Capítulo Dezesseis – Depois da calmaria, vem a tempestade
Hermione estava decidida a fingir que Rony e até mesmo Harry não existiam. Ela passava a maior parte do seu tempo na biblioteca, ou cuidando dos seus deveres de monitora. A história da aposta pareceu irritá-la a tal ponto que ela estava bem mais enérgica do que de costume com os alunos; certa vez, Harry e Rony presenciaram uma cena em que ela deu um sermão de dez minutos em dois primeiranistas por estarem rindo muito alto no corredor, e depois de feito isso, ela passou ao lado de Rony e Harry e nem ao menos olhou para eles. Os alunos começaram a chamá-la de "Hermione McGonagall".
Quanto a Rony, parecia pior a cada dia. Fazia muito tempo que Harry não via o amigo tão chateado e desanimado. Não era raro vê-lo suspirando pelos cantos, e Harry teve que ouvir muitas lamúrias do amigo a respeito da briga com Hermione. Rony insistia que estava tudo acabado e que Hermione provavelmente estava disposta a nunca mais falar com ele na vida. Harry retrucava dizendo que isso era passageiro e que logo eles estariam bem novamente. Mas até ele às vezes achava que somente um milagre amoleceria a rigidez de Hermione.
Não foram poucas as vezes em que Harry tentou conversar com a amiga. Porém, ela estava irritada com ele também, já que o rapaz participou da aposta. Harry tentava convencê-la a perdoar Rony, a pelo menos dar uma chance de ele se explicar, mas a garota estava irredutível. Harry desistiu no dia em que Hermione jogou na sua cara que ele sempre defendia Rony e nunca estava ao seu lado. Não adiantou dizer que ele não fazia isso, porque ela lhe deu as costas e foi embora.
Ao mesmo tempo, Harry ainda tinha outro grande problema a enfrentar. Ninguém esqueceu que ele fora o par da Profª. Stevens no baile, e Harry teve que aturar desde as gracinhas dos garotos, que Rony sempre dizia ser apenas dor-de-cotovelo porque ninguém mais conseguiu dançar com ela, até os olhares reprovadores seguidos por cochichos das meninas, que faziam questão de lembrar que a professora tinha idade para ser mãe de Harry, e que aquela dança tinha sido um verdadeiro escândalo. Harry se irritou tanto que, certa vez que ouviu um desses cochichos, gritou para um grupinho de meninas do quarto ano:
- Por que vocês não cuidam da própria vida? O que eu fiz de mais, afinal? Eu só dancei com a professora, não saí com ela! – as meninas soltaram gritinhos horrorizados. – E quer saber? Por que eu tô dizendo isso pra vocês, que não têm absolutamente nada a ver com a minha vida? Vocês são mesmo é um bando de despeitadas, que são tão horrorosas que nem devem ter conseguido um par para o baile!
Nenhuma menina cochichou mais nada a respeito perto de Harry depois disso.
Mas o que mais preocupava o rapaz não era a repercussão da história em Hogwarts. Ele estava mais ansioso por saber que efeito isso tinha causado em Sirius, que por sinal não dera mais nenhum sinal de vida desde a carta e o presente que mandara no Natal, antes do baile, obviamente. Por dias e dias Harry se pegou olhando para todos os lados à procura de Edwiges no café da manhã, trazendo um bilhete, uma carta, uma linha que fosse, ou até mesmo um berrador, mas nada chegava. Harry tinha duas hipóteses, que mais preocupavam do que ajudavam: ou Sirius tinha se magoado tanto que nunca mais falaria com ele, ou então alguma coisa de muito ruim acontecera com o padrinho para que ele não despertasse do seu silêncio. Harry achava que a primeira opção ainda era a "menos pior".
E, enquanto isso, Harry não mais teve uma única oportunidade de sequer dizer uma palavra à causadora de tudo isso, ou seja, a Profª. Stevens. Ele só a via nas refeições, sempre parecendo muito ocupada para dar atenção a qualquer um. Harry não se importou, porque não estava com a mínima vontade de falar com ela depois de tudo. Seria somente dar mais o que comentar na escola. Além disso, ele não tinha nada para falar com ela.
Com tantos problemas na cabeça, Harry se surpreendeu que não mais tivesse se preocupado em remoer suas mágoas a respeito de Gina. Ao menos uma coisa tinha sido boa nisso tudo: ele agora tinha outras coisas para pensar e finalmente estava se livrando daquele sentimento de completo vazio dentro dele. Mas, ainda assim, ele não queria pensar no dia em que Gina voltaria de férias, e aí ele tivesse que conviver com ela todos os dias...
Na tarde anterior ao dia da chegada dos alunos de férias, um sábado frio e nebuloso, Harry estava caminhando sozinho pelo castelo à procura do que fazer. Rony, que ultimamente era sua única companhia, estava ocupado acertando algumas coisas sobre monitoria com a professora McGonagall. Depois de ter ido fazer uma visita a Hagrid, que estranhamente o dispensou bem rápido dando uma desculpa que Harry não engoliu, o que fez o rapaz o pressionar até que ele contasse que tinha que falar com Dumbledore sobre algo importante, Harry decidiu procurar algo para se ocupar. Estava ventando muito para voar no campo de quadribol, muito frio para ficar nos jardins, e muitas crianças no salão comunal. Sem ter para onde ir, Harry resolveu procurar algo sobre quadribol na biblioteca que ainda não tivesse lido.
Havia muitas pessoas na biblioteca, considerando-se que a maioria dos alunos queria aproveitar o último fim de semana antes do reinicio das aulas. Madame Pince estava atendendo uma menina do terceiro ano no balcão; nas mesas, havia vários quintanistas e setimanistas estudando feito loucos para os seus N.O.M.s e N.I.E.M.s, que estavam se aproximando. Harry pôde ver, em uma mesa perto da lareira, três alunos do quinto ano que ele conhecia muito bem: Peta, Colin e Jonnathan. Peta lhe acenou alegremente de onde estava, mas Colin e Jonnathan pareciam muito envolvidos com os livros para notarem. Harry não se importava, já que não estava com vontade de olhar para aquela cara emburrada de Jonnathan. Porém, olhando ao seu redor, ele viu alguém que lhe interessou. Sentada em uma mesa perto da janela, atrás de uma pilha de muitos livrões, estava Hermione.
Por um segundo, Harry se lembrou do que ela tinha lhe dito da última vez que tentou falar com ela. Mas, ao mesmo tempo, ele não podia esquecer o quanto Rony estava sofrendo por estar longe dela e, tinha certeza, Hermione também estava. Talvez uma última tentativa surtisse algum efeito. Afinal, Hermione um dia teria que ceder.
- Oi. – Harry falou, assim que se sentou de frente à pilha de livros. Hermione estava escondida ali atrás, mas ele sabia que ela tinha ouvido-o chegar.
Por alguns segundos, Hermione parecia disposta a ignorá-lo, mas Harry permaneceu firme. Quando ele pensou em novamente mostrar que estava ali, uma voz seca e dura falou, abafada pelos livros:
- Estou estudando, Harry.
- Percebi. – ela não disse nada. Ele respirou fundo e tomou coragem. – Você tem um minuto?
- Não.
Harry bufou irritado. Com um movimento dos braços, ele desviou a pilha de livros, revelando uma Hermione muito emburrada. Ele notou que os cabelos dela estavam ligeiramente desarrumados e um pouco armados, o que lembrava a antiga Hermione do primeiro ano. Os olhos dela estavam ligeiramente inchados e vermelhos. Harry sorriu levemente. Sim, ela não tinha endurecido tanto assim; prova disso era que tinha chorado recentemente.
- O que você quer, Harry? – ela perguntou, ainda preocupada em olhar para o livro que lia e não para ele. – Estou ocupada.
Harry tirou o livro das mãos da garota e o fechou com estrépito, colocando-o de lado e encarando a amiga.
- Eu não vou te tomar muito tempo.
Ela suspirou. Harry ficou um pouco apreensivo, pensando se ela iria ou não insistir em não ouvi-lo. Para seu imenso alívio, ela o encarou nos olhos com desânimo.
- Ok, pode falar, Harry.
Pego de surpresa, já que ela estava evitando conversar com ele por dias, ele não soube o que falar de princípio, mas respirou fundo e começou a falar o que queria antes que ela desistisse de ouvi-lo:
- Mione, você e o Rony não podem continuar assim...
A expressão dela, que já estava bastante desagradável, ficou pior.
- Harry, se você veio aqui para falar sobre o Rony...
- E pra quê você achou que eu tinha vindo? – ele a cortou, ligeiramente irritado. – Pra pedir a matéria da próxima prova de Poções, por acaso? – completou sarcástico.
Ela emburrou ainda mais a cara e o encarou como se ele fosse a pessoa mais impertinente do universo.
- Eu não vou ficar ouvindo as desculpas que você veio dar para a atitude do Rony, aliás, atitude de vocês dois! – ela utilizava aquele antigo tom mandão.
- Eu não estou aqui para dar desculpas, estou aqui para tentar ajudar você e o Rony!
- Não preciso desse seu tipo de ajuda, Harry! – ela gritou, levantando-se rapidamente.
- Você precisa sim! – ele gritou no mesmo tom, segurando o pulso dela.
Muitos alunos se viraram emburrados para eles, alguns gritando "Shhh". Madame Pince gritou lá do balcão:
- Silêncio na biblioteca!
Hermione ficou mais vermelha do que as tortas de morango de que ela gostava de comer. Muito envergonhada, ela sentou dura na cadeira, olhando Harry muito feio. No momento, ele estava mais preocupado com a cara feia de Jonnathan Cavendish, que estava comentando com os amigos:
- Nem aqui se tem sossego... Tem que ser o Potter querendo chamar atenção!
Harry estreitou os olhos, furioso, na direção do garoto, que apenas lhe lançou um olhar indiferente e, mais uma vez, mergulhou nos livros. Decidindo ignorar dessa vez e dar a recompensa a ele exigindo-lhe o máximo nos treinos de quadribol, Harry se virou para Hermione, que ainda torcia o nariz para ele. Harry percebeu que ainda segurava forte o pulso dela e o soltou.
- Certo, vamos conversar, Mione.
Ela revirou os olhos, cruzou os braços e encostou na cadeira, olhando-o muito irritada. Esse gesto não intimidou Harry.
- Mione, eu sei muito bem que o que eu e Rony fizemos foi errado, mas...
- Se você sabe, Harry, entende que eu estou certa e que não adianta argumentar contra isso.
Ele respirou fundo e contou até três. Realmente aquele jeito sabe-tudo da amiga podia ser irritante, mas ele lembrou a si mesmo que ela estava certa. Contudo, assim mesmo ele não iria desistir.
- Eu sei, Hermione. – ela relaxou um pouco, percebendo o tom duro dele, e descruzou os braços. – Aquela aposta foi uma besteira, uma idiotice... – ele começou, escolhendo as palavras. – Nós realmente fomos...
- Vocês foram insensíveis. – ela falou, interrompendo-o. O tom dela não era mais duro, e sim, decepcionado. Harry preferiu ficar calado e escutá-la. – Vocês preferiram fazer uma brincadeira idiota que satisfaria seus próprios egos sem pensar nos sentimentos dos outros... Nem eu, nem qualquer uma daquelas garotas que foram pares de vocês são prêmios para serem disputados, ou troféus para serem exibidos por aí. Somos pessoas e temos sentimentos. Bem, eu sei que eu fui a única que realmente me importei com tudo isso, porque o seu par, Harry, foi a Profª. Stevens... – Harry se remexeu incomodado na cadeira. - ... e ela nem sabe dessa história, e provavelmente não lhe interessaria também, e mesmo que ela soubesse, duvido que se importaria. Do jeito que ela parece ser, ficaria até lisonjeada.
Harry sabia que Hermione não ia muito com a cara da professora, mas achou esquisito ela mencioná-la dessa forma. Era quase como se ela soubesse de algo... Mas Hermione captou o olhar intrigado de Harry e se apressou em continuar:
- De qualquer maneira, isso não importa. Não vou discutir com você a besteira que fez dançando com aquela... bem, você sabe. – Harry ficou ainda mais intrigado. – Eu contei sim para Lilá sobre essa aposta, mas do jeito que ela é, também não se importou. É como se estivesse num concurso de beleza... – Hermione parecia realmente desgostosa. – O par de Dino nem se fala... Já a menina que foi com Neville não teve a oportunidade de saber porque ele mesmo me pediu quase de joelhos para não contar nada para ela, e eu fiquei com pena e não contei.
Ela falava tudo isso tão rápido que Harry estava surpreso que ela ainda não tivesse parado para respirar. Quando ela fez isso, porém, ele não a interrompeu e deixou que prosseguisse.
- Mas eu não sou como elas. Eu me importo, Harry, me importo muito. Eu sempre gostei muito do Rony, e de você também. Antes que eu e ele sejamos namorados, nós três somos amigos. Temos uma amizade de muitos anos, e eu jamais pensei que vocês fossem ter uma atitude dessa comigo. Sei que são garotos como quaisquer outros, e que por isso são tão idiotas e machistas como tais. – Harry revirou os olhos, mas novamente não teve coragem de interromper. – Mas não pensei que fossem fazer isso mesmo assim. Eu me decepcionei com vocês. Principalmente com o Rony, que tem um compromisso comigo. Eu não sou uma qualquer, eu sou a namorada dele, a amiga de tantos anos. Foi por isso que eu fiquei magoada. Eu não deveria ser um prêmio ou coisa assim... eu deveria ser o par dele, a namorada dele, a amiga...
Hermione finalmente parou de falar. Harry respirou fundo. Claro que ele já tinha pensado nisso, imaginado que seria algo assim o motivo para ela estar tão chateada, mas era diferente ouvir tudo dessa maneira. Sim, ela tinha razão, mas... ainda assim, Rony gostava dela e merecia uma chance. Além disso, Harry sabia que os dois se gostavam e não podiam terminar desse jeito. Pelo jeito que Hermione falava, tratando Rony como "meu namorado", Harry percebeu que para ela não tinha terminado, mesmo que estivesse magoada. Mas Rony estava tão desesperado que já pensava que nunca mais conseguiria voltar com ela. Harry se sentia mal com essa situação, tanto pela relação dos amigos, como pela relação de amizade entre os três.
- E você não vai perdoá-lo?
Ela o encarou profundamente. Harry pôde ver uma lágrima no canto dos olhos castanhos dela. Hermione mexeu no cabelo, nervosa, e disse:
- Não sei se estou preparada. – como Harry não disse nada, ela prosseguiu. – Além disso, Rony precisa de uma lição. Se eu perdoá-lo muito rápido, ele nunca vai aprender. Ele tem que me respeitar, assim como eu o respeito.
- Mas você gosta dele...
- Claro que eu gosto, por que você acha que eu estou tão magoada? – a lágrima no canto dos olhos dela escorreu, e ela se apressou em limpá-la. – Eu não gostaria dele se não estivesse me importando! O que eu não sei... – ela respirou mais fundo. – ...é se ele gosta de mim o tanto que eu gosto dele...
- Mas é óbvio que ele gosta, Mione! – Harry falou indignado, olhando-a fundo nos olhos. – Olha, eu sou provavelmente a pessoa que mais convive com o Rony, tirando você, e eu me atrevo a afirmar que sim, ele gosta de você, sempre gostou e sempre vai gostar! – outra lágrima escorreu pelo rosto de Hermione, mas ela não se preocupou em limpá-la dessa vez. – O Rony te ama desde sempre, Mione. – Harry riu baixinho. – Desde muito tempo antes de vocês começarem a namorar... Eu percebia, Hermione, sempre notei isso. Sempre foi claro como água! E o Rony sempre demonstrou mais isso do que você... Mas dava pra perceber que você nunca foi indiferente, também. Eu nunca dizia nada para vocês porque, provavelmente, se eu dissesse era capaz de vocês dois virem brigando comigo, gritando... Até imagino a cena: as orelhas do Rony ficando vermelhas, você sem saber onde colocar a cara... e então vocês gritariam comigo, negariam, diriam que eu era maluco, lunático... Quem sabe até eu apanhasse!
Hermione riu com gosto. Harry respirou fundo e passou a mão pelos cabelos.
- Olha, Mione, o que eu tô querendo que você entenda é que você e o Rony não podem se separar assim... Vocês se completam... Escuta, pelo menos ele te contou, não foi? Ele te contou a verdade sobre a aposta, não escondeu isso de você.
- Ele só contou porque eu o pressionei.
- Mas contou. Ele não mentiu! Ele poderia ter mentido, te enganado, mas não fez isso. Ele preferiu contar a verdade logo. Você não acha que isso significa que ele te respeita?
- Pode ser, mas...
- Mione, escuta... – ela o encarou. – Se vocês terminarem também, eu acho que nunca vou acreditar no amor. – um nó surgiu na garganta de Harry, mas ele prosseguiu, olhando para a janela enquanto falava. – Aí eu vou ter a certeza de que tudo realmente não passa de ilusão, de mentira... Lembra quando você e o Rony me disseram para que eu não me tornasse uma pessoa amarga? Bem, eu acho que não haverá outra alternativa se a relação mais sólida que eu conheço, a dos meus melhores amigos, ruir também...
- Você ainda tá tão machucado assim, Harry?
- Isso não importa agora. – ela o olhou como se discordasse. – O que importa, Mione, é que... eu entendo que você está chateada, mas pensa bem. Rony está sofrendo, e, sinceramente, acho que ele já aprendeu sua lição. Ele merece uma chance. Vocês dois merecem uma chance. E não deixa isso para a última hora... Pode ser tarde demais...
Harry abaixou os olhos e pegou aquele livro que Hermione estava lendo antes. Ele passou o livro para a amiga, que o recebeu um pouco sem saber o que fazer ou dizer, e apenas continuou a olhar para Harry, boquiaberta.
- Pode continuar a estudar, Mione. Não vou mais atrapalhar.
Ele viu mais uma lágrima escorrer pelo rosto da amiga antes que se virasse e fosse embora.
Era uma noite bastante fria. O salão comunal da Grifinória estava vazio. Já passava muito mais da meia-noite, mas Harry estava sem sono. Ele estava deitado em um dos sofás vermelhos da sala, olhando o teto. A lareira estava acesa, e sua luz fraca projetava sombras que dançavam no teto. Nevava bastante lá fora, e Harry podia ouvir o som do vento batendo na janela.
Depois da conversa que teve com Hermione, ele não mais a viu. Quando conversou com Rony no jantar, pelo estado de desânimo do amigo, Harry pôde perceber que Hermione não tinha falado com ele. "Bem," ele pensou, virando-se no sofá, "era tudo que eu podia fazer. Agora o resto é por eles."
Harry preferiu não contar a Rony que foi conversar com a amiga. Ele descobriria por si mesmo se, um dia, Hermione resolvesse seguir o conselho de Harry. Enquanto isso, era melhor que Rony não soubesse por dois motivos; primeiro, para não criar esperanças, e segundo, para não reclamar que Harry se meteu no assunto. Rony poderia ser muito orgulhoso às vezes, e Harry sabia disso.
Bichento, o gato alaranjado de Hermione, veio até onde Harry estava, abanando seu rabo de escovinha. O rapaz estava observando o gato há bastante tempo naquela noite; ele estava caçando ratos, e Harry desejava que ele não estivesse com um deles na sua boca quando o gato pulou no seu colo. Com grande alívio, Harry viu que não havia sinal de ratos mortos em Bichento, e por isso começou a acariciar a orelha do animal, distraído.
CLEC
Harry se sentou assustado, e Bichento miou indignado, saltando de seu colo para debaixo do sofá. Harry olhou para os lados, procurando a fonte do barulho, mas notou, achando-se estúpido por ter-se assustado, que era apenas um estalo no fogo da lareira. Já estava se deitando novamente, quando olhou para a lareira e quase soltou um grito de susto. A cabeça de seu padrinho Sirius flutuava no fogo. Seus cabelos estavam desgrenhados, e ele tinha olheiras fundas ao redor dos olhos.
- Ah, ainda bem que você está aí! Parece que dei sorte! – ele falou, mas seu tom não era o amigável de costume. Estava bastante duro, para falar a verdade.
Com o estômago se revirando, mas ainda assim aliviado por ver que o padrinho estava bem, Harry se levantou e se ajoelhou perto da lareira, de modo que ficasse da mesma altura que Sirius. Sentindo a boca seca, Harry preferiu não dizer nada. Estava se sentindo nervoso o bastante, e falar algo era tão difícil quanto olhar para o padrinho. Sabia o porquê de ele estar ali, e sabia também que Sirius deveria estar tão magoado e decepcionado com ele quanto Hermione estava com Rony.
- Não tinha esperanças de te encontrar aqui, para falar a verdade. – Sirius recomeçou a falar. – Pensei que já tivesse ido dormir...
- Estava sem sono. Não conseguiria dormir se subisse.
- Peso na consciência?
Harry levantou os olhos e encarou o padrinho. Ele não sorria, então Harry notou que realmente não estava brincando. Estava sério, como era difícil vê-lo.
- Você deve estar com raiva de mim... – Harry começou, sentindo a voz arranhar sua garganta.
- Claro que não. – Harry não disse nada. Sirius piscou e prosseguiu. – Mas também não posso dizer que estou feliz com você.
Harry abaixou os olhos.
- Eu entendo.
- Sabe por que eu estou aqui, não é?
- Imagino.
- Dumbledore me contou com quem você dançou no baile.
Harry engoliu em seco, mas não disse nada, muito menos ousou encarar Sirius.
- Eu queria te ver pessoalmente quando soube, mas achei melhor esperar. – Harry olhou de esguelha para o padrinho; ele não estava olhando para ele. – Achei que seria melhor que você pensasse sozinho durante esse tempo. Além disso, eu também estava atolado de coisas no trabalho e ajudando Dumbledore, e de qualquer forma não poderia vir aqui. Por isso tive que achar uma lareira e usá-la para vir hoje.
Bichento tinha saído debaixo do sofá e corria atrás de um rato qualquer do outro lado da sala. O vento batia furiosamente na janela, e o fogo crepitava ao redor da cabeça de Sirius.
- Não adianta te dar conselhos, não é, Harry? – Sirius parecia extremamente cansado. Harry sentiu que ele o olhava. – Você não ouve.
- Eu não sabia o que fazer, Sirius! – Harry exclamou, virando-se finalmente para olhar o padrinho. – Ela me convidou, e eu não vi como recusar...
- Mas devia ter recusado de qualquer jeito, mesmo que tivesse que ser rude! – Sirius disse enérgico. Harry se calou. – Harry, eu não te preveni para ficar longe dela por nada! Eu tive motivos para fazer isso! Eu acho que a conheço bem melhor do que você! Dezoito anos é bem mais do que seis meses, não concorda? – ele perguntou sarcástico.
Bichento miou alto. O vento rugiu novamente.
- Eu conheço Samantha há mais de dezoito anos. Quando digo que ela é perigosa, eu sei do que estou falando. Eu convivi com ela, provavelmente fui uma das pessoas mais próximas a ela por muito tempo. Eu me envolvi com ela... eu senti na pele e no coração o que ela fez comigo... eu descobri a duras penas qual era o real caráter dela...
Harry olhou bem fundo nos olhos de Sirius, e algo revirou no seu estômago. Ele sempre lhe dizia para ficar longe dela, mas por quê? Ele nunca explicava direito, aliás, ninguém nunca explicava as coisas direito para ele. Uma súbita revolta cresceu dentro de Harry. Ele queria respostas. Já estava de saco cheio de ser o último a saber.
- Por que você diz isso, Sirius? O que ela te fez? O que aconteceu para que você a odiasse tanto?
Por alguns instantes, eles apenas se encararam. O silêncio só era cortado pelo som do vento e de Bichento, que fazia um barulho parecido com o de estar roendo alguma coisa. Provavelmente deveria ter encontrado seu rato.
Sirius abaixou os olhos, pensando. Ele não piscava. Umedeceu os lábios com a língua, e novamente levantou a cabeça, encarando Harry, que imediatamente pensou que o padrinho fosse dizer mais uma vez que não queria comentar o assunto. Mas quando Sirius falou novamente, não foi para dar mais uma desculpa. Com a voz rouca e carregada, ele falou simplesmente:
- Ela me traiu.
O vento bateu tão forte na janela, que ela abriu sozinha. Grandes flocos de neve entraram na sala, e Harry se apressou em levantar e fechar a janela antes que o vento apagasse o fogo da lareira. Pelo canto dos olhos, com certo nojo, ele viu que Bichento realmente tinha capturado um rato.
Quando Harry voltou para a lareira e sentou no chão, viu que Sirius olhava para a parede sem vê-la na realidade. Seus olhos estavam brilhantes e tristes, e as chamas verde-esmeralda crepitavam ao redor de seus cabelos desgrenhados. Harry deixou que alguns instantes passassem antes de pigarrear e informar Sirius de sua presença. Ele levantou os olhos para encarar o afilhado.
- Foi isso que aconteceu, Harry. Ela me traiu.
- Como?
- Da pior forma possível. Ela me enganou... fingiu que me amava... ela me usou... – era visível a dificuldade de Sirius falar no assunto. – Mesmo que eu ainda... goste dela... mesmo que eu não consiga esquecê-la... nunca poderei perdoá-la...
Sirius parou subitamente de falar. Olhou para os lados, e parou em Harry novamente, que não estava entendendo.
- O que foi?
- Eu ouvi um barulho. Você ouviu também?
Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, Harry tentando ouvir. Quando o rapaz ia dizer que não tinha ouvido nada, ele escutou passos na escada. Virou-se rapidamente para Sirius, que falou:
- É melhor eu ir.
- Não! – Harry disse urgente. – Quer dizer... você não precisa ir, precisa? Você não é mais procurado, não tem problema algum se alguém te vir aqui!
- Mesmo assim, prefiro que ninguém me veja. – os passos estavam ficando mais altos. – Eu não vou lhe dar mais conselhos, Harry. Você já é grande o suficiente para saber o que é certo e errado por si mesmo. Só peço que tome cuidado, não quero que você se machuque. Eu gosto muito de você.
Harry ia dizer mais alguma coisa, mas a cabeça de Sirius desapareceu com um "ploft". Suspirando desanimado, Harry se levantou e olhou para o lugar de onde vinha o barulho. Não demorou muito até que Neville aparecesse ao pé da escada dos dormitórios masculinos, massageando o traseiro.
- Ah, você ainda tá aí, Harry?
- Sim...
- Desculpe se eu te assustei com o barulho ou coisa assim... – Neville falou. – Mas é que eu estava descendo no escuro para vir pegar uma água, a do dormitório acabou, e eu acabei tropeçando e caindo...
Ele parecia bastante envergonhado em contar isso. Harry forçou um meio sorriso e falou:
- Tudo bem, eu já ia subir mesmo... – ele atravessou o salão e colocou um pé na escada. – Você vem, Neville?
- Daqui a pouco eu vou. – o colega disse, ainda massageando o traseiro. – Só vou pegar minha água.
Harry assentiu e começou a subir as escadas, sentindo-se muito desanimado. Se Neville tivesse chegado um pouquinho depois... Mas por que Sirius não quis ficar, também? Não haveria problema algum em Neville vê-lo.
Enquanto se enfiava nas cobertas, já em seu quarto, Harry não conseguiu deixar de pensar que Sirius tinha aproveitado a oportunidade para não precisar contar tudo o que escondia.
- Você não parece bem, Rony.
- Eu tô ótimo.
Harry e Rony estavam sentados lado a lado na mesa da Grifinória, tomando o café da manhã de domingo no Salão Principal. Era uma manhã tão nebulosa quanto qualquer outra de inverno, e o teto encantado mostrava a tempestade de neve que fustigava os jardins lá fora. As corujas que traziam o correio tinham acabado de chegar, trazendo as cartas dos familiares dos alunos ou a edição de domingo do Profeta Diário. Porém, poucos eram os que se importavam com as notícias do dia; na verdade, Harry achava que Hermione, sentada sozinha a apenas alguns lugares distantes dele e de Rony, deveria ser a única que lia o jornal com atenção. Mas nem ela prestava tanta atenção assim, porque Harry às vezes captava seu olhar na direção dos dois.
Na realidade, a única coisa que não se encaixava nessa cena eram as lacunas na mesa dos professores. Desde que entrou no salão, Harry percebeu que as cadeiras de Dumbledore, Snape, Hagrid e da Profª. McGonagall estavam estranhamente vazias. Além disso, os outros professores que restavam pareciam muito nervosos com alguma coisa; o Prof. Flitwick lia o Profeta Diário tão absorto que nem percebia que seu copo com suco de abóbora já estava completamente cheio e que o excesso que ele colocava estava se derramando pela toalha de mesa, já a Profª. Sprout conversava em cochichos com a Profª. Sinistra, ambas lançando olhares furtivos para os alunos. Os outros professores iam no mesmo caminho, exceto a Profª. Stevens, que mirava vagamente o teto encantado, parecendo imersa em pensamentos.
Outra coisa que não estava certa, mas que Harry insistia em acreditar que era normal, já que acontecia com freqüência, era que o rapaz acordara novamente com sua cicatriz doendo. Dessa vez ele tinha certeza de que tinha sonhado com Voldemort, e no sonho ele parecia muito feliz com alguma coisa. Chegou a pensar em contar para Dumbledore, mas depois que viu sua ausência na mesa dos professores, somada à ausência dos outros professores, imaginou que o diretor estivesse em alguma reunião com eles, e a última coisa que queria era ser inconveniente com algo desse tipo. Não estava com a mínima vontade de ir até a sala do diretor e interromper algo importante, e, além disso, suas dores na cicatriz ultimamente eram tão freqüentes que ele quase não se importava mais.
Harry preferiu não contar a Rony a conversa que teve com Sirius na lareira do salão comunal. Achava que era uma conversa um tanto pessoal demais, e que não deveria contar para ninguém o que Sirius lhe segredou, afinal, era algo da vida dele. Além disso, Harry achava que mesmo que quisesse contar, Rony não lhe daria muita importância também. Desde que brigara com Hermione, o amigo estava distraído e não se importava mais com nada. Como acontecia naquele exato momento, Rony estava, como sempre, pálido, desanimado e sem apetite. Harry tentava lhe empurrar algo para comer, mas ele não aceitava. Harry notou que Hermione estava percebendo o que acontecia e, poderia ser somente sua imaginação, ela parecia um pouco preocupada com isso.
- É claro que você não tá bem! – Harry insistiu mais uma vez, tentando ignorar que sua cicatriz ainda estava doendo e que ele também não estava nada bem. – Rony, você não pode deixar de comer! Vai ficar doente!
- Assim você tá parecendo minha mãe, Harry! – Rony retrucou com azedume. Harry revirou os olhos. – Alem do mais, é o roto falando do esfarrapado! Não me lembro de você querendo comer quando terminou com a Gina.
A reação de Harry foi imediata. Ele engasgou com o suco de abóbora, deixou o garfo cair e sentiu uma reviravolta no estômago. Rony ficou bastante embaraçado.
- Foi mal, eu não queria...
- Tudo bem. – Harry falou, depositando o copo na mesa e se abaixando para apanhar o garfo. – Não importa.
Ele jogou o garfo na mesa, que saiu rolando e caiu novamente, dessa vez do outro lado. Mas ele não se importou em pegá-lo.
- É claro que importa.
- Não quero falar sobre isso. – Harry disse seco.
- Quero só ver como você vai reagir quando a Gina estiver aqui novamente. Ela volta hoje.
- Eu sei perfeitamente que ela volta hoje, não precisa ficar me lembrando. Mas não era sobre mim e ela que estávamos falando.
- Ah, é? E estávamos falando sobre quem?
- Sobre você e Hermione.
- Não quero falar sobre isso. – Rony disse usando o mesmo tom que Harry havia usado anteriormente.
- Mas nós vamos falar. – Harry insistiu, passando manteiga na sua torrada. – Pra início de conversa, eu e Gina terminamos, mas isso não aconteceu com você e a Mione.
- Não? Pois se isso não é uma separação, eu não sei o que é! – Rony disse sarcástico.
- Vocês tão dando um tempo, só isso.
- Ela não me disse isso. Aliás, ela não me diz mais nada...
- Ah, é? Pois ela tá olhando pra você agora mesmo!
Rony rapidamente virou o rosto para ver Hermione. Por um segundo, os olhares dos dois se cruzaram, mas a garota rapidamente se escondeu atrás do jornal e não mais tirou os olhos de lá.
- Quem me garante que ela estava mesmo olhando para mim? – Rony perguntou, voltando a encarar Harry.
- Pra mim é que ela não estava olhando, e se ela não estava olhando para você, significa que você é realmente feio, cara, porque então ela deve achar a parede atrás da gente mais atraente. – Harry falou, apontando a parede e mordendo sua torrada.
Rony torceu o nariz.
- Não teve graça, Harry.
- E quem disse que era pra ter graça?
- Ela ainda tá olhando pra cá? – Rony perguntou esperançoso.
Harry desviou o seu olhar do amigo para Hermione, e voltou a encarar Rony.
- Agora ela acha o jornal mais atraente.
Rony mostrou a língua para o amigo. Harry riu com deboche e engoliu o último pedaço de sua torrada. A dor na cicatriz estava extremamente irritante, mas ele ainda tentava manter o bom humor.
- Você acha... – Rony começou, mexendo nervosamente com o garfo seu bacon com ovos. – ...que tem volta?
- Eu tenho certeza que tem.
- Queria ser otimista como você, Harry.
- Eu sou a pessoa menos otimista que existe, Rony. Pra falar a verdade, eu me acho bastante realista.
- Só ser for somente com você, amigo, porque nesse caso você tá sonhando! Do jeito que a Mione tá, eu não sei se...
- Você não vai começar a se lamentar de novo, vai? – Harry reclamou.
- Você é meu amigo, tem que agüentar! – Rony disse indignado.
Harry riu.
- Ok, Rony, sou todo ouvidos.
Rony abriu a boca para falar novamente, quando sua voz foi abafada por um grito e o barulho de um copo quebrando. Ele e Harry procuraram rapidamente pelo foco do som e viram uma Hermione de olhos arregalados, segurando com mãos trêmulas seu exemplar do Profeta Diário. Seu copo de suco jazia quebrado sobre a mesa, e a bebida escorria pela toalha e pingava no chão. Não foi somente a atenção de Harry e Rony que foi atraída para a garota; a maioria dos alunos da mesa da Grifinória e da Corvinal, que era a mais próxima, também estava observando Hermione. Os que possuíam exemplares do Profeta Diário começaram a folhear as páginas do jornal freneticamente para encontrarem o que causou toda essa reação na monitora da Grifinória.
Dois segundos depois, Rony já estava de pé e se dirigindo à Hermione. Harry se levantou também e seguiu o amigo.
- O que houve, Hermione? – Rony perguntou aflito assim que chegou perto da garota. Harry se colocou ao lado do amigo e pôde ver quando Hermione levantou a cabeça lentamente, olhando para Rony com uma expressão apreensiva no rosto.
- Na-nada... – ela gaguejou, puxando o jornal para si, o que deu a certeza a Harry de que ela tinha lido algo ali que a deixara assim.
- Como nada, Mione? – Rony perguntou. – Você dá um grito histérico no meio do Salão Principal e ainda tem coragem de dizer que não houve nada?
Geralmente, Hermione daria uma resposta atravessada à pergunta de Rony, o que geraria mais uma discussão entre os dois, mas ela parecia tão aflita, que aparentemente não conseguiu formular uma resposta. A garota engoliu em seco, e Harry reparou que os lábios dela tremiam nervosamente, e suas mãos se fechavam com força ao redor do Profeta Diário.
Rony ainda esperava uma resposta, enquanto Hermione o encarava com visível pavor. Harry abaixou os olhos para o jornal que ela ainda apertava entre as mãos e, antes que a amiga conseguisse formular uma frase, ele estendeu sua própria mão e disse:
- Deixa eu ver esse jornal, Mione.
Ela abriu a boca, extremamente nervosa, e Rony olhou dela para Harry e novamente para ela.
- Você leu alguma coisa aí que te deixou assim, Mione? – Rony perguntou.
- Sim... Quer dizer, não! Eu só... eu...
Harry e Rony se entreolharam. Realmente deveria ser algo muito grave, pois eles nunca viram Hermione assim. Na maioria das vezes, ela era a mais controlada dos três. Porém, antes que pudessem pedir novamente o jornal para ela, outro grito ecoou no salão. Os três se viraram e viram que era uma menina do sétimo ano da Corvinal, que também estava lendo o jornal. Ela começou a chorar desesperada e foi consolada por Cho Chang e mais algumas amigas. Na mesa da Grifinória não era diferente: Parvati Patil parecia chocada com alguma coisa, e lágrimas escorriam pelo seu rosto. Lilá tentava confortá-la, mas ela repetia:
- Padma! A minha irmã! Ela estava lá hoje, e meus pais também!
Não eram só as duas garotas que estavam nesse estado. Harry viu outras pessoas que estavam chocadas ou chorando. Estranhamente, isso acontecia em todas as mesas das Casas, menos na mesa da Sonserina. Alguns professores abandonaram suas cadeiras e vieram ver o que estava acontecendo, parecendo já terem previsto isso. Harry e Rony se viraram automaticamente para Hermione, que novamente engoliu em seco, apertando mais o jornal. Harry novamente estendeu sua mão.
- Hermione, deixa a gente ver isso.
- Você não tá entendendo... – ela disse devagar, lançando um olhar de esguelha para Rony. Harry não entendeu muito bem o que ela estava tentando dizer. – Vocês não podem ver isso...
Mas ela não falou mais nada, porque Rony foi mais rápido do que ela e Harry. Ele aproveitou da distração de Hermione e, num movimento rápido, puxou o jornal das mãos dela.
- Rony, não! – ela disse desesperada, tentando tirar o jornal das mãos dele, mas ele o manteve longe de seu alcance.
Rony folheava o jornal febrilmente, procurando a tal notícia que causou todo esse estrago. Harry tentou ver também, mas Rony estava tão obstinado em sua busca que isso não foi possível. Subitamente, ele parou de folhear o jornal, e seus olhos começaram a correr pela página, lendo rapidamente. A cor sumia da sua face à medida que lia; suas mãos começaram a tremer mais violentamente do que as de Hermione, e ele parecia estar prendendo a respiração. Com estrondo, ele sentou no banco, abaixando o jornal sobre os joelhos. Sua boca estava ligeiramente aberta, e seu olhar perdido. Ele parecia chocado e incrédulo. Hermione se apressou em dar a volta na mesa e chegar rapidamente até eles, sentando ao lado de Rony. Harry, com o coração batendo muito rápido no peito, arrancou o jornal das mãos trêmulas do amigo, e viu uma grande foto em preto e branco da Estação King's Cross; as pessoas corriam assustadas e feitiços voavam para todos os lados. Na foto, Harry reconheceu os autores dos feitiços: bruxos vestidos de negro com capuzes. Comensais da Morte.
Pânico e tumulto entre bruxos e trouxas
Seguidores de Aquele-que-não-deve-ser-nomeado atacam estação de trem
Em um audacioso ataque esta manhã de hoje, domingo, um grande grupo de seguidores de Aquele-que-não-deve-ser-nomeado, conhecidos como " Os Comensais da Morte", invadiram a Estação King's Cross, matando, torturando e ferindo centenas de pessoas, entre bruxos e trouxas.
O Expresso de Hogwarts sairia hoje, às onze horas, em direção à escola de magia, trazendo cerca de cinqüenta pessoas, entre alunos que voltariam das férias escolares, até outros passageiros e funcionários. No entanto, bruxos e trouxas foram interceptados na estação, atacados por Comensais da Morte infiltrados no local.
Os seguidores de Aquele-que-não-deve-ser-nomeado utilizaram Maldições Imperdoáveis e outras magias das trevas, causando pânico e tumulto na estação. Além dos Comensais da Morte, também havia a presença de dementadores, os antigos guardas da prisão de Azkaban, que fugiram ano passado e se aliaram Àquele-que-não-deve-ser-nomeado, deixando livre também a saída de outros bruxos malignos.
Aurores do Ministério da Magia chegaram rápido ao local, porém foi difícil conter os Comensais, que utilizavam trouxas como escudo. Houve muitas mortes de trouxas, e a polícia trouxa acudiu ao chamado de várias pessoas, causando ainda mais tumulto.
Além dos trouxas, houve também várias mortes entre bruxos, bem como feridos e desaparecidos. Os feridos foram conduzidos ao Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos, depois de controlada a situação. O Ministro da Magia, Arthur Weasley, também estava presente, mas não pôde comentar o assunto, pois teve que acompanhar a sua família ao hospital, já que também houve feridos entre eles.
"É lamentável, mas isso pode acontecer a qualquer momento em uma época de guerra como a que estamos vivendo," comentou Nymphadora Tonks, auror do Ministério. "E o pior é que é muito difícil prever ataques como esse," Kingsley Shakelebolt, outro auror que estava no local, disse "Você-Sabe-Quem e seus seguidores estão por toda a parte, prontos para fazer coisas como essa a qualquer momento."
A grande maioria dos Comensais e dementadores desaparataram depois do ataque, e os poucos que foram capturados estavam enfeitiçados para se suicidarem caso fossem pegos, a fim de que não revelassem planos de Aquele-que-não-deve-ser-nomeado. Foram usados feitiços de memória nos trouxas que presenciaram o ataque, e todos agora têm lembranças de que o que aconteceu foi apenas um "ataque terrorista" de criminosos procurados pela polícia trouxa. Enquanto isso, a população bruxa convive com o terror dessa nova guerra, igual à que ocorreu há mais de dezessete anos atrás, que...
Mas Harry não estava mais lendo. Assim como Rony, ele sentou com estrondo no banco, tão chocado quanto o amigo. A notícia continuava em mais três páginas, mas ele não estava preocupado em lê-las; já tinha visto o bastante. Agora entendia o porquê sua cicatriz doera de manhã, e por que Voldemort estava feliz no sonho. Ele tinha planejado isso, e tudo deu tão certo quanto esperava. Ainda era possível ouvir o barulho de choro e gritos no salão, mas Harry não estava ouvindo; era como se estivesse temporariamente surdo. Ainda não conseguia acreditar no que tinha lido, mas o que mais fazia seu coração doer e a respiração ficar difícil eram aquelas linhas:
"O Ministro da Magia, Arthur Weasley, também estava presente, mas não pôde comentar o assunto, pois teve que acompanhar a sua família ao hospital, já que também houve feridos entre eles."
Feridos na família do Rony, que era quase como a sua família... Imediatamente, a imagem de Gina veio à sua cabeça, e um nó se formou na garganta de Harry. Depois ele viu as imagens dos outros membros daquela família... a Sra. e o Sr. Weasley... os gêmeos... Percy, Gui, Carlinhos... feridos, machucados, torturados ou quem sabe... não, era melhor nem pensar nessa possibilidade... Isso não podia ter acontecido!
Harry olhou para Rony ao seu lado. Hermione também olhava para ele, e apertava uma de suas mãos; havia lágrimas no canto dos olhos da garota. Nos olhos de Rony também havia lágrimas, e elas escorriam silenciosamente pelo seu rosto. Sua boca ainda estava entreaberta, e ele olhava vagamente a parede à sua frente, parecendo muito assustado ou chocado para dizer alguma coisa. Seus lábios e suas mãos tremiam muito, mas ele aparentemente não conseguia dizer ou fazer nada.
- Rony... – Hermione murmurou.
Ele olhou para ela, e depois se virou para ver Harry. Abaixou a cabeça, enfiando as mãos nos cabelos e começou a soluçar, tentando falar com uma voz embargada:
- Eles... minha família... todos... estavam lá... feridos... talvez...
Agora ele chorava como Harry nunca tinha visto. Hermione o abraçou por trás, enquanto Harry não sabia o que fazer. Sua cabeça estava uma confusão completa, e ele estava tão chocado que não conseguia verter uma única lágrima, apesar de sentir uma dor imensa no peito. Um pensamento insano se formou na sua mente, um sentimento de culpa... Será que... será que se ele tivesse falado para alguém sobre o sonho que teve pela manhã...
- E eu não estava lá! – Rony levantou a cabeça. Seu rosto estava banhado em lágrimas. Hermione soluçou. – Eu não estava lá... eu não pude fazer nada... eu estava aqui, como um covarde... aproveitando minhas férias idiotas...
- Não diz isso! – Hermione gritou, abraçando Rony com força, também chorando. – Você não é covarde, você não tem culpa!
- E se eles morreram? – Rony perguntou, soluçando e enfiando o rosto nos cabelos cheios de Hermione. – E se...?
- Eles não morreram! – Harry disse com firmeza. Rony e Hermione olharam para ele. Harry colocou a mão no ombro do amigo. Era difícil falar, mas ele prosseguiu, olhando bem nos olhos de Rony. – Eles não morreram, Rony. Eles estão bem...
- Como você pode saber?
- Eles estão bem, Rony! – Harry não sabia como ou por quê, mas ele precisava dizer aquelas palavras, mesmo sem saber se eram verdade ou não. Era como se estivesse tentando afirmar aquilo para si mesmo.
- Alunos, atenção!
Harry, Rony e Hermione se viraram e viram que era a Profª. Sprout que falava. Todos os professores estavam de pé agora. Muitos eram os alunos que choravam, todos parentes ou amigos de pessoas que deveriam estar na estação no momento do ataque.
- Vocês devem seguir para seus respectivos salões comunais e aguardarem contato dos professores. Peço aos monitores que acompanhem os alunos! Nós, professores, também os acompanharemos, e depois iremos ver o diretor.
- Mas e quanto às notícias dos nossos parentes que estavam lá? – um menino loiro da Lufa-lufa perguntou indignado. – Não podemos ficar sem saber o que está acontecendo!
Harry olhou para a mesa da Sonserina, e viu Draco Malfoy sorrindo e comentando alguma coisa com os colegas próximos. Sentiu como se algo estivesse se enroscando dentro dele, algo que o enchia de raiva e vontade de esmurrar aquela cara debochada dele. Provavelmente seu pai estava no meio daquilo tudo também, e ele devia estar bastante satisfeito. Correndo os olhos pela mesa da Sonserina, Harry viu que era possível contar nos dedos da mão os alunos que realmente pareciam preocupados com a situação e prestavam atenção às palavras da Profª. Sprout. Estranhamente, viu Katherine Willians entre esses alunos.
- Estou certa de que não ficarão sem notícias, Sr. Perry. – a Profª. Sprout disse para o garoto da Lufa-lufa. – Nós iremos falar com o diretor, e provavelmente o coordenador de cada Casa irá falar com vocês. Certo, é melhor todos irem para suas salas comunais, vamos, vamos! Monitores, ajudem aqui!
Uma massa de alunos se levantou das mesas e começaram a se acotovelar para saírem. Harry, Rony e Hermione levantaram também, mas Harry não tinha a mínima vontade de seguir para o salão comunal. Queria saber o que estava acontecendo e, pela cara de Rony, ele sentia o mesmo que Harry.
- Nós precisamos ir também! – Hermione falou, puxando os garotos enquanto os três eram empurrados por alunos da Grifinória que queriam passar.
- Eu não quero ir! – Rony exclamou. Os três estavam passando pela porta do salão. – Eu quero saber como minha família está, não posso ficar nessa agonia!
Hermione olhou para ele com uma expressão penalizada. Eles estavam no hall de entrada agora, no meio de uma bagunça generalizada de alunos indo e vindo, tentando achar o caminho para suas respectivas Casas. Os professores e monitores tentavam em vão organizar a situação, mas ninguém notaria se alguém sumisse no meio daquela confusão...
- Nós não vamos para o salão comunal. – Harry falou num sussurro para os amigos.
Rony olhou surpreso para Harry, e depois seu rosto se iluminou de esperança. Hermione parecia apreensiva e perguntou simplesmente:
- O quê?
- Nós vamos saber o que está acontecendo! – Harry falou, enquanto uma menina da Corvinal esbarrava no seu ombro.
- Mas como? – Rony perguntou.
- Venham comigo! – Harry disse com urgência, puxando os amigos, enquanto observava com temor uma Profª. Sinistra, que vinha perigosamente na direção deles.
Os três se esgueiraram pela confusão de alunos e conseguiram passar despercebidos. Pegaram alguns atalhos e chegaram no terceiro andar, que estava vazio no momento, excetuando-se pelo Frei Gordo, que não os viu e atravessou a parede no mesmo momento em que eles andavam apressados pelo corredor.
- Pra onde a gente tá indo, Harry? – Hermione perguntou enquanto Harry os conduzia.
- Vocês já vão ver.
Eles andaram mais um pouco até que Harry parou em frente a um gárgula de pedra. Rony franziu as sobrancelhas.
- Por que você parou aqui?
Harry se virou para eles impaciente.
- Vocês não reconhecem esse lugar? Eu já os trouxe aqui uma vez! – ele falou, lembrando-se de quando eles resgataram a Profecia Sagrada no quinto ano.
Hermione deixou o queixo cair.
- A sala de Dumbledore?
- O quê? – Rony engasgou. – A gente vai ver o homem?
- Claro, onde vocês acham que podemos conseguir melhores notícias do que com ele? – Harry perguntou.
- Mas, Harry... e se... – Hermione começou, mas o rapaz já tinha se virado para o gárgula e dito:
- "Pudim de leite".
O gárgula girou para o lado, deixando à mostra a grande escada circular. Harry entrou, mas Rony e Hermione ainda pareciam indecisos. Harry bufou e os puxou para dentro pelas vestes.
- Vocês querem ou não saber o que está acontecendo?
Os dois se entreolharam.
- Claro que eu quero! – Rony falou decidido.
- Mas e se ele estiver com outros professores? Em reunião?
- Nós temos o direito de saber. – Harry falou simplesmente. – Rony tem o direito de saber o que está acontecendo com sua família.
Hermione olhou para Rony, que parecia engasgado demais para dizer alguma coisa. Com uma voz firme, ela falou:
- Sim, você está certo, Harry. Não importa se vão brigar com a gente, nós temos que fazer isso. Pelo Rony. – ela segurou a mão dele com um meio sorriso no rosto.
Rony levantou os olhos, e encarou Hermione e depois Harry. Sorriu tristemente.
- Obrigado.
- Ótimo, então vamos! – Harry falou, e começou a subir a escada circular, seguido pelos amigos.
Eles alcançaram a porta polida e ouviram vozes alteradas vindas de lá de dentro. Harry respirou fundo e segurou o batedor em forma de grifo, dando algumas batidas na porta.
Imediatamente as vozes silenciaram. Depois de alguns segundos, uma voz de mulher que eles conheciam disse:
- Devem ser os outros professores.
- É a Profª. McGonagall. – Hermione sussurrou para os garotos.
Eles ouviram passos pesados, e logo a porta abriu. Na frente deles, tapando a visão do resto da sala, eles viram a enorme figura de Hagrid, que estava procurando à frente por quem tinha batido até que abaixou os olhos e os viu. Quase pulou de susto.
- O que vocês três estão fazendo aqui? – ele perguntou.
- Quem são, Hagrid? – a voz de Dumbledore soou.
Hagrid olhou apreensivo para os três garotos, mas desviou o corpo de modo que pudessem ser vistos. Assim que ele fez isso, o olhar de Harry encontrou o de Dumbledore. Ele estava sentado atrás de sua mesa, os dedos entrelaçados e o queixo apoiado neles. Dumbledore parecia mais velho a cada dia; suas rugas estavam mais marcadas no seu rosto, e os olhos azuis caídos. O óculos em forma de meia-lua escorregavam na ponta do nariz comprido. Ele parecia mais cansado do que nunca.
A Profª. McGonagall estava de pé, ao lado dele, também parecendo mais velha e muito nervosa. Snape não estava muito longe da porta, os braços cruzados sobre o peito, o olhar frio por detrás daquela cabeleira sebosa. Harry notou que havia ferimentos no seu rosto.
- Esses três deveriam estar no salão comunal de sua Casa, mas suponho que Potter se acha superior aos outros e pensa que pode saber as notícias antes de todos... – Snape falou com veneno na voz. Harry o olhou com vontade de estrangulá-lo pela aquela sua odiável "sensibilidade palpável".
A Profª. McGonagall se remexeu desconfortável, e depois deu alguns passos a fim de ficar de frente para Harry, Rony e Hermione. Dumbledore assistia a tudo calmamente, enquanto Hagrid parecia imensamente assustado. Harry sentiu Hermione tremer ao seu lado, mas ela permaneceu firme ali.
- O Prof. Snape tem razão. – a professora disse, parecendo muito desgostosa em proferir essa frase. – Vocês três deveriam estar na Grifinória! Harry, você sabe a senha dessa sala, mas não pode ficar vindo aqui quando quer! Srta. Granger, Sr. Weasley... como monitores vocês certamente deveriam...
- Nós viemos porque precisamos saber notícias da família do Rony, professora! – Hermione disse, juntando toda sua coragem. Rony suspirou atrás deles.
A Profª. McGonagall pareceu amolecer. Hagrid olhou para Rony de um jeito que preocupou Harry. Ele parecia muito mais penalizado do qualquer um.
- A senhora me deu a senha dessa sala para que eu a usasse quando precisasse. – Harry disse. – Pois agora, eu preciso. Nós lemos a notícia no Profeta Diário, e Rony não pode ficar sem saber o que está acontecendo com sua própria família!
A professora suspirou e ia dizer algo, mas a voz de Dumbledore soou atrás dela primeiro:
- Entrem, vocês três.
Harry, Rony e Hermione se entreolharam e obedeceram. Snape bufou de raiva. Hagrid encostou a porta atrás deles e depois colocou uma mão no ombro de Rony, num gesto de conforto. Os joelhos de Rony quase cederam devido à força do meio-gigante, e depois disso Hagrid se virou e todos ouviram ele assoar o nariz num lenço um tanto sujo.
- Ora, Hagrid, pare com isso! – a Profª. McGonagall censurou, mas ela também parecia atordoada.
- Eu já imaginei que viesse, Harry. – Dumbledore disse, e Harry voltou sua atenção para ele. O diretor separou suas mãos e se levantou. – Mas não pensei que fosse trazer seus amigos com você.
Dumbledore caminhou até Fawkes, a fênix, e amarrou uma carta na pata direita dela. Fawkes soltou uma nota de sua bela melodia, bateu suas asas avermelhadas e saiu voando pela janela aberta.
- Nós viemos saber sobre a família do Rony, Professor. – Harry falou novamente. Snape fez um som impaciente do outro lado da sala. – O senhor sabe alguma coisa?
Dumbledore se virou e olhou para Harry por detrás de seus óculos de meia-lua. Ele desviou o olhar para Hermione, que respirou mais fundo, e depois para Rony, e permaneceu por muito tempo encarando-o. Harry viu que as orelhas de Rony ficaram vermelhas. Dumbledore piscou e caminhou novamente até sua cadeira, sentando-se atrás da mesa.
- Eu sei sim. – ele disse simplesmente, e depois olhou para Rony mais uma vez. – Sr. Weasley, venha até aqui e sente-se.
Rony olhou para Hermione e Harry como se pedisse socorro. Harry deu um aceno com a cabeça, incentivando-o a ir. Hermione acompanhou Rony com os olhos, apreensiva, e Dumbledore pareceu notar.
- A senhorita também pode se sentar do lado dele, Srta. Granger. – ele falou calmamente, oferecendo a outra cadeira ao lado de onde Rony estava sentado. Hermione rapidamente se sentou onde foi indicado, segurando a mão de Rony, que parecia muito nervoso. – Você quer uma cadeira também, Harry?
O rapaz negou, e Dumbledore assentiu com a cabeça. Snape fez outro som impaciente, que foi abafado por mais um assôo de nariz por parte de Hagrid. Harry se aproximou um pouco da mesa, de forma que ficou atrás dos amigos sentados. Dumbledore abriu uma gaveta na sua mesa e tirou de lá um envelope.
- Há poucos minutos, eu recebi uma carta de Molly Weasley, sua mãe. – Dumbledore falou serenamente, olhando Rony nos olhos. – Ela, o marido, e os filhos estão no Hospital St. Mungus. Na carta ela explica o que aconteceu, e pede para que eu o leve até eles.
- É tão grave assim? – Rony perguntou com a voz embargada.
Hagrid assoou o nariz novamente, e a professora McGonagall caminhou até ele e arrancou o lenço sujo das suas mãos.
- Francamente, Hagrid! Pare com isso!
Dumbledore respirou fundo e olhou Rony bondosamente por detrás dos seus óculos de meia-lua. Ele estendeu a carta para o garoto, dizendo:
- Eu prefiro que leia.
Rony olhou da carta nas mãos de Dumbledore para ele.
- Mas, senhor... A carta é para o senhor e...
- Eu quero que leia, Rony.
Harry quase sorriu. Sabia que Dumbledore estava chamando Rony pelo primeiro nome para lhe deixar mais à vontade. Continuava olhando bondosamente para ele, e Rony aceitou a carta, as mãos ainda trêmulas. Hermione respirou fundo. Harry abaixou os olhos e viu o mesmo que Rony.
Para Alvo Dumbledore. Sala do diretor, Hogwarts.
Estava escrito com uma letra tão tremida, que era bastante difícil entender as palavras. Rony começou a abrir o envelope, mas Harry desviou o olhar enquanto o amigo lia. Preferiu olhar para Dumbledore, que encarava Rony, mas percebeu quando Harry o olhou e passou a encarar seus olhos verdes com aqueles olhos azuis penetrantes. Harry sentiu um frio na barriga. Os olhos de Dumbledore cintilavam da mesma forma que brilhavam naquele dia, meses atrás, quando ele entregou a Harry aquela carta de sua avó.
Harry desviou o olhar e observou Rony. O amigo, novamente, tinha a boca entreaberta e o rosto pálido. Seus olhos marejados corriam rapidamente pelo papel, que tremia violentamente em suas mãos. Ele terminou de ler e encarou Dumbledore. Com a voz rouca, quase um sussurro, falou:
- Aqui diz... diz que... Gina...
O estômago de Harry afundou uns três metros. Cerrou os punhos, que começaram a tremer também. Forçou-se a continuar firme, e olhou Dumbledore, assim como todos na sala faziam. O diretor olhava para Rony com uma expressão ao mesmo tempo pesarosa e bondosa. Lentamente, parecendo escolher as palavras, ele disse:
- Todos os seus outros familiares não sofreram nada de mais grave... somente alguns ferimentos, porém... sua irmã, Gina... ela foi... torturada por um dos Comensais... com a Maldição Cruciatus... e não reagiu bem ao feitiço... O estado dela é grave... ela ainda está viva, mas não está bem...
O único som na sala foi o de Hagrid assoando o nariz no seu casaco.
