I - Café com Lágrimas
Acordou. Ao seu lado, um lugar vazio, fazendo a cama parecer tão grande e fria. Mais uma vez. Com um gesto suave, passou a mão pelo lençol à sua esquerda, como que na esperança de o sentir quente. A sua expressão, naturalmente doce, entristeceu. "Voltaste a dormir fora. Outra vez". Sentou- se. Olhou por alguns momentos o quarto sem vida à sua volta. Tão desenquadrado, tão nostálgico... viveria ela de recordações? Pegou na moldura em cima da mesa de cabeceira à sua direita. Um jovem de cabelos dourados e olhos profundos como o mar sorria-lhe discretamente. "O que se passa contigo?...", perguntou-se. Observou a imagem, divagando durante alguns segundos. Cada vez mais desesperada. Cada vez com menos esperança. Mordeu os lábios para conter as lágrimas, voltando a pousar a fotografia no móvel de forma agressiva, como quem acaba de se queimar. Levantou-se e olhou-se ao espelho. Continuava a mesma. Um ano não mudara nada. Mas, por dentro... tudo era diferente. Seria culpa dela? Não... não podia ser... não fizera nada errado... mas não podia competir com os mortos. Uma lágrima solitária rolou-lhe pela face abaixo, indo cair no chão escuro. Reparou, pela primeira vez, como se sentia fria. Seria apenas interiormente? Não... a pele-de-galinha nos seus braços fê-la olhar em volta à procura de uma razão para a corrente gélida que a envolvia. Claro, a janela. Aberta. Mais uma vez. Dirigiu-se ao pequeno buraco na parede, a sua única ligação actual com o mundo real. Numa esperança vaga, os seus olhos procuraram instintivamente uma figura bem constituída, sobressaíndo nas ruas da pequena vila, talvez acenando, sorrindo, gritando o seu nome... não. Nada. Não se avistava vivalma. Com um suspiro conformado, fechou de vez a janela e vestiu de forma determinada o roupão cor-de-rosa pálido. Era necessária uma nova atitude para com o mundo. Para com ela mesma.
Foi para a cozinha. Com gestos automáticos, como quem se limita a dar continuidade a uma velha rotina, aqueceu uma chávena de café. Sentou-se, esperando que o líquido arrefecesse até à temperatura ideal. Olhou o relógio sobre a porta. Oito da manhã. Sempre o mesmo relógio, sempre a mesma hora. Subitamente, o rodar metálico de uma chave na fechadura deu fim à sua abstracção, trazendo-a de volta à realidade. A mão que segurava a chávena, agora fria de mais, tremeu. Esperou, petrificada. Os passos aproximavam-se. E ali estava ele, finalmente. Saberia ele que era nele que pensava dia e noite, sem cessar? Saberia ele ser a sua razão de viver? Com passos pesados e cansados, sem uma palavra, Cloud dirigiu-se à cafeteira.
"Bom-dia", disse ela, calmamente, num tom de voz neutro.
"Tifa...". Parecia ainda nem a ter notado. "Bom-dia..."
Pegou na sua chávena de café e sentou-se na mesa, à frente dela, fitando intensamente o vapor que subia pelo ar. As suas olheiras aumentavam de dia para dia, e, com elas, a expressão de indiferença e abstracção no rosto.
"Estiveste fora a noite toda," proferiu Tifa calmamente. "Outra vez."
"Desculpa, eu..."
"Não. Não peças desculpa. Outra vez, não." Cloud calou-se subitamente, surpreendido pela inesperada mudança de tom da companheira. "Pensei que tínhamos concordado que o melhor seria voltar para Nibelheim, para esquecer. Longe do passado. Longe dela. Mas não a consegues esquecer, pois não?" "Eu... eu sinto-a. Sinto-a constantemente, todos os dias e noites. É insuportável, a sua memória parece perseguir-me, eu..." "Cloud, a Aerith está morta!" As lágrimas pareciam estar prestes a explodir no rosto subitamente rosado de Tifa. Ele empalideceu. "Não", disse com determinação. "Naquela altura, na Cratera, parecia tudo tão claro... eu senti-a... o seu cheiro, a sua aura, o seu calor... tu não?" "S-sim... sim... eu sinto tanto a falta dela como tu, mas... sejamos realistas, Cloud. Temos de seguir em frente. Isso não implica esquecê-la, mas temos de continuar a viver!" Numa última explosão de desespero, concluiu "Ao menos, diz-me onde passas as noites!" Cloud levou lentamente a chávena aos lábios, sorvendo um pouco de café e pousando-a de seguida. Após uma pausa incomodativa, proferiu: "Tenho andado por aí... subo ao Monte Nibel, reflicto um pouco... não sei... a natureza faz-me senti-la mais próxima... se eu soubesse... se eu, ao menos, soubesse onde é a Terra Prometida..." Tifa parecia, ao mesmo tempo, surpreendida e triste. O rosto destituído de esperança daquele que fora sempre o seu amor fez com que esquecesse todo o desespero e raiva, e a sua faceta mais maternal e doce emergiu. Dirigiu-se a Cloud, acocorando-se a seu lado. Apoiou uma mão nos seus joelhos, acariciando-lhe a face com a outra. "Cloud... chega. Basta. Estive a pensar, e é melhor voltarmos para Midgar..." A expressão de Cloud parecia gritar 'oh-não-imaginas-como-isso-me-faz-feliz- mas-não-quero-que-sofras-por-minha-culpa'. "Mas, Tifa..." "Não. Já decidi. Vamos falar com a Elmyra, visitar a igreja de novo, fazer o que for preciso, procurar por sinais. Será fácil reunir o grupo, podemos voltar a ser um só... como dantes... Cloud... eu também a amava... também sofro a sua morte, todos os dias... não vamos deixar que isto nos mate a nós também... juntos, vamos reencontrá-la." Cloud segurou a mão de Tifa contra a sua, apertando-a junto à face, os olhos surpreendidos cheios de admiração. "Tifa..." Tifa sorriu ternamente. "O seu corpo pode estar na Cidade Esquecida, inerte, mas a sua alma rodeia- nos constantemente. Cloud... nós vamos conseguir esse último contacto... essa despedida a que nunca chegámos a ter direito... Cloud... juntos, conseguiremos. Prometo." Com um beijo na face do companheiro, Tifa selou a decisão. "Também já era altura de voltar a tirar a mini-saia e as luvas de combate do armário", concluiu, piscando um olho, determinada.
Acordou. Ao seu lado, um lugar vazio, fazendo a cama parecer tão grande e fria. Mais uma vez. Com um gesto suave, passou a mão pelo lençol à sua esquerda, como que na esperança de o sentir quente. A sua expressão, naturalmente doce, entristeceu. "Voltaste a dormir fora. Outra vez". Sentou- se. Olhou por alguns momentos o quarto sem vida à sua volta. Tão desenquadrado, tão nostálgico... viveria ela de recordações? Pegou na moldura em cima da mesa de cabeceira à sua direita. Um jovem de cabelos dourados e olhos profundos como o mar sorria-lhe discretamente. "O que se passa contigo?...", perguntou-se. Observou a imagem, divagando durante alguns segundos. Cada vez mais desesperada. Cada vez com menos esperança. Mordeu os lábios para conter as lágrimas, voltando a pousar a fotografia no móvel de forma agressiva, como quem acaba de se queimar. Levantou-se e olhou-se ao espelho. Continuava a mesma. Um ano não mudara nada. Mas, por dentro... tudo era diferente. Seria culpa dela? Não... não podia ser... não fizera nada errado... mas não podia competir com os mortos. Uma lágrima solitária rolou-lhe pela face abaixo, indo cair no chão escuro. Reparou, pela primeira vez, como se sentia fria. Seria apenas interiormente? Não... a pele-de-galinha nos seus braços fê-la olhar em volta à procura de uma razão para a corrente gélida que a envolvia. Claro, a janela. Aberta. Mais uma vez. Dirigiu-se ao pequeno buraco na parede, a sua única ligação actual com o mundo real. Numa esperança vaga, os seus olhos procuraram instintivamente uma figura bem constituída, sobressaíndo nas ruas da pequena vila, talvez acenando, sorrindo, gritando o seu nome... não. Nada. Não se avistava vivalma. Com um suspiro conformado, fechou de vez a janela e vestiu de forma determinada o roupão cor-de-rosa pálido. Era necessária uma nova atitude para com o mundo. Para com ela mesma.
Foi para a cozinha. Com gestos automáticos, como quem se limita a dar continuidade a uma velha rotina, aqueceu uma chávena de café. Sentou-se, esperando que o líquido arrefecesse até à temperatura ideal. Olhou o relógio sobre a porta. Oito da manhã. Sempre o mesmo relógio, sempre a mesma hora. Subitamente, o rodar metálico de uma chave na fechadura deu fim à sua abstracção, trazendo-a de volta à realidade. A mão que segurava a chávena, agora fria de mais, tremeu. Esperou, petrificada. Os passos aproximavam-se. E ali estava ele, finalmente. Saberia ele que era nele que pensava dia e noite, sem cessar? Saberia ele ser a sua razão de viver? Com passos pesados e cansados, sem uma palavra, Cloud dirigiu-se à cafeteira.
"Bom-dia", disse ela, calmamente, num tom de voz neutro.
"Tifa...". Parecia ainda nem a ter notado. "Bom-dia..."
Pegou na sua chávena de café e sentou-se na mesa, à frente dela, fitando intensamente o vapor que subia pelo ar. As suas olheiras aumentavam de dia para dia, e, com elas, a expressão de indiferença e abstracção no rosto.
"Estiveste fora a noite toda," proferiu Tifa calmamente. "Outra vez."
"Desculpa, eu..."
"Não. Não peças desculpa. Outra vez, não." Cloud calou-se subitamente, surpreendido pela inesperada mudança de tom da companheira. "Pensei que tínhamos concordado que o melhor seria voltar para Nibelheim, para esquecer. Longe do passado. Longe dela. Mas não a consegues esquecer, pois não?" "Eu... eu sinto-a. Sinto-a constantemente, todos os dias e noites. É insuportável, a sua memória parece perseguir-me, eu..." "Cloud, a Aerith está morta!" As lágrimas pareciam estar prestes a explodir no rosto subitamente rosado de Tifa. Ele empalideceu. "Não", disse com determinação. "Naquela altura, na Cratera, parecia tudo tão claro... eu senti-a... o seu cheiro, a sua aura, o seu calor... tu não?" "S-sim... sim... eu sinto tanto a falta dela como tu, mas... sejamos realistas, Cloud. Temos de seguir em frente. Isso não implica esquecê-la, mas temos de continuar a viver!" Numa última explosão de desespero, concluiu "Ao menos, diz-me onde passas as noites!" Cloud levou lentamente a chávena aos lábios, sorvendo um pouco de café e pousando-a de seguida. Após uma pausa incomodativa, proferiu: "Tenho andado por aí... subo ao Monte Nibel, reflicto um pouco... não sei... a natureza faz-me senti-la mais próxima... se eu soubesse... se eu, ao menos, soubesse onde é a Terra Prometida..." Tifa parecia, ao mesmo tempo, surpreendida e triste. O rosto destituído de esperança daquele que fora sempre o seu amor fez com que esquecesse todo o desespero e raiva, e a sua faceta mais maternal e doce emergiu. Dirigiu-se a Cloud, acocorando-se a seu lado. Apoiou uma mão nos seus joelhos, acariciando-lhe a face com a outra. "Cloud... chega. Basta. Estive a pensar, e é melhor voltarmos para Midgar..." A expressão de Cloud parecia gritar 'oh-não-imaginas-como-isso-me-faz-feliz- mas-não-quero-que-sofras-por-minha-culpa'. "Mas, Tifa..." "Não. Já decidi. Vamos falar com a Elmyra, visitar a igreja de novo, fazer o que for preciso, procurar por sinais. Será fácil reunir o grupo, podemos voltar a ser um só... como dantes... Cloud... eu também a amava... também sofro a sua morte, todos os dias... não vamos deixar que isto nos mate a nós também... juntos, vamos reencontrá-la." Cloud segurou a mão de Tifa contra a sua, apertando-a junto à face, os olhos surpreendidos cheios de admiração. "Tifa..." Tifa sorriu ternamente. "O seu corpo pode estar na Cidade Esquecida, inerte, mas a sua alma rodeia- nos constantemente. Cloud... nós vamos conseguir esse último contacto... essa despedida a que nunca chegámos a ter direito... Cloud... juntos, conseguiremos. Prometo." Com um beijo na face do companheiro, Tifa selou a decisão. "Também já era altura de voltar a tirar a mini-saia e as luvas de combate do armário", concluiu, piscando um olho, determinada.
