2- Aonde está você agora além de aqui dentro de mim?

nota da autora: Coloquei a música só no início, porque acho que ela transmite bem os sentimentos dos personagens. A música é Vento no Litoral da Legião Urbana.

                      Vento no Litoral

De tarde quero descansar, chegar até a praia
Ver se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras.

Sei que faço isso para esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai:
Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.

Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo.

E quando vejo o mar
Existe algo que diz:
"- A vida continua e se entregar é uma bobagem."

Já que você não está aqui,
O que posso fazer é cuidar de mim.
Quero ser feliz ao menos.
Lembra que o plano era ficarmos bem?

"- Ei, olha só o que achei: cavalos-marinhos."

Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora.

Entrei em Hogwarts naquele ano. Na véspera do dia primeiro de setembro eu estava muito desanimado e meu padrinho venho conversar comigo. Fiquei surpreso por ele ter percebido meu estado de espírito, já que nas últimas semanas ele quase não parara em casa por estar trabalhando excessivamente. Até mesmo meu pai andava bastante ocupado, chegando tarde da noite (eu soube disso ao ouvir uma conversa dos elfos domésticos quando fui na cozinha escondido para roubar biscoitos). 

- Sirius, você tem estado tão triste ultimamente. Sei que sente muita falta de Alex, mas achei que a proximidade de sua ida para Hogwarts fosse te alegrar. - meu padrinho iniciou o diálogo.

                - E me alegrou. - falei em tom pouco convincente.

                - Não é o que parece. - ele insistiu.

                - É que nada mais vai ser como antes! Queria tanto que ele estivesse aqui para me levar na estação amanhã e para me dizer que tudo vai dar certo. - comentei deprimido.

                - Eu também gostaria que tudo fosse assim, só que não é, e lamentar não vai mudar a realidade. É doloroso, mas temos que seguir em frente. Alex em qualquer lugar que esteja deseja que tenhamos essa atitude.

                - Você acha que ele está nos observando? - perguntei ingenuamente.

                - Não sei, mas tenho certeza de que ele não estará morto enquanto nos lembrarmos dele com carinho, pois uma parte dele estará viva em nossos corações.  - as palavras dele me consolaram bastante e até hoje penso nelas quando recordo alguém querido que já não está comigo - Agora venha, vou te levar para casa.

                - Não precisa, vou sozinho. - falei sem entender o motivo dele querer me acompanhar. Eu estava acostumado a andar sozinho mesmo depois de anoitecer.

                - Deixe de bobagem Sirius! - ele falou em tom de quem não admitiria ser contrariado.

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No dia seguinte perdi o sono cedo demais, estava ansioso e feliz por ser dia primeiro de setembro. Minha madrinha me ajudara a arrumar minha mala no dia anterior de forma que eu não tinha nada para fazer até a hora de sair, decidi então acordar Eliza e brincar com ela como despedida.

- Lizzy, acorda! - falei sacudindo-a levemente.

                - Ah! Deixe-me dormir! - ela reclamou sonolenta e se virou para o outro lado.

                -Vamos, Lizzy! Não temos muito tempo! - insisti.

                - Tempo para que? - ela perguntou um pouco mais desperta.

                - Brincar, para nos despedirmos. Você lembra que dia é hoje?

                - Não, do que você está falando? - ela me questionou temerosa e irritada.

                - Hoje vou para Hogwarts!

                - Já? - ela indagou.

                - Sim! Não é ótimo?

                - Não! Você não pode fazer isso comigo, agora que não tenho mais Alex, não agüentarei perder você também!

                - Sai dessa! Você não vai me perder, só que vou passar um tempo longe. Aproveite enquanto ainda estou aqui!

                - Me deixe em paz, Sirius! Quero ficar sozinha! - ela falou me expulsando do quarto.

Vaguei pela casa esperando que ela mudasse de idéia mesmo sabendo que isso não aconteceria. Depois de um tempo concluí que a princesinha já devia ter se acalmado e resolvi tentar conversar com ela mais uma vez, só que encontrei a Sra Wyse esmurrando a porta do quarto.

- Ah! Sirius que bom que você já está pronto. Estava passando e vi a porta de Eliza fechada, estranhei e quando fui abrir para ver se estava tudo bem, percebi que estava trancada e ela não quer falar comigo. Acho que descobriu que você vai embora hoje. Eu não contei a ela a data com esperanças de que ela só percebesse isso quando estivéssemos indo para a estação. Tente falar com ela, enquanto eu vou pegar a chave. - ouvindo isso me dei conta da bobagem que tinha feito.   

Eu era impaciente demais para ficar aguardando que Eliza respondesse aos meus chamados e achava que ela não o faria, por isso fui até o quarto de Alexander e peguei a vassoura dele. Fui voando até a janela dela e quando cheguei lá me assustei ainda mais, as cortinas e a janela estavam abertas e não havia ninguém. 

Entrei no quarto e esperei que minha madrinha abrisse a porta, o que não demorou a acontecer. Cheguei a pensar que ela ia desmaiar quando viu que a filha havia desaparecido. Fui até ela e a ajudei a caminhar até a cama e se sentar. Nos encaramos sem saber o que fazer. Eu me indagava o que Alex faria naquela situação, me repreendia por fazer isso, afinal ele não estava mais ali e eu achava que tudo dependia apenas de mim. Não parava de me culpar pelo que acontecera. A lembrança de minha última conversa com ele e da promessa me atormentava. 

- Só queria saber como ela sabia? - ao ouvir esta indagação resolvi contar-lhe o que se passara naquela manhã. - Você foi imprudente, até parece que não conhece a Lizzy. Ela ainda está sofrendo muito pela perda do irmão e se recusa a conversar sobre o assunto. Acho que com tudo isso ela já tinha esquecido sua ida para Hogwarts e esse é um momento em que você está sendo muito importante para ela.

                - Me desculpe! - exclamei me sentindo ainda mais culpado.

                - Tudo bem, não adianta ficarmos lamentando. É melhor a procurarmos, espero que ela tenha trancado a porta por fora e esteja dentro de casa.

                Nos dividimos, eu vasculhei o andar de cima e a Sra. Wyse o de baixo. A primeira coisa que fiz, foi voltar ao quarto de Alexander. Eu gritava e a chamava desesperado, cada vez mais angustiado por não ouvir resposta. Procurei por todos os cômodos e já sem muita esperança resolvi olhar no sótão. Achava pouco provável que ela se escondesse justamente lá, porque era um local sombrio e Eliza o temia. Eu subi recordando as muitas vezes que a desafiei a ir e ela se recusou, mesmo assim era preciso ver em todos os lugares.

                Como suspeitava minha busca foi infrutífera, no entanto, vendo todas aquelas velhas quinquilharias, uma terrível possibilidade me ocorreu. Retornei ao ponto de partida, queria verificar quantas vassouras estavam no armário entrei em pânico ao perceber que não havia nenhuma. Uma eu deixara no quarto de Eliza, no entanto Alex possuía duas e a outra desaparecera. Lembrei-me da janela aberta e agora eu sabia o motivo.       

                Reencontrei minha madrinha onde nos separáramos. Nossas expressões demonstravam nosso estado de desolação. A face da Sra Wyse estava como no dia da morte do filho. Eu disse a ela o que achava que acontecera e ela concordou preocupada.  

- Tive uma idéia! Sirius pegue a sua coruja e venha até aqui. - ela falou depois de um longo tempo de silêncio. Obedeci-a rapidamente. Quando voltei a encontrei escrevendo um bilhete. - Obrigada! Mande-a entregar isso no ministério. - foi então que entendi a quem ela queria pedir ajuda.

                - Não chame meu pai, por favor! Acho que posso resolver isso. - falei na esperança de convencê-la.

                - Ora que bobagem! Você é menor de idade e não pode fazer mágicas fora da escola e pelos meios trouxas demorará muito para encontrá-la.

                - Eu não gosto de pedir nada para ele! - exclamei irritado - Além do mais a princesinha está assim por minha culpa então quero resolver isso sozinho, eu posso ir atrás dela! Lizzy não pode ter ido muito longe, pelo menos não voando.

                - É muito perigoso você pode ser visto ou se perder e eu iria ficar ainda mais preocupada.

                - Por quê não chamamos meu padrinho?

                - Ele está em uma missão muito importante, por isso não pôde ficar para te levar a estação. Olhe eu falaria com ele se isso fosse ajudar, só que ele não poderá voltar e não quero que ele fique com esse problema na cabeça e não consiga se concentrar no trabalho. - o temor dela era compreensível, pois se os tempos eram perigosos para um bruxo comum, para um auror em serviço a coisa piorava. Eu me senti mal por tê-la deixado ainda mais nervosa apenas para não ferir meu orgulho e acabei cedendo.

No entanto eu não pretendia ficar parado esperando meu pai receber a notícia e pensar em uma solução. Eu tinha que tomar uma atitude e acabei resolvendo colocar em prática a idéia que minha madrinha rejeitara. Inventei uma desculpa qualquer para justificar minha ausência, peguei a vassoura e saí escondido.

                Embora na época não parecesse ter sido, hoje sei que o que fiz foi uma loucura. Eu sobrevoei todo o bairro tomando o máximo de cuidado possível para que nenhum trouxa me visse, o que não era muita coisa já que eu precisava voar baixo. Em um determinado momento avistei uma menina de cabelos castanho claro. Ela parecia estar sozinha e andava olhando para o chão com passos decididos. Procurei um local escondido e aterrissei. 

- Eliza! - chamei e ela não deu atenção. Corri tentando alcançá-la e ela também apressou seu caminhar, o que não adiantou nada já que eu fui mais rápido. - Lizzy, você tem que me ouvir! - supliquei obrigando-a a se virar. Assim que o fiz percebi que me enganara.

                - Quer me deixar em paz? Não me chamo Eliza e não sei sequer quem é essa garota! - a menina falou irritada. Eu soltei-a e me desculpei pelo engano.

Continuei a procurar. Eu temia nunca mais vê-la novamente e me dei conta do quanto ela era importante para mim, claro que não da forma como ela é hoje. Foi naquele dia que decidi jamais quebrar a promessa que fizera a Alex, não só pela memória dele, mas principalmente por ela, pelo sentimento que eu devotava a ela. Eu cuidaria dela para sempre e não permitiria que nenhum mal a acontecesse. O que eu não sabia era que meus próprios sentimentos por ela me levariam a descumprir minha promessa e quanto sofrimento ela nos traria.

                Afinal voltei para casa, já sem esperança. Chegando lá encontrei meu pai furioso na sala. Ele havia recebido a mensagem, aparatado na casa dos Wyse, conversado com a mãe de Eliza e descoberto o que eu fizera.

                - Eu devia te dar uma surra da qual não se esqueceria jamais! Você tem noção do que fez? Hein moleque? Responda-me!

                - Acalme-se! Ele não fez por mal! - minha madrinha interveio me salvando.

                - Você é muito compreensiva, só que com esse garoto a única coisa que funciona é bater! Ele tem que apanhar para aprender.

                - Também não é assim! - ela me defendeu. - Ele está apavorado era natural que fosse precipitado. Agora o melhor é ele ir logo para estação senão vai perder o trem e...

                - Eu não vou! - a interrompi.

                - Não diga asneira, é claro que vai! - meu pai falou irado.

                - Enquanto Lizzy não aparecer ficarei aqui, aguardando notícias. - insisti.

                - Sirius, vá por favor! Não vai adiantar nada você ficar, assim que eu souber de qualquer coisa te mando uma coruja. - eu acabei concordando.

                Durante todo o trajeto da minha casa para estação fiquei olhando para fora do táxi que a Sra. Wyse chamara, pois ela queria ficar em casa esperando algum sinal de Lizzy e meu pai se recusou a me acompanhar. Nem reparei nos olhares de interrogação que o motorista lançou ao meu malão e a gaiola vazia onde deveria estar Pan, minha coruja. A última coisa que ocupava meus pensamentos era a dúvida comum sobre a seleção ou o medo de não fazer amizades, nada me importava senão a possibilidade de ter perdido a princesinha para sempre.