N/A: Esse capítulo é dedicado à todos que tentaram descobrir o segredo da Sam, mas não conseguiram, hahahahaha :D É aqui que começa o final, portanto, preparem-se para muitas surpresas!!! Espero que não se decepcionem * Karen cruzando os dedos *.

Capítulo Vinte e Três – Uma Penseira de descobertas

Harry estava em um enorme jardim. Olhando com mais atenção, ele o reconheceu: era o jardim de Hogwarts. Às suas costas, ele pôde ver o enorme castelo com que estava habituado; ao longe, o campo de quadribol que conhecia tão bem. A cabana de Hagrid, margeando a Floresta Proibida, era, à primeira vista, muito parecida com a que Harry via quase todos os dias.

Era uma tarde ensolarada, e Harry poderia jurar que era uma tarde de verão. O lugar estava silencioso; alguns poucos barulhos longínquos podiam ser ouvidos, como cantos de pássaros ou vozes abafadas pelas grossas paredes do castelo.

"Onde estará Samantha?", Harry perguntou mentalmente a si mesmo. Afinal, aquelas eram lembranças dela, e ela tinha que estar presente ali. Ele procurou com os olhos por algum tempo até ver, longe, próxima ao lago, a silhueta de uma pessoa. Harry estreitou os olhos para enxergar melhor, mas era impossível reconhecê-la. Ele começou a se aproximar da figura; ao menos era alguém no meio daquele jardim vazio.

Uma garota estava sentada à beira do lago, Harry notou ao se aproximar; os cabelos escuros e cacheados dela caíam-lhe sobre os ombros e as costas, como uma cascata negra. Harry contornou a garota e a reconheceu no ato: era Samantha. Os olhos azuis escuros, misteriosos e penetrantes como de costume, eram inconfundíveis.

Harry se sentou ao lado dela na grama e começou a observá-la. Pelos cálculos dele, ela não poderia ter mais que uns dezesseis anos, exatamente a idade dele. Ela encarava atentamente o lago à sua frente, mas parecia estar com a cabeça a quilômetros dali. A jovem Samantha estava sentada com os braços ao redor das pernas, abraçando-as; ela usava, não o vestido negro, mas sim o uniforme preto de Hogwarts, e Harry viu, no peito dela, o brasão verde e prateado, com uma cobra bordada, o símbolo da Sonserina.

Samantha suspirou profundamente, esticando as pernas e apoiando as mãos sobre a grama atrás de si. Ela entortou a cabeça de uma maneira graciosa, mas que mostrava claramente que estava entediada. Foi nesse instante que alguém tapou os olhos dela, rindo e perguntando:

- Quem é?

Harry virou o rosto bruscamente para ver a pessoa. De tão absorto que estava observando Samantha, ele nem reparou que alguém mais se aproximava. Porém, quando olhou o rapaz que tinha feito a pergunta, Harry quase caiu para trás de susto. O Sirius de dezesseis anos estava bem ali, à sua frente.

Os cabelos negros caíam-lhe sobre o rosto, dando-lhe uma certa elegância despojada. Seus olhos castanhos brilhavam ao ver Samantha, e ele sorria de uma maneira que fez Harry entender por que diziam que Sirius era tão atraente. O uniforme que ele usava, diferente do de Samantha, possuía um brasão com um leão bordado, rodeado pelas cores vermelha e dourada, os símbolos da Grifinória.

- O maior garanhão da escola. – Harry ouviu a voz rouca de Samantha responder entediada, enquanto retirava lentamente as mãos de Sirius de cima dos seus olhos.

- Algum preconceito contra isso? – Sirius perguntou, ainda rindo, enquanto se sentava sobre a grama, do outro lado de Samantha, de modo que ela ficou entre Harry e aquele que seria o seu futuro padrinho.

- Nenhum. – ela respondeu olhando para Sirius; Harry se ajeitou melhor para vê-los. – Afinal, eu namoro com ele...

- E não tem medo de... casualmente... receber um belo par de chifres do seu namorado garanhão?

Ela riu daquele jeito um tanto escandaloso e fez um gesto displicente com as mãos.

- Eu me garanto.

- Hum... Pretensiosa a senhorita, não?

- Diz isso como se não o fosse também... – ela respondeu irônica. Ele sorriu de uma maneira que mostrava que ela o tinha encurralado.

- Ok, você venceu dessa vez... – ele revirou os olhos.

- Yeah! – ela exclamou entusiasmada, socando o ar. – Um a zero para a Stevens! Black é derrotado novamente!

Sirius não agüentou e riu da encenação dela.

- Eu não acredito em você às vezes, Sam...

Ela riu novamente.

- Eu não nasci, querido, eu fui inventada!

- É, eu tenho noção disso... – ele retrucou no mesmo tom brincalhão que ela também usava, aproximando rapidamente seu rosto do dela. – Foi inventada especialmente pra mim...

Ela virou o rosto exatamente um segundo antes de ele conseguir beijá-la.

- Apressadinho...

- Por que você faz isso comigo? – ele perguntou frustrado. – Um dia você vai implorar para que eu te beije, sabia?

- Espere sentado, meu bem. – ela piscou sedutoramente.

Ele cruzou os braços, emburrado.

- Logo hoje, que é uma data especial...

Samantha franziu as sobrancelhas, intrigada.

- Especial por quê?

- Não me diga que esqueceu...

- Esqueci o quê?

Sirius bateu a mão na testa com tanta força que o barulho alto quebrou a quietude do lugar.

- Você é a única garota no planeta que consegue esquecer esse tipo de data!

A risada de Samantha desta vez era tão alta e escandalosa, que até mesmo Sirius se assustou. Ela levantou de um salto, girou graciosamente e novamente socou o ar.

- Agora são dois a zero para a Stevens! A derrota está ficando humilhante para Black!

O queixo de Sirius estava batendo na grama, e a expressão facial dele mostrava que ele era capaz de matar Samantha por isso.

- Eu. Não. Acredito. – ele falou, dando uma pausa em cada palavra. – Você me enganou... de novo?

- Claro, eu sempre ganho de você, Sirius! – ela piscou divertidamente para ele.

- Sua chata!

- Seu bobo! – Samantha riu novamente. – Você acha mesmo que iria esquecer que eu consegui a façanha de te segurar comigo por seis meses! Não... isso é a minha maior vitória!

Dessa vez foi Sirius que riu, com sarcasmo.

- Então você não esqueceu?

- Claro que não! E como prova... – ela remexeu entre suas vestes e tirou de lá de dentro um pequeno pacote. - ...comprei um presente pra você!

- Não quero nem ver... – Sirius cobriu os olhos, fingindo estar com medo. – Da última vez você me deu uma miniatura de balaço que ficou me pinicando a noite inteira!

Samantha fez um bico e se ajoelhou na frente do rapaz, praticamente enfiando o pacote na cara dele.

- Ah, não! Você vai ver sim! Deu um trabalhão ir comprar isso pra você sem ter visita a Hogsmeade!

- Então como você comprou? – Sirius perguntou, abrindo os dedos da mão para que pudesse vê-la.

- Como eu comprei não importa! Simplesmente abra!

Com um pouco de receio, Sirius pegou o pacote das mãos dela, que parecia ansiosa. Ele arrancou o papel de presente e abriu a caixinha. Apenas levantou os olhos e disse:

- Bombas de bosta?

- Já pensou o que você pode fazer com isso? – ela perguntou animada. – Talvez possa soltar na aula do Flitwick! Ah, não, eu não tenho essa aula com a sua turma... Não vou poder ver se você soltar lá...

- O Flitwick é legal, não merece isso. Mas temos aulas de Poções juntos. Seria ótimo soltar uma dessas belezinhas bem na cara do Taylor...

- Se for assim, o Prof. Taylor também não merece. – ela deu de ombros. – Ah, faça o que quiser, é o seu presente. Eu fiquei tentada a pegar uma das bombas para jogar na Evans, mas...

- Sam! Nem pense nisso! Eu não entendo por que você implica tanto com a Lílian... – ele fez uma cara emburrada, e começou a olhar o presente com uma expressão um tanto desanimada. Samantha notou.

- O que foi? Você não gostou?

- Não, é que... Sam, você é a única garota que dá bombas de bosta de presente ao seu namorado no aniversário de seis meses de namoro...

- E você queria o quê? Que eu te desse bombons? Flores?

- Isso não é coisa de homem! – ele exclamou enojado.

- Então! – ela falou, como se fosse a coisa mais normal do mundo. – Você só tá comigo, Sirius, porque eu não sou mais uma daquelas garotas melosas que vivem correndo atrás de você!

- Ah, tudo bem, Sam... – ele sorriu. – Eu gosto de você do jeito que você é, nunca mude.

Ela sorriu e, Harry notou, o sorriso dela chegava aos olhos.

- Além disso, esse não foi meu único presente.

- Não?

- Não. Tem mais um.

Samantha deu um sorriso maroto e, rapidamente, colou seus lábios violentamente nos dele, tanto que Sirius demorou algum tempo para notar que estava sendo beijado. Quando ele percebeu, fechou os olhos e puxou o corpo dela para si, em um beijo ardente e profundo. Os dois caíram na grama, rindo em meio ao beijo.

Harry desviou o olhar; não gostava de ficar observando o beijo dos outros. Já era ruim por si só ser vela, mas ele realmente não sabia como sair daquela lembrança. As águas do lago estavam calmas, e ele acompanhou uma folha flutuar sobre a superfície. "Por que eles não deram certo?", ele se perguntou, enquanto ouvia os risos felizes dos dois. "Assim como eu e Gina, eles também não deram certo... O que será que Samantha fez para que eles se separassem?"

- Gostei desse presente! – Harry ouviu a voz de Sirius e se virou; o jovem estava lambendo os lábios avermelhados pelo beijo. – Você podia fazer isso mais vezes, Sam!

- Só em momentos especiais... – ela respondeu e, ainda deitada na grama, se apoiou no cotovelo. Sirius, que já estava sentado, observou a garota alguns instantes antes de dizer:

- Você não me deixou mostrar o meu presente!

- Ah, e você trouxe presente pra mim?

- Claro... Foi meio difícil escolher, porque você não gosta de nada, mas eu tive uma boa idéia no final das contas...

- Hum, tô curiosa! – ela exclamou, sentando-se.

Sirius movimentou os dedos e mexeu entre suas vestes. Ele primeiro tirou a mão direita, e não havia nada nela. Ao retirar a esquerda, o mesmo aconteceu. Samantha o encarava como se ele tivesse problemas mentais. Finalmente, Sirius colocou a mão na orelha dela e tirou de lá uma caixinha minúscula, com um laço vermelho enfeitando-a.

"Mágica trouxa.", Harry pensou.

- Onde você aprendeu isso? – Samantha perguntou franzindo as sobrancelhas.

- Remo me ensinou. Ele aprendeu na aula de Estudo dos Trouxas.

Samantha fez uma expressão que indicava claramente que ela não tinha achado aquilo grande coisa; Harry intimamente teve que concordar com ela.

- Ok, eu sei que foi ridículo... – Sirius confessou. – Mas o que importa é o presente. Abra!

Ela pegou a caixinha da mão dele e retirou o laço cuidadosamente. Assim que a abriu, os olhos da garota se arregalaram.

- Eu não acredito! – ela exclamou boquiaberta. – Sirius, isso são...

- Alianças de compromisso! – ele completou entusiasmado. – Pra todos tirarem os olhos de cima de você, porque já tem namorado!

- Sirius Black querendo se comprometer? – ela perguntou em um tom irônico. – Isso soa esquisito aos meus ouvidos...

- Qual o problema? – ele falou, enquanto tirava a caixinha das mãos dela e pegava uma das alianças. – Eu nunca disse a ninguém que nunca iria me comprometer... Contanto que eu goste realmente da pessoa...

Ela não respondeu, apenas acompanhou com os olhos enquanto Sirius colocava a fina aliança prateada no seu dedo. Depois que ele fez isso, ela encarou a mão por alguns instantes até dizer:

- Sabe o que isso me lembra?

- O quê?

- "Srta. Stevens, aceita Sr. Black como seu legítimo esposo?" – ela recitou, rindo.

- Oh, não exagera! – ele retrucou, como se aquilo fosse uma coisa horrível. – Eu só tenho dezesseis anos! Casamento é algo para quando eu estiver bem mais velho, digamos uns... trinta anos!

- O velho Sirius está de volta... – ela revirou os olhos. – Obrigada.

Ele deu um largo sorriso, ao mesmo tempo em que se aproximava novamente da garota. Dessa vez, ela não fugiu; fechou os olhos, esperando o beijo. Sirius também fechou seus olhos.

Harry sentiu o chão tremer sob si, e a cena se dissolveu em um rodamoinho de cores e luzes. Seu coração começou a bater muito rápido. Será que Samantha tinha lhe descoberto? Ficara tão absorto vendo a cena entre ela e Sirius, que até esquecera por alguns instantes que estava dentro de uma Penseira. E agora, o que aconteceria? Ele sentiu um frio na barriga. Tinha se metido numa encrenca. De novo.

Finalmente, seus pés tocaram o chão sólido. Ele estava em uma sala e, com desespero, percebeu que era exatamente a sala de Defesa Contra as Artes das Trevas. Olhou ao seu redor e viu que era a mesma sala onde estava fazendo anteriormente sua detenção. Ele tinha voltado.

Harry deu um salto de susto quando ouviu batidas na porta. Seria Samantha? Será que ela iria perceber que ele andara olhando a sua Penseira? Mais batidas. Mas por que Samantha iria bater na sua própria porta? "Você realmente está ficando maluco, Harry." A porta estava abrindo lentamente, e Harry viu, espantado, uma garota, de cabelos cheios e castanhos, entrar.

- Hermione? O que você tá fazendo aqui?

Ela não respondeu, apenas encostou a porta atrás de si, com uma expressão ligeiramente receosa no rosto. Hermione vestia o uniforme de Hogwarts e, como sempre, tinha vários livros nas mãos.

- Tem alguém aqui? – ela perguntou, olhando ao redor e, estranhamente não enxergando Harry ali. – Professora Stevens?

Foi nesse instante que Harry percebeu; Hermione não podia vê-lo, porque aquilo também era uma lembrança. Ele não tinha notado, mas agora via que as carteiras estavam alinhadas, e não encostadas na parede como antes. Harry correu os olhos até a janela e viu que fora delas estava dia. Ele não tinha saído da Penseira; aquilo era outra lembrança, apenas mais uma lembrança de Samantha, só que recente dessa vez.

Mas o que Hermione estaria fazendo em uma das lembranças de Samantha?

Hermione suspirou longamente e, pelo quanto a conhecia, Harry pôde notar que ela estava aborrecida. Ela novamente olhou ao redor e, como não visse ninguém, se aproximou da mesa de Samantha, e Harry teve que se desviar para que a garota não esbarrasse nele. Hermione tirou do meio dos livros uma folha de pergaminho, que deixou sobre a mesa da professora.

- Francamente! – ela praguejou baixinho. – Por que tudo é com você, Hermione? Tantos monitores em Hogwarts, e essa professora exibida tinha que pedir essa lista de alunos justamente pra você?

Ela se virou, emburrada, e olhou a sala novamente. O olhar dela passou por Harry, mas ela não o viu. Suspirou, e novamente falou baixinho para si mesma:

- E ainda por cima ela não está aqui... Tomara que não se importe que eu deixe essa lista e vá embora!

Hermione caminhou até a porta, mas quando estava com a mão sobre a maçaneta, parou. Harry também tinha ouvido o mesmo barulho arrepiante que ela; talvez Hermione não o tivesse reconhecido, mas ele conseguiu perceber perfeitamente do que se tratava. Era um sibilo, a voz de uma cobra, e Harry conseguiu identificar essa frase:

"Quem está aí?"

Hermione se virou rapidamente e ia abrir a boca para dizer algo, quando desistiu. Provavelmente tinha notado que o melhor a fazer era ficar calada. Ela correu os olhos até a maçaneta, ponderando se não seria mais inteligente ir embora, mas o seu lado grifinório falou mais alto, e ela andou no sentido oposto, do lado de onde vinha o som. Harry a seguiu.

Eles chegaram até aquela mesma porta que dava para a sala redonda. Hermione empurrou com cautela a porta, que estava entreaberta, e olhou por entre a fresta. Aproveitando-se de que era mais alto que a amiga, Harry observou a mesma coisa que Hermione via por cima da cabeça dela.

Os olhos de Harry se arregalaram de espanto; os de Hermione também. Uma cobra rastejava pelo chão, e não era uma cobra qualquer, Harry notou boquiaberto; aquela era a cobra de Voldemort, Nagini.

O que aquela cobra estaria fazendo ali, na sala de Samantha? Um pensamento louco passou pela cabeça de Harry, e ele o reprimiu rapidamente. Não, não poderia ser... Aquilo não fazia sentido! Ou fazia?

Para maior espanto de Hermione, que tentava se controlar ao máximo para não fazer barulho algum, a cobra começou a se transformar. Harry lembrou vagamente daquilo... onde já tinha visto aquela transformação? Mais uma vez, como o filme de uma árvore brotando, ele viu do chão sair uma cabeça, os ombros, o tronco... Um sonho? Sim, ele se lembrava de ter visto aquilo em um sonho. Os braços e as pernas apareceram logo após. Os livros de Hermione caíram com estrondo no chão, e ela tapou a boca para reprimir um grito.

Samantha Stevens se virou rapidamente e, apenas com o olhar dela, a porta da sala se abriu com uma violência tamanha, que acabou batendo na parede com estrondo. Hermione apenas ficou ali, parada e tremendo, encarando estática a figura de sua professora que, há poucos segundos, era uma cobra. Harry não podia acreditar...

"Pois eu ficaria mais feliz de contar o que você fazia, sua cobra!", a voz de Sirius ecoou na cabeça de Harry. Ele sabia... "Essa mulher é traiçoeira, não é à toa que eu a chamo de 'cobra'."

" Você é escorregadia como uma cobra...

É uma habilidade minha."

E Snape também...

- O que você está fazendo aqui, menina? – Samantha perguntou duramente. A voz dela era a rouca de sempre, mas ainda tinha um vestígio do sibilo de Nagini.

- Eu... vim... trazer... a lista... – Hermione quase não conseguia juntar as palavras. – Você... você é uma animaga?

Samantha encarava Hermione como se a estudasse profundamente. Harry percebeu que Hermione nem desconfiava do perigo que corria; ela não sabia que Samantha não era apenas uma animaga... ela era mais que isso, ela era Nagini, uma serva de Voldemort.

"Ah, claro... Você deve ter muitos privilégios... É você aquela serva secreta do Lord, não é? A especial..."

- Sim, eu sou. E você não vai contar isso para ninguém, menina.

Hermione ignorou a ordem. Ela finalmente estava se recuperando do susto, e começava a recobrar sua fibra.

- Ninguém sabe disso? O diretor não sabe também?

- Não importa o que ele sabe ou deixa de saber.

- Você não é uma animaga registrada. Eu já vi a lista de animagos registrados desse século, e seu nome não está entre eles.

- A maioria dos animagos não são registrados. Ser um animago só é útil quando ninguém sabe disso. Exatamente por esse motivo é que você vai guardar segredo do que viu...

- E por que eu deveria? – Hermione desafiou. – Quem me garante que você não está usando suas habilidades para fazer algo de... ruim aqui na escola?

Samantha deu um meio sorriso, cínico, e se aproximou lentamente de Hermione, que recuou ligeiramente, e acabou encostando na parede. A mulher segurou com firmeza o queixo de Hermione, levantando-o e apertando-o com força. Hermione respirou fundo, mas continuou a encarar a professora nos olhos. Samantha estreitou as orbes azuis.

- Você vai guardar segredo, menina, porque não sabe do que eu sou capaz. – a voz dela se assemelhava muito ao sibilo de Nagini, de tão sussurrante que era.

- O que você pode fazer? – Hermione perguntou com ousadia. – Vai me dar um zero na próxima prova? Existem coisas mais importantes que estudo...

- Os amigos, por exemplo. As pessoas que amamos... – Samantha completou; os olhos de Hermione se arregalaram, amedrontados.

Harry queria desesperadamente fazer algo para ajudar a amiga, mas sabia que era inútil; aquilo era apenas uma lembrança, já tinha acontecido. E Hermione tinha suportado tudo sozinha, sem contar a ninguém. Nem a ele, nem a Rony... Harry sentiu muita raiva de Samantha naquele momento.

"Tenho meus motivos. Toma cuidado."

- O que você está querendo insinuar? – Hermione perguntou, tentando disfarçar a voz trêmula.

- Que eu posso fazer muitas coisas... Você sempre está andando com o Sr. Potter e o Sr. Weasley, não é?

- Não ouse fazer nada para eles! – Hermione gritou com a voz aguda.

- Dependerá de você, Hermione...

Novamente a cena se dissipou em um rodamoinho de luzes e cores. Harry só teve tempo de ver Samantha soltar o queixo de Hermione com violência, e a garota abaixar os olhos, derrotada. Em poucos segundos, ele já estava em outra lembrança.

Harry estava mais uma vez no jardim de Hogwarts, porém, dessa vez, muito mais perto da cabana de Hagrid do que da outra. Vozes alteradas encheram seus ouvidos, e Harry correu para ver a quem pertenciam. Quatro jovens estavam juntos perto de um pequeno cercado de estranhos porcos. Harry viu, bem próximo dali, a cabana de Hagrid.

Duas garotas brigavam aos gritos, enquanto dois garotos tentavam acalmar a discussão, mas nenhuma das duas dava importância a eles. Harry arregalou os olhos; não acreditava que fossem quem ele estava pensando.

- VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE FALAR ASSIM COMIGO, GAROTA! – a jovem Samantha gritou. Os cabelos negros dela agitavam-se violentamente enquanto ela esbravejava e gesticulava.

- DIGO E REPITO: SUA VACA! – uma outra moça, de cabelos longos e vermelhos, retrucou no mesmo tom alterado. Os olhos verdes e profundos dela cintilavam de raiva. Harry teve que se segurar para não cair para trás; de pé, viva, estava aquela que seria sua mãe no futuro: Lílian Potter que, naquela época, se chamava Lílian Evans.

- VOCÊ VAI PAGAR POR ESSAS PALAVRAS, EVANS! – Samantha gritou novamente, se adiantando para cima de Lílian, mas um rapaz que estava próximo a ela foi mais rápido e a segurou firmemente por trás, atando os braços da moça juntos sobre o peito dela. – ME SOLTA, SIRIUS!

- Pára com isso, Sam! – ele pediu, enquanto tentava segurá-la, mas Samantha se debatia furiosamente entre seus braços. Ele a levantou com uma certa facilidade, para impedir que ela usasse seus pés, que se agitavam no ar enquanto ela continuava gritando.

Lílian, que estava parada do lado oposto, respirando rapidamente, olhou para aquela cena um pouco frustrada. Os cabelos dela caíam sobre seu rosto desajeitadamente, cobrindo seus olhos, que ainda exalavam raiva. Harry viu os punhos de sua mãe se fecharem, ao mesmo tempo em que dava alguns passos na direção de Sirius e Samantha, com a visível intenção de bater na outra garota mesmo ela estando atada por Sirius.

- Espere aí, mocinha. – um rapaz a segurou pelo braço, e ela se desequilibrou, sendo amparada pelo próprio rapaz, que a segurou firmemente assim como Sirius tinha feito com Samantha. – Você não vai a lugar algum enquanto eu estiver aqui.

- NÃO SE META, TIAGO!

O estômago de Harry afundou uns cinco metros. Estava tão absorto contemplando sua mãe, que nem tinha notado que seu pai estava ali também, segurando uma Lílian que se debatia em seus braços. Era como se estivesse olhando para um espelho; seu pai era igual a ele, com algumas poucas diferenças. Tiago tinha os olhos castanhos, porém, os cabelos desajeitados, o rosto, a boca... tudo era igual.

- O que está havendo aqui? – uma voz grossa perguntou. Assim como seu pai e Sirius, Harry virou seu rosto para ver a quem pertencia a voz. O meio gigante, Rúbeo Hagrid, postou seus enormes braços na cintura; ele era bem parecido com o Hagrid que Harry conhecia, tirando que parecia um pouco mais novo; porém, os cabelos e a barba desgrenhados eram os mesmos.

Samantha se aproveitou da distração de Sirius e deu-lhe um chute por trás, bem no lugar sensível do rapaz. Sirius a soltou no mesmo instante, caindo como um saco de batatas no chão, sem ter voz nem para gritar de dor. Quando Tiago percebeu o que estava acontecendo, ele também já tinha sido atingido por uma cotovelada muito bem encaixada no seu estômago por Lílian; o pai de Harry soltou a garota, levando as mãos à barriga, totalmente sem ar.

Samantha e Lílian se engalfinharam, e suas mãos procuraram rapidamente os cabelos uma da outra. Hagrid estava boquiaberto, sem saber o que fazer, enquanto Tiago e Sirius, mais este do que aquele, estavam impossibilitados de fazer qualquer coisa.

Lílian puxou a cabeleira cacheada de Samantha com tanta força, que a sonserina se desequilibrou. Por estar também com a mão agarrada no cabelo de Lílian, ela acabou levando a grifinória junto de si, e as duas caíram por cima da cerca de madeira dos porcos, quebrando-a. Todos ouviram o som aquoso quando as duas mergulharam no estrume.

Por alguns minutos, ninguém disse nada. Harry estava com o queixo no chão, bem como Hagrid. Tiago ainda segurava o estômago, tentando respirar, e no seu rosto estava estampada a surpresa que lhe causara a cena. Sirius segurava o seu membro por cima das calças, gemendo ligeiramente pela dor, com a boca escancarada; Harry só não sabia se era de espanto pela cena ou por causa da imensa dor que ele deveria estar sentindo.

- Meus Pigsteals! – Hagrid gritou subitamente, levando as enormes mãos à cabeça. – Meninas!

Ele correu até a cerca, no lugar onde ela tinha quebrado, e Harry sentiu o chão tremer sob seus pés enquanto Hagrid corria. Tiago e Sirius se entreolharam, para depois se dirigirem até o local onde Hagrid estava. Sirius teve uma certa dificuldade para se levantar, mas mesmo assim conseguiu chegar até a cerca e se apoiar em uma parte que não estava quebrada. Tiago também fez isso, só que do outro lado de Hagrid. Harry correu até o lugar, e se postou ao lado do seu pai.

Boquiabertos, todos eles assistiram às duas garotas surgirem do meio do estrume. Os Pigsteals se esganiçavam freneticamente, correndo de um lado para outro no chiqueiro. Lílian e Samantha se levantaram lentamente. Os olhos dos rapazes e de Hagrid as miravam de cima a baixo, embasbacados, assim como Harry.

Dos pés à cabeça, elas estavam cobertas de cocô e lama. As roupas, os rostos, os cabelos... as mãos, as pernas... Completamente sujas de estrume. Lílian passou lentamente as mãos nos olhos para tirar a lama que estava acumulada sobre eles, e Harry achou cômico os olhos verdes dela se destacando no meio daquele monte marrom. Samantha girou sua cabeça de um lado para outro, fazendo com que a lama voasse para todos os lados. Todos se abaixaram para não serem atingidos, até mesmo Harry, que tinha se esquecido de que a lama não conseguiria atingi-lo, já que ele era um mero espectador naquela memória.

Hagrid, Tiago e Sirius se levantaram devagar e com cautela, observando mais uma vez as garotas. Foi nesse momento que Tiago e Sirius explodiram em gargalhadas. Hagrid deu um tapa estrondoso na boca para tentar segurar o riso, mas era impossível. Ninguém via que Harry também estava rindo.

Lílian e Samantha olharam com fúria para os garotos, e depois se entreolharam entre si. Deram pequenos sorrisos ao se verem, mas logo os desfizeram e voltaram a encarar os rapazes com raiva. Tiago conseguiu controlar seu riso por um instante e dizer, num tom de gracejo:

- Vocês estão umas gracinhas sujas de bosta...

Sirius, que se apoiava na cerca para não cair de tanta risada, provocou, piscando para elas:

- Dizem que lama é boa pra pele, garotas!

PLAFT.

Sirius parou de rir bruscamente. Samantha tinha acertado em cheio uma bolota de lama no rosto dele. Tiago, que finalmente tinha parado de rir, recomeçou as gargalhadas, apontando para o amigo.

PLAFT.

Lílian, aparentemente, tinha aprovado a idéia de Samantha, porque também lançou uma bola de lama bem na cara de Tiago, que parou de rir instantaneamente. As duas garotas se entreolharam novamente e, por um instante, Harry pensou que as duas se cumprimentariam pelos seus feitos. Grande engano.

- ISSO FOI TUDO CULPA SUA! – as duas se acusaram ao mesmo tempo, apontando uma para a outra.

- PAREM! – a voz de Hagrid soou mais alta. Ele já tinha parado de rir. As duas olharam com certo receio para o meio gigante. – Saiam daí agora!

Lentamente, as duas saíram do chiqueiro, pingando lama sobre a grama. Hagrid deu passagem para elas, enquanto Sirius e Tiago se entreolhavam com caras assustadas, ao mesmo tempo em que tentavam tirar a lama dos rostos com as mãos. Lílian e Samantha pararam de andar, ambas mantendo uma distância segura uma da outra. Hagrid cruzou os braços, e seu olhar estava sério.

- Vocês duas estão encrencadas.

- Hagrid, por favor... – Lílian pediu, juntando as mãos sujas de lama. – Não conte isso para a Profª. McGonagall... Se você fizer isso, eu posso perder meu cargo de monitora-chefe!

"Monitora-chefe?", Harry repetiu para si mesmo. A sua mãe era monitora-chefe? Será que... seu pai também seria monitor-chefe? Harry se virou para olhar o pai, que estava ao lado de Sirius, os dois se controlando para não rirem mais, fazendo comentários sobre as garotas. "Não, nem ele, e muito menos Sirius têm cara de monitores...", Harry admitiu para si mesmo desanimado.

- Isso não seria ruim... – Samantha retrucou, cruzando os braços. Lílian lhe lançou um olhar assassino.

- Devo avisá-la, Samantha, que se eu contar isso para a Profª. McGonagall, também terei que contar para o Prof. Taylor...

Os olhos dela se arregalaram, enquanto Lílian ria discretamente.

- Ah, não, Rúbeo! Se você fizer isso, eu vou perder o meu cargo de monitora! E Severo vai rir mais de mim... Ele já ri porque eu não sou monitora-chefe como ele...

- É claro, eu sou muito mais adequada para o cargo do que você! – Lílian retrucou com azedume.

- Calem-se as duas! – Hagrid mandou. – Quem sabe... eu possa esquecer o que vi, mas com uma condição...

Lílian e Samantha se entreolharam. Hagrid tinha um sorriso maroto no rosto. Até mesmo Tiago e Sirius pareciam curiosos. Quando Hagrid ia falar novamente, a cena se dissipou mais uma vez.

- Droga! – Harry praguejou, enquanto a cena se transformava em outra bem na frente de seus olhos.

Harry se viu em um corredor escuro e silencioso. As paredes estavam gastas e velhas, o chão empoeirado, e não havia janelas tampouco. Onde estaria agora, afinal? Que lembrança seria essa?

As tábuas soltas do chão rangeram sinistramente, ao mesmo tempo em que Harry ouviu passos apressados. Ele ficou apenas à espreita, escutando e tentando enxergar algo na escuridão. Os passos ficavam cada vez mais altos. Harry estreitou os olhos, tentando ver, e um vulto apareceu no final do corredor. Ele se encostou na parede quando, era difícil distinguir, a figura do que ele achava ser uma pequena garotinha passou apressada por ele. Sem saber por quê, Harry a seguiu.

Ela parecia com muita pressa, e andava quase correndo. Sua respiração estava arfante pelas passadas. Harry tentava vê-la melhor, mas era impossível. Quando eles passaram por uma janela, de onde incidia fracamente a luz da lua, ele pôde perceber que os cabelos dela eram longos e negros, assim como o vestido que ela usava. O corredor ficou escuro novamente, e Harry a seguiu até que ela parasse em frente a uma porta gasta de madeira.

A pouca luz não permitia que Harry reconhecesse o rosto dela, mas pela respiração da garotinha, ele notou que ela estava amedrontada. Por duas vezes, ela colocou a mão na maçaneta e desistiu de rodá-la. Na terceira vez que ela fez isso, a porta se abriu sozinha, com estrondo, e uma voz fria ordenou:

- Entre.

Tremendo dos pés à cabeça, a garotinha entrou a passos lentos. Harry entrou junto com ela, e a porta fechou sozinha atrás de si. Ele olhou para ela um pouco assustado, mas depois se virou e observou a sala.

Diferente do corredor de fora, a sala era ricamente decorada; tapetes finos enfeitavam o chão, que era coberto por poucos móveis. A lareira ardia a um canto, dando uma luz fantasmagórica ao local. Porém, foi graças a essa luz que Harry pôde ver melhor a garotinha; ela era muito baixinha e, pelo tamanho, Harry presumiu que ela tivesse mais ou menos uns oito ou nove anos. A menina usava um vestido totalmente preto, rodado e cheio, com rendas nas mangas e na gola. O cabelo dela, também negro, longo e cacheado, caía-lhe sobre os ombros.

- Mandou me chamar, senhor? – ela perguntou com uma voz trêmula e tão rouca, que dava a impressão de que ela tinha acabado de sair de um resfriado.

- Onde estava? – a voz fria perguntou, vinda das sombras, mais precisamente de trás de uma poltrona enorme de veludo. Harry viu uma mão branca apoiada sobre o encosto vermelho da poltrona.

- Tendo aulas de etiqueta com a Sra. Jones.

- Você demorou, menina.

- A sala da Sra. Jones é longe daqui, senhor.

- Não importa! – ele esbravejou, e a garotinha tremeu. – Por que não veio em sua forma animaga? Seria bem mais rápido.

Ela abaixou a cabeça, amedrontada.

- Eu...

- Não me diga que ainda não aprendeu a se transformar completamente...

- Bem, senhor...

O dono da voz saiu das sombras, e Harry pôde reconhecê-lo. A pele branca e pálida, os olhos vermelhos, a boca e o nariz em formas de fendas no rosto... Lord Voldemort certamente era bem mais jovem daquele que Harry conhecia, mas ainda era inconfundível da mesma maneira.

- Transforme-se em Nagini, Samantha. – ele ordenou com o tom ainda mais gelado.

Harry desviou seu olhar para a pequena Samantha. A garotinha tremia ainda mais e parecia prestes a chorar. Harry não conseguia entender por que ela estaria ali, junto de Voldemort, sendo ainda tão jovem. Não existiam comensais com essa idade, que ele soubesse. Voldemort estreitou seus olhos e gritou:

- AGORA!

A menina deu um gritinho de susto, seu corpo tremendo por inteiro. Ela abaixou a cabeça e, assim como Harry já tinha visto seu padrinho se transformar tantas vezes, ela começou a mudar seu corpo em um de animal. Os braços juntaram-se ao corpo, e escamas tomaram o lugar da pele; os pés se transformaram em uma única cauda. Voldemort assistia à transformação atentamente, parecendo procurar erros; quando a pequena Samantha terminou de se transformar, o erro dela era visível: os cabelos ainda podiam ser vistos sobre as escamas.

"Eu sinto por isso, senhor."

Harry pôde entender as palavras sibiladas por Nagini, assim como Voldemort, que apontou sua varinha para a cobra e gritou o mesmo feitiço que, um dia, Harry viu Sirius e Remo utilizarem para transformar Perebas em Pedro Pettigrew. No lugar onde anteriormente estava a cobra, apareceu a pequena Samantha, mais assustada do que antes.

- Isso é para você aprender... – Voldemort falou com a varinha ainda apontada para a menina. - ...a se esforçar mais! Crucio!

Ela gritou com todo o ar dos seus pulmões e caiu de joelhos no chão. Harry sabia muito bem o que ela estava sentindo; a dor da maldição Cruciatus era uma das maiores dores, senão a maior, que se poderia sentir. E se já fora ruim para ele, que a recebeu pela primeira vez quando tinha quatorze anos, ele achou que deveria ser muito pior para uma criança da idade da menina que via gritar à sua frente.

Harry fechou os olhos, pedindo para não mais ver aquela cena, mas os gritos desesperados da pequena Samantha ainda enchiam seus ouvidos até o momento em que, finalmente, cessaram. Ele abriu seus olhos, esperando ver a menina ou Voldemort à sua frente, mas a lembrança não era mais a mesma.

A luz do lugar ofuscou seus olhos acostumados à escuridão, e Harry colocou a mão sobre o rosto para poder enxergar melhor. O jardim repleto de flores que rodeava a pequena capela ao longe estava cheio de pessoas que conversavam e riam. O dia ensolarado dava um aspecto mais alegre à cena, e Harry quase podia sentir o cheiro da relva e o perfume das flores. Todo aquele ambiente enchia seu coração de paz e serenidade.

O som de saltos altos às suas costas fez Harry se virar rapidamente para ver a quem pertenciam. Ele viu uma mulher, vestida com uma capa negra, que contrastava violentamente com o ambiente claro; ela usava um chapéu também negro na cabeça, que envolvia os cabelos presos em um coque. A mulher parou de andar, não muito distante de Harry, e tirou os óculos escuros, revelando um par de olhos azuis escuros, misteriosos e penetrantes. Harry não tinha dúvidas; aquele rosto, um pouco mais jovem do que ele conhecia, era o de Samantha.

Ela observou por alguns instantes a movimentação perto da capela, até novamente colocar os óculos escuros sobre os olhos. CLEC, CLEC, CLEC. Harry acompanhou com a cabeça enquanto Samantha passava bem à sua frente, andando por entre o canteiro de flores. Ele a seguiu.

Samantha teve que se esgueirar por entre as pessoas que conversavam barulhentamente à frente da igrejinha, mas mesmo assim muitas esbarraram nela. Harry ia passando pelo caminho que a mulher fazia à sua frente, não tendo tempo para tentar reconhecer os rostos pelos quais passava. As pessoas fechavam cada vez mais a passagem, e Harry acabou perdendo Samantha de vista.

Quando o rapaz finalmente conseguiu passar pela porta, ele parou para admirar a capela. Harry tinha entrado em poucas igrejas na vida, pois os Dursleys, que só iam a igrejas em cerimônias como casamentos e batizados, nunca tinham se importado em levar Harry a esse tipo de festa. Os bruxos, pelo menos até onde Harry soubesse, não eram muito religiosos, e também só iam a igrejas nesse tipo de cerimônia especial.

Apesar de ser pequena, a igrejinha estava belamente decorada. Flores enfeitavam as poucas imagens nas paredes, e no corredor que dava no altar, estava posto um tapete vermelho; um cetim branco adornava os lados do corredor, e mais flores enfeitavam a passagem. Harry teve certeza de que aquilo era um casamento.

Com os olhos, ele procurou novamente por Samantha, e não foi muito difícil encontrá-la. Se ela queria ser discreta, tinha se dado mal, porque era impossível não ver aquele ponto preto no meio de tanta gente vestida com cores claras. Samantha não parecia vestida para um casamento, e sim para um velório.

Harry caminhou por entre os bancos até chegar no que estava Samantha. Ela estava sentada bem na ponta, com uma expressão aborrecida, e lançava olhares raivosos para as duas pessoas que estavam ao seu lado. Harry arregalou os olhos ao ver quem era o casal que irritava tanto Samantha, e entendeu perfeitamente por que ela estava aborrecida. Uma mulher, extremamente magra e com cara de cavalo, falava sem parar com sua voz aguda para o marido, gordo e bigodudo, que estava ao seu lado. Harry estava olhando para seus tios literalmente trouxas: Válter e Petúnia Dursley.

- Eu não sei por que ainda viemos a esse casamento, Válter! – tia Petúnia reclamou com irritação. – Esse monte de gente esquisita...

Ela lançou um olhar indignado para Samantha, que apenas fingiu que não tinha notado. Tia Petúnia bufou, como se fosse inconcebível que ela tivesse que se sentar no mesmo banco onde uma bruxa estava.

- Bem que eu disse para nós não virmos, Petúnia, mas você acabou dizendo que tínhamos que vir! – tio Válter retrucou, coçando seus bigodes.

- Meu pai insistiu muito, Válter. E você sabe que eu não consigo negar um pedido do meu pai...

- Você que me desculpe, mas eu sempre achei seu pai um tanto excêntrico. Como o Sr. Evans pode gostar tanto de se relacionar com... – ele pigarreou, olhando de esguelha para Samantha, que se revirou incomodada no banco. - ...esse tipo de gente? – ele completou com nojo.

Para Harry, aquele jeito dos Dursleys de se referir aos bruxos era comum, mas não parecia ser o mesmo para Samantha. A última frase de tio Válter parecia ter sido o estopim para a mulher, que se levantou bruscamente e se virou para o casal. Tio Válter e tia Petúnia tremeram quando Samantha abaixou ligeiramente as lentes escuras dos seus óculos para lançar-lhes um olhar fulminante. Harry acharia engraçado se Samantha também resolvesse mostrar sua varinha para os dois, mas ela não fez isso; colocou os óculos no lugar e, rodopiando a capa, foi se sentar em um banco afastado, bem mais próximo da porta.

- Humpt! – tia Petúnia exclamou quando Samantha já estava bem longe. – Quem essa anormal pensa que é?

- É por isso que eu digo, Petúnia. Nunca entendi como o Sr. Evans pode se relacionar tão bem com essa... gente.

- Meu pai se dá tão bem com essas pessoas que acabou se casando com uma. Sinceramente, Válter, eu também tenho dificuldades para entendê-lo.

Tia Petúnia lançou um olhar irritado a uma pessoa no altar. Harry acompanhou o olhar de sua tia até chegar em uma senhora que estava conversando com um homem jovem no altar. Ela já tinha alguns cabelos brancos, mas era possível perceber claramente que era ruiva. Harry estava com um estranho pressentimento, um palpite na realidade, e isso fazia sua barriga ficar tão gelada como se pedras de gelo estivessem no seu estômago; havia muitas pessoas conhecidas dele naquele casamento, e ele tinha a ligeira impressão de que sabia quem eram os noivos.

Harry deixou seus tios discutindo sozinhos e se dirigiu até o altar, mais precisamente até a senhora para a qual tia Petúnia tinha olhado. Um sorriso se formou nos lábios de Harry assim que ele a reconheceu; sua avó, Arabella Figg Evans, conversava em sussurros com ninguém menos que Sirius Black.

- Já sabe o que fazer, não é, Sirius?

- É claro que sim, Sra. Evans... – ele respondeu entediado. – A senhora repetiu a mesma coisa para mim umas cinco vezes, eu não agüento mais! Por que a senhora não vai dizer isso para o Remo? – Sirius apontou para um jovem homem de cabelos castanhos claros a alguns metros deles, conversando com duas mulheres que Harry não conhecia. – Ele é um padrinho como eu e também precisa de instruções!

A avó de Harry sorriu.

- O Remo não me preocupa, ele sempre sabe o que fazer; bem diferente de você, Sirius...

- Quem encheu a cabeça da senhora com essas mentiras a meu respeito?

- Minha filha, quem mais?

Sirius postou as mãos na cintura, bufando.

- Se hoje não fosse o dia do casamento de Lílian com meu melhor amigo, eu juro que ela iria me pagar por isso.

Harry sentiu um formigamento estranho no estômago ao ouvir a confirmação de seus pensamentos; era o casamento de Lílian Evans e Tiago Potter, bem como ele tinha imaginado. Se nada desse errado, ele iria assistir ao casamento dos seus pais... O sorriso no seu rosto alargou ainda mais quando viu sua avó rir com gosto.

- Lílian só diz a verdade, e isso não é mentira de mãe coruja! – ela piscou para Sirius, que suspirou. – Onde está o seu par?

- Conversando com os outros dois padrinhos, que é o que eu deveria estar fazendo também! – Sirius respondeu, apontando novamente para Remo e as duas mulheres.

- Ah... Certo, você fica aqui, Sirius, que eu vou chamar Marié para ficar aqui com você.

Dizendo isso, ela foi embora, deixando sozinho um Sirius tremendamente entediado. Harry pensou se deveria deixar o seu padrinho para ir até onde sua avó estava, mas desistiu assim que viu quem estava se aproximando apressado do lugar. Seu pai, trajando um terno elegante, vinha quase correndo na direção de Sirius. Harry notou, com um sorriso divertido, que nem no dia do próprio casamento os cabelos do seu pai estavam arrumados.

- Está tudo direito por aqui? – ele perguntou aflito, assim que alcançou Sirius.

- Tudo nos conformes... – o padrinho de Harry respondeu num tom debochado. – Pontas, se você não se acalmar, vai ter um ataque e não vai conseguir dizer o "sim".

- Vira essa boca pra lá, Almofadinhas! – Tiago falou, olhando para os lados. – Onde estão meus pais?

- Lá atrás. – Sirius respondeu, apontando com o polegar para suas costas. – Você não vai perturbar o Sr. e a Sra. Potter pra dizer que Lílian está demorando, vai?

- Mas ela está demorando mesmo!

Sirius bateu a mão na testa.

- Tiago, não te ensinaram que as noivas são as últimas a chegar no dia do casamento?

Mas o aflito pai de Harry não estava mais escutando. Ele tinha deixado Sirius falando sozinho para ir conversar com um casal de senhores mais além.

- Ótimo! – Sirius exclamou. – Deixe o Almofadinhas falando sozinho! Todos me tratam como um cachorro velho mesmo!

Harry riu do padrinho, mas acabou deixando-o também para ir até onde estava seu pai. Ele conversava, ainda, com os dois senhores para os quais Sirius tinha apontado anteriormente. Harry sentiu que sua respiração estava ficando cada vez mais difícil; ele nunca tinha visto nem ao menos fotos dos seus avós paternos, apenas se lembrava de tê-los visto, uma vez, no Espelho de Ojesed. Agora, ele estava ali, ao lado do seu pai, contemplando seus avós.

Seu avô já era um senhor franzino, com o olhar distraído, cabelos quase totalmente brancos e tão despenteados quanto os de Harry e Tiago; seus joelhos eram tão magros que dava para ver os ossos. A avó de Harry contrastava muito com o marido; era uma simpática senhora gorducha, também de cabelos brancos e olhos idênticos aos do filho; ela não parava de ajeitar a gravata de Tiago, dando-lhe recomendações que ele não escutava.

Harry ouviu uma música e o som da onda de todos que estavam na capela se levantando ao mesmo tempo. Ele olhou para a porta, seu coração batendo muito depressa. Harry só não estava mais nervoso que seu pai, que gritou assustado:

- Ah! É ela!

Ele se dirigiu atrapalhadamente para o seu lugar, à frente do altar. Harry caminhou até ele e ficou ao seu lado; as mãos de Tiago tremiam freneticamente e ele olhava fixamente para a porta. Harry viu quando a boca dele se entreabriu ao ver a pessoa que entrava; o rapaz acompanhou o olhar do pai. Sentiu o canto dos olhos começar a marejar.

Uma jovem mulher, trajando um belo vestido branco, entrou de braço dado a um senhor sorridente de cabelos grisalhos. Os cabelos vermelhos dela, presos em um coque com fios soltos que caíam graciosamente sobre seus ombros, destacavam-se com o tecido branco do vestido e do véu. Os olhos verdes brilhavam ao mirar o nervoso Tiago de pé no altar.

Tiago desceu do altar quase tropeçando nos próprios pés quando o senhor que acompanhava Lílian deixou-a junto do jovem. Os dois apertaram-se as mãos, enquanto Tiago recebia Lílian segurando sua mão com delicadeza. O senhor que acompanhava Lílian postou-se ao lado da avó de Harry no altar e cochichou no ouvido dela:

- Eu estou tão nervoso, Bella...

- Você esteve maravilhoso, Chris... – ela sorriu para ele.

Harry lembrou vagamente desse nome. Chris... Chris... Christopher! Aquele era o pai de criação sua mãe, por conseqüência, seu avô... Os pensamentos de Harry foram interrompidos por um som, e quando ele se virou, viu seus pais se ajoelhando lado a lado no altar.

Era incrível como estava difícil engolir e respirar ao mesmo tempo. Harry sentia os olhos cada vez mais molhados ao presenciar o casamento de seus pais. O sorriso no rosto deles, os olhos brilhantes e cheios de amor quando se entreolhavam... Por que eles não puderam ser felizes? Por que não puderam viver para que Harry visse a felicidade deles? E pudesse ter essa felicidade também... Será que tinha sido feliz na época em que eles estavam vivos? Ele não sabia, não poderia lembrar... Mas ao ver seus pais daquela maneira, Harry sentiu-se muito bem por dentro; agora sim, podia ter a total certeza de que era filho de pais que se amavam e se queriam muito bem.

Tiago colocou a aliança de ouro no dedo de Lílian, e beijou sua mão ternamente. Lágrimas rolaram pela face de Harry ao ver seus pais se beijando com amor. Ele nem percebeu que todos começavam a sair da capela, seguindo os noivos. Ele apenas queria guardar aquela imagem para sempre na sua mente.

Harry finalmente levantou os olhos, sentindo o nariz ligeiramente entupido pelas lágrimas silenciosas que caíram pelo seu rosto. Ele as limpou com as costas das mãos e seu olhar passeou pela igrejinha. A maioria das pessoas já tinha saído, mas ele viu um ponto preto bem no fundo da capela. Samantha estava sentada, sozinha, no último banco, olhando tristemente para os próprios pés. Assim que Harry se aproximou dela, viu que ela estava sem os óculos escuros, e seus olhos estavam avermelhados e molhados. Mas ela não parecia ter chorado de emoção, como Harry. Era tristeza.

Samantha novamente colocou os óculos e se levantou bruscamente. Harry a seguiu enquanto saía da capela. Os convidados cumprimentavam os noivos sorridentes, enquanto o sol brilhava sobre eles. Samantha parecia a única a destoar dessa cena feliz. Ela tomou o caminho oposto, tentando passar despercebida, mas antes que ela se afastasse demais do local, uma voz gritou atrás de Harry:

- Ei, Samantha!

Assim como ela, Harry também se virou para ver a quem pertencia a voz. Sirius estava com o rosto vermelho da corrida e, assim que alcançou a mulher, parou com as mãos sobre os joelhos, tentando recuperar o fôlego.

- Como... como me descobriu?

- Quem mais usaria preto em uma cerimônia como essa? – Sirius perguntou irônico, levantando-se, mas ainda com a respiração arfante. – Além disso, você é inconfundível para mim. O seu corpo, o seu andar... o seu cheiro... sua presença.

A boca de Samantha estava entreaberta. Os olhos de Sirius eram opacos e endurecidos; havia mágoa e amargura neles, porém, escondidos bem no canto deles, também havia um resquício de paixão... e saudade.

- Isso tudo... essa alegria toda... – ela disse com a voz que escondia um ligeiro tremor. – Tudo isso é muito triste pra mim. Significa...

- Significa que você perdeu. – Sirius completou. Ele se virou, observou os pais de Harry, distantes, e novamente se voltou para Samantha. – Você vê? Eles estão felizes. Vão ser felizes. Estão casados, vão ter uma vida juntos, ter filhos... Você não conseguiu destruir isso. Eu não permiti.

- Eu não queria destruir. Apenas... construir... a minha vida... Realizar os meus sonhos, os meus desejos.

- A realização dos seus sonhos, seria a destruição dos deles. Para tentar realizar o seu sonho, você tentou destruí-los e acabou só se destruindo... destruindo os meus sonhos.

- VOCÊ NUNCA VAI ENTENDER OS MEUS SENTIMENTOS! – ela gritou com a voz claramente trêmula. Talvez por perceber isso, ela tomou fôlego para se acalmar. – Você nunca vai entender os meus motivos... nunca.

- O que eu sei é que você, além não entender, nunca respeitou os meus sentimentos. O que eu sentia por você, Sam... – ela levantou os olhos ao ouvir a palavra "sentia". - ...era maior do que qualquer coisa que eu já tenha sentido por qualquer um. E você pisou nos meus sentimentos... você me desprezou. Foi atrás de um... "amor" impossível. Um amor que nem existia! Você não ama Tiago! Você nunca o amou de verdade!

- CALA A BOCA!

- Era tudo só inveja! Tudo era só o seu desejo de ser como Lílian! Você queria ser ela, Sam, você nunca quis ser você mesma!

PAF.

Sirius levou a mão até a face que Samantha tinha lhe dado o tapa. Ele não disse mais nada. Samantha arrancou os óculos do rosto e atirou-os no chão com brutalidade; as lentes racharam, e ela postou as mãos no rosto. A mão de Sirius que tocava sua face avermelhada pelo tapa, lentamente passou a tocar as mãos de Samantha, e ele retirou-as do rosto dela com delicadeza. Os olhos azuis dela não miravam os dele, como se quisesse esconder o que estava oculto no seu brilho.

- O que mais me dói... – Sirius falou com a voz embargada. – ...é que, apesar de tudo, Sam... apesar de eu saber quem você realmente é, apesar de tudo que você me fez... apesar... de você nunca ter me amado de verdade... – ela respirou mais fundo, e escondeu ainda mais o rosto. – EU AINDA TE AMO!

Sirius soltou o ar longamente pela boca. Harry podia ver os olhos dele refletindo tristeza e dor. Ele tirou as mãos do rosto de Samantha, e a cabeça dela tombou ainda mais. Harry não conseguia ver os olhos dela.

- Eu...

- Sei que nunca vou te esquecer, Sam. Mas a ferida nunca vai cicatrizar também. Por isso... espero nunca mais te ver. Pelo meu bem, e também pelo seu.

Sirius deu as costas a ela, e caminhou no sentido oposto. A brisa agitou levemente a capa de Samantha e, no mesmo momento em que Samantha girou-a, desaparatando, a cena se desfez. Harry estava, agora, olhando para um espelho, mas a sua imagem não estava refletida nele. Ao invés do garoto de cabelos despenteados, havia uma menina que parecia ter crescido rápido demais refletida no espelho.

Era mais uma lembrança. Harry se virou e deu de cara com a menina, que ajeitava cuidadosamente seus cabelos negros e cacheados. Mais uma lembrança de Samantha...

- Tirou a sorte grande, hein, Stevens? – uma garota, do outro lado do quarto, perguntou. Duas meninas que estavam próximas dela deram risadinhas debochadas. – Vai no baile com Tiago Potter, um dos garotos mais cobiçados da escola!

Então Sirius estava certo. Samantha gostava de seu pai! Foi por ele que ela deixou Sirius, mas...

"Ela me traiu."

"Como?"

"Da pior forma possível... nunca poderei perdoá-la..."

Mas se Samantha tinha traído Sirius com Tiago, então... Tiago tinha traído Lílian também? Não, Harry não poderia acreditar nisso! Não depois de assistir ao casamento dos seus pais, aos olhares ternos, ao beijo apaixonado... Não! Seu pai não tinha traído sua mãe, isso não era verdade! Não podia ser...

- Vocês estão com inveja! – Samantha disse com sua voz rouca. – Nenhum par de vocês se equipara ao meu!

- Mas ele é um grifinório também. – uma outra garota disse com a voz dura. – Apesar de ser bonito, eu nunca me rebaixaria a ir com um grifinório no baile.

Samantha riu.

- Está bem. Podem ir com aqueles garotos insossos da Sonserina. Eu vou esquecer por um dia que ele é da Grifinória, e vou acompanhar Tiago Potter ao baile!

Dizendo isso, Samantha saiu do quarto com um sorriso no rosto e já totalmente arrumada. Ela desceu as escadas na direção da sala comunal na masmorra da Sonserina, sendo seguida de perto por Harry. Ele conhecia aquele lugar da vez que entrou nessa mesma sala para tirar informações de Draco Malfoy no segundo ano. Antes de cruzar a passagem junto com Samantha, ele reconheceu dois garotos conversando em um canto: um, de cabelos oleosos e nariz adunco – Severo Snape; o outro, de olhos cinzentos e cabelos platinados – Lúcio Malfoy.

Samantha cruzou apressadamente o caminho das masmorras até o Saguão de Entrada, onde vários alunos, em trajes a rigor, encontravam seus pares. A jovem Samantha olhava para todos os lados, à procura de seu par. Parecia até mesmo um pouco ansiosa. Harry quase tomou um susto ao ouvir uma voz quase igual à dele dizer às suas costas:

- Procurando alguém, Stevens?

Ela se virou e tentou disfarçar a ansiedade com um dos seus sorrisos que não chegavam aos olhos.

- Pensei que fosse me dar o bolo, Potter!

Ele riu.

- Não... eu não faria isso com você. Se disse que te acompanharia, cumprirei minha promessa. – ele ofereceu o braço, que ela aceitou.

- Está fazendo isso só para botar ciúmes na Evans, não é, Potter? – ela perguntou sagazmente, enquanto os dois caminhavam até o Salão Principal. Tiago mudou de assunto mais rápido do que trocaria de sapatos.

- Não vamos nos tratar por sobrenomes hoje, está bem? Eu sou apenas Tiago e você... apenas Samantha.

Ela deu de ombros. Os dois entraram no salão ricamente decorado, que fez Harry se lembrar dos bailes que já presenciou em Hogwarts. Uma banda tocava em um palco montado no lugar onde geralmente estava a mesa dos professores.

- Você não respondeu à minha pergunta, Tiago. – Samantha insistiu. – Você brigou com a Evans, e resolveu me usar para fazer ciúmes, não é?

- Por que não dançamos ao invés de conversarmos essas coisas chatas?

Ele a puxou até a pista de dança, e os dois começaram a dançar com extravagância. Os únicos que competiam com eles eram um casal ainda mais extravagante: uma garota, totalmente de preto, inclusive a maquiagem, que dançava com um garoto para o qual várias meninas lançavam olhares de cobiça: Sirius.

Harry viu seu pai e seu padrinho trocarem olhares travessos. Depois disso, eles começaram a conduzir ainda com mais extravagância seus pares, como se estivessem competindo entre si. Os outros pares davam espaço para eles, que faziam passos cada vez mais ousados. Harry também preferiu se afastar e acabou se aproximando de uma mesa. Quase deu um salto para trás ao ver as pessoas que estavam sentadas no lugar.

Um garoto, baixinho e gorducho, bebia cerveja amanteigada em grandes goles. O estômago de Harry revirou desagradavelmente: era Rabicho. Ao lado dele, Harry observou com um sorriso, estava um garoto um tanto pálido e abatido: Remo Lupin. Do outro lado, tentando ficar o mais longe possível de Rabicho, estava sua mãe, Lílian. Harry sorriu novamente ao ver sua mãe; ela estava tão bonita... como seu pai pôde preferir ir com Samantha a ir com ela no baile?

- Ei, Lílian! – Remo chamou. – Você vai ficar olhando para eles o tempo todo?

Ela se virou irritada.

- Não tem como não olhar se eles são tão exibidos!

- Pra mim isso é dor de cotovelo, isso sim! – Rabicho interveio.

- Fica quieto! – Lílian falou aborrecida.

- Só fiz um comentário... Tá estressada, hein?

- Não tô com vontade de ouvir seus comentários infames, Pedro!

Remo deu uma cotovelada no colega.

- Toma sua cerveja amanteigada que você ganha mais, cara. – ele se virou para Lílian. – Você só tá fazendo o que Tiago quer, Lílian. Tenho certeza de que o que ele quer é te ver assim...

Lílian sorriu marotamente.

- Certo, então eu vou me divertir! – ela levantou. – Remo, me convide para dançar agora!

O queixo dele caiu e, por alguns instantes, Remo não disse nada.

- E-eu?

- Claro! – Lílian respondeu convicta. – Pedro é que não deve ser, não é?

- Mas Lílian... – ele olhou nervosamente para onde estava Tiago. – Você é namorada do Tiago, que é meu amigo... Sabe, acho que isso não vai dar certo...

- Nós brigamos e terminamos! – ela quase gritou. Rabicho arrotou.

- Pela vigésima... centésima... – ele contou nos dedos. - Ah, sei lá quantas foram, só sei que foram muitas vezes!

Harry, no lugar de Rabicho, sairia correndo ao receber um olhar como aquele que ele recebeu da garota. Remo provavelmente percebeu que a situação estava perigosa, porque puxou Lílian pela mão e a conduziu até a pista de dança. Rabicho deu de ombros e começou a beber a cerveja da caneca de Remo.

Não demorou nem um minuto para que se aproximassem da mesa dois garotos, e Harry desistiu de ir embora ao vê-los. Tiago e Sirius traziam suas próprias canecas de cerveja amanteigada e se sentaram um de cada lado de Rabicho.

- Isso que dá tá encalhado, hein, Rabicho? – Sirius perguntou em um tom brincalhão, apontando para as canecas que o garoto já tinha entornado.

- Que eu saiba você também está, Almofadinhas.

- Se eu quiser, é só estalar os dedos que uma garota cai aos meus pés, cara!

Tiago olhou com uma expressão de nojo para Sirius.

- Assim eu vou acabar vomitando meu almoço, Almofadinhas!

- Ah, fica quieto, Pontas! – Sirius respondeu irritado. – Por que você não fica de olho na sua garota?

- Ah... a sonserina, não é? – Rabicho perguntou.

- Não, a grifinória mesmo. – Sirius remendou.

- Quem disse que eu quero saber da Evans?

- Ora, qualquer um percebe que você foi com a sonserina só para fazer ciúmes na Lílian, Pontas! – Sirius retrucou. Tiago bufou, mas preferiu não responder. – Aliás, você bem que poderia ter escolhido alguém de outra casa, amigo. Uma sonserina não é lá uma boa escolha...

- Por isso mesmo foi a melhor. – Tiago disse com um sorriso maroto nos lábios. – Assim a Lílian fica mais irritada ainda!

- Ah, então você admite que está fazendo ciúmes na Lílian?

- Tá bom, é isso mesmo, Rabicho! Estão felizes em saber, agora?

- Muito. – Sirius falou. Ele correu, intrigado, seu olhar pela mesa, finalmente percebendo que faltava mais alguém. – Cadê o Aluado?

Rabicho apenas apontou para a pista de dança, onde Lílian e Remo dançavam animadamente. Tiago se levantou tão rápido, que a caneca de Sirius tombou e caiu, derrubando cerveja amanteigada pela toalha branca.

- Caramba, Pontas! Qual é o teu problema, cara?

- Remo tá dançando com a Lílian? A minha Lílian?

- Parece que ela não é mais sua agora... – Rabicho disse calmamente, bebericando sua cerveja, enquanto Sirius tentava aproveitar o resto da sua depois do estrago que Tiago fez.

- Preciso encontrar meu par agora! – Tiago exclamou.

- Não é aquela ali? – Rabicho apontou para uma garota que estava a alguns metros, observando a pista de dança com uma cara de tédio.

- É, realmente não é fácil ela passar despercebida... – Sirius comentou, olhando embasbacado para Samantha.

- É pra lá que eu vou agora mesmo!

Dizendo isso, Tiago saiu decidido na direção da garota. Sirius e Rabicho se entreolharam, e o padrinho de Harry falou:

- Nada pessoal, cara, mas eu não vou passar o resto da noite aqui com um bêbado.

- Eu não estou bêbado!

- Mas vai ficar... – Sirius apontou as canecas de cerveja amanteigada. – Vou procurar meu par.

Rabicho ficou novamente sozinho na mesa, e Harry decididamente não queria ficar ali com ele. O rapaz saiu, caminhando até um lugar onde pudesse ouvir o que seu pai e Samantha conversavam enquanto dançavam. Porém, eles não falavam muito. Tiago estava muito preocupado em ficar olhando para Lílian e Remo, o que parecia estar enfurecendo Samantha.

- Se você olhar mais uma vez para eles, eu juro que saio daqui e te deixo dançando sozinho, garoto! – Samantha disse com azedume. Tiago olhou para ela abalado.

- Não faz isso, não! Se você sair daqui vai estragar tudo!

- Claro, vou estragar sua guerrinha de ciúmes com a Evans! Ah, sabe do que mais, Potter? Já tô cheia disso, me poupe!

Ela largou Tiago, que olhou rapidamente para Remo e Lílian. A mãe de Harry sorria marotamente, enquanto Remo olhava preocupado para o amigo. Tiago desviou o olhar e procurou por Samantha. Ela estava quase na porta quando Tiago a alcançou e a segurou pelo braço.

- Espera um pouco, Samantha... Você não entendeu direito...

Ela o olhou furiosa.

- É claro que eu entendi! Você tá querendo botar ciúmes na Evans, isso é óbvio! Não sou nenhuma tonta! E também não sou garota de ficar me prestando a um papel como esses! – ela olhou para a mão dele em seu braço. – Pode me soltar agora?

- Não.

Ela abriu a boca para retrucar, mas Tiago colou seus lábios nos dela antes que a garota pudesse pronunciar alguma palavra. Samantha ficou tão sem ação, que acabou demorando alguns instantes para fechar seus olhos. Harry estava completamente boquiaberto, bem como várias pessoas no salão. Ele viu, do outro lado da pista, Lílian parar de dançar com Remo, uma expressão completamente desolada no rosto.

Quando Tiago parou o beijo, Samantha estava completamente sem ação. Ela olhava embasbacada para o garoto, seus lábios ainda avermelhados e ligeiramente trêmulos. Tiago sorriu ao ver que ela não conseguia tirar os olhos dele.

- Era seu primeiro beijo?

- Como... como você sabe? – ela perguntou aturdida.

- Reparei que não tem muita experiência. – ele respondeu, lambendo os lábios. – Mas não seja por isso. Posso te ensinar se quiser...

No momento em que Tiago ia novamente beijá-la, a cena se dissolveu num rodamoinho de luzes, que acabaram formando uma sala muito bem decorada. Harry, com espanto, a reconheceu. Era aquela mesma sala onde tinha visto a pequena Samantha ser torturada por Voldemort.

Isso significava que provavelmente o Lord estaria ali, não é? Harry procurou pelos lados para tentar achá-lo na sala, mas ela estava vazia. Nenhum sinal de Voldemort ou da garotinha. O silêncio reinava no local, sendo apenas quebrado pelo som da lenha sendo queimada na lareira.

A cabeça de Harry logo foi invadida por pensamentos perturbadores. Seu pai tinha convidado Samantha para o baile, tinha dançado com ela... tinha beijado-a. Claro que ele só estava querendo enciumar Lílian, mas mesmo assim... será? Será que Samantha tinha traído Sirius com Tiago e, conseqüentemente, seu pai tinha traído sua mãe? Harry não queria acreditar que seu pai era assim... Tudo que falavam dele... As pessoas sempre dizendo que Harry era muito parecido com o pai... Mas ele não era assim! Não faria isso com ninguém! Não trairia... não assim...

- ME SOLTA! – uma voz feminina gritou.

Harry correu rapidamente os olhos para ver o que estava acontecendo. A porta da sala tinha sido aberta, e duas pessoas entraram por ela. Uma garota, que foi praticamente jogada no chão por um... um... não havia palavras para dizer o que ele era.

- Eu ainda não posso acreditar no que você fez, menina! – Voldemort disse com sua voz mais gelada e ameaçadora. Samantha, ainda no chão, olhou para ele desafiadoramente, mas seus olhos azuis escondiam um certo temor.

- Eu sou uma garota! Tenho o direito de fazer isso!

- Não com aquele garoto!

Samantha tremeu ligeiramente. Voldemort bateu a porta apenas olhando para ela. Quando ele se virou para encarar Samantha, ela já tinha se levantado.

- Por quê? – ela perguntou. – Por que eu não poderia ter beijado Tiago Potter? Por que não posso me envolver com ele?

Voldemort estreitou os olhos.

- Isso não pode começar. Não posso me arriscar. Há perigo de a Profecia Sagrada ser cumprida se você fizer isso.

Samantha não disse nada por alguns instantes. Lentamente, ela recomeçou a falar:

- Então... ele é... herdeiro de Gryffindor?

- O seu sangue não pode se misturar ao dele.

- Isso significa... Espera um pouco. Quer dizer que... o sangue da sua preferida também não pode...

- Isso mesmo. – Voldemort confirmou. – Você, menina, vai separá-los.

Harry queria desesperadamente ouvir mais, mas a cena se dissolveu novamente. Sua cabeça estava girando depois de ouvir aquela conversa. Ele fechou os olhos, tentando entender o que estava acontecendo. Voldemort tinha dito que havia perigo de a Profecia Sagrada ser cumprida se o sangue de Samantha se unisse ao de Tiago... Tiago era herdeiro de Gryffindor! Isso queria dizer que, necessariamente, Harry também era herdeiro de Gryffindor! Harry precisava pensar... O que a Profecia dizia mesmo?

"Luz e trevas confundirão o seu ser...

Coragem e astúcia em seu coração e mente irão viver...

Amor e ódio terá...

Gryffindor e Slytherin será..."

Para que a Profecia Sagrada se cumprisse, a união deveria ser de um herdeiro de Gryffindor e outro de Slytherin. Tiago era o de Gryffindor, isso queria dizer que Samantha tinha que ser a herdeira de Slytherin, mas para que ela fosse herdeira dele, necessariamente, ela precisava ser...

- Por que você veio aqui?

Harry abriu os olhos e viu que já estava em outra lembrança. Dessa vez, era uma outra sala grande de estar, também bem decorada. Era dia claro lá fora, pois a sala estava totalmente iluminada pela luz que incidia pelas enormes janelas. Harry podia ouvir um som que ouvira poucas vezes na vida: o das águas do mar quebrando na praia.

- Eu precisava... dizer uma coisa para você...

Duas pessoas conversavam na sala, cada uma em cantos opostos ao outro. Uma mulher, de mais ou menos vinte anos, tinha dito a última frase. Ela estava com mão sobre a barriga, como se a estivesse acariciando-a ou, talvez, querendo protegê-la. Do outro lado, havia um homem, aparentando também a mesma idade da mulher. Ele olhava com mágoa para ela.

"Sirius e Samantha...", Harry pensou.

- Então diga logo. Não quero ter que ficar perto de você por muito tempo.

Ela mordeu os lábios inferiores, olhando para a barriga.

- Talvez, então... deva ser melhor eu não dizer...

- Se você veio até aqui, é melhor que fale logo. Ou então vá embora!

Samantha fechou os olhos. Harry estranhou essa tolerância dela. Geralmente, ela estaria dando respostas muito atravessadas a Sirius. Dessa vez, ele é que parecia totalmente sem paciência. O olhar que ele lançava à mulher era duro e amargurado.

- Eu estou grávida.

Imediatamente, os olhos dele se arregalaram. Por alguns instantes, ele ficou observando a barriga em que ela ainda insistia em ficar passando a mão.

- Isso não é mais uma mentira sua?

Ela não respondeu. Respirou fundo e caminhou batendo os pés até a porta, irritada. Sirius a alcançou e segurou a maçaneta antes que Samantha a girasse. Ela olhou para ele magoada.

- Eu não deveria ter vindo aqui.

- Só estou chocado, Samantha... Você... – ele olhou para a barriga dela. – Ele é meu?

Ela riu desdenhosamente.

- Se um dia tivesse sido, não seria mais agora.

Com um "ploft", ela desaparatou, deixando uma fumaça no local, que girou, formando uma nova cena. Harry fechou os olhos. Estava começando a ficar enjoado com essa troca constante de lembranças. Para piorar, sua cabeça não tinha parado de doer um minuto sequer. E só parecia piorar cada vez mais.

Quando Harry abriu os olhos, viu que estava em uma outra sala. Pequena e modesta, ela se diferenciava muito daquela onde estavam Sirius e Samantha na última lembrança. Mas Harry não estava se importando muito com isso. Ele se encostou em uma parede, e escorregou por ela. Sua cabeça girava tanto, que ele se sentiu tonto e acabou não conseguindo permanecer de pé. Queria desesperadamente sair daquela Penseira, mas não sabia como. Até quando teria que permanecer ali, vendo aquelas coisas? A cabeça deu outra pontada.

Tinha que descobrir um jeito de sair dali. Não poderia ficar vendo essas lembranças até que a Samantha do presente o achasse, e as coisas ficassem piores do que já estavam. "Mas mesmo assim", Harry pensou, "eu terei que conversar com ela de qualquer maneira. Ou então com Sirius." Ele não podia ficar com essa dúvida sobre seu pai pelo resto da vida.

Harry ouviu passos, e rapidamente abriu seus olhos. Uma mulher, de seus trinta e poucos anos, entrou na sala. Ela era loira, usava os cabelos na altura do pescoço, e seus olhos eram acinzentados. Ela olhava de esguelha para trás, parecendo estar com medo de ver alguma coisa. O corpo dela todo tremeu quando viu o homem que entrou na sala, e ela deu as costas a ele, tentando não vê-lo. Harry ficou boquiaberto ao ver Lord Voldemort novamente.

Como sempre, ele tinha aquele aspecto medonho e feio, que tantas vezes Harry já vira pessoalmente. Ele observava a mulher loira como se estivesse estudando-a profundamente.

- Seria pedir muito para que você ficasse com sua outra aparência, Tom? – o tom de voz dela não escondia o asco que ela sentia. – A antiga?

- Essa minha imagem te assusta, Luiza?

Luiza? Onde Harry já tinha ouvido esse nome antes?

- Eu não gosto de olhar para você desse jeito, só isso. – ela respondeu depressa. – Por favor, Tom, fique do jeito que eu te conheci.

- Se assim deseja... Dessa vez, e só dessa vez, vou atender ao seu pedido.

Harry até se levantou para ver melhor aquilo. Bem na frente dos seus olhos, Voldemort começou a se transformar. A pele escureceu ligeiramente e, de pálida, passou a um branco normal. A fenda no meio do rosto se transformou em um nariz, e o rasgo que era a boca tomou a forma de lábios. Os olhos vermelhos tomaram uma tonalidade azul escuro e, na cabeça, surgiram cabelos negros. Poucos segundos depois, no lugar onde estava antes aquela criatura horrenda, apareceu um homem, de mais ou menos trinta e poucos anos também. Harry estava boquiaberto; ele não conseguiu entender como alguém poderia preferir utilizar aquela imagem feia ao invés dessa, que era trinta vezes melhor que a anterior. Aquele era mesmo Voldemort? Ficava difícil acreditar, mas Harry pôde reconhecer, no fundo daqueles olhos e debaixo daquele sorriso carismático, a imagem mais velha de Tom Riddle que, uma vez, ele viu como apenas uma lembrança saída de um diário.

- Pode olhar para mim agora, Luiza. – até mesmo a voz dele era diferente. Um tom menos sibilante, menos gelado...

A mulher se virou, lentamente, e suspirou aliviada ao ver a figura transformada de Tom. Ela respirou fundo, como se estivesse buscando coragem em algum canto escondido de dentro de si para falar com ele. Tentando não encarar os olhos de Tom, ela perguntou:

- Por que você veio aqui?

- Você sabe muito bem, Luiza. A menina. Eu vim buscá-la.

- NÃO! – ela olhou para ele, mas em seguida desviou o olhar. – Tom... isso não é preciso... Não tire Sam de mim...

- Ela é minha herdeira.

- ELA É MINHA FILHA!

Tom Riddle estreitou os olhos azuis. Luiza tremeu e, mais do que nunca, desviou o seu olhar do dele. A cabeça de Harry girava ainda mais. Então, as suas suspeitas estavam corretas... Samantha era mesmo filha de Voldemort?

- Por favor, Tom... Ela é tudo pra mim... – lágrimas escorriam pelo rosto de Luiza. – Não pode tirá-la de mim.

- Oh, que tocante... – ele zombou. – Você? Chorando? Não era você a mais durona de toda Hogwarts na nossa época de estudantes?

A mulher limpou desajeitadamente as lágrimas e, tomando coragem, olhou para ele.

- Você não vai tirar minha filha de mim. Não importa se ela é sua filha também, ou se ela é sua herdeira ou qualquer outra coisa! Ela é minha filha, eu sou a mãe dela, e cabe a mim educá-la e cuidar dela! Se ela quiser seguir o seu caminho quando crescer, eu não vou impedi-la. Mas não vou permitir que você a obrigue a fazer isso!

- Saia da minha frente, Luiza. – ele disse friamente, com a varinha apontada para a mulher. – Ou terei que matá-la.

- Faça o que quiser, Tom... Quero ver se tem coragem!

O olhar de Voldemort irradiava fúria. Quando ele abriu a boca para falar o feitiço, uma menininha veio correndo e se colocou na frente da mãe, abraçando suas pernas. Samantha deveria ter apenas uns quatro ou cinco anos ali.

- Saia daqui, Sam! – Luiza pediu desesperada. – Vamos, saia!

- Eu quero ficar com você, mamãe!

Voldemort riu e abaixou a varinha. Os olhos dele correram da pequenina Samantha até a mãe dela, que olhava amedrontada para ele. Luiza levantou a menina no colo, sem tirar os olhos de Tom.

- Você não vai levá-la... Não vai...

Ele deu alguns passos até a mulher, sem dizer uma única palavra; os olhos diziam tudo. À medida que ele se aproximava, ela caminhava para trás, segurando com mais desespero a menina nos seus braços. Samantha já começava a chorar no ombro da mãe, como se entendesse o que estava acontecendo. Talvez ela realmente estivesse entendendo. Tom Riddle gargalhou como Voldemort.

Harry sentiu a cabeça doer mais e não agüentou; teve que fechar os olhos. Estava tão tonto, que sentiu que poderia cair ali mesmo. Sua cabeça estava uma confusão completa, e ele não tinha certeza se conseguiria abrir os olhos. Era informação demais para sua cabeça dolorida. Queria poder sair dali... daria tudo para descobrir o jeito de sair daquela maldita Penseira! Não suportava mais ver aquelas cenas... Estava completamente exausto. Nem ao menos conseguia pensar com calma naquelas lembranças. E quando pensava, a cabeça doía ainda mais.

Quando ele abriu os olhos, viu que estava em outro lugar novamente. Um dos corredores de Hogwarts, pôde perceber. Na verdade, um dos corredores que conduziam às masmorras. Exausto, ele se sentou no chão, encostado à parede. Não importava o que aparecesse ali agora, ele não queria mais ver. Tinha a impressão de que sua cabeça iria explodir de tanta dor e tomava cuidado para não abrir a boca, com medo de vomitar por causa da dor. E não era sua cicatriz que doía, era toda sua cabeça. E ainda havia todas aquelas lembranças...

O que ele sabia de concreto até agora? Samantha era filha de Voldemort... Nossa, isso era surreal... Voldemort tinha uma filha? Como alguém conseguiu amá-lo a ponto de ter uma filha com ele? Se bem que... ninguém pode não ser amado por alguém na vida. Mas pensar que alguém poderia amar Voldemort era algo totalmente estranho para Harry. Mais estranho ainda pensar que Voldemort poderia amar alguém de volta...

Além disso, Samantha tinha ameaçado Hermione. E também era Nagini... Por que ela negou para Snape que era uma Comensal da Morte? Ele disse que ela deveria ser aquela serva especial de Voldemort, que passava informações para ele... Isso queria dizer que ela não era uma Comensal? Deveria ter outro nome para isso, então. De qualquer maneira, Harry sabia de uma coisa: Samantha não era alguém em que se pudesse confiar. Hagrid com certeza estava equivocado a respeito dela. Como Dumbledore a aceitara em Hogwarts para dar aulas? Será que ele não sabia quem ela era? Harry sempre achou que Dumbledore soubesse de tudo, mas, enfim, ele também era humano e poderia errar, não é?

E seu pai? Ele teria mesmo traído sua mãe? Sirius disse que Samantha o tinha traído de uma forma que ele não poderia perdoar. Harry também acharia complicado perdoar uma garota que o traísse logo com seu melhor amigo. Mas, aparentemente... não, com certeza, Sirius perdoou seu pai. O que Harry faria no lugar dele? Se estivesse com uma garota, e ela o traísse com Rony, conseguiria perdoar qualquer um deles? Harry não tinha certeza... Aliás, era difícil ter certeza de alguma coisa com aquela maldita dor de cabeça.

Aquele filho... Samantha disse a Sirius que estava grávida. Mas não confirmou se o filho era mesmo dele. E se não fosse? Poderia ser... não... poderia ser filho de Tiago? Nesse caso, Harry poderia ter um irmão? E se... e se essa criança fosse... fosse... ele mesmo?

"Você está louco, Harry!" Não, aquilo era loucura, era maluquice! Com certeza essa dor de cabeça deveria estar afetando suas idéias. "Eu não sou filho de Samantha, e meu pai não traiu minha mãe com ninguém!", Harry pensou desesperadamente. Não fazia sentido... Nenhum sentido! Se, em uma hipótese longínqua, Harry fosse mesmo filho de Samantha, por que Lílian teria cuidado dele quando era um bebê? Por que ela teria se sacrificado para salvá-lo? Os olhos verdes...

Mas se pensasse bem, algumas coisas se encaixariam perfeitamente... Explicaria por que Voldemort não parava de perseguí-lo... de tentar matá-lo... Se isso tudo fosse verdade, ele seria o herdeiro a que a Profecia Sagrada se referia... Harry teria o sangue de Gryffindor e Slytherin... Ele seria... neto de...

"NÃO!", uma voz gritou dentro de sua cabeça. Harry segurou sua cabeça, abaixando-se. Estava deixando sua imaginação levá-lo a lugares para onde não queria ir! Nada daquilo era verdade! Era tudo fruto da sua cabeça, que queria pregá-lo uma grande peça! Ele não era... não poderia ser... nada disso... Ele era Harry, filho de Lílian e Tiago Potter! E ele não tinha nada a ver com essas coisas, nada!

"O que você faria se tivesse a chance de acabar com Voldemort? Nesse instante?

"Eu o mataria."

"Você não ficaria assustado se soubesse que fez, ou que tem alguma coisa parecida com ele?"

"Não existem coincidências..."

Harry levantou a cabeça, olhando vagamente para a parede à sua frente. Ele não tinha nada de parecido com Voldemort... Era tudo sua imaginação... Somente um acaso... "Não existem coincidências..." Não, Rony estava errado! Existiam coincidências sim, e esta era só mais uma delas! Por que isso não parava de martelar na sua cabeça? Ele só era o Harry, somente Harry...

- Você entendeu tudo, Severo?

- É claro que entendi, Stevens. Eu não sou nenhum idiota. Por acaso está me confundindo com Malfoy?

- Só estou me certificando de que tudo dê certo. Apenas um erro, e tudo vai dar tragicamente errado.

Harry tapou os ouvidos. Não queria ouvir mais nada, não queria saber de mais nada! Só queria sair dali e tentar esquecer todos aqueles pensamentos. Os seus e os que viu na Penseira...

- Então não precisa se preocupar, Stevens. Eu nunca erro.

- Espero que esteja certo.

Por mais que tentasse não ouvir, as palavras entravam na sua cabeça. Harry levantou os olhos e pôde divisar, aproximando-se dele, dois adolescentes: uma garota e um garoto. Não demorou nada para que reconhecesse Samantha Stevens e Severo Snape. Eles pararam de andar, e Samantha se virou para olhar Snape.

- Certo, você sabe como trazer Evans aqui?

- Pode deixar comigo. – Snape respondeu convicto. – Isso vai ser fácil para mim. Eu e ela somos monitores-chefes, é só inventar alguma coisa relacionada a isso que ela vai acreditar.

- É, eu sei...

- E como você vai trazer Potter aqui?

- Não será necessário trazê-lo, ele virá. Sirius me contou que a detenção de Tiago com o Prof. Taylor era hoje, e ele terá que passar por aqui de qualquer maneira quando voltar. Eu calculei tudo.

- É bom mesmo. Não quero que Lílian descubra que estou metido nisso.

- Ela não vai saber. Nada vai dar errado.

Snape cruzou os braços e deu uma risadinha debochada.

- Ainda não acredito que estou entrando nisso... É um plano tão simples, mas...

- Mas se der certo, vai resolver dois problemas, Severo. O meu e o seu. Você terá a sua queridinha, e eu...

Ele riu novamente.

- Potter... que mal gosto, Stevens. Parece que ele nunca foi dos melhores, não é? Potter, Black...

- Você não pode dizer nada, garoto... Pra quem gosta de Lílian Evans...

- É melhor você calar essa sua boca, ou nossa parceria termina aqui. – Snape disse irritado.

- Certo, não vamos discutir isso. Você tem o seu gosto, e eu o meu. Vá logo fazer o que tem que fazer!

Snape lançou um olhar fulminante à garota, mas mesmo assim caminhou no sentido oposto, deixando Samantha a sós. Ela respirou fundo e soltou o ar longamente pela boca.

- Só espero que funcione mesmo... – ela murmurou para si mesma, enquanto caminhava para o outro lado do corredor.

Harry ficou olhando abobado para onde a garota tinha ido. Não era preciso ser muito inteligente para perceber que Samantha e Snape estavam armando um plano para separar Tiago e Lílian. Então Samantha era mesmo apaixonada por seu pai? E Snape por sua mãe... Harry tinha vontade de vomitar ao pensar nas duas coisas. Sirius estava certo. Como Samantha pôde fazer isso? Ela estava com Sirius, mas ao mesmo tempo cobiçava Tiago! Ela não só traiu Sirius, como foi desleal com ele...

Mas o pior era saber que seu pai também tinha traído sua mãe... Ainda assim, uma coisa Harry não entendia. Se seu pai traiu sua mãe com Samantha, por que Lílian o perdoou e acabou se casando com ele? E por que Sirius só culpava Samantha? Harry ainda não queria acreditar que seu pai tivesse esse caráter, mas se ele tivesse, não conseguiria perdoá-lo... Tudo o que imaginara sobre Tiago desmoronaria em segundos...

Quando Harry se virou, levou um susto. Do lugar onde não havia nada, apareceu um rapaz de seus dezessete anos. Ele também olhava abobado para o lugar pelo qual Samantha se fora. Harry o reconheceu no mesmo instante.

Sirius segurava, em uma das mãos, a velha Capa de Invisibilidade de Tiago. A boca dele estava entreaberta, e havia um brilho diferente nos seus olhos. Era mágoa, decepção... tristeza... Harry entendeu o que o padrinho estava sentindo; assim como ele, Sirius também deveria ter ouvido a conversa entre Samantha e Snape.

Atônito, Sirius se encostou na parede. Seu olhar vago focalizava um ponto na parede oposta, mas Harry sabia que ele não estava vendo nada. Lentamente, Sirius escorregou até se sentar no chão, ao lado de Harry. O rapaz olhou penalizado para o padrinho. Ele deveria estar sofrendo muito. Ele sabia que era muito difícil se decepcionar com uma pessoa em que se acredita... que se gosta...

- Sirius...

Ele não olhou para Harry. Suas mãos alcançaram seu rosto, cobrindo seus olhos. Sirius respirou muito fundo, e seu corpo inteiro tremeu. Parecia estar fazendo muita força para não chorar. Harry sabia o porquê; Sirius não gostava de demonstrar seus sentimentos na frente dos outros.

- Como ela pôde fazer isso? Como?

- Eu vi também...

- Se juntar àquele... seboso do Snape! Os dois bolando um plano juntos para separar Tiago e Lílian... Ela nunca me amou mesmo... Que idiota que eu sou!

- Não, você não tem culpa de ter se enganado por amor!

- Como eu pude ter a ilusão de que ela me amava? De que ela poderia pelo menos gostar um pouquinho de mim? Sirius, como você é burro!

Harry não soube o que responder. Sirius estava com os olhos fechados, tentando impedir as lágrimas. Sua respiração estava incrivelmente descompassada. Subitamente, ele abriu os olhos, e havia um brilho novo neles.

- Não posso permitir que esse plano dê certo! – ele disse decidido. – Não vou deixar que eles separem Tiago e Lílian! São meus amigos, e eu devo ajudá-los. Saman... Stevens vai quebrar a cara!

Ele se levantou de súbito, apertando a capa com firmeza nas mãos trêmulas. Olhou com raiva para o local por onde Samantha tinha se dirigido e deu um passo na mesma direção; porém, tanto ele como Harry ouviram passos. Assustado, Sirius se escondeu rapidamente debaixo da capa. Harry se levantou, procurando por um lugar para se esconder, até que percebeu que estava sendo idiota. Tinha esquecido completamente que aquilo era apenas uma lembrança.

Era um rapaz que se aproximava. Ele usava o uniforme de Hogwarts, e tinha uma expressão aborrecida no rosto. Harry quase pensou que estava vendo a si mesmo, quando lembrou que aquele deveria ser seu pai.

Atrás de si, Harry ouviu mais um passo de Sirius. É claro, ele avisaria Tiago do que estava acontecendo. Mas Sirius parou assim que viu quem vinha correndo, bem atrás de Tiago.

- Espera!

Tiago se virou e bufou ao ver Samantha se aproximar. Ele postou os braços na cintura assim que ela parou bem de frente a ele, esbaforida pela corrida. Ela olhou ansiosa para ele. Ao lado de Harry, Sirius pareceu optar por esperar, mas o rapaz ainda conseguia ouvir a respiração descompassada do padrinho.

- O que você quer? – Tiago perguntou indulgente. – Eu não sei onde o Sirius está. Nós combinamos de nos encontrar depois da minha detenção com o Taylor, mas ele não apareceu.

- Sirius ia te encontrar aqui? – Samantha perguntou ligeiramente alarmada. – Mas se o Professor Taylor visse...

- Você pensa que a gente é idiota? Eu emprestei minha capa para ele.

Samantha estava boquiaberta. Ela olhou preocupada ao redor, como se estivesse procurando alguém. Sirius se remexeu desconfortável. Harry achou que ele estava fazendo barulho demais; se Sirius não parasse de se mexer, alguém iria descobri-lo ali.

- Eu não estou procurando o Sirius... – Samantha disse lentamente.

- Não?

- Não... Na verdade... eu... eu queria falar com você...

Tiago olhou intrigado para a garota.

- Comigo? O que eu posso ter para falar com você?

Samantha parecia estar pensando muito rápido. Ela olhou para os lados e sorriu ao ver algo. Harry ouviu passos distantes. Samantha se virou rapidamente para Tiago, o sorriso bem maior. Ele parecia não estar entendendo nada.

- É o seguinte. – ela falou e, bruscamente, colocou as mãos no peito do rapaz, encostando-o na parede de pedra da masmorra. Tiago arregalou os olhos para a garota, completamente surpreso. – Eu nunca consegui te esquecer, Tiago.

- Co-como? Eu não estou entendendo...

- Ah, está entendendo perfeitamente! – os passos ficavam cada vez mais altos, e Harry também conseguiu distinguir vozes. – Aquele beijo... o meu primeiro beijo... eu nunca esqueci...

- Que bom para você, Samantha. – Tiago disse embaraçado, tentando se desviar da garota, mas ela o impedia de todas as formas que podia. – É... agora, se me dá licença...

- Você esqueceu aquele beijo?

- Ah... é... bem, foi há tanto tempo, não é? A minha memória não é lá essas coisas, ainda mais quando se tem que pensar em N.I.E.M.s... – ele riu sem jeito.

- Eu tenho certeza que você não esqueceu, Tiago... – ela sussurrou, se aproximando mais. Tiago se encostava cada vez mais na parede. Os passos estavam muito próximos. – Mas eu posso te relembrar...

Tiago abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Samantha rapidamente colou seus lábios nos dele, em um beijo voraz e agressivo. Tiago parecia completamente sem ação. Em questão de segundos, ela puxou as mãos dele para a sua cintura, encostando totalmente seu corpo no dele. A sua mão livre correu até a nuca do rapaz, onde ela cravou as unhas. Ela enroscou uma perna na dele, puxando-o mais para si, como se estivesse realmente saboreando aquele beijo, mesmo que Tiago não o retribuísse. Harry ouviu Sirius escorregar pela parede novamente.

- TIAGO!

Tudo aconteceu muito rápido. O grito de Lílian ecoava pela masmorra, como se várias Lílians estivessem gritando. Tiago empurrou Samantha com violência, e a garota cambaleou para trás, ainda olhando com desejo para o rapaz. Ele passou as mãos pela boca, como se quisesse limpá-la, mas parou assim que viu Lílian olhando para ele de queixo caído. Snape estava bem atrás dela, tentando esconder o meio sorriso.

- Lílian... – ele disse completamente aturdido.

Os olhos da moça estavam completamente marejados. Ela olhava Tiago de cima a baixo, com uma expressão de completo nojo. Lentamente, ela virou a cabeça para ver Samantha, que tinha os cabelos despenteados e um sorriso inocente no rosto. Lílian voltou-se novamente para Tiago, cobrindo a boca com as mãos.

- Como você pôde? – ela balbuciou, lágrimas escorrendo pela sua face.

- Eu... Lílian, eu posso explicar... O que você viu aqui...

- EU VI TUDO MUITO BEM, POTTER! O MÍOPE AQUI É VOCÊ, NÃO EU!

- Lílian, se você me deixar falar...

- VOCÊ NÃO VAI FALAR MAIS NADA! NÃO VAI MAIS FALAR COMIGO, PRA COMEÇAR!

- Lílian!

- Seu nojento! – ela gritou com o rosto molhado pelas lágrimas e, rapidamente, correu no sentido oposto, esbarrando em Snape, que olhou para ela dividido entre a preocupação e a satisfação. Tiago encarou-o.

- Snape... você...

Snape não disse nada, apenas encarou Tiago profundamente. O grifinório se virou para olhar Samantha, que também não pronunciou palavra alguma. Harry viu os punhos de Tiago se cerrarem, e ele claramente se dividia entre tirar aquela história a limpo e ir se explicar para Lílian. Depois de lançar um olhar raivoso para os dois sonserinos, Tiago decidiu-se pela segunda opção e saiu correndo pelo mesmo caminho que Lílian fora anteriormente. Snape e Samantha ficaram sozinhos, e esperaram até que Tiago sumisse para conversarem.

- Por enquanto deu certo... – Snape falou. – Mas e depois?

- Nós vamos esperar. – Samantha sorriu. – Você só tem que ser amigo da Evans agora. Vou ter que explicar tudo para você, Severo?

- Você é muito prepotente, Stevens. Mas se tudo isso der certo, isso não vai importar.

Depois de dizer isso, Snape seguiu o caminho que levava às masmorras da Sonserina, enquanto Samantha permaneceu sozinha no corredor. Ela respirou fundo, parecendo pensar. Correu os dedos pelos lábios, olhando vagamente o chão. Ela suspirou e começou a andar, porém, mal tinha dado três passos e acabou esbarrando em algo sólido, caindo sentada no chão.

- Quem está aí? – ela perguntou, olhando ao redor.

Sirius tirou a Capa de Invisibilidade e apareceu para ela. O olhar dele era mais frio do que nunca. Agora Harry entendia por que Sirius tinha tanta mágoa de Samantha.

- Não esperava me ver, Stevens?

Ela se levantou e o olhou de frente.

- Sirius... Você viu tudo, então?

- Vi. Tudo. Desde o começo.

Samantha abaixou os olhos, mas logo os levantou novamente.

- Então acho que não há mais nada o que dizer, não é?

- Aí que você se engana, Stevens. Há muito o que dizer.

- Como o quê? Você vai começar com aquela mesma ladainha, não é? – ela perguntou revoltada. – É o que todos dizem por aí mesmo, que eu...

- EU CONFIEI EM VOCÊ! – ela se calou. – Eu confiei... como nunca confiei em nenhuma garota... Jamais eu tive um relacionamento tão sério, Samantha... Só com você, eu...

- Sério? Você chama o que há, ou havia, entre nós de "sério"?

- Pra mim era!

- MENTIROSO – ela gritou tanto, que algumas gotas de saliva pularam de sua boca. – Você acha que eu não sei que você vivia correndo atrás de toda a população feminina de Hogwarts? Ah, Sirius, então você realmente pensou que estava conseguindo me enganar?

Por poucos instantes, ele não disse nada. Samantha olhava para ele furiosa, mas logo Sirius retrucou:

- Você sempre soube que eu era assim! Desde o começo! Mas eu nunca te trairia como você fez comigo agora!

- Ah, não? E aquele beijo naquela grifinória maluca, hein? Eu vi quando aconteceu, Black, ninguém me contou!

Sirius evitou o olhar dela.

- Você nunca entenderia. Marié...

- NÃO TEM EXPLICAÇÃO!

- VOCÊ TAMBÉM NÃO TEM! – foi a vez de Samantha se calar. – Samantha, se você fizesse o que acabou de fazer com qualquer um, talvez eu pudesse entender, mas... você beijou meu melhor amigo, você planejou para separar ele de Lílian!

- Ah, claro... Agora você vai defender seus grandes amigos! Você sempre se importou mais com eles do que comigo, não é?

- Isso é mentira! Eu sempre me importei muito com você, você sempre...

- Eu sempre fui uma diversão, não é?

- Não... – ele respirou fundo. – Você foi a única que não foi uma diversão.

O silêncio caiu sobre eles, e o único som que se podia ouvir eram os sons ruidosos das respirações dos dois.

- Por que logo com Tiago? Por quê? – Sirius perguntou com mágoa na voz.

- Porque eu nunca consegui esquecê-lo. – ela murmurou, evitando olhar para Sirius. – Foi com ele meu primeiro beijo, e eu jamais esqueci... É dele que eu... gosto.

Sirius fechou os olhos.

- Eu não acredito nisso.

- Mas é a verdade, Sirius! – ela disse duramente, olhando nos olhos do rapaz. – É a verdade!

- NÃO É! – ele gritou, abrindo os olhos. Ela desviou o olhar novamente. – Você sempre teve inveja da Lílian! Sempre! Ter o namorado dela era uma maneira de ser como ela, não é? FALA!

Sirius segurou fortemente o queixo dela, forçando-a a olhá-lo. Samantha não disse nada. Sirius respirou fundo mais uma vez.

- Eu realmente pensei que você pudesse mudar, Sam. Que pudesse haver uma pessoa boa aí dentro. Aquela Samantha brincalhona e divertida que se mostrava pra mim... Eu pensei que você pudesse ser sempre assim um dia, e esquecer essa amargura que eu não sei por que você tem... Mas agora eu tenho certeza de que você não vai mudar... eu não consegui te ajudar nisso...

Novamente silêncio. Os olhos deles não desgrudavam um do outro. Seus narizes quase se tocavam de tão próximos que estavam seus rostos. Sirius se aproximou mais, e Harry pôde ver um brilho de lágrimas tanto no canto dos olhos dele, quanto no dela. Os dois fecharam os olhos, mas Sirius abriu o seu bruscamente e soltou o queixo dela.

- Aonde você vai? – Samantha perguntou ao ver o rapaz dando as costas a ela.

- Fazer a coisa certa.

A boca de Samantha ainda estava ligeiramente entreaberta. Por alguns segundos, ela ainda ficou olhando para o lugar por onde Sirius tinha ido. Suspirou profundamente, fechando os olhos. Harry podia ouvir, distante, o barulho de uma goteira no teto. Quando Samantha abriu os olhos novamente, ela parecia decidida a fazer alguma coisa.

Harry assistiu, mais uma vez, ela se transformar. Lentamente, a pele virou escamas, os braços se juntaram ao corpo... No lugar onde antes estava uma garota, apareceu uma cobra.

Nagini deslizou pelo chão, e Harry teve que levantar seu pé para que ela não esbarrasse nele. Ele acompanhou a cobra com os olhos, e a viu se esgueirar com facilidade por um pequeno buraco na parede e sumir.

Harry ficou parado por alguns instantes no mesmo lugar, pensando no que fazer. E agora? Deveria ir atrás dela? Mas como? Ou então poderia ir atrás de Sirius... Mas nem sabia para onde ele tinha ido... Que ele foi atrás dos seus pais, Harry sabia, mas dava no mesmo; não sabia onde eles estavam também... Sua única alternativa era seguir Nagini, mas como, se ela estava deslizando pelos canos?

Canos... Claro, por que não tinha pensado nisso antes? Prestando bastante atenção, Harry colou seu ouvido na parede, seguindo os sibilos da cobra. Às vezes ele conseguia entender algumas frases, como "Preciso achá-lo..." ou "Onde poderia estar?". Enquanto Harry seguia a cobra, várias paisagens passavam por ele: o Hall de Entrada, as escadarias, os corredores... Harry quase perdeu a pista de Nagini quando Dumbledore passou bem ao seu lado, sem o ver.

Harry foi obrigado a parar de segui-la quando chegou ao sétimo andar. Seus olhos se arregalaram ao ver o quadro da Mulher Gorda. E agora, o que faria? Não sabia a senha e, mesmo que soubesse, a Mulher Gorda não iria ouvi-lo se falasse. Ótimo, tinha andado tanto para ter que parar bem naquele momento... Droga!

- Sangue de leão!

Quando Harry levantou os olhos, sentiu seu estômago revirar desconfortavelmente. Rabicho tinha acabado de dizer a senha, e o quadro da Mulher Gorda começava a se mover. Ótimo, poderia entrar. Mas, ao mesmo tempo, era péssimo ser ajudado por Rabicho. Logo por ele... Era mesmo o fim...

Antes que o quadro se fechasse novamente, Harry entrou rapidamente atrás de Rabicho. A sala comunal não era muito diferente do que se lembrava; as mesmas poltronas, os mesmos quadros... Porém, seus ouvidos foram imediatamente invadidos por gritos. Não foi difícil localizar os donos deles.

- EU NÃO QUERO OUVIR SUAS MENTIRAS, POTTER!

- Lílian, você precisa me escutar! Está cometendo um engano...

- EU NÃO ESTOU COMETENDO ENGANO NENHUM! EU VI!

Rabicho abriu a boca para dizer alguma coisa, mas antes que ele pudesse falar, um rapaz de cabelos castanhos lhe deu uma enorme cotovelada nas costelas.

- Ai, Aluado!

- Fica na sua, Rabicho, porque o negócio aqui tá quente!

Remo, que segurava um enorme livro nas mãos, digno de Hermione, foi se sentar em um sofá. Rabicho se sentou ao lado dele, ainda olhando abobado para a discussão entre Lílian e Tiago. Para a sorte deles, não havia mais ninguém na sala comunal.

- O que tá havendo, hein?

- Eles estão brigando, não notou? – Remo perguntou irritado, se escondendo atrás de seu livro.

- Mas eu tô perguntando por que eles tão brigando!

- Parece que Pontas beijou outra garota, e a Lílian apanhou ele no ato. – Remo abaixou o livro. – O pior: parece que a garota era a Stevens.

Rabicho arregalou os olhos.

- A namorada do Almofadinhas?

Remo assentiu e voltou ao seu livro. Rabicho olhou boquiaberto para os dois, que ainda discutiam.

- E por que você tá com essa cara amarrada, Aluado?

- Quando eu pedi para eles gritarem mais baixo, para que eu pudesse estudar, eles me mandaram para aquele lugar. – ele respondeu emburrado. Rabicho riu.

- Isso quer dizer que dessa vez é sério... – Rabicho falou já sem rir, depois que Remo ameaçou bater nele com o livro. – Eles sempre me mandam para esse lugar quando brigam, mas mandar você já demais...

A passagem da Mulher Gorda se abriu novamente, e Sirius entrou por ela. A Capa de Invisibilidade ainda estava em suas mãos. Rabicho não perdeu a oportunidade de soltar uma gracinha:

- Ih, chegou o corno...

Se um olhar pudesse matar, Rabicho teria morrido naquele instante. O olhar de Sirius era tão fulminante, que Rabicho se encolheu no sofá, completamente mudo. Remo se levantou e foi até Sirius:

- É melhor você não se meter, cara. Pelo menos agora...

- JUSTO COM AQUELA FILHA DA MÃE, TIAGO? – Lílian gritou com todo o ar de seus pulmões, e seu rosto estava lavado pelas lágrimas. – Se ainda fosse outra...

- Lílian, eu não beijei aquela garota! Por Merlin, você têm que me ouvir! – ele pediu com visível desespero. – Foi ela que...

Sirius olhou chateado para Remo.

- Eu tenho que me meter. – a voz dele era tão baixa, que era difícil ouvi-la. – Só eu posso ajudá-los dessa vez.

Remo olhou intrigado para o amigo enquanto ele se dirigia até o casal que discutia. Lílian parecia prestes a dar um tapa em Tiago, quando Sirius se meteu entre eles. Tiago ergueu as sobrancelhas, enquanto Lílian arregalou os olhos.

- SAI DAQUI, SIRIUS! – ela gritou.

- Não. – ele respondeu calmamente.

- Almofadinhas, sinceramente, esse não é o momento certo para...

- É o melhor momento, Pontas, acredite em mim.

Lílian riu e cruzou os braços.

- É claro... Você veio defender seu amiguinho, não é, Sirius?

- Não. Eu só vim aqui esclarecer a verdade para vocês.

- Nossa... Eu nunca vi o Almofadinhas tão sério... – Remo comentou baixinho. Rabicho assentiu, ainda encolhido no sofá.

Sirius deu a capa para Tiago e depois caiu sentado no sofá, com um olhar vago no rosto. Diante daquilo, até mesmo Lílian parecia ter desistido de gritar.

- A sua capa foi muito útil, Pontas. Serviu para que eu descobrisse muitas coisas... – ele olhou para Lílian. – Você não pode terminar com Tiago. Dessa vez ele não teve culpa.

- É o que eu estava tentando explicar para ela!

- Dá pra ficar quieto, Potter? – a garota perguntou com o rosto vermelho por causa da raiva e das lágrimas.

Tiago abriu a boca para dizer algo, mas Sirius fez um sinal para que ele se calasse. O rapaz ergueu as sobrancelhas, confuso, mas acabou não dizendo mais nada.

- Eu vi quando tudo aconteceu. – Sirius começou. – Vi o beijo, vi quando você, Lílian, chegou...

- Então, como você ainda tem coragem de defendê-lo? – ela perguntou indignada.

- Porque eu vi também quando Samantha e Snape estavam planejando toda a cena. Sim, Lílian, Snape! – ele completou, quando viu o olhar surpreso da garota. – Ele também estava participando. Você não achou esquisito ele te levar no lugar certo e na hora certa?

Lílian se sentou ao lado de Sirius no sofá, completamente pasma. Tiago socou o ar.

- Eu sabia! Aquele seboso idiota! Ah, mas eu vou acabar com ele!

Sirius segurou Tiago pelo braço antes que ele fosse embora intempestivamente.

- Eu sei que ele merece, mas antes eu quero que vocês dois ouçam a história toda para que não exista mais nenhuma dúvida entre vocês.

Lílian olhou aturdida para o rapaz, enquanto Tiago parecia estar se controlando para não chutar alguma coisa. Remo e Rabicho, do outro lado da sala, apenas assistiam boquiabertos àquilo. Sirius suspirou profundamente e, quando ele ia começar a falar, Harry sentiu uma mão gelada no seu ombro.

Imediatamente, sua boca ficou seca, e sua mão começou a suar. Ele não precisava se virar para saber a quem aquela mão pertencia. Mesmo assim, Harry se virou lentamente e mirou diretamente os olhos azuis escuros, gelados e opacos, que o encaravam furiosos. Harry respirou fundo, lentamente; bem à sua frente estava uma mulher, não aquela garota das lembranças.

- Acho que já se divertiu bastante, Harry. – Samantha disse friamente, com aquela sua voz rouca. – É hora de voltar.

Nota da autora: Gente!!! Nunca precisei tanto de resenhas como agora!!! Por favor, preciso saber o que acharam dessa capítulo ou eu surto!!! :) Aiai, tô muito ansiosa!!! O próximo capítulo tem mais ação, mas se ele demorar, vocês já sabem... é que eu sou lerda mesmo, hehe.