N/A: Este último capítulo é dedicado à minha querida amiga Anya, que fez aniversário no dia 7 de dezembro. A aparição daquela pessoa, miga, foi feita especialmente para você. Beijos à todos!
Capítulo Vinte e Sete – Cumprindo uma antiga promessa
O céu estava completamente azul, e as poucas nuvens que o povoavam pareciam feitas de algodão. O sol brilhava fortemente, fazendo com o que o verde da grama e das árvores ficasse ainda mais deslumbrante. Era possível ouvir o som dos pássaros cantando alegremente para o novo dia que tinha nascido.
Harry colocou as mãos sobre o rosto, protegendo como podia seus olhos do sol reluzente. Ele sentia a grama levemente úmida e fresca sob seus pés descalços, e seus cabelos agitavam-se ao sabor da brisa leve que batia. Era um dia agradável, apesar de ser o último que passaria em Hogwarts até o início do seu sétimo ano na escola de magia.
Por um lado, Harry estava aliviado de ir embora por um tempo. Tinha acontecido tanta coisa naquele lugar, aquele ano, que ele achava que seria reconfortante sair um pouco dali. Porém, por outro lado, ele amava aquele lugar e, além disso, ele não tinha a mínima idéia de para onde iria depois de ir embora.
Dumbledore não tinha comentado nada com ele sobre o assunto. Também, não havia espaço para falar disso na última conversa que tiveram. Uma conversa que Harry não fazia muita questão de lembrar.
Quando Harry saiu da casa dos Dursleys no verão, ele prometera a eles e principalmente a si mesmo que não voltaria mais lá. E não voltaria mesmo. Se Dumbledore dissesse que ele teria que voltar, Harry não pensaria duas vezes em desobedecer a ordem. Não queria nunca mais conviver com seus tios e seu primo. Dois meses com eles seria o fim.
A Toca sempre era uma alternativa. Rony já tinha convidado-o para passar as férias de verão por lá, mas Harry acabou não dizendo nem que sim, nem que não. Rony não insistiu mais no assunto, de qualquer maneira. Ao mesmo tempo, Harry tinha certeza que seria bem recebido por todos os Weasleys... quer dizer, por quase todos os Weasleys. No entanto, a pessoa que transformava a palavra "todos" em "quase todos" era exatamente o problema. Harry não queria ter que conviver na mesma casa com Gina por um verão inteiro, mesmo que nessa casa estivessem presentes outras pessoas que ele gostasse de estar por perto.
Harry pensou em Sirius também, e esta era a alternativa que com toda a certeza mais o agradava. No entanto, fazia um bom tempo que Sirius não lhe mandava ao menos um bilhete. Da última vez que falara com o padrinho, só soubera que ele ainda estava bastante ocupado com seu trabalho misterioso no Ministério da Magia. Harry até mandou uma carta para Sirius depois do seu último encontro com ele, mas o padrinho só tinha sido capaz de mandar duas linhas para Harry como resposta, dizendo que ele estava ocupadíssimo com um assunto de extrema importância. Harry se sentiu um pouco esquecido, mas deixou passar.
A última idéia que Harry pensou era a mais louca, e ele tinha certeza que ninguém ia gostar dela, por isso guardou-a para si mesmo, como uma última alternativa: ir para a casa que pertencera à sua avó Arabella. Ele se lembrava do dia em que tinha encontrara a Profª. McGonagall lá, junto com Hagrid, arrumando as coisas de sua avó. E naquela ocasião, a professora lhe dissera que, por direito, a casa deveria ir para as suas mãos ou as de sua tia como herança.
Ir para lá não o deixava muito feliz, mas ainda assim era melhor do que a casa dos Dursleys. Não que ele não gostasse da antiga casa de sua avó, mas o problema eram as lembranças que aquela casa carregava consigo. Ele lembraria constantemente de sua mãe... de sua avó. Não saberia se conseguiria suportar dois meses vivendo assim.
De qualquer maneira, ele também não sabia se conseguiria se sustentar sozinho. Tinha o dinheiro dos seus pais no cofre do Gringotes, mas esse dinheiro era destinado em primeiro lugar para as despesas de Hogwarts. Faria dezessete anos no final de julho, o que significaria a maioridade bruxa, mas ainda assim, ele achava que não daria certo morar sozinho. Poderia arranjar um emprego de verão, mas tudo era muito vago... Havia muitos "ses" nessa possibilidade para ela dar certo.
Mas de uma coisa Harry tinha certeza: se visse a cara gorda do tio Válter ou a cara de cavalo da tia Petúnia quando descesse do Expresso de Hogwarts, ele se esconderia atrás da primeira pilastra que visse para não ter que ir junto com eles. Harry preferia comer os bolinhos grudentos do Hagrid por um ano a ter que passar dois meses com seus tios e seu primo.
- O que está fazendo aqui tão cedo, Harry?
O rapaz teve um sobressalto ao ouvir a voz grossa e ressonante do próprio Rúbeo Hagrid às suas costas. Tinha caminhado a esmo tão concentrado em seus próprios pensamentos, que nem tinha notado que tinha chegado até a cabana do amigo e que estava apoiado numa cerca branca, que rodeava uma pequena plantação muito bem cuidada de hortaliças.
- Bom dia, Hagrid. – Harry cumprimentou depois de se recuperar do sobressalto.
Hagrid parecia muito bem disposto. Ele carregava nos grandes braços duas galinhas e um galo, enquanto Canino corria ao redor das suas pernas. Mantinha um grande e simpático sorriso no rosto barbudo, e seus olhos refletiam a luz do sol, brilhando quase tanto quanto o próprio.
- Caiu da cama, foi? – ele perguntou brincalhão, enquanto colocava os animais que trazia junto consigo em um galinheiro ao lado da plantação de hortaliças. – São quase oito horas ainda...
- Eu estava um pouco elétrico demais para ficar na cama.
- Entendo. – Hagrid disse contente, jogando milho para as galinhas. – É meio difícil ficar dormindo com um dia bonito desse, não é?
Harry não conseguiu responder. Canino tinha se jogado sobre ele e derrubado-o na grama, lambendo seu rosto com euforia, enquanto o rapaz não conseguia deixar de rir. Hagrid também riu com gosto ao ver a cena. Harry sentiu saudade de Almofadinhas.
- Ele é uma gracinha, não é? – Hagrid perguntou sorridente.
Harry se sentou, afastando Canino de cima de si. Mais um pouco e se afogaria na baba do cachorro. Canino latiu alto e começou a lamber a orelha de Harry.
- Ele é bem carinhoso. – Harry comentou simplesmente, limpando a baba que estava no seu rosto.
Hagrid se apoiou na cerca branca, rindo, enquanto Harry tentava se desvencilhar de Canino para poder se levantar. Assim que conseguiu, o rapaz também se apoiou na cerca, ao lado do amigo. Canino se deitou na grama, encostando a cabeça no pé de Harry e abanando o rabo, que batia várias vezes na perna de Hagrid.
- E pensar que se passou mais um ano, hein? Já está com saudade de Hogwarts, Harry?
- Um pouco... – ele respondeu indeciso, encarando as hortaliças verde vivo junto com Hagrid. – Eu gosto daqui.
- Ah, você é como eu, Harry. Eu não conseguiria viver longe desse lugar.
Harry abaixou os olhos e começou a brincar com as farpas soltas da cerca de madeira. Canino latiu alto. Hagrid suspirou nostalgicamente.
- E pensar que ano que vem será o seu último, Harry. Parece que foi ontem que você era apenas aquele menino pequenino, assustado em vir para um lugar onde não sabia de nada e não conhecia ninguém...
Harry olhou de esguelha para o meio gigante.
- Eu conhecia você, Hagrid.
Ele fez um gesto displicente com a grande mão.
- Não é grande coisa...
- Claro que é. – Harry disse sinceramente. – Você foi o primeiro amigo que eu fiz, Hagrid.
Harry poderia jurar que o espaço entre a barba e os olhos de Hagrid ficou ligeiramente avermelhado.
- Você achava que não era bruxo, lembra? – ele riu gostosamente. – Imagine... Harry Potter não ser um bruxo... que piada.
O rapaz não respondeu. Ele apenas abaixou os olhos e voltou a se entreter com a farpa solta da madeira. Foi então que notou algo diferente: havia alguma coisa escrita a tinta, em letras miúdas, na madeira branca. Hagrid estava comentando alguma coisa, rindo, mas Harry não estava prestando atenção; estava mais preocupado em descobrir o que estava escrito na madeira.
Ele estreitou os olhos e se aproximou do lugar onde a cerca estava riscada até que seu rosto ficasse a poucos centímetros da madeira pintada de branco. Havia algo escrito numa letra pequena e redonda, com tinta preta. O queixo de Harry caiu assim que ele conseguiu ler as palavras:
"Lílian passou por aqui."
- Hagrid, o que é isso?
O amigo parou de falar no meio de uma história que contava e se aproximou para ver melhor, por cima dos ombros de Harry. Seus olhos ficaram brilhantes no mesmo instante em que reconheceu a frase, e um sorriso tristonho de saudade se abriu no seu rosto.
- Sua mãe escreveu esse recado aí há muito tempo.
Harry estava boquiaberto. Seu rosto também abriu um pequeno sorriso.
- Então... foi ela mesma? – ele perguntou, enquanto acariciava a frase escrita na madeira, como se aquilo fosse um pedaço da sua mãe.
- Foi sim. Foi quando ela pintou a cerca para mim.
- Ela mesma pintou essa cerca? – Harry perguntou espantado. Hagrid, estranhamente, começou a rir.
- Você... – ele começou, sua voz entrecortada pelas risadas. - ...se lembra quando eu contei a você, Rony e Hermione o dia em que sua mãe e Samantha caíram no esterco dos meus Pigsteals?
Harry não gostou muito de lembrar de Samantha, então apenas acenou com a cabeça.
- Pois bem. – Hagrid continuou, animado. – Depois que elas caíram no esterco, eu queria contar o que tinha acontecido para a Profª. McGonagall e o Prof. Taylor, que eram os diretores da Grifinória e da Sonserina na época.
Harry se lembrava bem disso, afinal, tinha visto a cena na íntegra dentro da Penseira de Samantha.
- E elas imploraram para que eu não contasse, caso contrário, elas perderiam seus cargos na monitoria. Harry, você está me ouvindo? – Hagrid perguntou, notando que o rapaz estava absorto.
- Estou, continue, Hagrid.
A partir daí Harry desviou seus pensamentos da Penseira para o que Hagrid estava dizendo.
- Então, eu exigi uma condição para não contar a verdade aos professores.
"Calem-se as duas!", Harry ouviu a voz de Hagrid dentro da sua cabeça, naquela lembrança. "Quem sabe... eu possa esquecer o que vi, mas com uma condição..."
- Que condição?
Hagrid abriu o mesmo sorriso maroto que abrira vinte anos atrás.
- Lílian e Samantha consertaram a cerca que tinham quebrado, esta cerca. – ele bateu de leve na madeira. – E também a pintaram de branco. Foi aí que Lílian deixou esse recado nela. Mas isso não é a melhor parte...
- E qual é? – Harry perguntou curioso. O sorriso de Hagrid se alargou.
- Elas cuidaram dos Pigsteals para mim o resto do ano.
As sobrancelhas de Harry se levantaram levemente.
- O resto do ano? Isso significa...
- Significa que aquele dia não foi o único em que elas ficaram sujas de lama e esterco.
Os dois riram juntos. Harry voltou a olhar a frase escrita por sua mãe tantos anos antes, enquanto Hagrid voltava a olhar as hortaliças. Harry levantou os olhos e fez o mesmo que o amigo.
- E por que você deixou de criar Pigsteals, Hagrid?
Hagrid observou por mais alguns minutos as hortaliças que substituíram os porcos.
- Eles morreram algum tempo depois.
- Mas...
- Não, Harry... Não é o que você está pensando. Eles não morreram por culpa das meninas, elas até que cuidaram bem dos bichinhos. O fato é que, um tempo depois de elas saírem de Hogwarts, eles morreram e eu acabei desistindo de criar mais Pigsteals.
- E por quê?
- Ah, eles sempre me lembram Lílian e Samantha... E eu fico com saudade delas.
Harry conseguiu entender o que Hagrid dizia. No entanto, entendia apenas a parte de ficar com saudade de Lílian. De Samantha, Harry queria distância. Ficava sim aliviado por ela estar longe. Hagrid abaixou os olhos, um pouco desanimado.
- É engraçado, mas toda vez que eu vejo um Pigsteal me lembro delas. E sinto falta de Lílian... por... tudo que aconteceu. E também sinto saudade de Samantha. Ela é uma boa menina.
Hagrid tinha mesmo um grande coração. Harry não conseguia entender como ele podia ser tão ingênuo. Ele acreditava mesmo nas pessoas. Harry só torcia para que o amigo não se machucasse por causa disso.
- Esse ano, até que eu pude me lembrar dos velhos tempos... – ele continuou. – Samantha vinha conversar quase todas as noites comigo, aqui na cabana. Sabe, Harry, eu acho que precisamos olhar bem fundo dentro das pessoas para podermos julgá-las melhor. Mas tem que ser bem fundo mesmo. Nem sempre o que vemos por fora é o que está guardado por dentro.
- Está se referindo à Profª. Stevens, Hagrid? – Harry perguntou, ainda não entendendo como Hagrid conseguia ter essa doce ingenuidade.
- Harry, eu vou ter a pretensão de dizer que a conheço como ninguém. Talvez eu a conheça melhor até mesmo do que Sirius, que foi namorado dela. Samantha é amarga, muito amargurada mesmo. Ela tem seus motivos, isso eu sei. Mas sabe, Harry, eu tenho certeza também que ela tem um bom coração. Ele está escondido, mas está lá dentro.
Harry preferiu não discutir. Se essa era a opinião de Hagrid, ele a respeitaria.
"Hagrid é uma das poucas pessoas que falam bem de mim. Talvez seja a única pessoa.", Samantha lhe disse uma vez. Talvez ela estivesse certa. Hagrid deveria ser a única pessoa que falava bem dela. Seu único amigo. Se parasse para pensar naquele momento, perceberia que isso era, de certa maneira, algo bastante triste.
- Vou sentir falta dela. – Hagrid comentou. – Foi mesmo uma pena que ela teve que ir embora daqui, mas de qualquer maneira, ela não poderia ficar mesmo.
- O que você quer dizer com isso? – Harry perguntou desconfiado.
- Nada. – Hagrid disse muito rápido, abrindo a porteira da cerca. – Você se importaria de me ajudar a cuidar da horta, Harry?
Um minuto depois eles já estavam cuidando das hortaliças, e o assunto "Samantha Stevens" estava completamente esquecido.
Os pés subiam as escadas arrastados, e seus passos ecoavam no corredor vazio e silencioso. O barulho tinha ficado para trás, guardado no Salão Principal, onde todos os alunos e professores saboreavam o banquete de final de ano.
Harry não estava com vontade de ir. Ok, Rony tinha razão: ele estava mesmo bastante anti-social. E isso era um pouco chato até mesmo para o próprio Harry, no entanto, ele não conseguia evitar. Só sentia vontade de não estar perto de muitas pessoas, e certamente no banquete de final de ano havia muitas pessoas.
Ele ainda não tinha arrumado as malas, e esse era o seu grande programa para o sábado à noite. Talvez dormir depois também. Harry tinha certeza de que seria muito divertido...
O corredor estava com um cheiro bem esquisito. E forte. Harry torceu o nariz. Ele conhecia aquele cheiro desagradável. Quantas vezes já não sentira o mesmo cheiro quando Fred e Jorge soltavam bombas de bosta pelos corredores do castelo? Harry apressou o passo; aquele cheiro estava lhe enjoando.
POF.
Seu corpo bateu em algo sólido, e o impacto fez com que ele caísse para trás, rolando alguns degraus da escada. Sua sorte foi ter conseguido se segurar no corrimão para não rolar mais degraus. Harry também escutou um sonoro "ai" advindo do lugar de onde ele tinha batido e o barulho de algo tombando com estrondo no chão. Mas ele estava mais interessado na sua própria dor para se preocupar com a dos outros.
Tinha sorte de não ter quebrado alguma costelas, Harry pensou ao verificar a região lombar de suas costas com os dedos, sentando-se em um dos degraus e encostando-se ao corrimão da escada. Porém, seu joelho ardia bastante; ele tinha batido-o bem na quina dos degraus. Quando Harry levantou um pouco a bermuda para verificar o estrago, fez uma careta; seu joelho estava quase em carne viva.
- Ei, você precisa mesmo trocar seus óculos, garoto. – uma voz reclamou acima de sua cabeça. Quando Harry levantou os olhos viu, no topo da escada, uma garota sentada, apalpando o bumbum com uma careta de aborrecimento.
- Tantas pessoas para eu me esbarrar nesse castelo... – Harry lamentou, reconhecendo-a instantaneamente. - ...e eu sempre esbarro em você. O que eu fiz para merecer essa vida? – ele perguntou, olhando para o teto em busca de respostas.
Katherine Willians soltou um barulho de indignação e se levantou, parecendo totalmente descadeirada. Ainda apalpava o bumbum repetidas vezes.
- Já pensou em fazer terapia? – ela perguntou sarcástica.
- Se algum dia eu quiser fazer, com certeza não vou pedir para você me indicar alguém. Provavelmente o terapeuta fracassou com você.
Harry desviou o olhar dela e começou a assoprar seu ferimento. Ele ouviu quando ela desceu os degraus.
- Você se ferrou mesmo, hein?
Quando ele levantou ligeiramente os olhos por cima das lentes dos óculos, pôde enxergar um sorriso divertido no rosto dela.
- Isso é culpa sua. – ele assoprou o ferimento mais um pouco. Ardia até dizer chega.
- Se você tivesse ido ao banquete, eu não teria te encontrado e você não teria se machucado. Estaríamos bem mais felizes e satisfeitos.
- É mesmo? Acho que é um direito meu não ir ao banquete. Mas você poderia ter ido e nos poupado desse encontro desagradável.
- Por que você não foi, Potter? Eles sempre falam de você nesses banquetes...
- Talvez eu não tenha ido exatamente por isso. – ele parou para pensar um instante. – Espera um pouco, eu não lembro de ter que te dar explicações, garota.
Ela deu de ombros. Ele voltou a mexer no joelho, praguejando baixinho. A garota murmurou um feitiço esquisito e, quando ele se deu conta, seu joelho já tinha sido atingido por uma luz prateada que saía da varinha dela.
- Só para você parar de resmungar. – ela falou, assoprando a ponta da varinha como se estivesse num filme de "bangue-bangue" e guardando-a novamente entre as vestes.
Harry abaixou os olhos para o ferimento e viu que ele tinha sumido por completo.
- Legal. – falou apenas, sem saber o que dizer a mais. Arrumou a bermuda. – E você, por que não está no banquete?
- Não lhe devo explicações.
Ele se levantou e ficou de frente a ela. A garota era apenas uns dois centímetros mais baixa que ele e o encarava com superioridade. Harry achou a situação esquisita. Talvez ele apenas estivesse cansado. Conversar civilizadamente com Katherine Willians, uma sonserina, não era do seu feitio com certeza.
- Que cheiro é esse? – ele perguntou depois de aspirar mais uma vez o ar. Podia ser só impressão, mas a face da garota corou ligeiramente.
- Não estou sentindo cheiro nenhum. – ela respondeu muito rápido, descendo o que restava dos degraus. Harry não se moveu.
- Vem de você. – ele se virou para olhá-la melhor. Ela tentou esconder a barra da capa. Ele entendeu tudo. – E é cheiro de bombas de bosta. Você soltou em algum lugar?
- Não. – a indignação na voz dela era evidente. – Soltaram em mim.
Harry ergueu as sobrancelhas. Era sua vez de um sorriso divertido passear em seu rosto.
- Quem?
- Eu acho que foi Pansy Parkinson. Só pode ter sido. Não que faça diferença.
Harry riu baixinho.
- Não pensei que essas sacanagens acontecessem entre garotas. Mas vindo de sonserinas... dá até pra entender.
Ela cruzou os braços, aborrecida.
- Acontece mais do que possa imaginar. E não só entre sonserinas. As grifinórias perfeitinhas também fazem isso, se quer saber. Até mesmo sua amiguinha cdf.
- Hermione? – Harry perguntou espantado. Willians abriu um grande sorriso irônico.
- Ela mesma. É claro que esse tipo de coisa só fica mesmo entre as garotas... Não é muito divulgado. Garotas são bem mais discretas do que garotos. Nós não saímos contando pra todo mundo quando estouramos bombas de bosta na sala dos professores...
- Eu não acredito em você.
Ela deu de ombros novamente.
- Eu não pedi para você acreditar. – ela deu as costas a ele. – Mas, qualquer dia desses, pergunte para a Granger sobre o assunto...
Harry ficou olhando por alguns instantes a garota se afastar.
- Ei, Willians! – ele chamou. Ela se virou intrigada. Harry riu. – Você realmente está fedendo.
Novamente suas bochechas coraram, e ela mostrou a língua para Harry, que riu sozinho enquanto assistia a garota se virar irritada e ir embora batendo os pés.
- Vocês já pararam para pensar nisso? – Hermione perguntou, olhando pela janela da cabine enquanto o Expresso de Hogwarts parava suavemente na estação.
- Nisso o quê? – Rony perguntou distraído, recolhendo o seu malão das prateleiras do teto. Pichitinho piava feito louco e piou ainda mais quando sua gaiola quase caiu no chão.
A viagem de volta tinha sido bastante tranqüila. Harry, Rony e Hermione tinham conseguido uma cabine só para eles, e poucas pessoas os visitaram. Neville passou por lá procurando, como de costume, Trevo, e ficou um tempo junto a eles. Simas, Dino, Parvati e Lilá entraram na cabine dos garotos por engano, mas acabaram passando um tempo conversando com eles. Cho Chang veio se despedir de Harry, já que ela estava deixando Hogwarts por ter acabado os estudos. Por incrível que possa parecer, Draco Malfoy e seus capangas não apareceram dessa vez para perturbar a paciência do trio, o que eles acharam um alívio.
- Pensar que, da próxima vez que estivermos fazendo essa viagem, será a última. – Hermione comentou nostálgica, fechando a cortina da janela e se apressando para recolher seus animais. Bichento dormia tranqüilamente no cesto, mas Spi, o Splooty, saltou para seu cabelos e começou a se pendurar nos fios, fazendo Hermione chiar baixinho.
- Que tal pensarmos que ainda temos um ano? – Harry entrou na conversa, enquanto sorria para Edwiges dentro de sua gaiola.
- E que tal pensarmos que estamos entrando numa nova fase de nossas vidas? – Rony perguntou. Harry e Hermione olharam espantados para ele; Rony estava falando dessa maneira não era normal. – Uma fase sem Snape, Malfoy, Crabbe, Goyle, sonserinos, Trelawney, aulas chatas... – ele enumerou nos dedos, e Hermione suspirou. Era óbvio que coisa séria não viria dali. – Isso não é bom?
- Isso é ótimo.
Harry e Rony se entreolharam e riram.
- Mas pensem nas coisas boas que vamos perder. – Hermione insistiu. – Tantas pessoas legais... tantas coisas a se fazer...
- Quadribol. – Rony falou.
- É... quadribol.
Os dois garotos riram novamente. Hermione suspirou cansada, enquanto Spi ainda pulava de uma mecha de cabelo para outra na sua cabeça. Os três, então, começaram a arrastar seus materiais para fora da cabine.
A Plataforma 9 ½ estava apinhada de alunos e seus parentes. Harry notou a presença de aurores fazendo a guarda por todos os lugares. Ele tinha se esquecido do ataque à Estação King's Cross nas férias de inverno.
- Onde está a Gina, hein? – Rony perguntou subitamente, procurando com os olhos a irmã mais nova. Harry se virou emburrado e preferiu não dizer nada.
- Deve estar conversando com os amigos. – Hermione falou. – Deixa sua irmã em paz, Rony!
- O que eu fiz de mais? Só quero chamá-la para passarmos a barreira juntos. Minha mãe disse que ia esperar do outro lado.
Hermione virou o rosto do namorado na direção leste. Gina conversava com Peta, Colin e Jonnathan no lugar.
- Pronto. Satisfeito? – ela alfinetou. – Ela está ali, irmão coruja.
- Eu vou chamá-la.
Rony saiu decidido na direção da irmã. Harry não estava gostando nada da possibilidade de ficar perto de Gina, mas ele sabia que isso seria inevitável sendo seu melhor amigo irmão dela. Hermione se virou para olhá-lo com uma expressão astuta no rosto.
- E então, Harry? Vocês conversaram?
- Nós quem? – ele perguntou aborrecido, cruzando os braços. Sabia muito bem aonde ela queria chegar.
- Você e Gina. Conversaram ou não?
- Conversamos. E daí?
- E daí que, ou vocês fingem muito bem, ou não se acertaram.
- Nós não nos acertamos porque não temos nada mais para acertar.
Hermione revirou os olhos.
- Claro que têm! Harry, ela passou quase seis meses longe. Vocês eram namorados antes disso... Claro que têm assuntos pendentes.
- Sim, como discutir o chute na bunda que ela me deu! – Harry retrucou aborrecido. – E quer parar de dar uma de cupido?
- Mas e se ela se arrependeu?
- Ah, ela te contou, foi?
Hermione bufou.
- Isso não importa. O importante é que você não pode deixar essa oportunidade passar, Harry!
- Não é uma oportunidade, Hermione. É um erro.
- Você está sendo bobo.
- Eu era bobo. É diferente.
- Mas, Harry...
Ele se virou para olhá-la, descruzando os braços.
- Mione, coloca uma coisa nessa sua cabecinha, porque parece que só cabem matérias escolares aí dentro. – ele falou, batendo de leve na cabeça dela. – Acabou. É o fim. Não há mais volta. Terminou. Chegamos no fim da estrada. Entendeu, ou quer mais sinônimos?
Ela suspirou desanimada.
- Mas era tão... bonitinho... vocês juntos.
- Olha, eu sei que você é minha amiga e amiga dela, e só tá tentando ajudar, mas acontece que eu não quero mais, entendeu? Se ela quer, problema dela. Quem não quer agora sou eu.
- Eu só queria que vocês dois fossem felizes...
- Nós seremos. Separados.
Harry e Hermione pararam a conversa nesse ponto. Rony e Gina se aproximavam.
- Rony, nem deu tempo para eu me despedir direito deles... – Gina resmungava com o irmão.
- Nossa mãe deve estar nos esperando já. – ele respondeu. – Daqui a pouco ela vem procurar a gente aqui desesperada e vai ser pior, acredite em mim.
Harry se abaixou e começou a fingir que mexia em algo na gaiola de Edwiges. Não estava com nenhuma vontade de falar com Gina, principalmente depois da última conversa deles. E ele duvidava que ela também quisesse falar com ele.
- Eu disse para ele não encher sua paciência, mas ele não me escuta... – Hermione disse displicente assim que os dois se aproximaram. Rony fez um bico para ela.
Pelo canto dos olhos, Harry viu que Gina já tinha lhe enxergado. Ela cruzou os braços e virou o rosto, bufando exasperada. Harry voltou a se entreter com Edwiges. Rony e Hermione perceberam instantaneamente o clima pesado que caíra sobre eles.
- Erm... bem... Então é melhor atravessarmos a barreira, não é? – Rony sugeriu sem graça.
- Claro. – Hermione emendou. – Que tal eu e Gina primeiro, e depois você e Harry?
Rony e Harry assistiram enquanto as meninas atravessavam a barreira sólida. Rony se virou para encarar o amigo.
- Precisa fazer essa cara feia, Harry?
- É a cara que eu tenho.
- Bah...
- Nem vem, Rony! Você faria pior na minha situação.
- Mas é que você está fazendo cara feia para a minha irmã!
- Você fala como se ela também não estivesse de cara feia. Além disso, o fato de ela ser sua irmã não impede que estejamos brigados.
- Vocês são duas crianças.
- O roto falando do esfarrapado. Quantas vezes eu já não tive que agüentar você e Hermione brigados?
Rony se calou depois disso.
A Sra. Weasley, como previsto, já estava esperando-os do outro lado da barreira. Quando Harry e Rony chegaram, ela já estava abraçando e beijando as meninas. Obviamente, ela também fez isso com os garotos, o que deixou Rony bastante sem graça. Não demorou muito tempo para que os pais de Hermione chegassem para buscá-la, e eles iniciaram uma conversa sobre os filhos com a Sra. Weasley. Gina batia os pés repetidas vezes no chão, parecendo entediada. Harry estava o mais longe que podia dela, com os olhos atentos para qualquer aparição de trouxas parecidos com seus tios. Para seu alívio, ainda não tinha visto nenhum, apenas um homem um pouco gordo e com bigode que o assustou por um segundo.
- Ótimo. – Rony resmungou, olhando de esguelha para sua mãe e os pais de Hermione. – Agora eles vão ficar falando de nós... Aposto que minha mãe vai bater todos os meus podres para os seus pais, Mione.
- Eu duvido. – Hermione respondeu com seu jeito sabe-tudo. – Aposto que a Sra. Weasley vai é falar de todas as suas qualidades... Toda mãe é assim.
- Ei, Rony, já foi conhecer a família dela? – Harry provocou. – O namoro tá ficando sério... Isso vai dar em casamento...
Hermione corou violentamente. Rony olhou muito bravo para Harry.
- Por que você não fica quietinho, Harry?
Dois minutos depois a Sra. Weasley e os Granger voltaram para perto dos garotos. A Sra. Weasley estava bastante sorridente.
- A Sra. Granger convidou a família para irmos na casa deles no verão, Rony. Isso não é ótimo? Vamos poder nos conhecer melhor, Arthur vai adorar!
Harry teve um súbito acesso de tosse para esconder o riso. Hermione não sabia onde meter a cara.
- Erm... vai ser muito legal. – Rony disse engasgado.
Harry estava tendo problemas com seu acesso e teve que tapar a boca.
- Oh, querido, precisa cuidar dessa tosse. – a Sra. Weasley disse preocupada.
Hermione se despediu dos garotos com um beijo discreto em Rony e um beijo na bochecha de Harry, promessa de cartas e, é claro, o convite para Rony e toda sua família os visitarem nas férias. A mãe de Hermione aproveitou para dizer que convidaria mais alguns parentes, o que fez Rony ficar sem ar.
- Imagina quando Fred e Jorge souberem disso... – ele comentou baixinho para Harry, em desespero. – Eu vou me matar...
A Sra. Weasley ainda acenava alegremente para os Granger. Depois que eles estavam bem longe, ela se virou e falou para o filho:
- Agora sim, Rony... Finalmente vamos poder conhecer toda a família de Hermione, que será sua família algum dia, não é?
Até mesmo Gina, que estava observando a conversa um pouco distante, não segurou o riso. Rony parecia querer abrir um buraco no chão para se esconder.
- Oh, Harry, eu queria ter uma palavrinha com você, posso? – a mãe de Rony se virou para falar com o rapaz.
- Claro, Sra. Weasley.
Rony ergueu as sobrancelhas quando viu sua mãe se afastar levando Harry junto. Gina começou a bater o pé novamente no chão com impaciência.
- Harry, eu espero que você não fique chateado com o que vou dizer... – a Sra. Weasley começou. O rapaz já estava ficando curioso.
- Diga o que quiser, Sra. Weasley. Eu prometo não me chatear.
- Então está certo. – ela disse, enchendo seu peito de ar. – Bem, é claro que eu soube o que aconteceu entre você e Gina.
- Ah... sim... – ele ficou imaginando onde ela queria chegar com essa conversa.
- Pois é. Então, Harry, eu queria te dizer que fiquei bastante triste com tudo isso. Eu realmente gostaria que tivesse dado certo.
Será que Gina tinha pedido para a sua mãe falar com ele? Harry não conseguia acreditar nisso. A Sra. Weasley tirou suas dúvidas com sua próxima frase:
- Achei que deveria falar isso com você, Harry. Foi uma decisão minha, entende? Eu ficava imaginando como seria se você entrasse para nossa família, mesmo que eu já o considere como um membro dela, de qualquer maneira.
- Obrigado, Sra. Weasley... – ele disse envergonhado.
- E eu também ficava mais tranqüila sabendo que Gina estava com você, afinal, você é um bom menino, Harry. Sei que poderia confiar minha filha à você.
Ele definitivamente poderia fritar um ovo no seu rosto, e estava ficando difícil continuar a olhar para a senhora à sua frente.
- Eu o convidaria com todo o prazer para passar essas férias na minha casa, Harry. – ela continuou. – Mas imagino que a situação deva estar um tanto quanto... complicada... Digo, para você e Gina estarem juntos na mesma casa todo esse tempo...
- Que bom que a senhora entende. – ele murmurou sem graça. Ela sorriu bondosamente.
- É claro que eu entendo. Esqueceu que eu já tive a idade de vocês? – ela riu. – Pode ter sido há muito tempo, mas eu já fui adolescente também.
Ele também sorriu levemente depois da brincadeira. A Sra. Weasley colocou uma mão nos cabelos dele.
- Mas, mesmo assim, Harry, eu quero que saiba que sempre será bem vindo na nossa casa. As portas sempre estarão abertas para você lá, entendeu? – ele assentiu. – Você sabe que o considero como mais um filho meu, não é? Um filho do meu coração.
Algo quente preencheu o coração de Harry quando ela disse aquilo, e ele se lembrou de uma coisa importante que queria fazer. Encarou a senhora à sua frente firmemente nos olhos.
- A senhora se importaria de me fazer um grande favor?
Ela o encarou intrigada, mas sorriu.
- Claro que não me importo. Pode dizer, querido.
Harry apanhou algo no bolso de trás de sua calça. Tinha guardado aquilo ali dentro antes mesmo de embarcar no Expresso de Hogwarts, para poder fazer o que queria agora.
- A senhora aceita isso? – ele perguntou, oferecendo um pequeno cartão para ela. A Sra. Weasley olhou espantada para ele. – Por favor. É um presente.
Com as mãos um pouco trêmulas e sem tirar os olhos do rapaz, ela aceitou o presente. Sorriu ligeiramente, e abaixou os olhos para ver melhor o cartão. Na frente dele, havia um coração meio torto pintado de vermelho e, dentro dele, o desenho de uma mulher em forma de palitinhos. No alto, uma frase rabiscada pela letra trêmula de uma criança:
"Feliz Dia das Mães"
Os lábios da Sra. Weasley tremiam quando ela voltou a encarar Harry.
- Você tem certeza disso, querido?
- Claro que tenho. – ele sorriu. – Abra.
Ela novamente abaixou os olhos e, delicadamente, abriu o cartão. Dentro, havia o desenho daquela mesma mulher da parte de frente do cartão, só que ela estava de mãos dadas com um menininho. A Sra. Weasley engoliu em seco quando começou a ler a frase que Harry tinha escrito há pouco tempo, na verdade, naquela noite em que abriu sua caixa de lembranças na Sala Comunal:
"Eu sei que a senhora não é minha mãe de verdade. Eu não a conheci, por mais que saiba que ela me amou muito. Porém, quando eu tinha três anos e fiz esse cartão, minha professora disse para que eu o entregasse a alguém especial. À uma mulher que fosse como uma mãe para mim. Não consigo pensar em ninguém melhor do que a senhora. Obrigado por tudo.
Harry"
Lágrimas encheram os olhos da matrona dos Weasleys quando ela terminou de ler o cartão. Ela levantou a cabeça para olhar Harry, cobrindo os lábios trêmulos com a mão esquerda. Algumas lágrimas começaram a escorrer. Com carinho, ela o abraçou, sem palavras para dizer naquele momento. Harry a abraçou de volta, sentindo-se mais leve do que esteve em muito tempo.
- O que aconteceu, mãe? – Gina perguntou olhando de sobrancelhas erguidas para a mãe, quando ela e Harry se aproximaram. Rony também parecia curioso.
- Nada, filha. – a senhora murmurou, limpando os olhos. Ela segurava o cartão sobre o peito. – Não foi nada.
- O que você fez com a minha mãe? – Rony perguntou em um tom de voz só para que Harry escutasse.
- Só a peguei emprestado.
Foi naquele instante, que Harry sentiu sua mão ser molhada por algo úmido e viscoso. Quando abaixou os olhos para ver o que era, constatou que sua mão estava sendo lambida. Por um cachorro. Um cachorro do tamanho de um urso que ele conhecia muito bem.
- Almofadinhas?
Rony, Gina e a Sra. Weasley, que já tinha secado suas lágrimas, viraram-se para olhar quando o cachorro latiu e se transformou, bem na frente de seus olhos, em um homem. Sirius abriu um largo sorriso para Harry, que estava de queixo caído.
- Ah, Sirius! Você está maluco? – a Sra. Weasley exclamou assustada, olhando para os lados, mas não havia nenhum trouxa olhando. – Quando você falou que vinha não me avisou que seria assim!
Ele riu com sua risada igual à de um urso.
- Sinto muito, Molly, mas eu queria fazer uma surpresa.
- Eu não acredito... – Harry disse bobo.
- Não acredita? – Sirius perguntou ainda rindo. – Você tinha pensado o quê, Harry? Que ia para a casa dos seus tios? Eu sei que você queria isso muito... – ele falou irônico. - ...mas você vai ter que vir comigo, garoto.
Era o momento mais feliz da vida de Harry.
Harry ainda estava chocado. Ele nem conseguiu se despedir direito dos Weasleys na estação, tal era seu estado. Sirius o conduziu pelas ruas de Londres alegremente, ainda rindo do estado de Harry, até encontrarem um carro amarelo berrante estacionado em um beco vazio.
- Um carro amarelo? – Harry perguntou assim que Sirius disse que aquele seria o carro que usariam.
- Você não gosta? Eu adoro amarelo.
- Nada contra, mas essa não é uma cor muito normal para um carro... – Harry falou, enquanto o padrinho guardava seu malão no porta-malas e colocava a gaiola de Edwiges no banco de trás.
- Ah, o que importa? – Sirius fez um gesto displicente, ao mesmo tempo em que os dois sentavam nos bancos da frente. – O importante é que ele ainda funciona.
Harry não se importava mesmo. Ele estava maravilhado demais com o céu azul que se formava à sua frente. Dois meses... Dois meses morando com Sirius. Dois meses sem Dursleys! Seriam as melhores férias dele com certeza. Finalmente o seu sonho, desde aquele dia fatídico no seu terceiro ano, se realizaria.
Sirius deu a partida e o carro acelerou com um tranco, já partindo em alta velocidade. Harry se segurou no banco e olhou de esguelha para o padrinho.
- Sirius, você sabe mesmo dirigir?
- Sei. – ele disse convicto. – Bem, pelo menos eu sabia. Fazem anos que eu não dirijo, sabe, Harry? Além disso, eu preferia dirigir a moto quando era mais novo, mas também sei dirigir o carro.
Harry começou a considerar se a idéia de usar pó de flu não seria mais segura. Sirius pisou mais fundo no acelerador e o carro começou a voar. Ele apertou um botão de invisibilidade, e Harry percebeu que aquele era um carro enfeitiçado, bem como o Ford Anglia dos Weasleys.
- Onde conseguiu esse carro, Sirius? – Harry perguntou depois de, finalmente, o carro ter se estabilizado e o vôo estar mais calmo.
- Ele é meu.
- Seu?
- Claro. – ele explicou. – Depois que eu fui inocentado, os meus bens foram liberados, e eu pude voltar a usá-los. Eu ganhei esse carro quando completei dezoito anos. Faz tempo...
Harry assobiou alto, começando a aproveitar melhor a viagem, agora que Sirius parecia ter se acostumado à direção.
- A moto que eu tenho comprei com meu dinheiro, pouco tempo depois de ganhar o carro. – Sirius contou entusiasmado. – Eu já lhe contei que tinha uma moto, não é?
- Já, mas você disse que não sabia onde ela estava.
- Estava com Hagrid, no final das contas. Ele me devolveu agora, depois de tantos anos... – Sirius riu. – Eu prefiro andar com a moto, mas não vim te buscar com ela porque não daria para carregar todas as suas coisas.
Harry se virou para encará-lo fingindo uma expressão de reprovação.
- Mas agora você vai me explicar que história foi essa de não me avisar que eu ia passar as férias com você.
Sirius riu marotamente.
- E você acha que iria contar? Perderia toda a graça, Harry...
- Humhum... Mas enquanto isso eu ficava sem notícias suas, não é?
- Ah, não doeu tanto assim, doeu?
Harry não conseguiu deixar de rir. Sirius continuou:
- Eu estava ocupado preparando tudo. Você sabe... Eu precisava reaver meus direitos como seu tutor, arrumar um lugar para ficarmos... Isso leva tempo, e eu sabia que se escrevesse para você, acabaria não me segurando e contando tudo.
- E onde nós vamos ficar? – Harry perguntou curioso. Sirius mordeu os lábios, parecendo querer segurá-los.
- Nem tente arrancar isso de mim. Você só vai saber quando chegarmos lá. – Harry abriu a boca. – E não me pressione. Eu fiz uma promessa a mim mesmo que não ia contar e não vou. Não seja estraga prazeres e não tente arrancar isso de mim.
Harry suspirou. Tudo bem, ele ia fazer o jogo do padrinho.
- E quem mais sabia da sua armação?
- Quem? Ah, muitas pessoas...
- Muitas pessoas? – Harry emburrou a cara e cruzou os braços. – Estou me sentindo como o "marido traído". Sempre o último a saber...
- E você é mesmo.
Harry deu uma cotovelada no padrinho. Sirius a retribuiu, e os dois começaram a brincar como duas crianças durante a viagem.
- Quem sabia, afinal? – Harry perguntou rindo.
- Deixa eu ver... – Sirius franziu as sobrancelhas. – Os Weasleys...
- Todos?
- Todos.
- Até o Rony?
- Especialmente o Rony. Ele me ajudou bastante. Ele e Hermione.
- Hermione também?
- Claro que sim.
- Eu não acredito! Traidores! Nem pra me contarem!
Sirius riu.
- Hum... Remo também sabia. Dumbledore... Hagrid... Acho que só.
- Só? E você ainda diz só? Não é mais fácil dizer que o mundo todo sabia menos eu?
Eles entraram numa estrada cercada de mato por todos os lados. Sirius desceu o carro, e eles pousaram, para começarem a apenas correr pela estrada.
- Para onde estamos indo?
- Harry, três palavras: não me pressione.
O rapaz se encostou no banco, esticando as pernas.
- Eu cheguei a pensar que você tivesse me esquecido, sabia?
Sirius o encarou pelo canto dos olhos.
- Eu nunca faria isso.
Harry sorriu. Havia tantas coisas que ele queria perguntar ao padrinho... Mas não naquele momento. Ele não queria que nada estragasse aquele momento, muito menos lembranças ruins.
Eles entraram em uma cidadezinha bem pequena. O chão era pavimentado com paralelepípedos, e as casas eram quase todas feitas de madeira envernizada. Parecia ser uma cidade bem familiar, aquele tipo de lugar onde todos se conheciam. As pessoas olhavam curiosas para o carro, enquanto algumas crianças brincavam de competir corrida com ele. Uma velhinha apontou espantada para o carro e comentou algo com sua amiga da mesma idade.
- Eles são bruxos? – Harry perguntou ao padrinho enquanto ele contornava uma pracinha com uma fonte no centro. Algumas crianças compravam algodão doce e brincavam.
- Não, são todos trouxas.
- Não é à toa que se assustaram com o carro amarelo...
- Você implicou mesmo com isso, hein?
Harry riu.
- Mas vamos ficar aqui?
- Não, o lugar onde vamos ficar é perto daqui, mas é fora da cidade.
- Que mistério, Sirius...
- Dá pra parar de ser implicante? – ele riu, enquanto mudava a marcha para entrarem numa estradinha de terra batida.
O final da estrada maravilhou Harry. Eles foram parar em uma praia longa e vazia. O efeito do sol refletido nas águas transparentes do mar deixou Harry de queixo caído. Havia algumas casas de veraneio ao longo da praia, e Harry não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. A única vez que ele tinha ido à praia fora com os Dursleys, e a experiência fora tão traumatizante que ele nem queria se lembrar. Além disso, fazia tanto tempo que ele realmente não conseguia se lembrar direito.
Sirius olhou para Harry e sorriu ao ver o brilho nos olhos do rapaz. Ele manobrou o carro por um caminho de areia até parar ao lado de uma casa de dois andares, que Harry achou magnífica. Ela ficava de frente para o mar e praticamente estava em cima da faixa de areia. Harry conseguiu ver que ela era branca, com detalhes em azul da cor do mar.
- Isso é fantástico, Sirius! – Harry falou embasbacado.
Sirius sorriu encabulado e tirou as mãos do volante.
- Bem, você ainda não viu nada, Harry... Vamos entrar.
Harry apanhou a gaiola de Edwiges, que dormia alheia à tudo aquilo. Sirius pegou seu malão no porta malas e ficou observando o afilhado. Harry tinha tirado os sapatos; queria sentir a areia fina e morna sob seus pés. Ele riu do rapaz. Harry se sentia apenas um menino naquele lugar.
A varanda de madeira pintada de branco ficava literalmente sobre a areia. Havia uma mesa, também de madeira, com algumas cadeiras em um canto e, no outro, uma rede estendida.
- Isso não ficava aí antigamente. – Sirius explicou, apontando para a rede. – Eu comprei numa loja de artigos de praia há pouco tempo.
- Isso é gostoso. – Harry falou, depositando a gaiola de Edwiges, que ainda dormia, na mesa, para depois se deitar na rede e começar a se balançar lentamente. Era relaxante ficar ali, ouvindo o som das ondas quebrando na praia. – Vou passar o verão inteiro deitado aqui.
- Ei, eu também quero deitar aí! – Sirius reclamou.
- Compra uma pra você, oras! Essa aqui eu já tomei conta!
- Vai, saí daí! – o padrinho disse rindo, balançando a rede com força, e Harry teve que se segurar para não cair. – Eu ainda quero te mostrar o resto da casa...
Foi quando Harry entrou na sala de estar que reconheceu o lugar. Ele já o tinha visto dentro da Penseira. A sala era bem decorada, e poucas coisas estavam diferentes da mesma sala que vira naquela lembrança. Sirius colocou seu malão em um canto.
- E aí? O que achou?
- Essa casa já era sua, Sirius?
- Eu morava aqui depois de terminar Hogwarts. Resolvi sair da casa dos meus pais. Todo adolescente quer um pouco de independência...
Harry caminhou pela sala. Os móveis combinavam entre si, todos feitos de madeira envernizada. O sofá branco era bem fofo e grande. Os quadros que haviam na parede eram de paisagens que se mexiam. Uma porta grande num canto dava para a cozinha, mas Harry não foi vê-la. A escada circular conduzia ao segundo andar. Em cima de um aparador, Harry se espantou ao ver um telefone.
- Eu coloquei isso aí para você. – Sirius explicou, aproximando-se. – Para você conversar com seus amigos... Hermione vem de uma família trouxa, ela deve ter um desses, não é?
- Ela tem sim. E acho que Rony também, o pai dele gosta de coisas de trouxas. – Harry tirou o fone do gancho para verificar a linha. – Sirius, tá sem linha.
- Claro que não! – ele apontou o fio. – Olha a linha ali!
Harry riu.
- Isso é um fio, Sirius. Eu tô querendo dizer que tá sem sinal.
- Ah, tá... Você bem que poderia arrumar isso, não é?
Ele não precisou de muito tempo para achar o problema. O telefone não estava ligado na tomada.
- Nunca funcionaria sem energia. – Harry comentou, ligando o telefone e escutando a linha.
- Ah, isso é muito complicado! – Sirius reclamou. – Eu pedi ajuda a Arthur, mas ele também não sabia muitas coisas... E ficava meio complicado tirar minhas dúvidas com Hermione através de cartas.
Harry depositou o fone no gancho.
- Ainda não acredito que Rony e Hermione estavam mancomunados com você...
Sirius conduziu Harry pelas escadas, para lhe mostrar o segundo andar. O quarto do padrinho era bem simples, e ele parecia não ter se esmerado muito para arrumá-lo. A ansiedade de Sirius se tornava mais evidente a cada passo para chegarem no quarto que ele tinha arrumado para Harry. Seria uma situação cômica, se Sirius não estivesse tão nervoso. Ele colocou a mão na maçaneta da porta e se postou na frente de Harry antes de abri-la.
- Eu só quero que saiba, Harry... – ele falou sério, gotas de suor aparecendo na sua face. Harry engoliu como pôde o riso. – ...que você pode reclamar se não tiver gostado... A gente pode arrumar do jeito que você gosta, não tem problema, viu?
- Sirius, eu vou gostar.
- Eu não quero que você minta para mim, tá bom? Não vou ficar chateado se você não gostar, você pode dizer...
- Deixa eu entrar, Sirius. – Harry tentou passar.
- É só você dizer, Harry, que a gente troca tudo e...
- Sirius! Fica calmo...
O padrinho ficou sem saber o que dizer e, depois disso, resolveu abrir a porta de uma vez por todas. O que Harry viu lá dentro quando entrou fez seu sorriso se alargar ainda mais.
Sirius parecia ter se preocupado com cada detalhe. As cores, os objetos... Tudo estava de acordo com os gostos de Harry. Havia uma cama bastante espaçosa no centro do quarto e uma escrivaninha num canto para os deveres de Hogwarts de Harry. A janela dava para uma sacada que ficava de frente para a praia. O armário era enorme. E em cima de uma cômoda, Harry se espantou em ver dois objetos trouxas: uma televisão e um rádio.
- Foi difícil comprar isso. – Sirius falou com um tom de voz muito ansioso, observando Harry olhar espantado para os objetos. – O vendedor não entendia que eu queria uma tebevibão e um crádio.
- Televisão e rádio, Sirius.
- É, isso mesmo. – ele disse impaciente. – Tive que mandar uma coruja para Hermione pedindo para ela escrever como se chamavam essas coisas.
Harry desviou sua atenção para uma estante cheia de livros que eram de aventura, mistério e ficção. Ele riu baixinho.
- Suponho que isso também tenha sido sugestão de Hermione... – ele disse, apontando a estante.
- É sim, ela que falou para eu colocar livros. – Sirius explicou. Era impressionante como ele suava.
Na parede oposta havia uma bandeira do Chuddley Cannons.
- Deixa eu adivinhar... – Harry começou. – Rony falou para você colocar aquela bandeira ali?
- Como você sabe? – Sirius enrugou a testa. – Ele disse que era seu time de quadribol favorito.
Harry riu. Na verdade, aquele era o time favorito de Rony. Entretanto, Sirius não precisava saber disso. Ele estava parado na porta do quarto, observando cada movimento de Harry. O rapaz se virou para olhá-lo. Sirius parecia não se conter em si de ansiedade.
- Sirius, você teve todo esse trabalho...
- Ah, que nada. – ele fez um gesto negligente. – Eu me diverti fazendo isso. Além disso, era pra você, Harry. Eu queria fazer isso. E precisava também... – ele disse sério. – Tinha que cumprir essa promessa. A promessa que fiz a Tiago que cuidaria de você... como... ele cuidaria.
Harry sorriu, mas engoliu em seco. Ele ouviu o som da respiração profunda do padrinho.
- Erm... então... O que você achou? – ele perguntou atropelando as palavras.
O rapaz levantou os olhos, encarando os olhos castanhos de Sirius que o encaravam com medo e ansiedade. Harry sorriu sinceramente.
- Meus pais não poderiam ter escolhido um padrinho melhor.
Os olhos de Sirius brilharam intensamente, e ambos sorriram. Podiam ouvir, ainda, o som do mar lá fora, e sentiam a brisa leve que penetrava pela janela, bem como o sol que iluminava o quarto. Pela primeira vez, Harry se sentiu feliz por ser o primeiro dia de suas férias de verão.
FIM
Continua em "Harry Potter e a Centelha de Esperança"
Leia também, em breve, a songfic do final da fic "Marcas do coração".
