Hermione pararam de andar e se voltaram para ver o que estava acontecendo.

- Será que você não consegue manter sua boca nojenta fechada por um instante sequer, Malfoy? – Rony perguntou sarcástico.

- Será que você não consegue perceber que não estou falando com você, Weasley? – o sonserino retrucou no mesmo tom. – Eu não costumo me misturar com gente da sua laia.

As orelhas de Rony ficaram muito vermelhas, e ele teve o ímpeto de partir para cima de Malfoy, não fosse Hermione segurá-lo pelo braço, murmurando: "Rony, você é um monitor!".

Harry se virou para encarar os olhos cinzentos de Malfoy e lhe dizer algo nada gentil, quando uma voz tão irritante quanto a do loiro disse:

- Será que não percebem que estão atravancando o caminho? – era Katherine Willians que falava. – Eu quero passar!

- Dane-se o que você quer, garota. – Harry disse entredentes.

Malfoy ficou vermelho de raiva.

- Olha aqui, Potter!

- Olha aqui, você! Eu não tô com saco pra te aturar hoje, Malfoy, por isso vai ver se enche a paciência de outro!

Harry se virou para continuar seu caminho, mas Malfoy provocou em uma voz bastante divertida:

- Nervosinho porque foi chutado pela namoradinha, Potter? – Harry parou onde estava, sentindo o sangue latejar em suas têmporas. – Impressionante como ela te aturou por tanto tempo, Potter! Bem... dá pra entender... descendendo de uma família como a dela...

Aquilo era o bastante! Antes que Rony desse um soco no meio da cara debochada de Malfoy, antes que Hermione descontasse pontos dele, Harry se virou, buscando a varinha no meio das vestes e apontando bem no meio dos olhos do sonserino, que apenas o encarou com um enorme sorriso no rosto pálido, como se fosse exatamente aquilo que ele queria. Que importava? Era o que ele merecia, e Harry não ligava mais se perderia pontos por isso. Os alunos já observavam atentos a mais nova briga entre o grupo grifinório e o sonserino.

- Harry, não! – Hermione gritou exasperada, tentando impedir o amigo. – Como monitora, Harry, eu não posso permitir...

Mas não foi necessário que Hermione começasse seu sermão, porque um som de saltos altos se fez ouvir, e uma voz rouca disse em um tom categórico:

- Deixe isso comigo, Srta. Granger.

Hermione engoliu em seco, assim como Rony. Samantha Stevens estava postada na soleira da porta. Diferente da última vez que Harry a vira, ela estava tão bem composta e arrumada como normalmente. Um olhar frio e astuto estava presente em suas orbes azuladas.

Malfoy parecia mais extasiado ainda de felicidade do que antes ao ver a professora. Willians olhava de um jeito muito esquisito para a mulher ao seu lado. Com o mesmo tom categórico de antes, a professora perguntou:

- O que está fazendo, Sr. Potter?

- Tentando escolher uma azaração para atingir Malfoy. – Harry respondeu em um tom casual, não movendo a varinha do meio dos olhos do rival nem por um milímetro. – A senhora sugere alguma?

- Abaixe essa varinha, Sr. Potter.

- E se eu não quiser?

- Harry! – Hermione disse num gritinho assustado.

- Abaixe essa varinha! – a professora bradou, dando um tapa na mão de Harry, que o obrigou a abaixar a varinha. – Quinze pontos a menos para a Grifinória!

Harry deu um sorrisinho abafado, e guardou a varinha entre as vestes. Os alunos da Grifinória o olhavam com uma certa raiva, já que, desde sexta passada, Harry já tinha perdido cento e setenta e cinco pontos. Hermione era a que tinha o olhar mais repreendedor de todos, mas Rony era o único que parecia ter concordado com o que Harry tinha feito, talvez pelo insulto à sua irmã e sua família. Harry levantou os olhos para ver a Profª. Stevens, e pôde observar que ela mantinha a mesma pose rígida e austera. Com uma voz bastante severa, ela disse:

- Eu estou esperando que todos sentem para que eu comece minha aula. Será que terei que falar duas vezes?

Não foi preciso. Em menos de um minuto toda a classe já estava devidamente acomodada em suas carteiras, o silêncio reinando no ambiente. O único som era o dos saltos altos da professora, enquanto ela caminhava de um lado para outro na frente da classe, o que deixava todos ainda mais tensos; em dado momento, a Profª. Stevens parou atrás de sua mesa, apoiando as duas mãos sobre ela, encarando os alunos com uma expressão de completo aborrecimento.

- Eu espero, ou melhor, eu exijo que o que aconteceu hoje aqui não se repita nunca mais, entendido?

Um murmúrio de assentimento percorreu a classe, e muitas cabeças se voltaram para encarar Harry com indignação. "Ótimo", ele pensou irritado, "agora eu sou, mais uma vez, o culpado!" Aparentemente, a Profª. Stevens pareceu notar isso.

- E não adianta ficarem culpando o Sr. Potter. – todos olharam intrigados para a mestra, Harry o mais intrigado de todos. – Eu não sou idiota, e ficou claro que não era só ele que estava brigando, então... – ela correu o olhar para os sonserinos, especialmente Malfoy, que por um instante pareceu tremer. – ...dez pontos a menos para a Sonserina. – ela completou, com um profundo desagrado na voz.

Outro murmúrio, dessa vez de indignação, percorreu o lado sonserino da classe. Os grifinórios sorriam discretamente. Estreitando os olhos para a turma da Sonserina, a Profª. Stevens disse em um tom que não admitia contestações:

- E eu não quero um pio a respeito. Parece que vocês não entendem que eu sou a autoridade aqui, e eu tiro quantos pontos quiser, de quem quiser, e quando quiser, se achar necessário. E mais uma coisa... – ela disse, colocando o dedo na frente dos lábios e apontando para os alunos. - ...nem uma palavra, ouviram? Eu não quero ouvir o som de nenhuma voz nessa sala a não ser a minha própria hoje. Se tiverem perguntas, levantem a mão e eu direi se podem falar. Ficou claro?

A resposta para a pergunta dela foi um total silêncio, tão profundo que era possível ouvir o som distante de Hagrid dando aula para seus alunos nos jardins da escola. Ninguém ousaria discordar de Samantha Stevens, ainda mais em uma circunstância como aquela. Parecia que ela já tinha começado o dia com o pé esquerdo, e Harry não conseguiu reprimir o pensamento que isso se devia ao acontecimento da tarde de sábado, quando ele flagrou a professora e Sirius juntos. Talvez fosse melhor controlar seus ânimos durante essa aula, pois tinha a "leve" impressão de que mais da metade da irritação da Profª. Stevens era culpa dele, por causa justamente do sábado.

- Recolha as redações de lição de casa que mandei fazer, Srta. Parkinson. – a professora mandou, enquanto se virava e começava a fazer algumas anotações na lousa.

A aula transcorreu no mais absoluto silêncio, e ninguém se atrevia a deixar de prestar atenção no que a professora dizia naquela manhã. Ao mesmo tempo, ninguém fez nenhuma pergunta, nem mesmo Hermione. Quando o sinal tocou, todos saíram bastante aliviados, até mesmo os garotos mais fascinados pela professora. Harry, juntamente com Rony e Hermione, tentou sair o mais depressa possível, porém, quando estava passando à frente da mesa da professora, ela mandou, sem levantar os olhos dos papéis em que mexia:

- Fique, Sr. Potter.

Harry suspirou aborrecido, enquanto recebia um olhar de Hermione que dizia claramente: "Melhor obedecer". Os amigos se foram, e Harry ficou esperando a professora se manifestar. Ao que parecia, ela estava esperando os alunos saírem para falar. Não deu outra; quando o último aluno saiu, ela levantou os olhos e mandou:

- Encoste a porta, Harry.

De certa maneira, a menção do seu primeiro nome fez Harry se sentir um pouco mais... aliviado. Pelo menos demonstrava que ela não estava tão aborrecida com ele assim. O rapaz obedeceu a ordem da professora, voltando em seguida a ficar de frente a ela, que ainda estava atrás da mesa. Ela o encarou com aqueles olhos penetrantes que tanto o incomodavam, mas ele não desviou o olhar. Samantha se levantou e sentou novamente, mas dessa vez sobre a mesa, com as pernas cruzadas. Havia um rasgo no vestido negro dela, que deixava parte das pernas à mostra. Harry não pôde deixar de admirá-las, reprimindo-se em seguida. Ela era uma professora, afinal! Mas por que ela se comportava assim quando estavam sozinhos?

- Precisa começar a controlar seu temperamento, Harry... – ela sugeriu, em um tom de quem estava comentando o clima.

- Foi para isso que você me chamou aqui, Samantha?

Ela sorriu, um sorriso que não chegava aos olhos, quando ele a chamou pelo primeiro nome. A mulher se levantou de súbito, e caminhou até a janela, ficando de costas para Harry. Ele teve a estranha sensação de que ela não queria olhar para ele.

- Não, não foi para isso, Harry.

- Então, por que foi?

- Eu quero te dizer que... o que você viu no quarto do seu padrinho, sábado, não significa nada.

Harry pensou que estava ficando doido. Ela estava lhe dando explicações? Isso era bizarro! Depois de alguns segundos, ela prosseguiu:

- De qualquer forma, eu não fiquei irritada por você ter entrado naquele momento e... me visto lá, mas eu gostaria de pedir um favor.

Ela se virou e olhou Harry com um brilho estranho nos olhos. Quando ela falou, não era em um tom de pedido, mas sim de ordem.

- Você não contará a ninguém o que viu.

Harry piscou, e franziu as sobrancelhas. Por que ela estava lhe pedindo isso? De qualquer maneira, ele nem chegou a pensar nisso... Tinha tantas coisas na cabeça que nem se importou em contar isso a ninguém, em grande parte também em respeito a Sirius. E, ao mesmo tempo, por que ele sairia contando isso? Não tinha talento para fofoqueiro, se era o que ela estava pensando.

- Por que eu contaria?

- Você promete não dizer a ninguém? – ela insistiu.

- Tudo bem.

Ela deu um meio sorriso.

- Ótimo. Então era só isso... – ela disse, voltando a mexer nos papéis de sua mesa. – É melhor se apressar ou vai perder sua próxima aula, Harry.

O rapaz não disse nada e saiu, encostando a porta atrás de si. Entendia cada vez menos essa mulher... Um dia, ela parecia se divertir conversando com ele... no mesmo dia, ficava totalmente irritada. Depois, irritada novamente, e então o chamava para conversar e o tratava de uma forma totalmente... amável? Não, aquilo não era amabilidade... era... interesse. Por algum motivo, ela não queria que sua história com Sirius se tornasse pública em Hogwarts, e, por isso, tratou Harry com tanto tato. Mas isso não justificava por que, das outras vezes, ela fazia o mesmo. O que ela escondia, afinal?

"Fique longe dela."

Sirius poderia ter sim motivos para querer que Harry se afastasse de Samantha, mas, de alguma forma, Harry não conseguia seguir o conselho do padrinho. Num dia, a encontrava no meio do corredor, no outro, ela o mandava ficar depois da aula... E, de qualquer maneira, ele não se importava muito em ter essas conversas com ela. Por mais que o padrinho insistisse sempre na mesma coisa, havia algo que Harry não podia ignorar: Samantha nunca lhe fizera nada de mais, excetuando-se aquela aula que ela tocou no assunto de seus pais, mas, tirando isso, nada de mais... Harry simplesmente não podia ignorá-la, podia? Ainda mais sendo ela uma professora...

Subitamente, Harry sentiu um tranco com algo muito grande. Quando olhou para cima, viu o emaranhado negro da barba de Hagrid. Ele sorriu, e o olhou com um olhar um tanto preocupado:

- Tudo bem, Harry?

- Ah, tudo.

- Você parecia um pouco absorto...

- Só estava pensando... – o rapaz respondeu com sinceridade. A carga de preocupação pareceu aumentar no rosto de Hagrid.

- Pensando... nela?

Harry entendeu "ela", como "Gina".

- Ah, nada de mais. – fugiu do assunto.

- Você não devia estar em aula agora?

- A Profª. Stevens pediu que eu ficasse um pouco depois da aula para me dizer umas... coisas.

Hagrid abriu um sorriso.

- Ah, foi? Samantha é uma boa pessoa.

Harry preferiu não dizer nada. Se ficasse pensando muito nisso, sua cabeça daria um nó. Hagrid dizia que ela era uma boa pessoa, Sirius dizia que ela não era flor que se cheirasse... Definitivamente era melhor parar de pensar nessa mulher ou ficaria com dor de cabeça.

- Bem, preciso ir, e acho que você também, não é?

- Ah, sim. – Harry falou um pouco desligado. – Vou indo também.

- A gente se vê, Harry.

- Certo.

O rapaz iria começar a andar quando parou e se virou. Hagrid continuava a andar no sentido oposto.

- Hagrid?

Ele parou e se virou, intrigado.

- O que foi?

- Como você sabia que... na sexta... eu estava no lago, na chuva?

Hagrid sorriu com tristeza.

- Gina foi até a minha cabana e me avisou.

- Ela fez isso?

- Sim. Mesmo depois de tudo, Harry, ela se preocupou com você. – ele se virou, dando as costas para Harry e continuando seu caminho.

Então... ela se preocupou com ele? Será que...

"Eu não te amo."

Tinha que deixar de ser estúpido. Gina disse, na sua cara, que não o amava, que eles não podiam ficar juntos, e que ele tinha que aceitar isso de um jeito ou de outro. Não adiantava alimentar esperanças. Tinha acabado. De vez. E ele não iria se humilhar pedindo que voltassem.

Enquanto seguia para a sua próxima aula, fez uma promessa silenciosa a si mesmo:

Nunca mais deixaria que alguém o ferisse daquela maneira. E, mais que tudo, nunca mais mostraria seus sentimentos daquela maneira, para quem quer que fosse. Nunca mais... nunca mais se deixaria enganar...

- Ah, mas que beleza, última semana de aulas... Nem acredito que depois teremos férias!

- Mas não se esqueça, Rony, que ainda teremos muito trabalho nessas férias com a monitoria! A professora McGonagall disse que...

- Mione, por que você sempre tem que lembrar dessas coisas?

Harry andava ao lado dos amigos sem prestar muita atenção ao que diziam. Já era noite, e estavam subindo para a torre da Grifinória depois do jantar. Aquele dia tinha sido especialmente cansativo. Justamente por ser a última semana de aulas antes das férias de inverno, os professores resolveram passar montes e montes de revisões da matéria do semestre, insistindo em relembrar que tudo isso cairia nos N.I.E.M.s do próximo ano. A essa altura, faltando tanto tempo para os exames, Harry não estava nem ligando para isso, diferente de Hermione, que estava bastante mal-humorada já que não respondeu totalmente certo a uma pergunta complicada da prova oral de Defesa Contra as Artes das Trevas que tiveram no final da tarde. Uma prova surpresa, para o desespero dos alunos, que, em sua maioria, não foram nada bem. De pelo menos uma coisa Harry poderia ficar feliz: ele tinha tirado a maior nota na prova oral, e se divertiu em ver a cara de decepção de Hermione ao constatar isso.

- Harry, você vai subir com a gente para o salão comunal? – era a garota mesmo que perguntava.

- Hã? Ah, sim, Mione, pra onde você acha que eu iria a essa hora?

- Que tal para sua detenção?

Harry engoliu em seco. Tinha esquecido completamente que teria que passar a noite limpando a ala hospitalar sem magia. Pior, teria que fazer tudo isso em companhia de Draco Malfoy e Katherine Willians.

- Não vá me dizer que esqueceu! – Hermione falou em tom bastante parecido com o da Profª. McGonagall. Harry sorriu sem graça, e Rony completou pelo amigo:

- Ele esqueceu.

- Ai, não acredito nisso...

- Tá bom, tá bom! – Harry disse desanimado. – Tô indo, então... Obrigado por lembrar, Hermione... – ele completou ironicamente.

A garota fez uma expressão profundamente desolada, enquanto Rony ria e dizia:

- Boa sorte, Harry. Você vai precisar...

- Claro, obrigado pelo estímulo, Rony...

- Às ordens... – Rony brincou, sarcástico, e Harry não teve outra opção senão mudar sua rota e se dirigir à ala hospitalar.

Como poderia ter esquecido? Bem, uma coisa dessas não é muito agradável de se lembrar, de qualquer maneira... E pensar que teria que passar uma noite inteira aturando aqueles dois sonserinos chatos... É, fazer o quê, não tinha provocado Snape? Agora tinha que agüentar as conseqüências... Isso serviria para se lembrar de esfriar um pouco a cabeça e não sair falando o que pensava para todo mundo...

Ao chegar à ala hospitalar, Harry bateu de leve na porta. Ninguém respondeu. Ele empurrou a porta e entrou. Estava bastante silencioso ali, mas esse silêncio era entrecortado por... roncos? Olhando ao redor, Harry viu de onde eles vinham. Madame Pomfrey estava sentada em uma cadeira, o pescoço abaixado sobre o colo, cochilando. Harry se aproximou dela e a cutucou de leve. Como resposta, a enfermeira se revirou e soltou um grunhido parecido com:

"Quero dormir... me deixa em paz."

Um pouco receoso e hesitante, Harry preferiu não tentar acordá-la novamente. Talvez pudesse começar a detenção sem avisá-la mesmo. Deixando a enfermeira cochilando, ele entrou em uma outra sala, para tentar achar o que fazer. Viu que uma garota estava arrumando os lençóis das camas. Ela levantou os olhos, e o encarou com desagrado:

- Ah, finalmente alguém chegou! Pensei que teria que fazer todo o trabalho sozinha!

Harry respirou fundo. Ok, tentaria não discutir naquele dia... Willians agora se ocupava em pegar alguns panos e ingredientes de limpeza em uma cadeira, parecendo extremamente aborrecida.

- Madame Pomfrey está cochilando na outra sala... – Harry disse, enquanto observava a garota se mexer. – Ela disse para você o que teríamos que fazer?

- Disse. – a menina respondeu, se aproximando de Harry e praticamente jogando o material de limpeza em cima dele. – Por sorte ela estava acordada quando eu cheguei, por isso ela me deu as instruções do que fazer. Você pode começar limpando aquelas comadres do outro lado da sala, Potter.

- E você, o que vai fazer nesse meio tempo?

- Terminar de arrumar as camas, se é que isso te importa. – ela respondeu com profunda irritação, voltando a fazer seu trabalho.

Harry deu de ombros e andou até o outro lado da sala, sentando em um sofá e começando a se ocupar de limpar as comadres. Ninguém falava enquanto isso e, de certa maneira, era constrangedor. Mas ao mesmo tempo, ele não tinha nada o que falar com aquela garota, nem ela com ele, então não havia outra maneira de passar a noite. Passado um tempo, Willians terminou seu trabalho e se aproximou de Harry. Pelo canto dos olhos, ele viu que ela estava postada à sua frente, com as mãos na cintura. O rapaz continuou com o que estava fazendo, sem se importar.

- Você é muito lento! – ela reclamou.

Ele levantou os olhos e a olhou com raiva. Lento? Ele já tinha limpado quase todas as comadres! Por causa de tanto tempo fazendo serviços domésticos para os Dursleys quando criança, ele sabia muito bem fazer isso e não seria essa garota que diria que ele era lento!

- Você tá vendo isso aqui tudo? – Harry perguntou, indicando mais de meia dúzia de comadres. – Eu já limpei isso tudo, então vê se não enche!

A garota sentou emburrada do lado de Harry, puxando uma comadre para si e começando a limpá-la também.

- É melhor eu te ajudar, senão isso não vai acabar nunca!

Harry bufou em resposta. Os dois prosseguiram com o trabalho em silêncio, até que Willians o quebrou:

- Parece que Draco não vai vir...

- E eu vou ter que relatar isso para a McGonagall. – Harry respondeu irritado.

- Você não vai ser "dedo-duro", vai?

- Isso não é ser "dedo-duro"! Não é justo que nós façamos o trabalho enquanto o Malfoy não faz nada! Não é você que é a "senhorita justa"? – ele perguntou irônico, lembrando-se do que ela mesma lhe falara alguns dias antes. – Então, nada mais justo do que dedurar um Malfoy folgado para a professora.

Willians fez uma careta enviesada e continuou a limpeza. Harry, que tinha terminado, levantou-se, mas logo sentou novamente em seguida. Tinha se lembrado de algo que seria interessante perguntar à Willians. A garota ao seu lado o encarou com desagrado enquanto ele a observava e perguntou:

- Que foi? Ainda tem muita coisa para fazer, sabia?

Harry se virou completamente para olhá-la, cruzando os braços, e perguntou de supetão:

- O que você fez naquela noite, no lago?

A garota pareceu engolir em seco, mas depois fingiu que não entendeu.

- Noite? Do que você tá falando?

- Você sabe muito bem.

Harry se lembrou do que Gina lhe contara, na noite em que terminou o namoro. Pelo que ela tinha dito, a menina presenciara uma cena muito esquisita, em que Harry estaria beijando Willians. Harry sabia que Gina não era maluca, nem mentirosa, e ela não teria inventado uma história como essa. Provavelmente vira alguma coisa, e Willians deveria saber do que se tratava.

- Não sei do que você está falando, Potter. – a garota insistiu.

Claro que ela sabia, dava para notar nos seus olhos! Dissimulada, por que não falava a verdade? Harry, sentindo uma onda de raiva reprimida, segurou com força o braço da garota, que se remexeu um pouco assustada, deixando a comadre que segurava cair de suas mãos com estrépito. Harry não se importou e disse em tom duro:

- Você sabe sim. Mas eu posso refrescar sua memória... Gina me contou que viu uma cena muito estranha, na noite de quinta passada, perto do lago... Sabe o que ela disse que viu? – Harry sentiu o braço de Willians estremecer por baixo de suas mãos. Ele apertou com mais força. – Ela me viu beijando uma garota, uma garota que por coincidência está falando comigo agora! Ela me viu te beijando, mas eu tenho certeza que não fiz isso! Será que você pode me explicar essa história, Willians?

- Eu posso explicar sim! – ela disse sorrindo sarcasticamente. – A Weasley é completamente louca, essa é a explicação!

- Você está mentindo! – Harry disse num tom mais duro, que fez a garota estremecer novamente. – Diga a verdade, o que você fez, hein? Alguma coisa você fez, eu tenho certeza!

- Eu não fiz nada! – ela mexeu o braço, mas não conseguiu se desvencilhar de Harry. – Me solta!

Ele apertou ainda mais, e estreitou os olhos.

- Eu não vou te soltar até que você me explique isso direitinho, garota.

- Eu não tenho nada para te explicar, Potter! Eu não fiz nada, e se você não quer acreditar, dane-se!

- Ela está falando a verdade. – uma voz arrastada disse.

Imediatamente, Harry se virou para ver quem era. Draco Malfoy estava encostado no batente da porta, um enorme sorriso de contentamento no rosto. Aproveitando-se da distração de Harry, Willians se soltou e levantou rapidamente, segurando o braço que Harry tinha apertado. Ela olhou com fúria do rapaz para o primo, e disse:

- Vamos, Draco. Conte tudo para ele! Eu não quero levar a culpa por algo que não fiz!

O sorriso de Malfoy se alargou, e ele desencostou do batente da porta, encostando-a em seguida. Harry se levantou, não entendendo absolutamente nada. Agora era Malfoy que tinha que se explicar? Mas o que teria acontecido, afinal? Não fazia idéia, e sua cabeça estava dando um nó por causa disso. Olhou para Willians, que ainda segurava o braço e, por sua vez, encarava com raiva não ele, mas o primo. Malfoy cruzou a sala, e parou de frente a Harry, a uma distância não muito grande dele.

Uma idéia repentina passou pela cabeça de Harry. Ele tinha certeza que havia alguma armação ali, alguma coisa teria acontecido... Gina devia ter visto algo, não era possível que ela tivesse se enganado! Willians tinha algo a ver, mas... sim, talvez Malfoy também estivesse envolvido...

- Vocês... vocês dois armaram tudo aquilo pra mim?

- Mas que porcaria! – Willians exclamou exasperada. – Quantas vezes eu vou ter que repetir que não fiz nada! Draco, explique para ele de uma vez o que você fez!

Malfoy riu. Era uma risada de vitória, como se ele tivesse conseguido exatamente o que queria. Por um instante, Harry ficou paralisado. Lembrou-se do comportamento de Malfoy nos últimos tempos... Desde o jogo de quadribol ele andava estranho... Sempre parecendo que estava... atuando em uma grande peça de teatro...

"Eu vou rir do sofrimento que a minha vingança vai te causar."

Subitamente, Harry entendeu. Fora ele, fora ele todo tempo! Malfoy tinha armado tudo! O jeito dele, como se esperasse tudo o que tinha acontecido... como se estivesse fingindo... Aquele dia na aula do Snape... Tudo, tudo era uma armação para se vingar de Harry, separando-o de Gina! Como podia ter sido tão estúpido? Tão idiota, tão cego? Malfoy o tinha enganado direitinho, e ele... caiu como um pato na armadilha!

Malfoy parou de rir, mas seu sorriso parecia ainda maior quando olhou para a expressão de surpresa no rosto de Harry. Com uma voz carregada de alegria, o sonserino disse:

- Você entendeu, não é, Potter? Você percebe? Katherine não tem nada a ver com isso, essa vingança é minha, e só minha...

Harry não via mais nada à sua frente. Tudo tinha virado um borrão vermelho, e a única coisa que ele queria no momento era machucar Malfoy, fazê-lo pagar bem caro pelo que quer que tenha feito! Em dois passos, alcançou o rival, e o segurou pelo colarinho com brutalidade. Malfoy segurou os pulsos de Harry com força, mas em seus olhos ainda estava aquele brilho irritante da vitória, o sorriso ainda estampado no rosto mesmo quando Harry o empurrou contra a parede, gritando:

- O QUE VOCÊ FEZ, SEU MALDITO? VÁ, RESPONDA! RESPONDA AGORA!

Malfoy riu, novamente aquela risada irritante de antes. Willians parecia aflita e tentava separar os dois:

- Parem, vocês dois! Madame Pomfrey vai acordar, e nós vamos acabar pegando semanas de detenção!

Harry nem ligou, foi como se não tivesse ouvido. Malfoy também não parecia ter se importado, da mesma forma. Ele ainda ria, uma risada insana, que enchia os ouvidos de Harry, só aumentando ainda mais sua fúria.

- FALE! O QUE VOCÊ FEZ?

Juntando uma força inesperada, Malfoy empurrou Harry, que, devido à surpresa, acabou soltando-o e cambaleando para trás. Sorrindo, Malfoy começou a falar, com aquela sua voz arrastada de sempre:

- Ah, Potter... Eu não te disse? Eu te avisei que eu iria me vingar, mas você não acreditou... Tsk, tsk... Você fez pouco caso de mim, Potter, e olha no que deu... – ele comentou tranqüilamente, divertindo-se, enquanto caminhava de um lado para outro. – Agora você está aí, nesse estado... lamentável... E eu estou rindo, rindo do seu sofrimento... Eu consegui minha vingança, eu consegui te separar daquela Weasley ridícula, eu consegui acabar com o que você mais prezava na sua vida... o seu namorico idiota...

- Ora, seu... – Harry disse entredentes, tentando partir para cima de Malfoy mais uma vez, mas foi impedido. Willians se postou na sua frente, segurando-o pelos ombros.

- Pare, Potter, você não pode fazer isso!

- Sai da minha frente, garota! – ele mandou, tentando passar por ela, mas ela se interveio novamente.

- Você não entende que vai estragar toda a nossa detenção? Se alguém pegar vocês dois brigando aqui...

- EU TÔ POUCO ME LIXANDO PARA ISSO!

- Mas eu me importo! – ela gritou com a voz aguda. – Eu não vou me ferrar por causa de vocês dois!

- É melhor escutá-la, Potter... – Malfoy debochou. – Você já perdeu muitos pontos para a Grifinória...

- CALA ESSA BOCA, SEU FILHO DA MÃE!

- Ah, Potter... Você é tão ridículo! – ele continuou. – Você caiu tão fácil na minha armadilha que eu nem acreditei, sabia? Foi tão fácil pegar um fio do seu cabelo para a minha poção... eu fiquei impressionado com a sua tremenda burrice! Como você conseguiu ser tão idiota que não desconfiou? Eu peguei o seu fio de cabelo bem debaixo do seu nariz! E você nem notou...

Harry ficou tão desnorteado, que nem se preocupou em se desvencilhar de Willians para ir bater na cara debochada de Malfoy. O pior, o pior de tudo era que o sonserino estava certo. Harry fora realmente estúpido! Como, como não percebeu nada?

- O resto ficou por minha conta... – Malfoy prosseguiu. – Eu sei muito bem preparar uma Poção Polissuco, não preciso ficar me atendo a livros idiotas, isso é coisa para sua amiguinha sangue-ruim fazer... Não, eu sei muito bem preparar sozinho. Claro que eu não tinha todos os ingredientes, então eu tive que roubar alguns do Prof. Snape. Enganá-lo foi mais difícil do que te enganar, Potter, mas, sem saber, você me ajudou de novo! Sim, você me ajudou! Eu me aproveitei da raiva que o professor tem de você e, diga-se de passagem, que raiva! Foi só eu contar um segredo que eu tinha descoberto a seu respeito para ele que... pronto! Ele se distraiu e eu pude roubar tudo o que eu quis do estoque particular dele! Foi só eu contar aquela história que eu sabia sobre você e seus amiguinhos terem preparado uma Poção Polissuco no segundo ano, que ele ficou doido da vida com a informação, e eu pude me aproveitar para pegar tudo o que eu queria! Tudo funcionou maravilhosamente certo!

O queixo de Harry caiu. Então... ele sabia disso? Fora ele que... contara tudo para Snape? Não, não era possível, isso não estava acontecendo...

- Como? Como você sabia?

- Potter, por acaso está escrito idiota na minha testa? Você achou mesmo que ia me enganar daquela vez que você e o Weasley entraram no salão comunal para me interrogar? Tá, eu admito que no começo vocês realmente me enganaram se passando por Crabbe e Goyle, mas depois eu fui atrás e descobri a verdade. Crabbe e Goyle me contaram que tinham comido uns bolinhos e dormido em seguida, mas negaram que tivessem tido aquela conversa comigo no salão comunal... Eles podem ser idiotas, mas são totalmente fiéis a mim, e não mentiriam... E eu percebi que havia chumaços de cabelo faltando na cabeça deles... Aquilo só podia significar duas coisas: ou os dois tinham resolvido ter problemas de queda capilar ao mesmo tempo, ou a explicação mais plausível... alguém tinha pego os cabelos deles para uma Poção Polissuco. – ele sorriu. – Ser um bom aluno de Poções tem suas vantagens, afinal... Foi só ligar os pontos, e eu tinha acabado de achar uma carta na manga, que eu poderia utilizar quando quisesse... E eu esperei a hora certa, Potter, e a usei.

Harry estava totalmente boquiaberto com tudo aquilo. Sua cabeça não conseguia absorver aquela história maluca. Mas fazia sentido! Não podia acreditar...

- Mas isso não importa agora. – Malfoy continuou. – O importante é que eu consegui fazer a poção e eu tinha o seu fio de cabelo, Potter. Então foi fácil armar tudo. Eu marquei um encontro com Katherine no lago, dando uma desculpa qualquer. Mesmo sendo contra você, eu sabia que ela não concordaria em me ajudar se eu contasse a verdade. Além disso, era uma vingança minha, e eu queria ter a satisfação de ter feito tudo por mim mesmo. Eu também mandei uma carta anônima para a Weasley, falando para ela ir ao lago, naquela noite, se quisesse descobrir um segredo seu, Potter. – ele riu com deboche. – Foi tão fácil enganá-la... vocês são mesmo uma dupla de palermas! É enojante, sabia? E então, eu fui ao encontro, mas eu não fui como Draco Malfoy... não, eu fui como Harry Potter... Eu tomei a poção com o seu cabelo e fui como você, Potter. Tudo funcionou como um reloginho... A Weasley apareceu na hora marcada, Katherine estava lá também, e então, foi só eu salpicar uma grande beijo na Kathy que a Weasley saiu gritando e chorando... Tá, isso me rendeu um tapa que Katherine pensou que estava dando em você, Potter, mas isso foi coisa pouca perto do resto. Tudo deu certo, e eu pude perceber isso quando a Weasley terminou o namoro com você, como toda a escola está comentando...

Willians olhava inconformada para o primo, provavelmente muito furiosa por ter sido usada por ele. Malfoy não se importava, e continuava observando Harry com aquele mesmo sorriso no rosto. Harry, por sua vez, viu novamente aquele borrão vermelho na sua frente. Não conseguia acreditar... Malfoy tinha planejado tudo, e Harry tinha sido o mais burro! Como? Como conseguiu ser tão idiota para não desconfiar? E o pior era que Malfoy tinha conseguido, ele tinha o separado de Gina! Ele tinha feito Harry perder a coisa que mais prezava na sua vida, como pôde ser tão estúpido?

Dessa vez não teve Willians que conseguisse impedi-lo, nem qualquer outra coisa que pudesse detê-lo. Harry cruzou a sala e, antes que Malfoy pudesse escapar, deu um soco com toda a força que conseguiu reunir bem no meio da cara nojenta daquele idiota. Quando deu por si, Harry já estava engalfinhado com Malfoy, os dois caindo no chão, Harry batendo em tudo quanto era lugar do sonserino que conseguia ver através da sua visão embaçada, porque seus óculos agora jaziam esquecidos no chão depois que Malfoy reagira dando-lhe um soco forte no rosto.

Talvez pela surpresa do que Harry tinha feito, Malfoy não reagira de pronto, mas logo ele começou a bater também, um revidando o ataque do outro, rolando no chão... Harry sentiu o gosto de sangue quando Malfoy o atingiu e rasgara seu lábio, mas o grifinório revidou acertando o nariz empinado do sonserino, que começou a escorrer sangue. Aproveitando o momento em que Malfoy parou para segurar o nariz, Harry deu um bom chute no estômago do rival, fazendo-o perder o ar. Malfoy apoiou o cotovelo no chão, os olhos arregalados, tentando respirar, e Harry começou a espancá-lo de novo, sem se importar se alguém veria, se estava certo ou não, ele só sabia que queria machucá-lo, o máximo que conseguisse... Ele o tinha separado de Gina, ele tinha que pagar caro por isso...

Foi depois de algum tempo que Malfoy conseguiu reagir novamente, e ele buscou a sua varinha no meio das vestes, apontando-a rapidamente para a barriga de Harry e, antes que o rapaz pudesse fazer qualquer coisa, Malfoy já estava gritando:

- Expelliarmus!

Harry foi atingido em cheio pelo jato de luz vermelha que saiu da varinha de Malfoy, e foi arremessado para o outro lado da sala, batendo em um armário de vidro, que se partiu com o impacto, e Harry sentiu quando a parte de trás da sua nuca foi cortada pelo vidro pontiagudo. O sangue começou a escorrer e, através de sua visão embaçada, ele pôde enxergar Malfoy se aproximando com a varinha em punho, um sorriso no rosto:

- Nunca deixe suas emoções o dominarem, Potter...

Ele deu um risinho debochado, e Harry teve a certeza de que nunca alcançaria sua varinha a tempo quando Malfoy abriu a boca para conjurar uma maldição, mas uma outra voz gritou novamente:

- Expelliarmus!

A varinha de Malfoy saiu voando da mão dele e foi parar nas mãos de ninguém menos que Katherine Willians. Ao mesmo tempo, Harry e Malfoy se viraram espantados para a garota. Ela tinha as feições duras e uma expressão de reprovação no rosto.

- O que você tá fazendo, Kathy?

- Já chega, Draco! – ela disse em um tom de quem não admitia que ele discordasse. – Você já teve sua vingança, você já deu o seu showzinho, agora sai daqui antes que todos nós acabemos mal.

- Katherine...

- Chega! A gente tem sorte que a Pomfrey tem o sono tão pesado que ainda não veio checar o que está acontecendo, então é melhor você dar o fora antes que as coisas piorem!

Malfoy cerrou os punhos e mordeu o lábio inferior, uma expressão profunda de frustração no rosto. Ele olhou com raiva para Harry, e depois se virou para Willians:

- Minha varinha?

- Depois eu te dou, na Sonserina.

- Eu quero agora!

- POIS SÓ VAI TER DEPOIS! – ela apontou a própria varinha para o primo. – Vai discutir?

Malfoy bufou de raiva, e saiu batendo os pés. Harry sentiu que não podia deixá-lo ir, tinha que terminar aquilo e, por isso, levantou de súbito, mas se sentiu tão tonto, que quase caiu e teve que se apoiar no armário quebrado para não tombar.

- Você fica quieto aí! – ele ouviu a voz de Willians quando ela cruzou a sala para fechar a porta.

Não era a vontade de Harry obedecer àquela garota, mas ele não teve escolha. Sua cabeça girava tanto que ele chegou a pensar que poderia desmaiar. Não entendia por que, mas sentia que se desse um único passo ou se movesse por um milímetro, ele cairia ali mesmo de tanta tontura.

Ele sentiu quando um braço se apoiou no seu ombro, e vagamente percebeu que era Willians. Ela, estranhamente, o ajudou a caminhar até uma cama e se sentar. A tontura só aumentou quando ele teve que se mover, e ele só não caiu porque ela o ajudou; o rapaz só melhorou um pouco quando se sentou.

- Fica quieto. – ela mandou novamente.

- O que você vai fazer? – ele perguntou um pouco temeroso quando ela apontou a própria varinha para a nuca dele.

- Fica quieto, já disse!

Ela murmurou algumas palavras que Harry não conhecia, e uma luz branca e quente saiu de sua varinha, atingindo o corte na nuca dele e fazendo o sangue estancar. Harry sentiu a cabeça melhorar assim que o feitiço o atingiu, mas teve que esperar alguns minutos até que a tontura passasse por completo.

Ele levantou os olhos para a garota à sua frente, e viu que ela estava guardando a varinha de Malfoy entre as vestes, mas a dela ainda estava segura em sua mão. Ela percebeu que Harry a olhava e explicou:

- Um corte em um lugar como esse é perigoso. Você não ia conseguir ir atrás de Draco nem que quisesse.

- Por que você tá me ajudando? – Harry perguntou, nem se importando com o que ela tinha acabado de dizer. Ela o encarou displicente.

- Porque não achei justo o que Draco fez com você. Ele não precisava ter chegado a tanto.

- Ah, esqueci que você é a "senhorita justa". – Harry comentou sarcasticamente.

- Pense o que quiser. – ela retrucou aborrecida. – Eu faria isso por qualquer um, não podia te deixar aí sangrando.

- Por que você impediu Malfoy de me atingir com o feitiço? – ele insistiu.

- Já disse, não achei justo o que ele fez com você. Além disso, se Madame Pomfrey acordasse, o que não aconteceu por um milagre da natureza, nós três estaríamos ferrados, e eu não quis deixar que uma briga idiota entre dois garotos mais idiotas ainda melasse com a minha detenção, entendeu, ou vou ter que explicar melhor, Potter?

Harry não gostou nada do tom que ela utilizara; ele não era uma criança de cinco anos de idade para ser tratado assim. Rapidamente emburrou a cara e estreitou os olhos para ela, que deu de ombros, e se virou, apontando a varinha para o armário de vidro e murmurando:

- Reparo!

O vidro se refez e, em seguida, ela murmurou outro feitiço para sumir com o sangue de Harry que ainda estava no vidro e no chão. Enquanto a garota estava fazendo isso, Harry perguntou em um tom irônico:

- Alguém já te disse que você é muito estranha?

- Já, mas eu não ligo. Melhor ser estranha do que idiota. – ele percebeu que a frase era para ele.

- Eu não sou idiota. – Harry falou irritado.

- Se a carapuça serviu...

Harry ia se levantar, furioso, mas ela se virou e falou:

- Fica sentado.

- Por que eu iria te obedecer?

- Tá bom, então levanta e cai tonto no chão, se é o que você quer! Você tem que ficar sentado algum tempo, ou a tontura vai voltar!

Meio a contragosto, Harry permaneceu sentado. A garota girou nos calcanhares, deu alguns passos e foi apontando a varinha para vários lugares, murmurando feitiços de limpeza que Harry não conhecia.

- Não era para "limpar sem magia"? – ele perguntou irônico.

- Se você é tão burro ao ponto de fazer isso, tem uma vassoura logo ali, só que essa não voa, varre. – ela respondeu no mesmo tom.

- E se alguém descobrir?

- Ninguém vai descobrir, a menos que você conte, e não é o que você vai fazer.

Harry não respondeu. Ela, depois que terminou de arrumar tudo, falou:

- A briga entre você e Draco levou muito tempo, daria para a gente já ter acabado de limpar tudo isso do jeito dos trouxas. Ninguém vai desconfiar que não foi desse jeito. – ela disse, apontando a varinha para os panos limpos e fazendo um feitiço que os deixou sujos.

- Parece que você planejou tudo, hein?

- Eu não planejei, só sou prática, Potter. Eu não quero ficar a noite inteira aqui te aturando.

- Digo o mesmo.

- Ótimo. – ela disse, finalizando o trabalho e se aproximando de Harry. Ele achou meio estranho, e quis recuar, mas não o fez. Ela tocou, com sua mão direita enluvada, o ferimento dele na nuca, e o examinou. Com uma voz contente, disse: - Já está bom. Acho que se você levantar agora não vai mais ficar tonto.

- Mesmo?

- Pode confiar, sei do que estou falando.

Um pouco descrente, Harry se levantou e viu que a garota estava certa: ele realmente não sentiu mais a tontura. Ela sorriu vitoriosa.

- Eu disse... – e ela deu alguns passos, dirigindo-se à porta. Quando ela a abriu, Harry a chamou. Ela o olhou intrigada.

- Bem... – ele começou, um pouco hesitante e muito sem jeito. Droga, não queria dizer isso, mas ao mesmo tempo precisava dizer... Que porcaria, por que tinha quer ser tão orgulhoso? – De qualquer maneira... anh...

- De nada, Potter. – ela disse, sorrindo sarcasticamente e indo embora, deixando um Harry totalmente sem ação e boquiaberto para trás.

- Unicórnio prateado.

A Mulher Gorda não abriu a passagem quando Harry falou a senha. Na verdade, não abriu porque dormia a sono solto. Harry olhou o relógio de pulso: já passava da meia-noite. Tinha demorado ainda algum tempo para sair da ala hospitalar, depois de tudo que acontecera. Muito disso porque demorou bastante tempo até que conseguisse acordar Madame Pomfrey e avisá-la de que tinham acabado de limpar o lugar. Era esquisito, mas parecia que a enfermeira até estava sob o efeito de um feitiço... Harry não estranharia se isso fosse mais uma armação de Malfoy. Depois de tudo que ele fez, Harry não duvidava de mais nada...

O que ainda não conseguia crer era em como tinha sido tão estúpido! Malfoy conseguira armar tudo, bem debaixo do seu nariz, e com total perfeição. Tá, tinha que admitir que andara com a cabeça cheia por causa de Gina durante esse tempo, e também tinha aquela dor de cabeça que o incomodava de vez em quando, provas e... ok, teve tudo isso, mas não era desculpa para ter sido tão idiota. Malfoy estava certo, e era isso que o deixava mais furioso. Ele realmente fora um palerma!

Porém, o mais esquisito de tudo era aquela garota, Willians... Que menina mais estranha! Nenhum sonserino com "a cabeça no lugar" faria o que ela fez. De um jeito ou de outro, ela acabou ajudando-o... E Harry não gostara nada disso. Não foi nenhum um pouco agradável ser ajudado por ela, poderia ser mal-agradecido pensando dessa maneira, mas se sentiu um pouco... humilhado... Talvez ela tenha mostrado que era um pouco mais... humana, mas ainda assim, era uma chata! Realmente aquele tom dela, de como se estivesse explicando algo complicado para uma criança de cinco anos, o irritava profundamente. Mas, de qualquer maneira, por mais estranho que tenha sido, agradeceu-a, e agora não se falaria mais nisso. Tinha que esquecer. Talvez uma boa noite de sono o ajudasse.

- Unicórnio Prateado! – ele repetiu. A Mulher Gorda continuou dormindo. – UNICÓRNIO PRATEADO!

- Hã? Quê? Como? Onde? Que aconteceu? – muito assustada, ela baixou os olhos para ver Harry. – Ah, é você? O que está fazendo aqui fora a essa hora?

- Não interessa.

- Também não precisa ser grosseiro!

- Só abra a passagem.

- Claro, depois que me disser a senha.

Harry poderia chutar algo de tanta raiva, mas respirou fundo e disse a si mesmo que ela não tinha culpa de seus problemas.

- Unicórnio Prateado.

- Se assim o diz...

E ela rolou o quadro para o lado, abrindo a passagem para a Grifinória. Bufando, Harry entrou e, como se já não tivesse problemas demais, teve que assistir a uma cena que o deixou muito sem graça.

Hermione e Rony estavam se beijando ardentemente sentados em um sofá perto da lareira, ainda acesa, do salão comunal. Harry virou o rosto e cruzou os braços.

- Hem, hem.

Os dois interromperam o beijo e olharam surpresos para Harry, e depois a surpresa passou para vergonha; Hermione estava muito vermelha, e parecia querer olhar para qualquer coisa que não fosse Harry; já Rony tinha as orelhas ligeiramente vermelhas, mas encarava Harry um pouco emburrado, provavelmente irritado com o amigo por ele ter interrompido o momento. Harry deu uma risadinha baixa.

- Tudo bem, podem continuar... – fez um gesto displicente. – Eu só quis ser chato mesmo... Tô indo, vou fingir que nem vi.

Porém, quando ele estava com o pé na escada para o dormitório masculino, Hermione o chamou. Ele se virou e encostou na parede, cruzando os braços e encarando a amiga.

- Não precisa, Harry, pode ficar...

- É, agora que você já quebrou o clima mesmo... – Rony falou emburrado.

- Rony!

Harry riu novamente, e disse brincalhão:

- Sinto muito, eu não resisti...

Rony se encostou no sofá e encarou o teto. Hermione olhou do namorado para o amigo e, meio envergonhada ainda, disse:

- Não tem problema, Harry, foi melhor assim.

- Foi? – Rony perguntou surpreso, desencostando do sofá.

- Foi, sim, Sr. Ronald Weasley! Você estava indo longe demais!

Rony bufou e novamente se encostou no sofá. Harry ficou um pouco sem jeito.

- Então eu devia ter passado direto, nesse caso.

- Não. – Hermione disse, e depois o encarou firmemente. – Você tá com uma cara nada boa...

- Quem estaria com uma cara boa depois de uma detenção? – Rony perguntou.

- Foi tão ruim assim?

Harry suspirou desanimado, desencostando da parede, e caminhando para perto dos amigos. Sentou no chão mesmo, encostando no sofá. Hermione o olhou preocupada.

- Foi péssima.

Rony se arrumou no sofá e olhou para o amigo.

- Mas o que houve? Foi pior do que você imaginava?

- Mil vezes pior. Coloca pior nisso...

- Nossa! Tô ficando curiosa! O que houve assim de tão ruim?

Harry levantou a cabeça e encarou os amigos.

- Vocês nem vão acreditar...

E contou tudo para eles. Desde o momento que chegara, até tudo que Malfoy dissera. Rony e Hermione ficaram mais espantados no momento em que Harry lhes contou sobre Malfoy ter descoberto tudo sobre a Poção Polissuco do segundo ano, e foi nesse instante que interromperam a narrativa.

- Eu não acredito! Então ele sabia? – Rony perguntou desesperado quando Harry contou.

- Sabia... – Harry respondeu, enfiando as mãos nos cabelos. – Sabia de tudo, e só esperou a hora certa para contar...

- Mas, se ele contou para o Snape como você disse...

- Snape está me chantageando agora, Mione... Ele me contou que sabia de tudo na sexta... Se eu não começar a respeitá-lo, entenda-se "obedecê-lo", ele vai espalhar essa história...

O queixo de Hermione caiu. Rony engoliu em seco.

- Mas por que ele não falou com a gente também?

- Somente porque o problema dele é comigo, Rony. Vocês só entram no pacote.

- Ele não pode fazer isso! – Hermione exclamou. – Isso é ilegal!

- Mas ele está fazendo, e eu não tenho como impedi-lo. – Harry respondeu. – Tenho que fazer o que ele quer, senão nós três acabaremos muito mal...

- E é tudo culpa daquele nojento do Malfoy! – Rony disse irritado. – Ah, se eu pudesse pegar ele agora, aquele nariz empinado dele ficaria em pedacinhos!

- Bem, eu já fiz isso por você...

E Harry contou exatamente a briga que teve com Malfoy. Rony fez uma cara de quem estava se divertindo com aquilo, e Hermione lançou um olhar muito reprovador para o namorado, mas não tanto quanto o que lançou para o amigo.

- Você é doido, Harry? Você já pegou uma semana de detenção e perdeu um monte de pontos justamente por causa do Malfoy! E ainda entra na dele?

- Mione, o que você queria que ele fizesse? – Rony se intrometeu na conversa, indignado. – Sinceramente, Harry, você fez muito certo... Eu no seu lugar faria a mesma coisa... Aliás, eu mesmo deveria dar uma lição nele também! Onde já se viu, como é que o Malfoy pôde fazer uma coisa dessas com você e a Gina? E eu que pensei que só tivesse laquê naquela cabeça loira dele...

- É, parece que eu o subestimei... Talvez ele tenha alguns miolos por baixo de tanto gel...

- E você parece que perdeu os seus miolos, né, Harry? – Hermione voltou a reprimi-lo. – Eu ainda não acredito no que você fez! Agora tá explicado porque tem tanto sangue pisado no seu lábio!

Harry rapidamente levou a mão direita ao lábio e constatou o que a amiga falara. Pior que ardera bastante quando ele fez esse movimento. Rony olhou para Harry e fez uma careta.

- É, tá mal mesmo... Mas você também deixou umas boas marcas naquele nojento, né? – o amigo deu uma piscadela.

- Pode-se dizer que o nariz dele não vai ficar tão empinado por um bom tempo... – Harry se vangloriou com um sorriso.

- Francamente, vocês dois! Será que nunca vão criar juízo? Harry, como vocês conseguiram sair de lá sem ganhar mais um mês de detenções depois disso tudo?

- Bem... Na verdade, Willians ajudou...

- Willians? – Hermione perguntou arregalando os olhos. Rony ficou boquiaberto, e Harry contou exatamente como a sonserina acabou ajudando no final de tudo.

- Caramba! Que garota louca! – Rony exclamou assim que Harry terminou a narrativa.

- Louca ela sempre foi! – Hermione comentou. – Só achei esquisito ela ter te ajudado, principalmente com o seu ferimento... Por falar nisso... – ela se levantou e sentou atrás de Harry, mexendo a cabeça dele para examinar sua nuca.

- Que foi? – ele perguntou.

- Só tô vendo se ela não aprontou nada com você, de repente...

Rony arregalou os olhos.

- O que ela pode ter feito?

- Sei lá... Talvez aplicado alguma maldição...

Harry e Rony se entreolharam, e os dois engoliram em seco ao mesmo tempo.

- Você tá falando sério, Mione?

- Ah, é sempre melhorar checar, Harry... Eu espero qualquer coisa vindo daquela garota...

- Cruz credo, ela é tão ruim assim? – Rony perguntou. – Tá, ela é um pouco histérica e terrivelmente mal-humorada, mas...

- Vocês não a conhecem como eu conheço. – Hermione retrucou, largando a cabeça de Harry. – Parece que ela não fez nada com você, Harry. A marca do ferimento deve sumir em alguns dias.

- Ah, que bom...

- Mas, continua, Mione... O que essa garota já fez? Eu não me lembro de você falando de alguém nesse tom desde... a Profª. Trelawney...

Hermione fez uma cara de completo nojo, e deitou no sofá. Os garotos se ajeitaram para escutar o que ela tinha a dizer.

- Ah... Bem, Willians não é o que se pode chamar de "normal", digamos assim.

- Por quê? – Harry perguntou curioso.

- Bem, ela é meio, meio não, totalmente excluída na escola, até mesmo na Sonserina. Na verdade, até Malfoy mantinha uma certa distância dela, só agora que resolveu se... aproximar mais, por assim dizer.

- Todo mundo sabe que ele é caidinho por ela... – Rony falou.

- Completo mau gosto, eu diria. – Hermione comentou. – As meninas costumam comentar que Willians deve ter feito uma Poção do Amor ou algum feitiço para ele ficar tão a fim dela desse jeito...

- Será mesmo? – Harry perguntou, descrente. – Ela parece tão descontente quando ele tá perto dela...

- E quando ela não parece descontente com alguma coisa?

- Ah, Mione, pára de enrolar e conta mais!

- Tá muito interessadinho, Rony... – a garota alfinetou com desagrado.

- Curiosidade, Mione, que coisa! Você não tá curioso também, Harry? – o rapaz concordou para salvar a pele do amigo. – Tá vendo, Mione? Não sou só eu...

Depois de um olhar bastante desconfiado para os dois garotos, Hermione continuou:

- Então... Além do que as sonserinas "normais" sempre fazem, como indiretinhas ridículas do tipo... – a garota começou a imitar uma voz de gralha. – ..."Você tá com fulano, fulana? Cuidado, eu ouvi falar que ele já chutou umas vinte antes de você...", ou então: "Seu cabelo hoje tá igual ao da palha de uma Cleensweep, Granger..."

Rony abafou uma risada. Hermione lhe lançou um olhar assassino.

- Que foi? Você concorda, é?

- Não, Mione! Mas é que foi engraçado o jeito que você falou. – como a garota continuou a olhá-lo emburrada, ele completou: - Você sabe que eu adoro seu cabelo, né?

Hermione sorriu enviesado.

- Bem, como eu estava dizendo, Willians, além dessas piadinhas ridículas, já fez muitas coisas piores, que nem aquela cara de cachorro da Parkinson tem coragem de fazer...

- Como o quê? – Harry perguntou.

- Como colocar essência de bomba de bosta no perfume de Ana Abott.

Rony riu, e Harry não conseguiu reprimir um sorriso.

- Vocês riem, é? – Hermione perguntou indignada. – Pois eu não achei nada engraçado quando aconteceu, eu não gostaria que fizessem isso comigo! – os garotos ficaram sérios. – Não foi nada legal, deu muita pena da Ana. Ela ficou cheirando cocô por uns três dias, e óbvio que ninguém ficava muito perto dela...

- Ah, mas até que é uma idéia boa... – Rony falou, sorrindo. – Harry, a gente bem que pode fazer o mesmo com o gelzinho do Malfoy, o que você acha?

Harry riu. Hermione emburrou a cara.

- Vocês podem achar engraçado, mas para uma menina isso não é nada legal. Quando aconteceu, as sonserinas até acharam engraçado, mas isso mudou quando Willians colocou um rato na cama da Parkinson. Foi aí que até as sonserinas começaram a excluí-la mais.

Rony e Harry se entreolharam um pouco surpresos.

- Quer dizer que eu tive sorte de sair inteiro dessa detenção com ela hoje?

- Muita sorte, Harry.

- Puxa, eu não pensei que acontecessem essas coisas entre as meninas... – Rony comentou. – Pensei que essas sacanagens só fossem entre os garotos.

- Acontecem coisas muito piores entre garotas, Rony. – Hermione retrucou.

- Mas então, por que ela teria me ajudado hoje?

- Sei lá, Harry... Foi isso que mais me preocupou... Deu a impressão de que Willians realmente bateu dos pinos dessa vez, mas...

- Mas... – Rony incentivou a namorada a continuar.

- Mas pelo menos eu nunca soube de nada mais grave que Willians tenha feito, além das indiretinhas e dessas brincadeiras sem graça... Pelo menos ela nunca saiu batendo em ninguém, que nem a Bullstrode costuma fazer...

Por alguns minutos eles não disseram nada, até que Rony cortasse o silêncio, parecendo ter acabado de ter uma idéia:

- Bem, mas uma coisa boa sobrou de tudo isso, né?

- Gostaria que você me dissesse uma... – Harry falou sarcástico.

- Você agora sabe o que realmente aconteceu para que a Gina terminasse com você, Harry. Por que você não fala com ela, explica direitinho... Quem sabe...

Por um segundo Harry pensou no que o amigo tinha dito. Hermione até se ajeitou no sofá, mas seu olhar não era contente como o de Rony. Porém, a esperança que aparecera em Harry foi embora assim como veio no instante em que ele se lembrou das palavras de Gina.

- Pra quê? Pra ela vir e dizer de novo que não me ama?

- Harry, ela sempre foi fissurada em você, eu não acredito que...

- Talvez Harry esteja certo. – Hermione interrompeu. Rony e Harry se viraram para olhá-la. A garota suspirou. – Eu não contava nada para vocês porque Gina me pedia, mas agora acho que não tem problema falar...

- Fala logo, Mione! – Harry pediu, sentindo seu coração acelerar.

- Bem... Vocês devem ter reparado que eu tenho conversado com a Gina mais do que o normal, né? Quer dizer, eu e ela nunca fomos grandes amigas, mas ela me contou umas coisas durante essas conversas... – Hermione olhou com certa pena para Harry. – Ela me contava que não estava sentindo tudo o que achava que deveria sentir por você, Harry... Algumas vezes ela chegou a me contar que pensava em contar isso para você e terminar tudo...

Harry abaixou os olhos, e Rony e Hermione o olharam um tanto penalizados. Rony admitiu.

- Eu não sabia disso...

- Pois é. – a voz de Hermione se fez ouvir. – Foi por isso que ela terminou, não foi, Harry?

- Foi. – a voz de Harry estava um pouco tremida, e ele limpou garganta para que ela voltasse ao normal. – Ela só usou essa história toda da armação do Malfoy como desculpa mesmo...

- Também não é assim, Harry. – Rony falou, defendendo a irmã. – Talvez...

- Talvez nada, Rony! Eu acho que nunca vou conseguir perdoar a Gina pelo que ela fez... Ela acabou comigo, ela me arrasou... Eu nunca pensei que fosse me sentir tão... derrotado... por causa de alguém.

- Mas eu acho que seria o mais certo de sua parte, Harry, se você contasse para ela o que descobriu com o Malfoy... – Hermione disse. – Seria o mais correto a se fazer...

- Eu tô pouco me lixando para o que é correto ou não, tá legal, Mione? Depois do que a Gina me fez, eu não tô com a mínima vontade ser "correto" com ela.

- Harry, olha lá como fala! – Rony exclamou. – É da minha irmã que você tá falando!

- Olha, aqui, Rony! Pra mim ela não é mais a sua irmã, ou a Gina, ou o que quer que seja! Pra mim ela agora só é a minha ex-namorada que me deu um grande chute no traseiro e me arrasou por completo!

Rony abriu a boca para falar, mas Hermione fez um sinal para que se calasse, e depois se dirigiu a Harry:

- E você queria o quê, Harry? Ser enganado para sempre? Não foi mais honesto o que ela fez, te contando a verdade, o que realmente estava sentindo? Harry, pensa bem, você queria viver uma mentira?

Harry parou por alguns instantes e não disse nada, apenas absorvendo as palavras da amiga. Mas o seu orgulho ferido falou mais alto, e ele disse, em um tom carregado de ressentimento:

- Pra vocês é fácil falar, não é? Ninguém já chegou para vocês e disse na sua cara: "Olha, você é um cara legal, mas eu não te amo, tá? Eu me enganei todo esse tempo, eu te enganei também, achei que gostasse de você, mas não é isso. Entenda e desencana, tá bom?" É difícil escutar isso da pessoa de que você gosta... Você se sente um lixo, um trapo velho! É como eu tô me sentindo. Vocês acham que é fácil encontrá-la aqui ou nos corredores e, simplesmente, fingir que não tá vendo? É, porque ela finge que nem me vê, ela me vira a cara, e isso dói. E eu não quero ficar correndo atrás dela, então eu também tenho que virar a cara e fingir que tá tudo bem, mas não tá! As pessoas podem achar que tá, mas eu sei que não tá! Puxa, eu... – Harry respirou fundo para pegar fôlego, um aperto ruim no coração por estar relembrando tudo aquilo. – Eu... ainda gosto dela, e sinto falta... E, caramba, ouvir tudo aquilo doeu, me machucou... Ela pode até ter sido honesta e tudo mais, mas doeu! Não tá sendo fácil superar, conviver com isso... E vocês ainda me pedem para ser correto? Eu não quero ser correto! Eu não consigo! Você pode até querer me bater por isso, Rony, mas a minha vontade é que a Gina sofra tanto quanto eu, e pra mim parece que isso não tá acontecendo! Doeu saber a verdade, e tá doendo até agora! Vocês não podem me pedir para que eu simplesmente passe por cima disso e seja o mesmo. Eu não consigo.

Hermione e Rony pareciam sem palavras depois de tudo isso. Harry também não disse mais nada. O rapaz virou o rosto e tentou não olhar para os amigos. Novamente estava relembrando aquilo, e doeu de novo. Ouviu quando Rony encostou no sofá, e quando Hermione se ajeitou e sentou.

- Harry... – era a garota que falava. Ele não olhou para ela. – Tudo bem, a gente entende que você esteja chateado, magoado... Mas... ah, Harry, olha pra mim, eu tô falando com você!

O rapaz se virou e encarou a amiga. Quando ele fez isso, ela pareceu perder a coragem de dizer o que queria. Foi Rony que disse por ela, mas ele não olhava para o amigo:

- Não se torne uma pessoa amarga, Harry. Namoros começam e podem terminar. É claro que eu ficaria tremendamente chateado se eu e a Mione terminássemos, seria difícil, seria doloroso, eu espero que isso nunca aconteça, mas... a minha vida nem a dela poderiam parar se isso acontecesse. Tudo bem você estar triste, tudo bem você se sentir acabado agora... mas o que você não pode deixar acontecer é que isso te transforme em alguém fechado, em alguém ressentido... – Rony respirou fundo e olhou para Harry. – Vai ser ruim para todo mundo se isso acontecer, mas quem vai ser mais infeliz vai ser você mesmo, Harry. Toma cuidado para que isso não aconteça. É sério.

Harry preferiu não dizer nada. Novamente abaixou os olhos, apenas sentindo o impacto das palavras de Rony. Amargura? Era assim que ele estava? Amargo? Ouviu quando Hermione o chamou novamente, e se virou para olhá-la. Ela tinha uma expressão quase hesitante, algo difícil de acontecer. Mordia o lábio, nervosa.

- Eu só falei aquilo, Harry, porque eu achei que talvez você preferisse esclarecer as coisas. Provar que era inocente nessa história. Por você, não por ela. Mas você faz o que achar melhor, ninguém aqui tá te forçando a nada. Você faz o que preferir. É você quem sabe o certo para si mesmo. Mas pensa no que o Rony falou, porque era isso que eu queria te dizer também. Não deixa que o que aconteceu te mude para pior. Você é um garoto legal, Harry, você não merece isso...

O sol se punha nos jardins cobertos pela neve, dando um tom avermelhado ao tapete branco que cobria a grama da beira do lago da lula gigante, onde ele estava sentado, abraçando os joelhos, o queixo apoiado neles. Fazia frio, mas ele fingia não senti-lo; não tinha a mínima vontade de se levantar, mesmo que dali a pouco tivesse que cumprir sua última detenção na biblioteca de Hogwarts.

O vento gelado roçava a face de Harry naquele fim de tarde de sexta-feira; alguns alunos aproveitavam sua tarde livre dentro do castelo quente e aconchegante, enquanto outros rezavam para que o relógio andasse mais rápido, e o último dia de aula antes das férias de inverno terminasse.

Aquela semana fora bastante fora do comum para Harry. Depois de tudo que acontecera, ele se sentia mais que desolado. Tanto que não era mais o mesmo nem com os amigos, nem com os colegas e nem mesmo com os professores. Durante as aulas, ficava tão quieto que, em uma aula dupla de Transfiguração, a Profª. McGonagall veio lhe perguntar se estava passando bem. O Prof. Flitwick e a Profª. Sprout fizeram a mesma pergunta, o que levou Harry a ter certeza de que realmente deveria estar parecendo um morto-vivo. Nem Snape teve do que reclamar na sua última aula do semestre; Harry não disse absolutamente nada durante as duas aulas, nem esboçou nenhuma reação quando o mestre expôs para toda a classe os defeitos da poção do rapaz e disse em alto e bom som a nota dele: dois e meio. Harry não disse nada nem quando Malfoy soltou suas costumeiras diretas a seu respeito, o que obrigou o sonserino a desistir de encher sua paciência. Isso levou Harry a crer que realmente a melhor política era ignorar seus inimigos.

Ao mesmo tempo, Harry não teve nem vontade ou oportunidade de contar sobre o que descobrira na noite de sua detenção na ala hospitalar para Gina. Mais ainda do que no começo, a garota passou a evitá-lo e, nas refeições ou no salão comunal, ela não lançava um único olhar para ele. Diante disso, Harry começou a pensar que ela não somente não o amava, como passou a odiá-lo. Quando contou suas aflições a Rony, o amigo riu e falou que Harry estava exagerando, e que Gina não era capaz disso, só estava evitando-o para não piorar as coisas ou porque talvez se sentisse desconfortável perto dele depois do que acontecera. Harry decidiu não contar mais nada a respeito do que achava ou deixava de achar sobre Gina para o amigo, porque notou que não adiantava.

A noite já estava caindo, e o céu se tornava bem mais escuro. Harry ouviu, distante, o som dos passos da última turma do Hagrid voltando de sua aula nos gramados. Sabia que essa era justamente a turma do quinto ano da Grifinória, a turma de Gina. É incrível como, quando se quer parar de pensar em uma pessoa, tudo leva à lembrança dela, até mesmo as mínimas coisas. Foi exatamente isso que passou pela cabeça de Harry quando se lembrou de Gina ao ouvir os passos dos alunos voltando para o castelo.

Foi só quando a noite realmente tinha caído, e já se podia ver a lua crescente ligeiramente encoberta pelas nuvens no céu, que Harry decidiu se levantar e seguir para a sua detenção. Ele limpou a neve grudada na sua capa e começou a caminhar com certa dificuldade pelo tapete branco e fofo sobre o gramado.

Dentro do castelo estava bem mais quente, e Harry se viu obrigado a tirar sua capa, o cachecol e as luvas. O cheiro de comida que vinha do Salão Principal invadiu suas narinas, mas ele não quis ir jantar. Podia ir, mas preferiu seguir direto para a biblioteca. Sua vontade era ir, enfiar a cara nos livros e ficar sozinho. Geralmente era exatamente isso que acontecia; Madame Pince pegava uma ala da biblioteca para catalogar os livros, e Harry ficava com outra. Não era nada divertido, como Hermione pensava – "Ah, Harry, não deve ser tão ruim. Eu adoraria fazer isso, imagine só, poder olhar todos os livros da biblioteca sem que Madame Pince pergunte por que estamos fazendo isso! Realmente você deu sorte na sua detenção!" – mas também não era o fim do mundo. Harry só tinha que anotar alguns dados dos livros, como título, autor e editora, além de outras coisas, em um caderno que a bibliotecária lhe dava. Às vezes ele até folheava alguns que lhe interessavam, mas a maioria era livros chatos e entediantes. O resultado era que, no fim das detenções, Harry saía exausto e morrendo de sono, tanto que chegava no quarto e dormia, muitas vezes, com a roupa do corpo mesmo. Esse hábito lhe rendeu adquirir uma tosse chatinha que era o único barulho que ele costumava fazer durante as aulas.

Para sua imensa felicidade, Harry não encontrou ninguém pelo caminho enquanto ia para a biblioteca. Parecia que todos estavam no Salão Principal, e ele agradecia por isso. Outro hábito que estava começando a adquirir era o prazer de ficar sozinho, sem ninguém lhe fazendo perguntas irritantes. Se bem que, do jeito que andava seu humor, qualquer assunto estava se tornando irritante, até mesmo quadribol.

Porém, quando abriu a porta da biblioteca e entrou, viu a pessoa que menos queria encontrar na face da Terra. Harry se amaldiçoou por não ter ficado mais alguns minutos no jardim, mas como poderia prever que ainda haveria alguém na biblioteca a essa hora? Conversando com Madame Pomfrey na bancada estava ninguém menos que Gina Weasley.

Soltando o ar longamente pela boca, Harry encostou a porta às suas costas e começou a se dirigir para o local. Não tinha muita escolha. Já que estava ali, iria ficar. Além disso, achava idiotice ficar fugindo de Gina. Ela não era um bicho de sete cabeças, afinal. Qual o problema em cumprimentá-la? Nenhum, ao seu ver.

- Ah, vejo que veio mais cedo para a sua detenção, Sr. Potter! – Madame Pince exclamou quando Harry estava a apenas alguns metros da bancada. Gina se virou assustada e, pela primeira vez em dias, olhou para Harry.

- Eu estava sem nada para fazer e resolvi vir. – o rapaz disse com uma voz rouca pela falta de uso, enquanto apoiava o cotovelo na bancada. Madame Pince sorriu e falou, dirigindo-se à Gina:

- Eu vou buscar o livro que a senhorita pediu, volto em um instante.

Enquanto Madame Pince saía, Harry observou que Gina tinha pego muitos livros. Mas não eram livros escolares, ele pôde perceber; eram romances. Sem olhar para a menina, ele comentou, apoiando o queixo no cotovelo:

- Desse jeito você vai ficar igualzinha à Mione.

- O quê? – ela parecia sem jeito, dava para notar pelo timbre da voz. Harry preferiu não olhá-la, pois sentiu um frio chato no estômago. Mas isso não significava nada, não estava sentindo isso só porque estava perto de Gina e falando com ela. Não, não era isso. Provavelmente era alguma indisposição passageira. Sim, era isso.

- Estou falando dos livros. – ainda bem que sua voz não mudara, ou ele seria capaz de se bater.

- Oh, sim.

Novamente silêncio. Ridículo como pareciam estranhos entre si mesmo tendo sido tão próximos durante quase um ano inteiro. Talvez isso fosse normal entre ex-namorados.

- Estou levando para ler nas férias. Madame Pince deixou que eu os levasse para casa. – ela comentou, depois de um tempo.

- Ah. – Harry disse vagamente, e depois completou. – Rony me contou mesmo que você vai para casa nessas férias.

- É sim.

Mais uma vez silêncio. Porém, ele foi interrompido por um curto acesso de tosse da parte de Harry.

- Você tá bem? – Gina perguntou.

- Sim, tudo bem. – ele respondeu, controlando o acesso e limpando a garganta. – É que eu estava lá fora, e acho que não me fez bem.

- Claro que não te fez bem, não deveria ficar lá fora na neve!

Ele se virou para lançar-lhe um olhar do tipo "Não te interessa!". Ela suspirou, e passou a se ocupar em folhear seus livros. Passados alguns minutos, Madame Pince retornou.

- Aqui está, Srta. Weasley. – ela falou, entregando o livro à Gina, que o juntou aos outros.

- Obrigada, Madame Pince.

- Sr. Potter, podemos começar, então? – a bibliotecária perguntou para Harry, que estava completamente absorto.

- Hã? Ah, bem... a senhora se importa se eu demorar mais um pouco? – ele perguntou, olhando de esguelha para Gina, que parecia meio atrapalhada com os livros. – Eu preciso falar uma coisa com Gina.

A garota quase derrubou seus livros quando ouviu a frase de Harry, e o olhou com tamanha estupefação, que Madame Pince pareceu ficar até ligeiramente assustada. A bibliotecária assentiu, dizendo que estaria na ala reservada e que Harry deveria encontrá-la lá mais tarde.

- Harry... eu... bem, nós não temos nada para conversar... – Gina disse meio sem jeito. Harry se virou para olhá-la, lembrando-se das palavras de Hermione: "...eu achei que talvez você preferisse esclarecer as coisas. Provar que era inocente nessa história. Por você, não por ela." Já que ele teve essa oportunidade, esclareceria tudo.

- Mas eu tenho algo para te dizer.

A garota suspirou longamente, e colocou os livros sobre a mesa novamente.

- Tudo bem, então. Diga. – ela não olhava para ele.

Harry fingiu não se importar, e começou a contar tudo que Malfoy lhe dissera durante a detenção. Gina, no começo, parecia não se importar muito, mas quando Harry terminou, ela estava visivelmente tensa, e havia raiva na voz dela quando disse:

- Então foi ele? Não acredito que aquele garoto teve coragem disso... Eu nunca fiz nada para ele!

- Mas eu já fiz. – Harry falou. – A vingança era para mim, não para você.

- É, mas eu também acabei envolvida! – ela falou revoltada, finalmente olhando para Harry. Ao fazer isso, ela pareceu desanimar.

- Eu te contei isso para você não ter dúvidas de que eu fui realmente fiel a você.

Pela sua expressão, ela parecia estar absorvendo as palavras dele, e procurando uma resposta. Sua voz soou um tanto indiferente quando falou:

- No fundo, eu nunca duvidei disso.

- Não parecia. Aquele dia... – Harry começou, respirando fundo. - ...você parecia duvidar.

- Eu estava nervosa. Mas eu disse que esse não foi o motivo para terminar com você.

- Eu entendi muito bem qual foi o motivo, não precisa repetir.

Ela pareceu se assustar um pouco com o tom ressentido dele.

- Fico aliviada que tenha entendido.

- Eu tive outra escolha?

Gina não respondeu. Ao invés disso, recolheu seus livros com certa dificuldade, porém, antes que fosse embora, Harry perguntou com a mesma mágoa na voz:

- Então é assim que termina?

Ela olhou para ele.

- Não, não é assim. Já terminou há muito tempo.

Harry preferiu não olhar enquanto ela ia embora. Apoiou os cotovelos na bancada, enfiando as mãos nos cabelos. Fechou os olhos, sentindo o efeito daquelas palavras. Ela realmente não o amava. Pelo tom dela, não haveria mesmo volta. Ele teria que enfrentar isso, mas por que tinha que doer tanto? Sua vontade era se esconder em algum canto escuro e ficar sozinho com seus próprios pensamentos, somente sentindo sua dor. Droga, por que ela ainda tinha que mexer tanto com ele? Por que ele ainda se sentia tão vazio ao ouvir o tom indiferente dela? "Não se torne uma pessoa amarga, Harry." Seria difícil seguir esse conselho...

Respirando fundo, Harry se desencostou da bancada e abriu os olhos. Ainda teria uma detenção pela frente, e talvez isso o distraísse um pouco. Arrastando os pés, ele caminhou até a ala reservada da biblioteca. Madame Pince estava mexendo em alguns livros em uma mesa.

- Ah, o senhor chegou, Sr. Potter? Bem... – ela falou, levantando-se e recolhendo um caderno, uma pena e tinta, os quais entregou para Harry em seguida. - ...aqui está seu material. O senhor cuidará da ala leste, mas peço que não fique xeretando nos livros, já que eles são da ala reservada!

Harry assentiu e se dirigiu à ala leste. Escolheu uma prateleira, recolheu alguns volumes grossos, e sentou-se em uma mesa para começar seu trabalho. Pela janela, ele podia ver as nuvens descobrindo a lua, enquanto o tempo passava. Já que Madame Pince tinha pedido, ele preferiu não ficar folheando os livros, se bem que nem estivesse com muita vontade disso. Porém, quando abriu um livro grosso de capa preta e dourada, o título dele o interessou:

"Maldições, torturas e magia negra – como conjurá-las e se proteger delas"

Depois de olhar para os lados e constatar que Madame Pince realmente não estava por perto, Harry começou a folhear o livro. Ele era tão velho, que já estava amarelado e tinha cheiro de mofo. Harry teve que assoprar a página para poder lê-la, e voou tanto pó que ele espirrou umas duas ou três vezes depois disso. Passou o dedo indicador pelo índice, e leu os títulos:

"Maldição da Estrela Dalva", "Feitiço do mês seguinte", "Maldição da Lua Nova", "Tortura do Olho Escuro", "Feitiço do Sol da meia-noite", "Maldição da Terra das Sombras".

Harry parou o dedo exatamente nesse título. Lembrava que ele tinha sido mencionado na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas e que tinha sido bem interessante. Correu o dedo até a página e abriu o final do livro, na página 783. O título estava lá, no topo da página, e havia figuras de pessoas atacadas pela Maldição. As vítimas geralmente estavam ajoelhadas, segurando a cabeça, uma expressão de profunda tristeza e desespero no rosto. Harry sentiu um arrepio ao ver as imagens. Assoprou novamente a página para lê-la, mas dessa vez tapou o nariz para não espirrar. Em letras enfeitadas, ele pôde ler o texto:

Maldição da Terra das Sombras

Uma das maldições mais malignas e temidas do mundo mágico, Soturnos Sognus, chamada comumente pelo nome de "Maldição da Terra das Sombras", surgiu há mais de um milênio, criada por ninguém menos que Salazar Slytherin, um dos bruxos fundadores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

O poder da maldição é transportar a vítima a um mundo alternativo, chamado "Terra das Sombras", que nada mais representa do que as próprias lembranças dolorosas da pessoa. Não causa nenhum tipo de dor, porém, as memórias revividas da vítima acabam por obrigá-la a fazer tudo que o bruxo responsável pela maldição quiser.

Ao longo dos séculos, essa maldição complicada, que envolve estudos sobre a vida da vítima, poções de difícil preparo, além de uma infinidade de feitiços que exigem poder e envolvimento do bruxo, tem sido conjurada por bruxos poderosos de ligação com artes das trevas avançada. Muitas vezes essa maldição foi utilizada como tortura, principalmente nas épocas de guerra e na Inquisição, porém, algumas vezes, ela fora utilizada somente como uma forma de vingança por parte do bruxo que a conjura.

De acordo com o sentimento de raiva, mágoa, rancor e ódio do bruxo pela vítima, o poder da maldição pode variar. Além dos sentimentos, o poder do bruxo influencia drasticamente no resultado. Há a crença de que somente os descendentes de Salazar Slytherin possam...

- Sr. Potter!

Harry rapidamente fechou o livro ao ouvir a voz de Madame Pomfrey. Com o coração batendo muito rápido pelo susto, ele olhou para os lados e suspirou aliviado quando viu que a bibliotecária parecia não tê-lo visto lendo o livro. Ela se aproximou da mesa dele.

- Vejo que o senhor já catalogou vários livros, Sr. Potter. – ela pegou justamente o livro que Harry estava lendo, e o coração dele deu um salto. – Mas já está bem tarde, acho que o seu trabalho aqui terminou.

- Mesmo?

- Sim, o senhor me ajudou bastante. Lembrarei disso quando relatar o seu desempenho na detenção para o diretor. – Harry não pôde conter um meio sorriso. – Mas já pode ir, está bem tarde. Eu termino o que o senhor começou.

Harry se levantou e deu um "boa noite" para a bibliotecária antes de sair. Ainda tinha as palavras do livro na sua cabeça, mas elas logo começaram a ser apagadas pelo cansaço quando ele soltou um enorme bocejo assim que fechou atrás de si a porta da biblioteca. Estava um pouco mais frio nos corredores, e ele arrumou a capa em torno de si. Ouviu quando uma janela bateu e uma rajada de vento frio misturado com neve entrou esvoaçando sua capa. Apressou o passo, desejando com todas as suas forças chegar o mais rápido possível ao seu dormitório, aquecer-se entre as cobertas e dormir até mais tarde no dia seguinte.

O único som no castelo parecia ser somente o do vento lá fora e o ruído de alguns ocasionais acessos de tosse de Harry. Tinha que parar de dormir tão tarde e ficar nos jardins sob a neve, isso estava começando a prejudicá-lo. Talvez passasse a se alimentar melhor também, como Hermione insistia todo dia que ele fizesse. Outro acesso de tosse. Só esperava que Filch ou Madame Nor-r-ra não o ouvissem... Se bem que ele tinha motivo para estar fora da cama uma hora dessas; tivera detenção, e não poderia ser punido por estar cumprindo-a.

Sua cabeça começou a dar sinais de vida quando ele estava chegando ao sexto andar. Fazia tempo que ela não doía, mas... quando ele percebeu que não era sua cabeça que doía, já era tarde demais; não conseguiu reprimir um grito de dor quando sentiu a cicatriz arder dolorosamente na sua testa.

Respirando com dificuldade, ele se encostou na parede e tentou não fazer mais nenhum barulho, a cicatriz ainda ardendo surdamente em sua cabeça. Fechou os olhos com força tamanha era a dor. Sentiu que seu corpo escorregava pela parede, e ele sentou encolhido no chão, a dor parecendo aumentar mais. Seu cérebro não conseguia funcionar direito, e ele não conseguia pensar em mais nada além da dor.

Como se estivesse dentro de sua mente, uma risada fria ecoava insistentemente, quase ensurdecendo-o. Uma voz que ele conhecia dizia palavras sem sentido, mas ele conseguiu entender essa frase:

"Sim, será o que farei. Mesmo assim, eu prosseguirei com o plano. Aquele velho idiota não perde por esperar..."

Novamente risadas, mas dessa vez, Harry abriu os olhos assustado, e foi como se tivesse acordado de um pesadelo. Ainda estava sentado no chão, encostado à parede, sentindo-a gelada em suas costas. O barulho do vento e das janelas batendo voltou a invadir seus ouvidos, o único ruído em todo o castelo. Porém, além disso, ele podia ouvir sua respiração ruidosa e o ranger de seus dentes por causa do frio. A única parte quente do seu corpo parecia ser a sua testa, já que a cicatriz ainda ardia surdamente ali. Harry levou os dedos a ela, mas não sangrava como já acontecera outras vezes. Melhor assim, ele não gostava quando ela sangrava.

Porém, ainda era preocupante. Fazia muito tempo que a cicatriz não ardia dessa maneira, e Harry poderia jurar que a risada e a voz em sua cabeça pertenciam a Voldemort. Ele estivera parado por tanto tempo, será que estava planejando algo? Será que faria algo? Harry tinha certeza de que Voldemort não desistiria de seu reinado de terror assim tão fácil. Ele deveria estar para fazer algo sim, mas o quê?

Foi essa a dúvida que não saiu da cabeça de Harry durante todo o caminho para a torre da Grifinória, enquanto ele caminhava pelos corredores silenciosos, totalmente desperto, a cicatriz ainda ardendo em sua testa.

Harry observava a neve cair nos jardins de Hogwarts sentado no parapeito da janela de seu dormitório na manhã seguinte. Estava sozinho, como preferia estar habitualmente. Acordara bem mais tarde do que os colegas de quarto, e a causa disso foi sua terrível noite de sono. Dormir foi o que ele menos fez naquela madrugada. A cicatriz não deixara de atormentá-lo por um segundo sequer, e a preocupação com a frase que escutara não o deixava dormir. E quando conseguia, seu sono era interrompido por sonhos malucos, em que ele via o próprio Voldemort rindo dele e dizendo que o rapaz seria obrigado a cumprir detenções com Snape para sempre. Harry acordava assustado, suando, a cicatriz ainda ardendo, e não conseguia mais dormir depois disso.

Foi só quando já estava amanhecendo que Harry conseguiu pegar no sono vencido pela exaustão e dormir um pouco. Quando acordou, não havia mais ninguém no quarto, e ele não teve vontade de sair. A cicatriz já tinha parado de doer, mas ele ainda se sentia extremamente cansado. Parecia que ficava mais exausto quando tentava relembrar o que tinha ouvido em sua cabeça na noite anterior, mas os detalhes escapavam dos seus dedos como água, e ele não poderia dizer com certeza todas as palavras que ouvira. Era exatamente por isso que ainda estava relutando em ir até a sala de Dumbledore e contar o que acontecera. Lembrou que o diretor lhe passou a senha exatamente para essas emergências, mas também lembrou o quanto Dumbledore estava parecendo mais ocupado e cansado a cada dia, sem contar a decepção que Harry lhe causou quando vomitou todas aquelas verdades bem na cara de Snape.

Harry tentou se concentrar em observar a neve fina que caía nos jardins. Havia alguns poucos alunos com malas entrando em carruagens e se despedindo dos colegas. Isso fez Harry se lembrar de que era o dia em que os alunos voltavam para casa nas férias, o que poucos faziam naquele ano devido ao baile. Foi exatamente no momento em que se lembrou que Gina também iria para casa nas férias, que a porta do dormitório se abriu abruptamente, e Harry se virou para ver um rapaz sardento de cabelos vermelhos adentrar o quarto.

- Ah, você tá aí, Harry?

- Não, na verdade eu sou o Neville e tomei uma Poção Polissuco para me transformar no Harry... – o rapaz disse sarcasticamente. – É claro que eu tô aqui, Rony!

- Há. Há. Há. – Rony falou emburrado, fechando a porta atrás de si. – Muito engraçado, Harry.

- Obrigado.

Rony atravessou o quarto, pulando as vestes que Simas tinha largado no chão no dia anterior, e se aproximou de Harry.

- Você não vai sair daqui?

- Não tô a fim.

- Er... – Rony parecia um pouco indeciso do que iria falar. Harry o olhou como se o encorajasse. – Anh, bem... Gina já está indo embora, você não quer se despedir dela?

- Não.

Harry se virou para olhar os jardins, mas na verdade não queria mesmo era olhar para Rony.

- Você tem certeza?

- Absoluta.

- Ah... Ok, então eu vou indo. Vou carregar as malas dela e me despedir. – Rony se afastou, chegando perto da porta e parando. – Saia daqui, eu e Mione estaremos no salão comunal.

Harry se limitou a um leve aceno de cabeça. Rony abriu a porta e, já ia embora, quando voltou e disse:

- E... Gina lhe mandou um Feliz Natal.

- Pra ela também. – Harry respondeu sem emoção.

- Tá.

Harry só olhou para a porta quando ouviu o som dela ao se fechar. Pensou em ir até ela e trancá-la com um feitiço, mas desistiu. Voltou à sua distração de olhar os jardins. Depois de alguns minutos, viu três pessoas caminhando sobre a neve: Rony, Hermione e Gina. Rony carregava as malas da irmã, enquanto Hermione e Gina o acompanhavam. Harry virou o rosto e seu olhar bateu com o seu malão aberto, e ele pôde ver, escondida entre várias roupas, um pedaço de sua Capa de Invisibilidade. Olhou novamente para a janela, e viu Gina subindo em uma carruagem, Rony e Hermione falando com ela. Saiu do peitoral da janela, abaixou-se, tirando as roupas de cima da capa, deixando-a totalmente à mostra: a capa antiga e tão útil herdada de seu pai...

O vento estava muito forte na estação de Hogsmeade. Harry se dividia entre ajeitar a Capa de Invisibilidade ao redor de si para que não ficasse à mostra, e olhar o Mapa do Maroto de vez em quando para se certificar de que ninguém estava muito perto dele para lhe causar problemas se o visse ali.

O Expresso de Hogwarts soltava grandes sopros de fumaça, e Harry já estava se cansando daquela espera. Tinha saído correndo da torre da Grifinória, pensando que quando chegasse ali o trem já teria ido embora, mas quando chegou esbaforido no lugar, ninguém ainda estava ali.

Foi um pouco complicado chegar tão rápido, tendo que passar pela passagem secreta que levava ao porão da Dedosdemel, atravessar a loja sem ninguém o perceber, cruzar o povoado de Hogsmeade, e chegar até a estação. Pelo caminho, Harry viu de relance Fred Weasley entrando em uma loja pequena, que Harry supôs ser a loja dele e de Jorge, que tanto era comentada em Hogwarts. Mas não teria tempo para parar e cumprimentá-los, mesmo que isso fosse permitido, já que, supostamente, Harry deveria estar no castelo e não andando por Hogsmeade. Teve que correr o máximo que pôde para não se atrasar e, no entanto, ainda estava ali, esperando pelos alunos que embarcariam, o frio fazendo-o tremer por baixo da capa.

Não saberia dizer por que estava ali. Quando viu Gina indo embora pela janela do dormitório, sentiu uma vontade imensa de vê-la mais de perto pela última vez. Era um sentimento quase insano, uma necessidade de vê-la antes que partisse, tanto que ele não conseguiu se conter, mesmo que uma vozinha em sua cabeça repetisse: "Ela te tratou como lixo ontem, e você aí, querendo vê-la... Se enxerga, Harry, ainda não notou que ela realmente não gosta de você?" Porém, ele não atendeu à voz, nem ao seu orgulho, e teve que ir até a estação para vê-la. Mesmo que fosse arriscado, que tivesse que passar frio, e que sua espera parecesse interminável no meio daquele vento idiota.

Foi quando suas pernas doloridas estavam quase fazendo-o desistir que ele viu um pequeno grupo de alunos, uns vinte no máximo, andando juntos e falando alto. Harry se encostou mais na parede, um pouco temeroso de que algum deles esbarrasse nele enquanto passava. Mas isso não aconteceu, por mais que o gato preto de um primeiranista tivesse vindo cheirá-lo e quase tenha-o descoberto.

- Eu queria ficar para o baile, mas minha mãe quase me obrigou a voltar para casa... – o primeiranista do gato, um garoto gordinho que lembrava muito Duda, comentou quando veio pegar o gato que ainda cheirava Harry.

- É, eu também queria ficar, mas meus pais também insistiram para que eu passasse as férias em casa... – um outro garoto baixinho, que parecia amigo do primeiro, falou chateado.

Harry suspirou aliviado quando os dois se afastaram. Não estava nem ligando para os problemas de dois primeiranistas frustados, mas não podia sair dali enquanto estivessem tão perto de descobri-lo. Procurou com os olhos por Gina, mas não a viu em lugar nenhum. Quando estava achando que tinha perdido-a de vista, viu-a sozinha, no final do grupo de alunos. O coração de Harry primeiro deu um salto, mas depois ele sossegou quando o rapaz se forçou a pensar no jeito indiferente da menina. Estava sendo idiota agindo daquele jeito! Devia mesmo era ter ficado no castelo, de que adiantava ter vindo só para vê-la passar? Tolice...

Ainda se amaldiçoando e se xingando por dentro, Harry viu a menina entrar no vagão, desaparecer por um tempo, e depois reaparecer na janela, um olhar vago no rosto. Harry teve o ímpeto de se aproximar dela, mas novamente se repreendeu por isso e permaneceu onde estava. O trem começou a se mover e, nesse momento, uma grande rajada de vento atingiu Harry, e ele não conseguiu segurar a capa, que se desarrumou, descobrindo sua cabeça e parte do ombro. Gina olhou boquiaberta para ele, Harry devolveu o olhar assustado e, por um segundo, eles cruzaram os olhares; mas foi só por um segundo. Rapidamente, Harry se cobriu com a capa e desapareceu. Viu quando Gina esfregou os olhos, provavelmente pensando que teve uma alucinação.

Harry agora segurava firmemente a capa ao redor de si, e viu quando o trem começou a se afastar, Gina ainda olhando para o local onde ele estava, mas um olhar vago, provavelmente por não o ver. Conforme o trem se afastava, Harry o acompanhava com o olhar. Viu Gina desistir de olhar e colocar a cabeça para dentro. Harry, ao contrário, continuou a olhar o trem se afastando. Um vazio no seu peito, como se uma parte de sua vida estivesse indo embora junto com aqueles vagões.

Quando o Expresso de Hogwarts sumiu no horizonte enevoado, e Harry se virou para ir embora, caminhando lentamente, ele sentiu como se tivesse acabado de virar uma página no livro de sua vida.

N/A: Ai, ai, ai... Como sou malvada, fazer isso com o Harryzinho e a Gininha!!! Mas, fazer o quê? Era necessário... Hehehehehe, como sou cruel!!! Bem, mas o real motivo de eu ter passado aqui é para lhes dizer que, se vocês se emocionaram com esse capítulo, leiam a songfic dele: "O fim de um amor", e se emocionem mais!!! A song está aqui na ff.net, espero que gostem!!! Bjks!!! :)