3. Proibido.
Com as semanas passando, fez-se rotina no castelo novamente. Aulas, estudos, horas de prática no campo de quadribol. Laurel tinha que concordar com Serene de que havia realmente várias coisas fascinantes a se aprender ali. Muitas das noites ela se encontrava tendo dificuldades de fechar um dos livros que ela estava lendo. E a cada dia ela aprendia mais alguma coisa interessante. Os alunos adultos eram separados de acordo com seus conhecimentos e habilidades para assistirem às aulas.
Havia uma vila perto de Hogwarts, e era permitido aos alunos adultos irem para lá aos sábados, fazerem compras.
Essa era a única coisa que Serene e Laurel faziam juntas durante a semana. Era bom estar no meio dos jovens, mas compras sérias eram melhores serem feitas com alguém da mesma faixa etária.
Serene experimentava um robe de veludo azul escuro e se virou, pensativa. "Eu fico gorda com esse vestido, não?"
Laurel virou os olhos. Elas haviam passado as duas últimas horas naquela loja e ela estava louca por algo para beber. "Não fica não. Compre"
Serene olhou mais uma vez para o espelho, que aplaudiu e sorriu de volta quando ela deu uma leve rodopiada.
"Eu vou levar, então."
Elas saíram da loja e se sentaram numa das mesas em frente ao bar. Duas canecas apareceram na frente delas, enquanto elas aproveitavam os últimos raios do sol e outono.
"Ainda está tentando ser expulsa?" Serene perguntou, examinando um Corvinal bonito, do sétimo ano.
Laurel deu de ombros. "Eu não sei. Esse lugar é tão estranho. Eu não sou como você. Não sonho em vim pra cá desde meus sete anos."
Os olhos de Serene se escureceram. "Você não faz idéia. Dentro de mim eu sempre tive certeza de que Hogwarts existia. Mas ninguém acreditava em mim. Depois de todos aqueles anos de terapia e Prozac, até eu estava começando a achar que era louca."
"O que me preocupa é o que a minha família está pensando sobre meu desaparecimento."
"O Ministério tomou conta disso" disse uma voz atrás delas.
Minerva McGonagall deixou sua bolsa de compras no chão e conjurou uma cadeira até a mesa, de frente para as alunas.
"O que você quer dizer com tomou conta?"
"Eles mandaram uma carta onde você explica que seu trabalho iria te manter por mais um tempo na Inglaterra. Mais do que você esperava. Até o Natal, no mínimo, ou mais."
"Eles falsificaram uma carta?"
"Temo que sim."
"Mas, e meu apartamento? Quem está pagando o aluguel?"
"Acredito que eles têm meios de resolver isso também." um bule de chá apareceu em frente à professora. Ela suspirou aliviada. "Ah, fazer compras acaba com meus pés."
Laurel ficou sentada, quieta, observando Minerva beber o chá e conversando polidamente com Serene. Saudades de casa quase a fizeram engasgar. De repente sua caneca trincou e estourou. Cristais de gelo se partiram em cima da mesa. Minerva reagiu rápido e beliscou a mão de Laurel.
"Ouch!"
"Acorde, garota. Olha o que você acabou de fazer. Pensei que você já tivesse controle sobre suas emoções."
"Pelo menos ela não colocou fogo" Serene disse afetadamente. "E ela pode vir a ser útil no verão. Dificilmente ficaremos em falta de cubos de gelo."
***
Naquela noite, após o jantar, a professora McGonagall esperava por Laurel na saída do Grande Salão. Laurel corou. O incidente com o gelo havia sido constrangedor, e com certeza havia minimizado as chances dela ser liberada logo.
"Venha comigo" McGonagall ordenou.
Imaginando o que acontecia com alunos que quebravam xícaras com choque- térmico, Laurel a seguiu. Elas entraram na sala da professora. Na mesa de carvalho trabalhada repousava uma grande vasilha de porcelana, com água.
"Presumo que tenha sido tristeza, e não raiva, a responsável pelo incidente de hoje a tarde?"
"Sim. Sinto muito."
A mulher mais velha apontou para a vasilha. "Talvez melhore se você ver que está tudo bem com sua família."
Laurel franziu a testa. "Em uma tigela de sopa?"
"Dê uma olhada"
A professora passou a mão por cima da vasilha, murmurando algumas palavras. "Não tente fazer isso sozinha, por enquanto."
Pequenas ondas se formaram na superfície da água, que logo ficou embaçada. De re pente, Laurel reconheceu cores, formas, e viu seu sobrinho colhendo nozes na grande árvore no quintal da casa dos seus pais, enquanto o sol ainda se punha. Bobo, o cachorro deles, pulava ao redor e latia. Ela sorriu tristemente e olhou para Minerva. "Isso é real?"
"Está acontecendo nesse exato momento. Você pode dar uma olhada neles de vez em quando. É só me procurar na minha sala que irei ajudá-la. Só me prometa que irá tentar se controlar daqui em diante."
"Não é que eu não tente... é só que..."
A professora McGonagall ofereceu a ela uma cadeira. "Sua mente voa?"
"Isso."
"Há algo em Hogwarts que a preocupa? Ou que a assusta?"
Laurel suspirou. "Você se lembra do seu primeiro ano em Hogwarts?"
"Vividamente."
"Agora imagine tudo isso aos 30 anos. As crianças são boas, e eu adoro elas. Mas a maior parte do tempo, eu me sinto uma tola."
"Mas essa tola irá sobreviver e não ser morta por uma avalanche ou uma tempestade de granizo."
"O que você quer dizer com isso?" Laurel perguntou desconfiada.
"Permita-me chamar o Professor Dumbledore para se juntar à nossa conversa."
Antes que Laurel pudesse concordar, Dumbledore saiu da lareira. Laurel já havia visto alguns professores fazendo a mesma coisa, mas isso ainda a surpreendia.
O diretor limpou os pés antes de pisar no carpete da professora. "Desculpe pelas cinzas."
"Não tem importância, Albus" A professora McGonagall sorriu. "Você e eu concordamos em deixar a Srta. Hunter se acomodar antes de contarmos a ela a verdadeira razão para ela estar aqui. Eu acho que esse momento chegou"
Laurel se levantou. "Verdadeira razão? Como assim?"
"Todos aqueles acidentes que aconteceram com você formam um padrão" Dumbledore explicou. "Fenômenos naturais, mas repentinos e violentos. Considerando que você não tinha muito controle sobre seus poderes..."
"Ou nenhum controle." McGonagall murmurou.
"Você poderia ter sido a causa de tudo. Mas não do fogo na Biblioteca Nacional" ele continuou.
"Vocês estão dizendo que alguém está tentando me matar?" Laurel sentiu um riso histérico subindo pela sua garganta. Gás venenoso. Era isso. Ela havia sofrido um grave caso de envenenamento e estava alucinando. Tudo isso - a escola, os bruxos, as vassouras pelo amor de Deus - tinham que ser causados por excesso de monóxido de carbono. Nesse exato momento ela deveria estar deitada em algum leito de hospital, em coma.
"Tememos que sim"
Minerva previu o pânico e entregou um copo com um líquido âmbar para Laurel.
"O que é isso? Uma das poções de Snape? Isso irá me transformar em sapo?"
"É conhaque trouxa" Dumbledore sorriu.
Laurel virou o copo de uma vez e tossiu pelos próximos minutos. Os professores esperaram pacientemente até que ela pudesse falar novamente.
"Por que alguém iria quer me matar?"
"Ainda não sabemos, Srta. Hunter." Dumbledore soava preocupado, apesar do sorriso permanecer em seu rosto. "Mas confie em nós para descobrirmos."
***
Laurel andava de volta para o seu quarto, na ala leste. Sua cabeça doía. A revelação de Dumbledore havia causado um nó em seu estômago. A perspectiva de passar uma tarde em alguma das salas comunais a fazia tremer. Quem iria imaginar que ela sentiria tanta falta assim de uma televisão. Nesse exato momento, ela daria qualquer coisa por uma hora de puro entretenimento.
Uma figura sombria apareceu na sua frente, a assustando a ponto de morder a própria língua.
"Ouch!"
Ben segurava o pulso de Laurel, impedindo-a de bater nele. "Desculpe, Laurel. Não quis assustá-la"
"Ben! Que diabos!"
Ele levou um dedo até os lábios. "Sssh! Eu vi McGonagall levando você depois do jantar. O que aconteceu?"
"Eu congelei uma caneca de Cerveja Amanteigada."
O olhar vazio de Ben fez com que Laurel risse, mas a nuvem negra de confusão e medo não se desfez. "Uma longa história, Ben. Foi gentil da sua parte esperar por mim. Mas eu não estou em apuros, se é isso que você está pensando."
Ele andou ao lado dela, descendo as escadas. Laurel começou a pensar em como os corredores eram iluminados durante a noite. Não havia nenhuma vela ou lâmpada, mas luz o suficiente para se andar seguramente. Atrás das portas, alguém podia escutar risadas e palavras.
Ben parou em um dos andares.
"Você não parece que está interessada num jogo de Palavras-cruzadas." (NA. Scrabble, no original)
"Não, realmente" ela admitiu. "Especialmente contra adolescentes que já aperfeiçoaram seus feitiços de anagrama há anos"
Ele sorriu. "Então é por isso que eu sempre caio com todos os X e Y!"
Através das janelas eles conseguiam ver a lua iluminada.
"Talvez você devesse dar uma caminhada pela floresta, tomar um ar" Ben sugeriu. "A noite está clara. Você nem vai precisar da varinha para iluminar o caminho."
"Eu trocaria minha varinha por uma tocha de bolso a qualquer momento" mas ele estava certo. O ar fresco iria acalmar seus nervos. No entanto...
"Nós não podemos entrar lá, não é? É proibido. Eles anunciaram isso no primeiro dia, no jantar."
Ben riu. "Oh Laurel. E você diz que não quer ter nada a ver com esse mundo? É um conto de fadas, nada mais. É claro que eles não querem as crianças lá - eles são professores, lembra? Apenas veja o nome: Floresta Proibida! O que você acha que tem lá? Dragões? O Coelho da Páscoa? Unicórnios?
Ela deu um sorriso constrangido. "Mas eu gosto de contos de fadas. Só não quero viver em um"
***
Ela se lembrava das próprias palavras quando as sombras mataram o unicórnio. "Eu não quero viver num conto de fadas" Alguns contos de fadas eram cruéis, e aquele era um.
Eles seguravam a fêmea com correntes que brilhavam como prata. E embora a criatura forçasse as correntes, ela não conseguia se soltar. Uma faca brilhou à luz da lua.
Laurel permanecia atrás de uma árvore, mal escondida pelo seu trono e sombra. Ela não conseguia se mexer, mas tentou gritar. Uma mão tampou sua boca, abafando seu choro. Uma voz familiar sussurrou quase inaudivelmente em seu ouvido esquerdo.
"Nenhuma palavra se quiser viver."
Ela engoliu com dificuldade. Mesmo fechando os olhos ela não conseguia fugir dos gritos de dor e tortura que acompanhava a morte daquela bela criatura. As figuras encapuzadas se ajoelharam ao lado da garganta do unicórnio e após um momento que parecia de ritual, ou prece, eles se curvaram para o sangue que fluía como se fosse uma fonte d'água.
Laurel sentiu seu estômago pesar.
Depois, como névoa ou sombras, os assassinos desapareceram na escuridão das árvores. Os joelhos de Laurel tremiam loucamente. Se a mão na sua boca não a mantivesse presa firmemente contra o corpo alto atrás dela, ela teria caído. Exatamente o que aconteceu quando ele a soltou. Sem pensar, ela começou a rastejar na direção do animal moribundo. A fêmea tremia, deitada. Sua respiração começando a diminuir, seu belo pêlo branco manchado de sangue. Os olhos abertos, arregalados, olhavam direto para Laurel. A mulher se aproximou, estendendo a mão e tocando de leve seu focinho.
Uma tristeza enchia o coração e a mente de Laurel. Uma tristeza maior do que ela já havia sentido antes. Suas saudades de casa; sua confusão por causa da permanência forçada em Hogwarts; o desconfortável interesse que ela havia adquirido pelo professor de poções... - era nada comparada com aquele extremo sentimento de perda.
Snape, que a havia mantido calada enquanto os assassinos acabavam seus feitos, olhava com admiração como lágrimas caíam pelo rosto de Laurel; como seus soluços chacoalhavam seu corpo. Enquanto tristeza e dor pareciam transbordar por ela, tudo o que ele conseguia sentir era pânico e a necessidade de sair dali, para bem longe, onde ele não precisasse lidar com tantas emoções.
Foi quando ele escutou o barulho de cascos na clareira que ele soube que era tarde demais. Ele moveu-se para perto da mulher chorando. A última coisa que eles precisavam agora era de um unicórnio louco de dor pela morte de sua companheira. A criatura apareceu trotando pela névoa e grama, furiosa. Seus olhos, geralmente cristalinos, estavam escurecidos pelo desespero.
Snape sabia que ele deveria pegar Laurel e Aparatar para longe dali, mas tudo o que ele conseguia fazer era ficar parado. O unicórnio parou, seu chifre a centímetros do peito de Snape. Suor frio começou a escorrer pelas suas costas. Havia pessoas que conseguiam se comunicar com unicórnios. Mas não ele. Elas eram criaturas puras demais, leves. 'Lilly conseguia.' Ele se lembrou.
Laurel olhou para cima. Ainda tremendo e chorando, ela viu Snape parado como um escudo entre o unicórnio e a fêmea morta. Ela segurou a mão de Snape. "Ele quer que a gente saia daqui" Ela não fazia idéia de como aquele pensamento entrou em sua mente. "Ele quer chorar a morte dela em paz."
Snape a puxou em pé, para longe do animal ensangüentado. O unicórnio observava cada movimento deles.
Laurel deu uma última olhada para trás. "Eu sinto muito", ela murmurou. O unicórnio fez um reverencia com a cabeça. Snape se arrepiou. Ele tinha que sair dali, e rápido.
"Vamos deixá-lo em paz." sua voz era urgente e calmante ao mesmo tempo. Ele segurava a mão dela firmemente enquanto a arrastava através da floresta. O unicórnio não os seguiu. Finalmente, quando eles saíram nos campos, ele a soltou, deixando que ela recuperasse o fôlego.
De repente, a raiva quase o fez engasgar.
"O que diabos você estava pensando ao entrar na Floresta Proibida? Quer que eu explique o termo 'proibida' para você? Significa NÃO-ENTRE-LÁ! Em hipótese alguma. Jamais!" sua voz havia saído mais alta do que ele pretendia.
Lágrimas caiam dos olhos de Laurel novamente. "Eu... eles mataram aquele lindo animal. Eles cortaram a garganta dela e...," ela sussurrou "Eles beberam seu sangue."
Snape concordou com a cabeça. "Esse não foi o primeiro assassinato deles, e eles não teriam nos poupados, se tivessem nos visto. Agora me responda. O que você fazia lá?"
"Eu queria ficar sozinha por um momento. Eu... eu não estou acostumada a ter muitas pessoas à minha volta o tempo todo. E nem a seguir um horário fixo que não foi organizado por mim mesma. Você deveria ser o primeiro a entender. Você pode se esconder naquela sua masmorra quando quer ficar sozinho. Mas eu tenho que lidar com magias estranhas, sem poder ver meus amigos e minha família há semanas. E ainda tenho que dividir o quarto com a Serene."
"Eu entendo" ele realmente entendia. Não a parte sobre amigos e família, já que ele não tinha nenhum dos dois e, portanto, não tinha a necessidade de vê-los. Mas a parte sobre ficar sozinho. "Você quer que eu te deixe?" Ao mesmo tempo ele sabia que não poderia deixá-la sozinha, estando tão perto da floresta. Ela balançou a cabeça, fungando.
"Eu passei pelo campo de Quadribol e entrei na floresta, mas me perdi. Eu sei que não deveria pisar lá, mas... A névoa e as árvores eram como um labirinto. Só que eu não conseguia achar um caminho para sair. Foi quando eu vi o unicórnio. A criatura mais bela que eu já vi em toda a minha vida. Eu não sabia que eles existiam"
"Não restam muitos" Snape disse enfaticamente. "Três deles foram mortos no verão"
Ele a entregou um lenço, que ela usou para assoar o nariz.
"Você consegue Aparatar para o portão do castelo?" ele perguntou.
Laurel corou. "Eu não sou muito boa em Aparatar, temo eu. Acredito que nunca irei conseguir uma licença para aparatar. Quero dizer, eu consigo partir daqui. E chegar em algum lugar, inteira. É só que... não necessariamente aonde eu queria."
"Então as chances são de que você poderia acabar no telhado?"
"Ou pior."
Ele suspirou. Claro que ele poderia aparatar os dois para o castelo em segundos. Mas isso significava que ele precisaria encostar nela de novo. Os dois minutos que ele a segurou na floresta, evitando que eles fossem vistos, tinha sido mais do que ele podia suportar por uma noite. Segurar ela perto, sentir seu coração batendo, o perfume do seu cabelo... De jeito nenhum.
"Vamos andar, então" ele sugeriu, secamente. "Assim nós chegamos tarde, mas vivos."
Eles passaram pelos jardins. As noites frias de inverno haviam feito efeito nas flores. Alguns dias antes, Hagrid havia enrolado as estufas numa esteira protetora. As sebes cintilavam com o gelo.
"Então se aparatar não é sua melhor matéria, qual é?" Snape tentava manter uma conversa, para que Laurel não pensasse mais no unicórnio morto. "E por favor não diga que é poções, porque nós dois sabemos que não é."
"Eu sou razoavelmente boa em feitiços" ela arriscou. "E história. Qualquer coisa que se possa aprender em livros, acho. Está certo que também faz tempo que eu não caio da vassoura. É que nem andar de bicicleta..."
Ela olhou para ele curiosamente. "Você já?"
"Eu já o que? Caí da vassoura? Não."
"Você já andou de bicicleta?"
Ele pensou sobre isso. "Eu acredito que não"
Laurel esfregou os braços vigorosamente, para esquentá-los. "Vai nevar aqui no inverno? Aqui é Escócia, não é?"
"Era, da última vez que eu chequei" Ele zombou. "O Ministério não te arranjou roupas apropriadas?"
Isso estragou tudo. "Qual o problema com meu suéter?" Ela disse, nervosa. "Faz um longo tempo desde que eu tive que usar uniforme escolar. E eu não sou como Serene que vê um prazer doentio em se fantasiar de colegial, com saias curtas e meias ¾."
Snape fez o possível para permanecer sério. "Seu suéter está bem. É só que..."
"Eu arrisquei minha vida por esse suéter, ok?" Ela disse, apontando para as letras ornadas quase apagadas. "Eu tive que bater centenas de fãs de rock para conseguir isso. Não que vocês saibam o que é música rock"
A voz de Snape era levemente sombria. "Eu posso passar a maior parte da minha vida tentando enfiar as regras básicas de poções em cérebros do tamanho de uma noz, ou impedindo que Neville Longbottom encontre uma morte prematura. Mas ao contrário da sua opinião sobre minha pessoa, eu não sou um completo ignorante sobre o mundo trouxa. Eu sei o que é rock"
Isso a fez calar. Pelo menos por trinta segundos.
"Então por que todos ficam implicando com minhas roupas?"
"Eu apenas pensei que você pudesse estar com frio" ele deu de ombros. "Eu não dou a mínima para roupas, como qualquer um em Hogwarts poderá confirmar. Se você perguntar para algum dos elfos-domésticos, acredito que eles poderão arrumar algo que esquente. E que não a transforme em uma... colegial velha. Enquanto isso..." Ele tirou a própria capa de lã e a entregou para Laurel.
"Obrigada" ela sorriu. "Mas você vai congelar até os ossos." Ele vestia apenas calças e uma blusa preta, o que deixava seu rosto ainda mais pálido que o usual. "Por que a gente não divide? Ela é grande o suficiente para nós dois"
No escuro, ela não podia ter certeza, mas a mera sugestão pareceu fazer Snape hesitar.
"Fique com ela. Eu vou usar um feitiço no lugar"
"Obrigada" ela se abraçou debaixo da capa, parando logo de tremer.
Silenciosamente, eles continuaram a andar.
O humor de Snape escureceu. Tinha sido uma longa noite. Ele tinha falhado em salvar o unicórnio, tinha lidado mais do que queria com emoções e o feitiço contra frio não estava funcionando corretamente.
E ele ainda sentia os lábios suaves dela contra a palma da sua mão.
Após o que pareceu ser uma eternidade, o castelo surgiu.
As torres nunca lhe pareceram tanto como um lar antes. Ele abriu a porta. "Eu devo informar ao Professor Dumbledore sobre a morte do unicórnio."
"Eu sei"
"Eu não posso deixá-la fora disso. A floresta é proibida. Seja para alunos adultos ou não"
"Ora, Professor. Você não vai querer estragar a sua reputação. Se eu estivesse em uma das casas você provavelmente iria tirar bilhões de pontos e isso iria fazer seu dia" ela entregou de volta a capa dele.
Ele pegou a capa e ficou em pé, no hall, enquanto ela subia as escadas para sua ala. No final da escada, ela parou e se apoiou no corrimão, olhando para baixo. "A propósito. Obrigada por salvar minha vida, Mestre de Poções."
***
Com as semanas passando, fez-se rotina no castelo novamente. Aulas, estudos, horas de prática no campo de quadribol. Laurel tinha que concordar com Serene de que havia realmente várias coisas fascinantes a se aprender ali. Muitas das noites ela se encontrava tendo dificuldades de fechar um dos livros que ela estava lendo. E a cada dia ela aprendia mais alguma coisa interessante. Os alunos adultos eram separados de acordo com seus conhecimentos e habilidades para assistirem às aulas.
Havia uma vila perto de Hogwarts, e era permitido aos alunos adultos irem para lá aos sábados, fazerem compras.
Essa era a única coisa que Serene e Laurel faziam juntas durante a semana. Era bom estar no meio dos jovens, mas compras sérias eram melhores serem feitas com alguém da mesma faixa etária.
Serene experimentava um robe de veludo azul escuro e se virou, pensativa. "Eu fico gorda com esse vestido, não?"
Laurel virou os olhos. Elas haviam passado as duas últimas horas naquela loja e ela estava louca por algo para beber. "Não fica não. Compre"
Serene olhou mais uma vez para o espelho, que aplaudiu e sorriu de volta quando ela deu uma leve rodopiada.
"Eu vou levar, então."
Elas saíram da loja e se sentaram numa das mesas em frente ao bar. Duas canecas apareceram na frente delas, enquanto elas aproveitavam os últimos raios do sol e outono.
"Ainda está tentando ser expulsa?" Serene perguntou, examinando um Corvinal bonito, do sétimo ano.
Laurel deu de ombros. "Eu não sei. Esse lugar é tão estranho. Eu não sou como você. Não sonho em vim pra cá desde meus sete anos."
Os olhos de Serene se escureceram. "Você não faz idéia. Dentro de mim eu sempre tive certeza de que Hogwarts existia. Mas ninguém acreditava em mim. Depois de todos aqueles anos de terapia e Prozac, até eu estava começando a achar que era louca."
"O que me preocupa é o que a minha família está pensando sobre meu desaparecimento."
"O Ministério tomou conta disso" disse uma voz atrás delas.
Minerva McGonagall deixou sua bolsa de compras no chão e conjurou uma cadeira até a mesa, de frente para as alunas.
"O que você quer dizer com tomou conta?"
"Eles mandaram uma carta onde você explica que seu trabalho iria te manter por mais um tempo na Inglaterra. Mais do que você esperava. Até o Natal, no mínimo, ou mais."
"Eles falsificaram uma carta?"
"Temo que sim."
"Mas, e meu apartamento? Quem está pagando o aluguel?"
"Acredito que eles têm meios de resolver isso também." um bule de chá apareceu em frente à professora. Ela suspirou aliviada. "Ah, fazer compras acaba com meus pés."
Laurel ficou sentada, quieta, observando Minerva beber o chá e conversando polidamente com Serene. Saudades de casa quase a fizeram engasgar. De repente sua caneca trincou e estourou. Cristais de gelo se partiram em cima da mesa. Minerva reagiu rápido e beliscou a mão de Laurel.
"Ouch!"
"Acorde, garota. Olha o que você acabou de fazer. Pensei que você já tivesse controle sobre suas emoções."
"Pelo menos ela não colocou fogo" Serene disse afetadamente. "E ela pode vir a ser útil no verão. Dificilmente ficaremos em falta de cubos de gelo."
***
Naquela noite, após o jantar, a professora McGonagall esperava por Laurel na saída do Grande Salão. Laurel corou. O incidente com o gelo havia sido constrangedor, e com certeza havia minimizado as chances dela ser liberada logo.
"Venha comigo" McGonagall ordenou.
Imaginando o que acontecia com alunos que quebravam xícaras com choque- térmico, Laurel a seguiu. Elas entraram na sala da professora. Na mesa de carvalho trabalhada repousava uma grande vasilha de porcelana, com água.
"Presumo que tenha sido tristeza, e não raiva, a responsável pelo incidente de hoje a tarde?"
"Sim. Sinto muito."
A mulher mais velha apontou para a vasilha. "Talvez melhore se você ver que está tudo bem com sua família."
Laurel franziu a testa. "Em uma tigela de sopa?"
"Dê uma olhada"
A professora passou a mão por cima da vasilha, murmurando algumas palavras. "Não tente fazer isso sozinha, por enquanto."
Pequenas ondas se formaram na superfície da água, que logo ficou embaçada. De re pente, Laurel reconheceu cores, formas, e viu seu sobrinho colhendo nozes na grande árvore no quintal da casa dos seus pais, enquanto o sol ainda se punha. Bobo, o cachorro deles, pulava ao redor e latia. Ela sorriu tristemente e olhou para Minerva. "Isso é real?"
"Está acontecendo nesse exato momento. Você pode dar uma olhada neles de vez em quando. É só me procurar na minha sala que irei ajudá-la. Só me prometa que irá tentar se controlar daqui em diante."
"Não é que eu não tente... é só que..."
A professora McGonagall ofereceu a ela uma cadeira. "Sua mente voa?"
"Isso."
"Há algo em Hogwarts que a preocupa? Ou que a assusta?"
Laurel suspirou. "Você se lembra do seu primeiro ano em Hogwarts?"
"Vividamente."
"Agora imagine tudo isso aos 30 anos. As crianças são boas, e eu adoro elas. Mas a maior parte do tempo, eu me sinto uma tola."
"Mas essa tola irá sobreviver e não ser morta por uma avalanche ou uma tempestade de granizo."
"O que você quer dizer com isso?" Laurel perguntou desconfiada.
"Permita-me chamar o Professor Dumbledore para se juntar à nossa conversa."
Antes que Laurel pudesse concordar, Dumbledore saiu da lareira. Laurel já havia visto alguns professores fazendo a mesma coisa, mas isso ainda a surpreendia.
O diretor limpou os pés antes de pisar no carpete da professora. "Desculpe pelas cinzas."
"Não tem importância, Albus" A professora McGonagall sorriu. "Você e eu concordamos em deixar a Srta. Hunter se acomodar antes de contarmos a ela a verdadeira razão para ela estar aqui. Eu acho que esse momento chegou"
Laurel se levantou. "Verdadeira razão? Como assim?"
"Todos aqueles acidentes que aconteceram com você formam um padrão" Dumbledore explicou. "Fenômenos naturais, mas repentinos e violentos. Considerando que você não tinha muito controle sobre seus poderes..."
"Ou nenhum controle." McGonagall murmurou.
"Você poderia ter sido a causa de tudo. Mas não do fogo na Biblioteca Nacional" ele continuou.
"Vocês estão dizendo que alguém está tentando me matar?" Laurel sentiu um riso histérico subindo pela sua garganta. Gás venenoso. Era isso. Ela havia sofrido um grave caso de envenenamento e estava alucinando. Tudo isso - a escola, os bruxos, as vassouras pelo amor de Deus - tinham que ser causados por excesso de monóxido de carbono. Nesse exato momento ela deveria estar deitada em algum leito de hospital, em coma.
"Tememos que sim"
Minerva previu o pânico e entregou um copo com um líquido âmbar para Laurel.
"O que é isso? Uma das poções de Snape? Isso irá me transformar em sapo?"
"É conhaque trouxa" Dumbledore sorriu.
Laurel virou o copo de uma vez e tossiu pelos próximos minutos. Os professores esperaram pacientemente até que ela pudesse falar novamente.
"Por que alguém iria quer me matar?"
"Ainda não sabemos, Srta. Hunter." Dumbledore soava preocupado, apesar do sorriso permanecer em seu rosto. "Mas confie em nós para descobrirmos."
***
Laurel andava de volta para o seu quarto, na ala leste. Sua cabeça doía. A revelação de Dumbledore havia causado um nó em seu estômago. A perspectiva de passar uma tarde em alguma das salas comunais a fazia tremer. Quem iria imaginar que ela sentiria tanta falta assim de uma televisão. Nesse exato momento, ela daria qualquer coisa por uma hora de puro entretenimento.
Uma figura sombria apareceu na sua frente, a assustando a ponto de morder a própria língua.
"Ouch!"
Ben segurava o pulso de Laurel, impedindo-a de bater nele. "Desculpe, Laurel. Não quis assustá-la"
"Ben! Que diabos!"
Ele levou um dedo até os lábios. "Sssh! Eu vi McGonagall levando você depois do jantar. O que aconteceu?"
"Eu congelei uma caneca de Cerveja Amanteigada."
O olhar vazio de Ben fez com que Laurel risse, mas a nuvem negra de confusão e medo não se desfez. "Uma longa história, Ben. Foi gentil da sua parte esperar por mim. Mas eu não estou em apuros, se é isso que você está pensando."
Ele andou ao lado dela, descendo as escadas. Laurel começou a pensar em como os corredores eram iluminados durante a noite. Não havia nenhuma vela ou lâmpada, mas luz o suficiente para se andar seguramente. Atrás das portas, alguém podia escutar risadas e palavras.
Ben parou em um dos andares.
"Você não parece que está interessada num jogo de Palavras-cruzadas." (NA. Scrabble, no original)
"Não, realmente" ela admitiu. "Especialmente contra adolescentes que já aperfeiçoaram seus feitiços de anagrama há anos"
Ele sorriu. "Então é por isso que eu sempre caio com todos os X e Y!"
Através das janelas eles conseguiam ver a lua iluminada.
"Talvez você devesse dar uma caminhada pela floresta, tomar um ar" Ben sugeriu. "A noite está clara. Você nem vai precisar da varinha para iluminar o caminho."
"Eu trocaria minha varinha por uma tocha de bolso a qualquer momento" mas ele estava certo. O ar fresco iria acalmar seus nervos. No entanto...
"Nós não podemos entrar lá, não é? É proibido. Eles anunciaram isso no primeiro dia, no jantar."
Ben riu. "Oh Laurel. E você diz que não quer ter nada a ver com esse mundo? É um conto de fadas, nada mais. É claro que eles não querem as crianças lá - eles são professores, lembra? Apenas veja o nome: Floresta Proibida! O que você acha que tem lá? Dragões? O Coelho da Páscoa? Unicórnios?
Ela deu um sorriso constrangido. "Mas eu gosto de contos de fadas. Só não quero viver em um"
***
Ela se lembrava das próprias palavras quando as sombras mataram o unicórnio. "Eu não quero viver num conto de fadas" Alguns contos de fadas eram cruéis, e aquele era um.
Eles seguravam a fêmea com correntes que brilhavam como prata. E embora a criatura forçasse as correntes, ela não conseguia se soltar. Uma faca brilhou à luz da lua.
Laurel permanecia atrás de uma árvore, mal escondida pelo seu trono e sombra. Ela não conseguia se mexer, mas tentou gritar. Uma mão tampou sua boca, abafando seu choro. Uma voz familiar sussurrou quase inaudivelmente em seu ouvido esquerdo.
"Nenhuma palavra se quiser viver."
Ela engoliu com dificuldade. Mesmo fechando os olhos ela não conseguia fugir dos gritos de dor e tortura que acompanhava a morte daquela bela criatura. As figuras encapuzadas se ajoelharam ao lado da garganta do unicórnio e após um momento que parecia de ritual, ou prece, eles se curvaram para o sangue que fluía como se fosse uma fonte d'água.
Laurel sentiu seu estômago pesar.
Depois, como névoa ou sombras, os assassinos desapareceram na escuridão das árvores. Os joelhos de Laurel tremiam loucamente. Se a mão na sua boca não a mantivesse presa firmemente contra o corpo alto atrás dela, ela teria caído. Exatamente o que aconteceu quando ele a soltou. Sem pensar, ela começou a rastejar na direção do animal moribundo. A fêmea tremia, deitada. Sua respiração começando a diminuir, seu belo pêlo branco manchado de sangue. Os olhos abertos, arregalados, olhavam direto para Laurel. A mulher se aproximou, estendendo a mão e tocando de leve seu focinho.
Uma tristeza enchia o coração e a mente de Laurel. Uma tristeza maior do que ela já havia sentido antes. Suas saudades de casa; sua confusão por causa da permanência forçada em Hogwarts; o desconfortável interesse que ela havia adquirido pelo professor de poções... - era nada comparada com aquele extremo sentimento de perda.
Snape, que a havia mantido calada enquanto os assassinos acabavam seus feitos, olhava com admiração como lágrimas caíam pelo rosto de Laurel; como seus soluços chacoalhavam seu corpo. Enquanto tristeza e dor pareciam transbordar por ela, tudo o que ele conseguia sentir era pânico e a necessidade de sair dali, para bem longe, onde ele não precisasse lidar com tantas emoções.
Foi quando ele escutou o barulho de cascos na clareira que ele soube que era tarde demais. Ele moveu-se para perto da mulher chorando. A última coisa que eles precisavam agora era de um unicórnio louco de dor pela morte de sua companheira. A criatura apareceu trotando pela névoa e grama, furiosa. Seus olhos, geralmente cristalinos, estavam escurecidos pelo desespero.
Snape sabia que ele deveria pegar Laurel e Aparatar para longe dali, mas tudo o que ele conseguia fazer era ficar parado. O unicórnio parou, seu chifre a centímetros do peito de Snape. Suor frio começou a escorrer pelas suas costas. Havia pessoas que conseguiam se comunicar com unicórnios. Mas não ele. Elas eram criaturas puras demais, leves. 'Lilly conseguia.' Ele se lembrou.
Laurel olhou para cima. Ainda tremendo e chorando, ela viu Snape parado como um escudo entre o unicórnio e a fêmea morta. Ela segurou a mão de Snape. "Ele quer que a gente saia daqui" Ela não fazia idéia de como aquele pensamento entrou em sua mente. "Ele quer chorar a morte dela em paz."
Snape a puxou em pé, para longe do animal ensangüentado. O unicórnio observava cada movimento deles.
Laurel deu uma última olhada para trás. "Eu sinto muito", ela murmurou. O unicórnio fez um reverencia com a cabeça. Snape se arrepiou. Ele tinha que sair dali, e rápido.
"Vamos deixá-lo em paz." sua voz era urgente e calmante ao mesmo tempo. Ele segurava a mão dela firmemente enquanto a arrastava através da floresta. O unicórnio não os seguiu. Finalmente, quando eles saíram nos campos, ele a soltou, deixando que ela recuperasse o fôlego.
De repente, a raiva quase o fez engasgar.
"O que diabos você estava pensando ao entrar na Floresta Proibida? Quer que eu explique o termo 'proibida' para você? Significa NÃO-ENTRE-LÁ! Em hipótese alguma. Jamais!" sua voz havia saído mais alta do que ele pretendia.
Lágrimas caiam dos olhos de Laurel novamente. "Eu... eles mataram aquele lindo animal. Eles cortaram a garganta dela e...," ela sussurrou "Eles beberam seu sangue."
Snape concordou com a cabeça. "Esse não foi o primeiro assassinato deles, e eles não teriam nos poupados, se tivessem nos visto. Agora me responda. O que você fazia lá?"
"Eu queria ficar sozinha por um momento. Eu... eu não estou acostumada a ter muitas pessoas à minha volta o tempo todo. E nem a seguir um horário fixo que não foi organizado por mim mesma. Você deveria ser o primeiro a entender. Você pode se esconder naquela sua masmorra quando quer ficar sozinho. Mas eu tenho que lidar com magias estranhas, sem poder ver meus amigos e minha família há semanas. E ainda tenho que dividir o quarto com a Serene."
"Eu entendo" ele realmente entendia. Não a parte sobre amigos e família, já que ele não tinha nenhum dos dois e, portanto, não tinha a necessidade de vê-los. Mas a parte sobre ficar sozinho. "Você quer que eu te deixe?" Ao mesmo tempo ele sabia que não poderia deixá-la sozinha, estando tão perto da floresta. Ela balançou a cabeça, fungando.
"Eu passei pelo campo de Quadribol e entrei na floresta, mas me perdi. Eu sei que não deveria pisar lá, mas... A névoa e as árvores eram como um labirinto. Só que eu não conseguia achar um caminho para sair. Foi quando eu vi o unicórnio. A criatura mais bela que eu já vi em toda a minha vida. Eu não sabia que eles existiam"
"Não restam muitos" Snape disse enfaticamente. "Três deles foram mortos no verão"
Ele a entregou um lenço, que ela usou para assoar o nariz.
"Você consegue Aparatar para o portão do castelo?" ele perguntou.
Laurel corou. "Eu não sou muito boa em Aparatar, temo eu. Acredito que nunca irei conseguir uma licença para aparatar. Quero dizer, eu consigo partir daqui. E chegar em algum lugar, inteira. É só que... não necessariamente aonde eu queria."
"Então as chances são de que você poderia acabar no telhado?"
"Ou pior."
Ele suspirou. Claro que ele poderia aparatar os dois para o castelo em segundos. Mas isso significava que ele precisaria encostar nela de novo. Os dois minutos que ele a segurou na floresta, evitando que eles fossem vistos, tinha sido mais do que ele podia suportar por uma noite. Segurar ela perto, sentir seu coração batendo, o perfume do seu cabelo... De jeito nenhum.
"Vamos andar, então" ele sugeriu, secamente. "Assim nós chegamos tarde, mas vivos."
Eles passaram pelos jardins. As noites frias de inverno haviam feito efeito nas flores. Alguns dias antes, Hagrid havia enrolado as estufas numa esteira protetora. As sebes cintilavam com o gelo.
"Então se aparatar não é sua melhor matéria, qual é?" Snape tentava manter uma conversa, para que Laurel não pensasse mais no unicórnio morto. "E por favor não diga que é poções, porque nós dois sabemos que não é."
"Eu sou razoavelmente boa em feitiços" ela arriscou. "E história. Qualquer coisa que se possa aprender em livros, acho. Está certo que também faz tempo que eu não caio da vassoura. É que nem andar de bicicleta..."
Ela olhou para ele curiosamente. "Você já?"
"Eu já o que? Caí da vassoura? Não."
"Você já andou de bicicleta?"
Ele pensou sobre isso. "Eu acredito que não"
Laurel esfregou os braços vigorosamente, para esquentá-los. "Vai nevar aqui no inverno? Aqui é Escócia, não é?"
"Era, da última vez que eu chequei" Ele zombou. "O Ministério não te arranjou roupas apropriadas?"
Isso estragou tudo. "Qual o problema com meu suéter?" Ela disse, nervosa. "Faz um longo tempo desde que eu tive que usar uniforme escolar. E eu não sou como Serene que vê um prazer doentio em se fantasiar de colegial, com saias curtas e meias ¾."
Snape fez o possível para permanecer sério. "Seu suéter está bem. É só que..."
"Eu arrisquei minha vida por esse suéter, ok?" Ela disse, apontando para as letras ornadas quase apagadas. "Eu tive que bater centenas de fãs de rock para conseguir isso. Não que vocês saibam o que é música rock"
A voz de Snape era levemente sombria. "Eu posso passar a maior parte da minha vida tentando enfiar as regras básicas de poções em cérebros do tamanho de uma noz, ou impedindo que Neville Longbottom encontre uma morte prematura. Mas ao contrário da sua opinião sobre minha pessoa, eu não sou um completo ignorante sobre o mundo trouxa. Eu sei o que é rock"
Isso a fez calar. Pelo menos por trinta segundos.
"Então por que todos ficam implicando com minhas roupas?"
"Eu apenas pensei que você pudesse estar com frio" ele deu de ombros. "Eu não dou a mínima para roupas, como qualquer um em Hogwarts poderá confirmar. Se você perguntar para algum dos elfos-domésticos, acredito que eles poderão arrumar algo que esquente. E que não a transforme em uma... colegial velha. Enquanto isso..." Ele tirou a própria capa de lã e a entregou para Laurel.
"Obrigada" ela sorriu. "Mas você vai congelar até os ossos." Ele vestia apenas calças e uma blusa preta, o que deixava seu rosto ainda mais pálido que o usual. "Por que a gente não divide? Ela é grande o suficiente para nós dois"
No escuro, ela não podia ter certeza, mas a mera sugestão pareceu fazer Snape hesitar.
"Fique com ela. Eu vou usar um feitiço no lugar"
"Obrigada" ela se abraçou debaixo da capa, parando logo de tremer.
Silenciosamente, eles continuaram a andar.
O humor de Snape escureceu. Tinha sido uma longa noite. Ele tinha falhado em salvar o unicórnio, tinha lidado mais do que queria com emoções e o feitiço contra frio não estava funcionando corretamente.
E ele ainda sentia os lábios suaves dela contra a palma da sua mão.
Após o que pareceu ser uma eternidade, o castelo surgiu.
As torres nunca lhe pareceram tanto como um lar antes. Ele abriu a porta. "Eu devo informar ao Professor Dumbledore sobre a morte do unicórnio."
"Eu sei"
"Eu não posso deixá-la fora disso. A floresta é proibida. Seja para alunos adultos ou não"
"Ora, Professor. Você não vai querer estragar a sua reputação. Se eu estivesse em uma das casas você provavelmente iria tirar bilhões de pontos e isso iria fazer seu dia" ela entregou de volta a capa dele.
Ele pegou a capa e ficou em pé, no hall, enquanto ela subia as escadas para sua ala. No final da escada, ela parou e se apoiou no corrimão, olhando para baixo. "A propósito. Obrigada por salvar minha vida, Mestre de Poções."
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