Capítulo Dezoito – O artilheiro substituto

A pena riscava tanto o papel e tão repetidamente no mesmo lugar, que este estava se desfazendo sobre a carteira de madeira. O sol fraco e opaco da manhã incidia sobre essa mesma mesa, ofuscando ligeiramente a visão de Harry. Seus olhos quase fechados focavam aquele trabalho incessante com o qual se ocupava, tal era seu tédio. A ponta da sua pena ia e voltava sobre um mesmo lugar no papel, já marcado, enquanto ele ouvia vagamente a voz tediosa e monótona do Prof. Binns, entrecortada pelo barulho constante da pena de Hermione, riscando o papel freneticamente.

Rony fazia falta nessas horas, Harry lembrou com desespero. Certamente, em uma aula particularmente chata como essa de História da Magia, ele e o amigo estariam jogando forca ou qualquer outra coisa para passar o tempo; qualquer besteira seria mais interessante do que isso.

- Ai! – Harry exclamou quando a ponta da pena quebrou. Hermione fez um "shhh" de repreensão ao seu lado.

O sol que brilhava lá fora nos jardins ainda era fraco, mas já diminuía o frio consideravelmente. O inverno estava se derretendo assim como a neve sob o sol. Bem longe no horizonte, assim como o amanhecer, havia a perspectiva da chegada da primavera, com seu tempo mais ameno e agradável. Fevereiro já estava pela metade, mas pouca coisa tinha mudado em Hogwarts.

Depois do ataque à estação King's Cross, não houve mais nenhum significativo. Harry e Hermione acompanhavam o Profeta Diário todos os dias, esperando por uma notícia ruim, mas ela não aparecia. Quer dizer, não tão ruim como esperavam; depois do ataque, Harry previa que Voldemort fosse fazer coisas piores, mas ele parecia estar preferindo não se arriscar tanto. Em parte, o rapaz imaginava o porquê: Dumbledore provavelmente estava trabalhando com mais afinco (ele parecia cada vez mais velho e cansado), e o Sr. Weasley, como informava o Profeta, estava cuidando pessoalmente da segurança. Os aurores trabalhavam dia e noite, mas seu trabalho era tão sigiloso, que não apareciam informações suas nos jornais.

No castelo, os alunos estavam menos nervosos do que na época mais próxima ao ataque, mas ainda permaneciam muito assustados. Muitos dos que tinham se machucado já voltaram à escola, mas eram os mais amedrontados. Padma Patil, que como sua irmã Parvati tinha previsto, se feriu no ataque, andava sempre em grupo com as amigas ou com a irmã, assustada. Outros também estavam no mesmo estado que ela, revelando o medo que Voldemort e seus seguidores colocavam na população. Alguns gritavam aos quatro ventos que Hogwarts seria o novo alvo do lorde, ou então Hogsmeade, enquanto outros, como Draco Malfoy, nem se alarmavam; na realidade, ele parecia até feliz. Harry imaginava o motivo: o pai dele, Lúcio Malfoy, era um Comensal da Morte; Draco não corria perigo algum e, talvez, até já pertencesse ao grupo de seguidores de Voldemort.

Rony estava fora da escola há quase um mês. Ele mandava cartas esporádicas endereçadas a Harry e Hermione, sempre com uma página especial e particular para a namorada. Geralmente isso acontecia quando Gina tinha alguma melhora, por menor que fosse. Na última delas, ele contava entusiasmado que a irmã tinha apertado sua mão.

Harry obviamente ficava feliz com cada pequeno progresso de Gina, mas nem isso era capaz de animá-lo. Sentia-se cada vez mais sozinho e triste; claro que tinha Hermione como companhia, mas não era a mesma coisa. Sentia a falta de Rony, falta deles três juntos, sentia falta do seu namoro com Gina... porém, quando sentia falta disso, lembrava também dela lhe dispensando... ou de como ela estava agora; só era pior.

Enquanto isso, Harry e Hermione se revezavam para copiar as matérias para Rony. Hermione tinha ficado com duas das piores matérias: Poções – essa por Harry sempre ter problemas com a implicância de Snape, que parecia se divertir em poder provocar Harry sem obter resposta, já que o rapaz ainda se lembrava da ameaça do professor – e História da Magia, na qual Harry simplesmente nunca conseguiu se concentrar o bastante para processar em sua cabeça ao menos três frases seguidas do que o Prof. Binns dizia.

- A próxima aula você copia, Harry! – Hermione falou com seu tom mandão, fazendo uma careta enquanto flexionava os dedos. – Eu acho que não consigo escrever mais nada essa manhã!

- Também você copia exatamente tudo que o Binns diz! – o rapaz resmungou.

- Preciso fazer completo, oras!

- Qual é a próxima aula? – ele perguntou distraído, enquanto caminhavam no corredor do quarto andar, desviando de um grupo de alunos da Corvinal que vinham no sentido oposto.

- Transfiguração. – a garota respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Como você consegue esquecer sempre?

- É uma das minhas melhores habilidades. – ele respondeu sarcástico, piscando para a amiga, que suspirou.

A Profª. McGonagall estava particularmente irritada aquela manhã. A sorte dos grifinórios do sexto ano foi que tinham apenas uma aula com ela no dia. A mestra distribuiu comentários severos para a classe e tirou pelo menos quinze pontos dos alunos, logo repostos por Hermione, que conseguiu transformar com perfeição um rato num lagarto. Harry teve dificuldades; no final da aula, seu lagarto ainda tinha bigodes e dentes de roedor, mas isso não foi nada comparado ao de Neville, que além dos bigodes e dos dentes, possuía rabo de rato e pelugem amarelada, ao invés de escamas.

Quando o sinal para o almoço bateu, Harry se viu massageando os dedos assim como Hermione tinha feito anteriormente. Ela tinha um sorriso vingativo no rosto; praticamente tinha feito Harry copiar quase tudo que a Profª. McGonagall tinha escrito no quadro negro e falado, mas obviamente a menina tinha feito suas próprias anotações também, mais completas, como ela mesma dizia.

- Se você não desfizer esse seu sorrisinho cínico, Hermione, eu faço isso no seu pescoço... – ele falou, flexionando os dedos ameaçadoramente.

- Pára de reclamar e vê se guarda logo esse material na mochila! – ela disse, agora rindo dele. – Não quero perder o pudim de chocolate.

- Você vai engordar se continuar comendo tanto doce, sabia? – ele provocou, jogando a mochila nas costas. Ela rapidamente fechou a cara. Pelo menos nisso, garotas eram todas iguais.

Só restavam os dois na sala de aula naquele momento. Os outros alunos já tinham saído quase correndo da classe para o almoço. A Profª. McGonagall estava concentrada em um monte de papéis sobre sua mesa, os óculos quadrados na ponta do nariz. Harry gostaria de sair logo dali, pois ele teve a prova de que a professora estava bastante irritada quando ela chamou sua atenção pelo "rato-lagarto" que fizera. Hermione, porém, se arriscou a cumprimentá-la:

- Adeus, professora.

- Mas ainda não foram embora? – a mestra esbravejou, levantando a cabeça dos seus afazeres subitamente. Harry e Hermione engoliram em seco, e o rapaz se preveniu mentalmente de nunca mais permitir que a amiga tomasse esse tipo de atitude impensada e insensata.

- Anh... Sinto muito, professora...

- Oh. – a bruxa disse simplesmente, parecendo arrependida. Depois de um longo suspiro, ela falou, parecendo mais calma: - Desculpe-me, Srta. Granger... Pensei que não houvesse mais ninguém na sala. Estou só um pouco... nervosa... hoje.

- Nós percebemos. – Harry não conseguiu evitar. Hermione deu uma grande cotovelada no seu estômago, que o fez perder o ar por alguns minutos.

- Não ligue para o Harry, professora... Ele só está... com fome! – Hermione riu sem graça. Harry ainda tinha dificuldade para respirar.

A Profª. McGonagall se virou para o rapaz raivosa, e Harry percebeu que já era tarde demais.

- POTTER!

Harry engasgou pelo susto, mas pelo menos depois disso ele pôde respirar. Hermione arregalou os olhos e novamente engoliu em seco.

- S-sim, professora.

- Quero falar com você.

Por alguns segundos, ele não falou nada.

- Claro. – Harry pigarreou. – Mas... agora?

- Depois. – ele respirou mais aliviado. – Na minha sala, depois das aulas. Não falte e não se atrase.

- Sim, senhora. Anh... mas... – ele olhou para Hermione, e depois para a professora novamente. – Qual o assunto?

Hermione parecia prestes a esfolá-lo vivo pelo seu atrevimento. A Profª. McGonagall, porém, não gritou.

- Quadribol. – disse simplesmente, mas com a cara mais fechada do que nunca.

Dez minutos depois, Harry e Hermione estavam sentados na mesa da Grifinória, almoçando. Harry, porém, não estava com a mínima vontade de comer. Depois de falar uns cinco minutos seguidos sobre as próximas aulas do dia, Hermione finalmente percebeu que Harry não estava ouvindo uma única palavra. Com um suspiro de desagrado, ela disse:

- Que foi? Você teve sorte que a Profª. McGonagall não brigou com você.

- Eu tive sorte? – ele respondeu nervoso. – Eu teria sorte se você não tivesse tido a idéia idiota de cumprimentá-la!

Hermione novamente fechou a cara.

- Só quis ser educada. – ela falou, levando um pedaço de carne assada à boca.

- Então se lembre de nunca mais tentar ser educada quando ela está irritada.

- Esqueçamos isso. – ela pediu, tomando um grande gole de suco. – Mas o que aconteceu com você, hein? Depois do que a professora lhe disse você ficou tremendamente pálido.

- E não é pra ficar? Ela quer conversar comigo... sobre quadribol!

- E isso é ruim?

- É péssimo.

- Por quê? – ela pousou o copo de suco na mesa. – Você tem treinado o time desde que voltou das férias, não é?

Harry não respondeu. A expressão despreocupada de Hermione passou gradualmente a uma de pânico crescente.

- Você não tá querendo me dizer que...

- Exatamente, Hermione. Eu não fiz um único treino desde o começo das aulas.

O queixo dela caiu.

- E aquelas vezes que você sai do salão comunal e diz que vai para o campo?

- Eu vou voar. – ele disse e completou. – Só voar.

Hermione ficou boquiaberta por alguns instantes até se tocar e recomeçar a comer, novamente despreocupada. Agora era Harry que estava entrando em pânico.

- O que eu faço, Mione?

- Sobre o quê?

- Sobre a Profª. McGonagall, é óbvio! O que eu digo para ela?

- A não ser que você seja bastante criativo e, mais, persuasivo, não há outra saída senão a verdade.

- Em outras palavras, eu tô fudi...

- Harry!

- Ferrado. – ele consertou.

- É o que parece.

Harry suspirou e apoiou o queixo na mesa, a bochecha encostada nos nós da mão. Seu olhar correu até um grupinho do outro lado da mesa. Estavam reunidos dois garotos e uma menina, exatamente um dos batedores e dois dos artilheiros do time de quadribol. Peta, Colin e Jonnathan não pareciam mais os mesmos; andavam paranóicos com os N.O.M.s e, mais que isso, estavam bastante desanimados por causa de Gina também, que pertencia ao grupinho deles. Jonnathan era o mais abatido e mais emburrado, mas a parte do emburrado não era novidade. Harry imaginou o quanto o jogador mais problemático do time não iria reclamar de novos treinos com os N.O.M.s tão próximos. Ótimo, era só o que Harry precisava; mais discussões entre ele e o artilheiro esquentadinho.

Seria uma longa temporada...

Parece que quando se quer que o tempo demore a passar, ele corre mais rápido. Naquela tarde não foi diferente. Até mesmo a aula de Adivinhação na esfumaçada e perfumada sala da Profª. Trelawney parecia ter sido menos lenta do que de costume. Sibila Trelawney previu que Harry sofreria um grave acidente no próximo mês, coisa que o rapaz nem se importou. Estava mais interessado em escrever o máximo que pudesse nas anotações; não por causa de Rony, pois sabia que o amigo compartilhava da mesma certeza de que copiar o que a professora explicava era pura perda de tempo, mas sim por Hermione, que reclamaria até o fim dos dias de Harry se ele não voltasse da aula com pelo menos duas folhas de anotações.

Enfim, o fim das aulas chegou, e Harry foi obrigado a seguir para a sala da Profª. McGonagall. Tinha se preparado mentalmente para isso; sabia que ela iria reclamar, brigar e repreendê-lo por estar deixando o quadribol de lado. Tinha alguma desculpa? A sua busca mental não retornou nenhuma resposta, então ele se resignou e bateu duas vezes na porta da sala da professora.

- Entre. – a voz dela, abafada, respondeu.

Harry abriu a porta devagar. Viu a professora sentada atrás de sua mesa, debruçada sobre vários papéis, antes de encostar a porta atrás de si. O barulho fez com que a mestra levantasse os olhos dos seus papéis, ajeitasse os óculos sobre o rosto, e dissesse:

- Sente-se, Harry.

A menção do seu primeiro nome o deixou um pouco mais aliviado. Talvez o mau humor dela tivesse passado ou, no mínimo, aliviado. O rapaz descarregou a mochila que carregava no chão, ao lado da cadeira na qual se sentou, de frente para a professora.

A Profª. McGonagall acompanhou com os olhos o movimento dele, para depois juntar os papéis e colocá-los todos numa gaveta, deixando a mesa limpa para apoiar seus braços, cruzando os dedos enrugados das mãos uns sobre os outros. O olhar dela não era severo como antes.

- Há algum motivo para você não ter recomeçado os treinos de quadribol? – ela perguntou direta.

Harry não respondeu. Sua barriga remexeu desconfortavelmente. Antes que decidisse se deveria ou não falar o que veio à sua cabeça, a própria professora leu seus pensamentos:

- É por causa da Srta. Weasley, não é? – Harry levantou os olhos. – Não está com cabeça para quadribol?

Harry molhou os lábios antes de responder.

- Talvez... não sei, é que... estou... tão... – ela o encorajou com o olhar. – Na verdade... estou desanimado...

- Desmotivado?

Ele assentiu. A professora respirou fundo antes de responder.

- Talvez você tenha uma boa notícia em breve. – os olhos de Harry se arregalaram. – Mas não é sobre isso que quero falar. Bem, Harry... quer queira, quer não, as coisas acontecem e devemos, ao menos, contorná-las. Você não pode parar de fazer suas atividades por causa do que aconteceu.

- A senhora quer dizer...

- Quero dizer que você ainda é o capitão do time de quadribol, e essa é uma das suas responsabilidades. Você foi escolhido pelos seus colegas de time porque eles confiavam em você, assim como eu também confio. – Harry sentiu o estômago afundar. – Eu realmente não quero ser obrigada a passar esse posto para outra pessoa, porque sei que, atualmente, você é o mais apto para a posição.

Houve um intervalo de silêncio no qual a professora recostou na cadeira, tirou os óculos e massageou os olhos por alguns segundos.

- Obrigado, professora. – Harry murmurou.

- Não estou lhe elogiando. – ela respondeu, desencostando da cadeira e reabrindo os olhos, encarando-o por detrás dos óculos. – Estou dizendo o que sei, o que vejo. Mas sinto dizer também que você não é mais o mesmo. Você está desatento, descuidado, impaciente... irresponsável. Isso me fez pensar se devo ou não mantê-lo com essa responsabilidade.

- Então... – ele começou, com um pouco de dificuldade. – A senhora quer passar o posto de capitão para outra pessoa?

- Eu não disse isso. Como eu disse antes, você é o mais apto para a posição; o mais velho no time, o mais experiente... Na verdade, eu quis dizer que estava pensando se essa responsabilidade não seria demais para você...

- Não é! – ele disse rapidamente. De maneira alguma queria perder essa posição que tinha no time, e sentia que era exatamente isso que estava acontecendo. – Professora, eu consigo fazer, eu...

- Então faça, Harry. É só o que espero de você. – ela suspirou. – Entendo que seja complicado, que seja difícil passar por cima do que está acontecendo... mas não é por isso que você vai parar sua vida, não é? Há coisas que não podemos abandonar! Harry, você é jovem ainda, e por mais coisas que já tenha passado na vida, receio que haverá muitas ainda... E será preciso contornar essas situações, superá-las! Faz parte de crescer, Harry. Faz parte de amadurecer.

Harry apenas assentiu. Não esperava que ela fosse lhe chamar para dizer essas coisas. Esperava reclamações, cobranças, mas não isso. Realmente deveria haver um bom motivo para que ela e a sua avó tenham sido tão amigas no passado. Será que... será que sua avó Arabella conversaria com ele dessa maneira se estivesse viva?

- Então... – a voz da professora interrompeu seus pensamentos, e ele a encarou. – Posso contar com você para continuar a treinar o time da Grifinória?

- Claro, professora. – ele respondeu decidido. – Darei o meu melhor.

Ela sorriu e, depois de uma longa arfada de ar, falou:

- Já que isso está resolvido, vamos ser práticos e rápidos. Você sabe quando será o próximo jogo?

- Março, pelo que eu sei. Contra a Lufa-lufa. – Harry respondeu prontamente, seu espírito dando um pequeno salto de animação pela excitação do quadribol.

- Sim, mas a data exata já está marcada. Dezessete de março.

- Mas hoje é dia quinze, professora! Isso quer dizer que temos só um mês!

Ela sorriu novamente.

- Eu consegui adiar para o dia vinte e três. Cá entre nós... – ela diminuiu o tom de voz. - ... é muito mais fácil fazer esse tipo de acordo com a Profª. Sprout do que com o Prof. Snape.

Harry sorriu levemente, entendendo perfeitamente o que ela queria dizer. Snape e a Profª. McGonagall tinham uma rivalidade quase tão grande no quadribol quanto os próprios alunos.

- Muito bem, então. – ela recomeçou. – Você pretende fazer um treino quando?

- Preciso conversar com os jogadores, a maioria está em ano de N.O.M.s, então tudo fica um pouco mais complicado. Mas o campo está reservado no sábado?

Ela abriu uma gaveta, de onde retirou uma prancheta cheia de papéis, que revirou, antes de dizer:

- Você está com sorte. A Lufa-lufa reservou no domingo, e a Corvinal ainda não se decidiu, o que significa que o campo está livre. Você prefere...

- Manhã e tarde. – Harry disse rapidamente.

A mestra levantou as sobrancelhas, mas deu de ombros e anotou algumas coisas no papel. Feito isso, ela pousou as mãos entrelaçadas sobre a mesa e lançou um olhar grave a Harry.

- Ainda há um problema. – ele respirou mais fundo; sabia ao que ela estava se referindo, e estava receoso por chegar esse momento. – Há lacunas no time, você sabe... – ela parecia estar falando com cautela, porque sabia que era difícil. – Bem, sei que não é agradável, mas elas terão que ser preenchidas o mais rápido possível.

Harry, pela segunda vez, sentiu o estômago afundar alguns metros.

- Substituir Rony e Gina? Professora, eu não posso fazer isso!

- Harry, não é questão de poder ou não! Você tem que fazer isso! O time não pode ficar incompleto!

- Mas eles vão voltar! – ele insistiu. Foi como se a professora murchasse. – Ou não?

Ela parecia medir as palavras quando disse:

- A Srta. Weasley poderá não voltar antes do jogo... Você viu como ela está... Talvez demore um pouco até que se recupere totalmente e, além disso, mesmo que voltasse antes, ela não estaria em condições para uma partida de quadribol. Você vê, Harry? Não é somente pelo time, é pela saúde dela. Mesmo que ela volte em tempo de jogar, não poderá... Você entende isso?

Harry assentiu mais uma vez, ainda um pouco inconformado. Deveria estar acostumado a isso, mas não conseguia. Sabia tanto como ela que o estado de Gina era delicado, mas às vezes ele só queria pensar que ela ainda estava de férias na Toca.

- E quanto ao Sr. Weasley...

- Não vou substituir o Rony, professora!

- Por quê, Harry? Por Merlin, mas que teimosia! É uma substituição temporária, ele não vai ficar fora do time para sempre! Isso seria descabido, também! Você montou um bom time, e não quero que o desfaça! Mas será necessário um goleiro, e o Sr. Weasley...

- O Rony vai voltar, professora! – Harry disse categórico. – E eu não vou substituí-lo! Só irei fazer isso a menos que ele mesmo me diga que não poderá jogar. Do contrário, não haverá outro goleiro.

A diretora da Grifinória bufou com impaciência.

- Pode me dizer como vai treinar os artilheiros sem um goleiro?

- Darei um jeito! – Harry teimou. – O que eu não vou fazer é substituir o Rony; ele vai voltar, afinal não pode ficar longe da escola para sempre! Além disso, ele é um bom goleiro e...

- E é seu melhor amigo! Harry, você não pode deixar que isso interfira no time!

- Não é por causa disso, professora! – Harry falou, mesmo que soubesse no seu íntimo que sim, era muito por causa disso. Sentia como se estivesse traindo Rony se o substituísse no time. – Eu vou treinar sem o Rony por enquanto até que ele volte e possa assumir sua posição. Colocarei um novo artilheiro no time, que substituirá Gina temporariamente. A senhora não precisa se preocupar.

A Profª. McGonagall suspirou, quase derrotada. Porém, ela levantou os olhos e encarou Harry ainda com um resquício de determinação no rosto.

- Você ao menos tem alguém em mente para a posição de artilheiro?

- Tenho uma lista com o desempenho dos alunos que fizeram o teste no começo da temporada. Posso escolher o melhor e ver como ele se entrosa com os outros.

Ela assentiu; tirou mais uma vez os óculos, coçou os olhos e repôs as lentes quadradas no rosto.

- Vamos fazer um acordo, Harry. Temos pouco mais de um mês para o jogo. Você acha que o Sr. Weasley pode se preparar em pelo menos duas semanas?

- Sim. – Harry respondeu confiante. – Até menos.

- Certo. Daqui até o jogo são cinco semanas. Eu lhe dou três. Três semanas para esperar pelo Sr. Weasley. Se ele não voltar até lá, você terá apenas duas semanas para treinar um novo goleiro, e espero que consiga.

- Não será preciso um novo goleiro, professora.

- Espero que esteja certo.

- Eu estou.

A mestra soltou uma risadinha baixa, enquanto recostava-se na cadeira. Olhou com uma certa diversão para Harry por detrás dos óculos quadrados.

- Certa vez... – ela disse com nostalgia. – Bella, quer dizer, sua avó Arabella, disse-me que você era bastante... confiante em si mesmo, até... presunçoso. Espero que toda essa confiança tenha fundamento.

Harry deu um grande sorriso, como não dava há muito tempo. Não imaginava que sua avó tinha essa imagem dele, mas, de certa maneira, ela não estava completamente errada, ou melhor, ela estava certa.

Durante o caminho para o salão comunal, Harry foi pensando na conversa com a Profª. McGonagall. Não percebera o quanto o tempo tinha passado. Ficara tanto tempo na sala da professora, que o jantar já deveria estar no fim, e não valeria a pena ir até lá para pegar os restos. Por esse motivo, ele apenas deu uma passada na cozinha, onde aproveitou para visitar Dobby enquanto pegava algo para comer. Seria redundante dizer o quanto o elfo ficou feliz com a visita.

A mochila estava pendurada em apenas um dos seus ombros, enquanto ele caminhava distraidamente com as mãos nos bolsos pelo corredor vazio do terceiro andar. Repassava mentalmente os alunos que se saíram bem no teste de artilheiro; alguns nomes vieram à sua cabeça, mas ele realmente precisaria olhar aquela lista que fez no dia do teste.

- Cuidado para não tropeçar, Harry. – uma voz feminina, que ele conhecia, falou.

O rapaz se virou para ver quem era e viu, encostada no batente da porta de sua sala, a Profª. Samantha Stevens. Rapidamente, Harry se lembrou de várias coisas ao mesmo tempo: tudo o que Sirius lhe contou, as coisas que ela já disse, suas atitudes... a dança... Um arrepio correu na sua espinha.

- Se não olhar por onde anda... – ela disse com um sorriso, os braços cruzados sobre o peito enquanto a cabeça estava inclinada sobre o batente. - ...pode tropeçar e cair por aí. Não nego que seria engraçado.

- Ah, e você adoraria estar presente à cena para rir da minha cara, não é? – ele ironizou.

- Claro que eu iria rir, seria cômico... Mas sou sua amiga e por isso estou te dizendo para tomar cuidado...

- Agradeço por isso.

Ela desencostou a cabeça do batente.

- O que te deixa tão distraído assim?

Harry refletiu por alguns instantes antes de responder:

- Isso realmente interessa?

- Como você é atrevido... – ela estreitou os olhos, de uma maneira que lhe lembrou uma pessoa. – Sabe que eu poderia descontar pontos da sua casa por falar assim comigo, não é?

- Mas não é você mesma que vive me dizendo para não lhe tratar como professora quando estamos sozinhos? – ele cruzou os braços, franzindo as sobrancelhas.

Ela descruzou seus próprios braços, desencostando do batente e levando ambas as mãos aos quadris.

- Muito atrevido mesmo... – e sorriu. – Mas você está certo. Se eu posso brincar com você, não vejo por que não possa fazer o mesmo comigo. Porém... não quer mesmo me dizer o que te preocupa? Talvez eu possa ajudar...

- Tenho que tomar uma decisão e estou... avaliando as possibilidades. Só isso. E tenho que resolver sozinho.

- Problemas de gente grande?

- Por quê? Você me acha uma criança, por acaso? – ele perguntou, tentando soar ofendido, mas era difícil. Por mais que tentasse, gostava desses duelos verbais com ela. Eles o... excitavam.

Lá estava ele novamente desobedecendo Sirius.

Mas não valia a pena lembrar disso agora.

Samantha abriu um grande sorriso, que chegava aos seus olhos azuis profundos. Ela o olhou daquela maneira que ele detestava, mas Harry estava aprendendo a lidar com isso. Era melhor permanecer olhando-a, do que desviar o rosto.

- Definitivamente, criança é o que você menos é.

Ele sorriu inconscientemente, inchando-se de orgulho por dentro. Presunçoso, sua avó diria.

Passos apressados puderam ser ouvidos no corredor. Imediatamente, Samantha tomou sua postura rígida de professora e se endireitou. Não demorou muito até que avistassem a pessoa que se aproximava; uma garota, vestida com o uniforme ligeiramente amassado da Sonserina; seus cachos negros presos de uma forma muito negligente.

Katherine Willians parou imediatamente de correr assim que viu Harry e Samantha. Ela olhou assustada de Harry para a professora, sem dizer uma única palavra. As duas sonserinas se entreolharam por um segundo, e Harry teve a nítida impressão de que Samantha pensava rapidamente no que fazer e falar a seguir. Com a costumeira voz rouca, mas muito menos descontraída do que antes, ela perguntou:

- Existe algo em que eu possa ajudá-la, Srta. Willians?

A garota pigarreou antes de responder. Parecia ligeiramente sem graça.

- Eu gostaria de falar com a senhora, professora.

Novamente as duas trocaram o mesmo olhar. Harry sentiu que estava sobrando, mas não saiu dali. Estava muito mais curioso para saber como Samantha sairia da situação. A professora se virou para Harry e disse no tom mais casual possível:

- São três rolos de pergaminho na redação, Sr. Potter, não dois. O tema é Maldições Permanentes, e o senhor encontrará livros sobre o assunto na biblioteca. O senhor anda muito distraído, precisa prestar mais atenção à aula, Sr. Potter!

Por alguns instantes, Harry ficou chocado demais para responder. Era impressionante o quanto ela era habilidosa com a mentira. Aquilo era, no mínimo, convincente. Se fosse ele a ter que inventar a história, certamente seria um fiasco. Foi quando ela lhe deu um olhar particularmente ameaçador, que ele percebeu que era sua deixa:

- Ah, sim... Obrigado, professora. Não vou me esquecer. – Harry olhou para Willians, que parecia mais preocupada em olhar Samantha. – Boa noite, professora.

- Boa noite, Sr. Potter. – ela respondeu formalmente.

Harry se apressou em sair, não sem antes encarar novamente Willians, que lhe lançou um olhar de profunda impaciência. Ele caminhou, seus passos ecoando nas paredes, até que dobrasse um corredor e sentisse que as duas não deveriam mais ouvi-lo. Uma vozinha na sua cabeça ordenou "Volte e espie!", e ela era mais forte do que a outra que dizia "É falta de educação espiar!".

Na ponta dos pés, o rapaz refez o caminho, cuidando para que não fosse ouvido. Assim que chegou na esquina do corredor, colocou um único olho com cautela para que pudesse ver. Enxergou Samantha e Willians conversando na porta da sala; a garota estava de costas, e Harry não podia ver seu rosto, mas ele reparou que ela segurava um papel na mão direita enluvada, uma carta talvez. Era possível ver o rosto de Samantha, e ele estava contraído e tenso. Harry apurou os ouvidos para escutar, mas era bastante difícil, pois estava muito longe. Ainda assim, conseguiu ouvir algumas palavras entrecortadas:

- Por que você veio aqui agora, sem avisar? – Samantha perguntou.

- Precisei! E não deu pra avisar! – a garota parecia irritada. – É importante.

- E o que é?

A garota levantou o papel na altura dos olhos de Samantha.

- Você precisa ver isso.

Samantha correu os olhos do papel para a garota.

- É dela? – sua voz era quase um sussurro, e Harry não tinha certeza se tinha ouvido direito. – Luiza?

- Claro que é!

- Entre. – Samantha disse num tom muito sério, abrindo espaço para a garota passar.

Depois que as duas entraram e fecharam a porta, Harry se virou e encostou na parede. Quem seria essa tal de Luiza? E por que elas tiveram esse comportamento esquisito?

Fosse quem fosse, fosse o que fosse, ele não tinha nada a ver com o assunto.

Mas que era estranho, isso era.

O salão comunal da Grifinória estava quase vazio naquela noite. A maioria dos alunos ainda deveria estar perambulando pelo castelo, pois eram poucos os que se recolhiam à torre antes do horário limite estipulado.

Na verdade, quando Harry entrou, viu apenas alguns quintanistas e outros setimanistas, todos estudando para seus exames no fim do ano. Ele pensou seriamente em subir e descansar; sentia-se exausto depois do dia, mas do outro lado do salão, Hermione, que ele ainda não tinha visto, acenava freneticamente com um grande sorriso no rosto. Harry imaginava o que seria isso; nas últimas semanas, Hermione só abria um sorriso desse por causa de uma coisa: carta do Rony.

- Você não vai acreditar no que Edwiges acabou de deixar aqui comigo! – a amiga disse excitada assim que Harry se sentou numa poltrona ao lado da dela. Antes que ele tivesse tempo de responder, ela disse muito rápido: - O Rony! Mandou uma carta!

- Pelo sorriso no seu rosto, eu já imaginava... – Harry brincou, mas também sorria. Sempre ficava ansioso por saber as notícias do amigo desde que se ausentara e, ainda mais, saber sobre o estado de Gina.

Hermione passou um envelope um tanto amassado para Harry, que prontamente o abriu e tirou duas folhas de pergaminho. A amiga rapidamente puxou o de trás, um tanto corada.

- Esse é meu, Harry.

- Ah, claro. – ele respondeu, rindo. Rony sempre mandava uma folha a mais particular para Hermione.

A letra de Rony se assemelhava mais do que o normal aos costumeiros garranchos; dava a impressão de que ele tinha escrito aquilo com muita pressa, ou muita excitação.

Mione e Harry,

Realmente peço desculpas pelas quase duas semanas sem notícias, estou sendo negligente com vocês dois. Mas aconteceram tantas coisas que eu não pude escrever, ou pensar em mais nada. Sei que deve ter ficado aflita pelo meu sumiço, Mione, mas espero poder recompensar isso mais tarde. Harry, você não deveria ter lido essa linha, mas fazer o que se eu já a escrevi?

Melhor parar de enrolação, pois esse não é o motivo dessa carta. Estou tão animado que é difícil escrever, espero que entendam meus garranchos. Ok, Mione, não faça essa cara de reprovação. Se você não entender, o Harry entende; a letra dele também é um garrancho.

Que droga! Eu dou um monte de voltas e não consigo falar o que quero! Acho que é porque estou realmente animado como há muito tempo não estava. O resultado são essas minhas brincadeirinhas cretinas (como você chama, Mione).

Sem mais delongas, tenho uma ótima, realmente maravilhosa, notícia para dar a vocês. A GINA FALOU COMIGO HOJE! Não é mentira, eu não estou contando um sonho pra vocês, ela falou comigo! Ok, ela não falou muito, ela só murmurou "Rony", mas já é o bastante, não é?

Em vista de tudo, isso foi um ótimo progresso, e os curandeiros estão confiantes. Quando ela disse isso, eu estava passando a noite lá com ela, para a minha mãe poder descansar um pouco em casa, e ela murmurou meu nome enquanto dormia! Nossa, eu fiquei tão emocionado que só consegui ficar ali parado, olhando para ela... Os curandeiros disseram que ela está progredindo bastante e bem rápido, mas que ainda é bom não se animar muito, porque ela não está... como eles disseram? Estável. Mas eu simplesmente não consigo deixar de me animar.

Minha mãe quase desmaiou quando soube. Fred e Jorge foram muito exagerados e soltaram fogos fabricados por eles, que iluminaram com várias cores a sala de estar. Não preciso dizer que minha mãe ficou furiosa. Percy também reclamou como sempre com eles, mas ninguém parecia realmente se importar. Foi como se essa casa voltasse a ser A Toca de antes.

Quando eu contei para o meu pai foi a melhor parte; pelo menos a que eu mais gostei. Não deveria estar lhes contando isso, é algo um pouco pessoal dele, mas eu não consigo guardar isso sozinho. Eu contei tudo para ele, nos mínimos detalhes, e ele não conseguiu se controlar: ele chorou, e o meu pai não é de mostrar muito sentimentos como esse. Foi uma das poucas vezes que eu o vi chorar, mas eu me senti muito bem de passar essa notícia para ele. Sabia que ele estava chorando de felicidade.

Harry, espero que não se importe (se bem que eu já fiz mesmo) de eu ter usado Edwiges para mandar uma carta falando disso para o Gui. Percy enviou Hermes para o Carlinhos, mas eu realmente não sabia como mandar a do Gui, então usei Edwiges. Pichitinho não consegue fazer viagens tão longas entre países, e Errol... bem, melhor não comentar.

Acho que vocês perceberam que as coisas estão bem melhores por aqui. É claro que elas só vão voltar ao normal quando Gina voltar, o que eu tenho certeza que vai acontecer, mas já estamos passando por uma grande melhora depois da reação dela.

Não posso lhes dizer com certeza quando voltarei para Hogwarts. Estou ajudando por aqui, eu e minha mãe revezamos no hospital para ficar com Gina, já que Gui e Carlinhos não conseguiram licença nos seus trabalhos ainda. Fred e Jorge estão realmente ficando loucos com a loja, e Percy e meu pai estão muito atrapalhados no Ministério. Quando Gui ou Carlinhos conseguirem uma licença, talvez aí eu possa voltar, mas agora não é possível.

Preciso terminar aqui ou a comida vai queimar. "O quê?", vocês devem estar se perguntando. Bem, eu tenho que me virar aqui enquanto estou sozinho; minha mãe está no hospital hoje, e o resto do pessoal logo vai chegar do trabalho. Não posso deixar todos comendo comida fria, não é? E eu também preciso comer (mas vocês estão habituados com meu apetite). Ok, não riam da minha cara...

Espero que esteja cuidando direitinho da Mione, Harry! Mando notícias novamente quando puder. Respondam para que eu saiba se está tudo bem aí.

Um abraço (os beijos para você estão na outra carta, Mione),

Rony

- A Gina falou! – Harry quase gritou de tanto entusiasmo, um grande sorriso no rosto.

- Isso é maravilhoso! – Hermione falou, o mesmo sorriso nos lábios. – Fazia tempo que eu não via o Rony tão animado!

- Também, fazia muito tempo que ele não mandava nada... – Harry comentou, encostando-se na poltrona enquanto devolvia a carta para a amiga. Ela já tinha recolhido papel e tinta para responder.

- Ele teve seus motivos. – ela disse, e completou, suspirando. – Não vejo a hora de que tudo volte ao normal.

- Eu também. Espero.

Por alguns minutos eles não falaram nada, e o único som, além dos alunos conversando do outro lado da sala, era o de Hermione riscando o papel com sua pena. Ela mesma quebrou o silêncio perguntando, sem desgrudar os olhos do papel:

- E a conversa com a Profª. McGonagall? Foi tão ruim quanto você esperava?

- Pelo contrário. – Hermione levantou a cabeça para olhar o amigo, e ele lhe narrou o que falou com a professora.

- Ah, que bom para você. – ela falou quando ele terminou. – A única parte ruim são mesmo as substituições, não é?

- Mas lembre que elas são temporárias, e além disso eu não vou substituir o Rony. – Hermione parecia chateada. – Você acha que ele vai voltar logo, não acha?

- Ah, Harry, você viu na carta. Eu bem que queria, mas ele não diz muita coisa, e não dá certeza de nada. Tomara que ele volte, né? Só podemos esperar.

- Tem razão. Mas eu não me sentiria nada bem colocando uma outra pessoa no lugar dele, nem que fosse só por um tempo.

- E sobre o artilheiro? Você já pensou em quem colocar?

- Estava pensando no caminho, mas não há ninguém como Gina. De qualquer jeito, vou ter que escolher, então... – Harry parou de falar assim que viu uma pessoa entrando pelo buraco do retrato, conversando animadamente. Lembrava do teste dessa pessoa; na época não tinha levado muito a sério, porque se impressionara muito mais com Gina, Peta e Jonnathan, mas agora, pensando melhor... Um sorriso apareceu no canto dos seus lábios por ter encontrado a solução para seus problemas.

- Que foi? – Hermione perguntou intrigada.

- Achei!

E Harry se levantou até chegar à pessoa.

Um sol pálido incidia sobre a face de Harry naquela manhã fria de fim de inverno. Ele caminhava com sua Firebolt nas costas, sentindo a grama fofa a seus pés. Tinha marcado um treino bem cedo no sábado, que somente seria interrompido no almoço e continuado por toda a parte da tarde. Isso gerou protestos de Jonnathan quando Harry o achou junto com Peta e Colin na biblioteca e os avisou do treino, mas o capitão respondeu com um seco e categórico "Precisamos treinar o artilheiro substituto". Jonnathan ficou muito emburrado, só para variar, mas Peta e Colin se animaram com a possibilidade de se distraírem um pouco dos estudos. Colin tinha ficado de avisar o seu irmão Dênis, o outro batedor.

Depois de arrumar as coisas no vestiário, o que não demorou muito, Harry sentou em um dos bancos onde batia o sol, e ficou algum tempo esperando os outros, repassando mentalmente como testaria o tal artilheiro substituto. Seus pensamentos foram interrompidos por vozes:

- Ah, estou com tanta vontade de voar um pouquinho!

- Mas que novidade você, não é, Peta? Só alguém maluca assim para ficar tão animada às oito da manhã de um sábado!

- Por que você sempre ter que ser tão mal humorado, Jonh? Eu não sei como consigo ser sua amiga!

- É porque sempre eu ou a Gina estamos por perto para apaziguar as brigas de vocês. – Harry ouviu Colin dizer enquanto bocejava. Peta e Jonnathan entraram logo atrás dele. A garota estava quase saltitante, como sempre, enquanto Colin parecia estar quase dormindo em pé, e Jonnathan dividido entre fazer cara feia e de sono.

- Ah, você já está aí, capitão? – Peta perguntou com seu jeito jovial. Jonnathan a olhou como se ela fosse a pessoa mais estúpida do planeta.

- Não, Peta, esse não é o Potter. Você não tá vendo que é uma assombração?

- Vou encarar como uma piada. – Harry disse. Colin deu um longo bocejo, e Harry ficou em dúvida se aquilo era verdadeiro ou se ele estaria escondendo uma risadinha.

- Ora, quem mais senão uma assombração nos acordaria a essa hora num sábado? – Jonnathan provocou Harry com um olhar malicioso. Colin e Peta se entreolharam, pressentindo encrenca. Harry apenas deu um risinho cínico.

- Pois se eu sou uma assombração, você é um espírito de porco, Cavendish.

Foi a vez de Peta abafar uma risadinha. Jonnathan lançou um olhar assassino a ela. Colin deu um novo bocejo.

- Onde está o seu irmão, Colin? – Harry perguntou, enquanto observava Peta e Colin se sentarem juntos num banco. Jonnathan preferiu ficar de pé, um pouco mais afastado.

- Ele ainda estava tomando café quando nós viemos pra cá. – Colin respondeu um pouco encabulado. Dênis sempre se atrasava para os treinos.

- Você acha que ele chega antes das nove?

- Acho que sim. Por quê?

- Quero conversar com vocês todos antes que o artilheiro substituto chegue, e eu marquei com ele às nove.

- Quem é ele? – Peta perguntou subitamente, com seu espírito curioso de sempre.

- Vocês verão. – Harry disse simplesmente.

- Ainda não acredito que você teve a coragem de substituir a Gina... – Jonnathan comentou com um tom raivoso. Harry se virou para olhá-lo. Peta e Colin estavam novamente tensos.

- É temporário. – Harry tentou manter o tom calmo. Sabia que ele deveria estar encarando a postura de Harry como uma forma de traição à Gina. – Quando ela voltar e estiver em condições de jogar, vai entrar no time novamente.

- Ah, é? – o garoto perguntou, encarando Harry com os olhos estreitos. – E por que você não tá substituindo o seu amiguinho também? Não vejo nenhum goleiro novo por aqui...

- O Rony vai voltar logo e não há necessidade de substituí-lo. – Harry falou começando a ficar com raiva.

- E não deveria ser desnecessário substituir Gina também?

- Você sabe como ela está? – Harry se levantou, furioso, encarando Jonnathan com raiva. – Algum de vocês aqui tem idéia de como ela está? – ele perguntou, se virando para os outros. Peta se remexeu desconfortavelmente no banco.

- Eu troquei uma carta com a mãe dela, pedindo informações. – ela falou meio sem jeito. – Parece que ela não está nada bem, não é?

- É isso mesmo. – Harry falou, respirando fundo, ainda sentindo o sangue correr quente nas veias. – Ela não está bem, e com certeza não está em condições de jogar. – ele se virou para Jonnathan. – Eu não queria ter que substituí-la, mas foi necessário, ou a Profª. McGonagall em pessoa o faria.

Um silêncio caiu no vestiário, e ninguém disse nada por muito tempo. Justamente no instante em que Jonnathan abriu a boca para dizer algo, a porta do vestiário abriu-se subitamente, e Dênis entrou esbaforido.

- Eu... sinto... muito... – ele disse, apoiando as mãos nos joelhos para respirar.

- Francamente, Dênis, você precisa dar um jeito nesses atrasos! – Colin repreendeu o irmão, envergonhado.

- Não tem problema. – Harry suspirou, enquanto começava a andar de um lado para outro, como sempre fazia quando tinha que conversar com o time. – Já que todos estão aqui, vamos começar.

Harry passou pelo menos uns quarenta minutos explicando para os jogadores as novas táticas que tinha planejado nas férias, e como eles iriam treinar sem um goleiro por enquanto. A maior responsabilidade, além da dele, cairia sobre Peta e Jonnathan, que teriam que fazer o melhor possível para se entrosarem com o novo artilheiro. Na parte em que Harry falou sobre a quantidade de treinos que planejava, quatro por semana, uma voz começou a se sobrepor à outra. Dessa vez, não somente Jonnathan reclamava; Colin e Peta também alegavam que precisavam estudar para os N.O.M.s. Harry retrucou dizendo que no seu ano de N.O.M.s ele também teve quadribol e já era o capitão, além de ter outros afazeres. Dênis, que estava apenas no terceiro ano, não reclamou.

- O próximo jogo é contra a Lufa-lufa. – Harry dizia. – Eu estive pesquisando sobre eles e parece que estão desfalcados também. O batedor deles...

Harry parou de falar quando ouviu batidas na porta. Peta perguntou excitada, virando-se para a porta:

- É ele? O artilheiro?

Jonnathan bufou e cruzou os braços. Colin e Dênis se viraram para ver também. Harry foi abrir a porta, e assim que o fez, um grifinório do sexto ano entrou ligeiramente sem jeito no vestiário.

- Olá, pessoas! – Dino Thomas acenou sorrindo amarelado.

Os treinos do time de quadribol da Grifinória não poderiam ser classificados como bons, na opinião de Harry. Também não eram de todo ruins, ao mesmo tempo. Satisfatórios era a palavra certa, ou razoáveis, talvez.

No primeiro treino Dino estava bastante tímido, diferente do normal. Harry o tinha escolhido depois de pensar sobre o teste que ele fez no início da temporada, e Dino não o decepcionou. Ele sabia direcionar bem a goles pelos aros (defendidos ora por Colin, ora por Dênis, e na maioria das vezes por Harry) e dava passes bons para os outros, mas esse não era o problema. As coisas começaram a ficar ruins quando Dino perdeu a timidez.

Peta logo se deu muito bem com Dino. E logo também, Dino começou a dar em cima de Peta. Era sabido de toda a Grifinória (e outras casas também) que Dino estava "a perigo" e que dava em cima de qualquer garota. Com Peta não foi diferente, o problema era que Colin não gostou nada disso.

O batedor, por vezes, tentava rebater Dino ao invés dos balaços. Isso acontecia toda vez que o sextanista ao menos chegava perto de Peta. Mas não era somente Colin que não tinha simpatizado com Dino; Jonnathan parecia estar culpando-o (mesmo que Harry ainda fosse o maior culpado para ele) por estar substituindo Gina. Dênis era indiferente, mas chegava cada dia mais atrasado nos treinos.

- CHEGA! – Harry gritou no meio de uns dos treinos. Era incrivelmente estressante treinar aquele time, mas naquela sexta-feira, depois de uma terrível aula de Poções, sua paciência já estava no limite.

Jonnathan finalmente tinha conseguido realizar seu intuito de acertar Dino com uma goles bem no estômago. Dino estava sem ar. Colin levantava o bastão ameaçadoramente quando viu Peta voar rapidamente para socorrer o colega. Dênis estava no gol, tentando causar alguma dificuldade nos artilheiros, mesmo que ele não tivesse conseguido segurar uma bola sequer. Harry estava tentando coordenar tudo, mas estava se tornando cada dia mais impossível.

- Cavendish, passa essa goles pra cá e vê se não mira ela no meu nariz! – Harry mandou, enquanto Jonnathan arremessava a goles para ele, bufando. O rapaz voou até Dino e perguntou irritado: - Você pode continuar?

- Ok, tudo bem.

- Era pra você agarrar a goles, Dino...

- Ele mirou no meu estômago, Harry!

- Opa, isso não é verdade... – Jonnathan disse com cinismo. – Você é que não segurou a goles...

- Concordo plenamente! – Colin exclamou.

Peta lhe lançou um olhar de dar medo.

- PAREM! – Harry gritou novamente, quase arrancando os cabelos. Ele suspirou longamente. – Ok, para não haver mais problemas vocês vão cobrar pênaltis. Assim ninguém mira em ninguém, e ninguém deixa de agarrar a goles. Peta, você já pode deixar de ajudar o Dino, ele parece bem. – Harry completou, quando viu que a menina acariciava as costas do rapaz. Ela suspirou desanimada, e Dino fez uma careta. Colin quase espumava pela boca.

Harry voou até Dênis e trocou com ele no gol, mandando os dois irmãos atrapalharem os artilheiros com os balaços. Enquanto tentava defender os aros, o que fazia pessimamente, Harry ficou imaginando por que sempre colocava jogadores problemáticos no seu time. E também em quando Rony voltaria para ajudá-lo...

Era um fim de manhã nublado de quinta-feira quando o sinal tocou anunciando o almoço. Rapidamente, os alunos do sexto ano da Grifinória enfiaram seus livros na mochila e saíram em disparada para o Salão Principal. Aquela aula de Transfiguração tinha sido exageradamente complicada para todos, exceto, obviamente, para Hermione. Pelo menos a Profª. McGonagall não estava mal humorada naquele dia. Mas Harry ficou bastante apreensivo quando ela pediu que ele ficasse depois da aula.

- Sente-se, Harry. – ela mandou, convocando uma cadeira para que ele sentasse à frente da sua mesa.

O rapaz se mexeu desconfortável no assento. Tinha uma ligeira impressão do que ela iria lhe falar. Fazia, naquele dia, exatamente três semanas daquele ultimato que ela lhe dera a respeito do time de quadribol. Não deu outra.

- Como está o time? – ela perguntou subitamente.

- Bem. – ele mentiu. Na verdade, o time não estava nada bem. Com todos aqueles desentendimentos, como poderia? Além disso, Rony fazia muita falta para treinar os artilheiros. E Gina para acalmar os ânimos entre Jonnathan e qualquer pessoa.

A professora ajeitou os óculos sobre o rosto.

- Sabe por que está aqui, Harry, não sabe?

- Imagino.

- Então você se lembra que hoje completam três semanas do nosso acordo. – ele assentiu. Ela respirou fundo. – O Sr. Weasley não voltou. Eu sinto muito, mas o time precisa de um goleiro.

- Mas, professora...

- Nada de "mas"! Que teimosia a sua! Será que não entende que ele está com problemas familiares e não pode voltar? Eu sei que ele é um bom goleiro, que vocês são amigos e que não quer substituí-lo, mas é necessário! O time não pode ficar desfalcado para o jogo, Harry!

- Eu não vou substituí-lo, professora. – Harry insistiu.

- Se você não o fizer, eu mesma o farei. Estou falando muito sério.

Cinco minutos depois, Harry afundava no banco da mesa da Grifinória, no Salão Principal. Hermione, à sua frente, o olhou intrigada por cima do seu prato de sopa de ervilha.

- Foi muito ruim? – Harry percebeu que ela se referia à conversa com a Profª. McGonagall.

- Péssimo.

- Isso parece um déjà vu... – ela riu.

- Hermione, não estou brincando. – ele disse desesperado. – Preciso de um goleiro.

Ela pousou a colher no prato de sopa e o olhou incrédula:

- Sério?

- Muito. Vou ter que substituir o Rony... – ele levantou a cabeça para o teto, que refletia o céu nublado de lá de fora, como se esperasse Edwiges aparecer com uma carta do amigo. – Ele não mandou mais nada, né?

- Nada. – Hermione respondeu com desânimo. – Nada depois daquela carta há três semanas.

- Você acha que ele vai ficar chateado? – ele abaixou os olhos para ver a amiga, ciente de que Edwiges não apareceria. – Não tenho escolha, Mione, a McGonagall disse que quer um goleiro até, no máximo, esse sábado.

- Ele vai entender, Harry. Não fique assim.

Harry suspirou.

- Tomara.

Mas ele ainda preferia que Rony voltasse.

O sol pálido de março iluminava os jardins de Hogwarts naquele fim de tarde. Havia vários sextanistas da Grifinória ali; era a tarde livre de sexta-feira, e todos relaxavam depois de uma terrível aula de Poções.

Harry e Hermione estavam abrigados debaixo da sombra de uma árvore bem grande perto do lago. Hermione estava encostada no tronco, passando a limpo algumas anotações para Rony, enquanto Harry estava escrevendo um aviso para colocar no salão comunal da Casa. Tinha se decidido. Ou faria um teste para goleiro no sábado, ou a Profª. McGonagall o esfolaria vivo. Não tinha muita escolha no final das contas.

- Você já tem alguém em mente, Harry? – Hermione perguntou calmamente, depois da sexta vez que o rapaz resmungou sozinho.

- Ninguém.

- Mas e aquele teste do ano passado?

- Mione, aquele teste nem foi ano passado, foi no ano retrasado!

- Puxa, como o tempo passa... – ela comentou distraída, riscando o papel e resmungando por ter borrado com a tinta. – Mas foi no nosso quinto ano, não foi?

- Foi.

- E você não lembra mais dos outros candidatos além do Rony?

- Não.

- Você não anotou?

- Não.

- Puxa, Harry, que desorganização...

- Mione, isso foi há muito tempo! – ele, que estava deitado de bruços, se virou para olhá-la. – Muita gente que fez aquele teste já saiu da escola, até.

- Então você vai mesmo ter que fazer outro teste?

- Se eu não fizer a McGonagall me mata.

- Também não exagera.

Harry se sentou, espreguiçando-se.

- Mas é verdade, Mione! Ela é paranóica com quadribol.

- Se você tivesse um Snape que vivesse te provocando sobre isso também seria paranóico.

- Eu tenho um Snape que me provoca por muito menos que isso. E na parte do quadribol, tenho um Malfoy que o substitui muito bem.

- Então faz logo esse teste e pára de reclamar.

- E eu tenho escolha?

- Talvez tenha. – uma voz disse atrás deles.

Hermione deixou os livros e os pergaminhos que segurava caírem no chão, e o vidro de tinta se espalhou no papel. Ela arregalou os olhos, e sua boca estava escancarada.

- RONY!

Quando Harry se virou, viu um Rony magro, abatido e pálido, mas sorridente, olhando para eles.