5. Veneno
Uma semana havia passado, e Laurel começou a pensar se o beijo não passara de um sonho. Snape estava de volta com seu comportamento vil de sempre. Não era difícil esquecer o quão atencioso e paciente ele podia ser, enquanto olhava com desprezo para Neville, reduzia alunos do primeiro ano ao choro desesperado ou transformava a vida de todos em um inferno. E daí que ele era o maior professor de poções do mundo, como Serene e Ben diziam durante o jantar?
"Ele é o maior tirano também." Laurel se atreveu a interromper as bajulações dos dois colegas.
Serene corou de raiva. "Mas Laurel, você viu ele preparando aquela Poção do Frenesi durante a aula? Em todos os livros dizem que aquela poção é quase impossível de ser preparada corretamente. E ele fez isso como demonstração. Foi fantástico!"
Tudo o que Laurel lembrava era que ele tinha feito duas garotas da Corvinal chorarem naquela manhã. Na mesa dos professores Snape e Lupin discutiam algo. A primeira conversa dos dois, já que eles pareciam se evitar como se o outro fosse uma praga.
"O professor de Defesa! Tem alguma coisa de errada nele." Serene disse pensativa. "Ele parece estar sempre doente. E a gente imagina que um professor de DCAT deveria ser mais intimidante. Eu aposto que Lupin não conseguiria matar uma mosca se ela o incomodasse."
Laurel soltou um suspiro. Era um erro se sentar com Serene e Ben, ela lembrou a si mesma. O entusiasmo de Serene pelos aspectos obscuros da magia era insuportável, e Ben...Ben era amigável o suficiente, mas havia algo nele que não a deixava se aproximar. Não que ela suspeitasse que ele lesse a mente dela. Mas havia uma certa frieza nele. Uma frieza quase desumana.
Ela iria se sentar com a Corvinal, ou a Grifinória amanhã. Serene gostava de se juntar à mesa da Sonserina, ainda convencida de que ela seria uma deles, se tivesse entrado na escola na época certa. Laurel por sua vez preferiria morar na plantação de abóboras do Hagrid do que ir parar na Sonserina. Ela já havia escutado histórias o suficiente sobre eles. E o diretor da casa deles a encarava da mesa dos professores. O que foi uma mudança, já que ele a havia ignorado completamente durante toda a semana, sem lhe dirigir uma palavra ou dar a perceber que ela estava por perto. Mas agora que os olhares dele queimavam buracos em sua pele, ela preferia que ele continuasse a ignorando.
* * *
Duas horas depois que ela deixou o Salão Principal, Laurel se ajoelhou no chão ao lado da sua cama. O mundo a sua volta não parava de balançar. A dor começou quando ela entrou no quarto para pegar seus livros, pronta para ir estudar na sala comunal da Grifinória. Serene havia desaparecido, provavelmente passando tempo na sala comunal da sua casa predileta.
Novamente a dor no seu estômago fez com que ela se dobrasse, deixando-a encolhida no chão por alguns minutos. Um suor frio escorria pelas suas costas quando ela finalmente reuniu força suficiente para se levantar. A dor era insuportável e confundia sua mente. Ela não conseguia pensar direito, sentia como se fosse morrer. Quando ela deu um passo em direção à porta, seus joelhos cederam, e a derrubando novamente no chão. Ela nunca iria conseguir chegar à Ala Hospitalar à pé, talvez nem mesmo ao corredor.
Sua força era o suficiente para aparatá-la até a Enfermaria? A Professora McGonagall a havia explicado sobre a barreira mágica que impedia aparatações de fora para os terrenos de Hogwarts. Mas dentro da escola era possível, porém exaustivo. Era por isso que todos preferiam andar, ou usar Pó de Flu. Ela com certeza iria desmaiar com o esforço, mas pelo menos assim ela não iria mais sentir dor. Com as mãos sobre o estômago, ela se concentrou e desaparatou.
Snape estava sentando numa cadeira em frente à lareira, com um cobertor cobrindo seus ombros. Iria ele deixar de sentir frio novamente? Desde de que ele havia retornado a Hogwarts e Dumbledore o aceitou como professor de poções, ele passou a viver naquelas salas escuras e úmidas das masmorras, bem ao lado da sala de aula de poções. Esse acordo lhe fazia bem, já que o permitia ficar longe tanto do resto do corpo - docente quanto dos alunos. Ele preferiria não ser Diretor da Sonserina, mas Dumbledore havia deixado claro que a posição de diretor da casa fazia parte da sua penitência.
Em todos esses anos as masmorras nunca pareceram tão frias e o humor de Snape nunca esteve tão obscuro. Com saudades ele se lembrou de seu último ano. Alunos barulhentos e preguiçosos, sim. Harry Potter e seus companheiros tão irritantes quanto James, Sirius e Lupin, sim. Mas pelo menos ele tinha certeza naquela época de quem ele era e do que ele queria. Então aqueles malditos estudantes adultos chegaram. Serene Kennedy com sua quase palpável sede por poder, Olsen com sua mente afiada e em primeiro lugar, e com certeza a mais irritante: Srta. Hunter.
Ele não era um tolo. Ele conhecia atração sexual quando sentia isso, mas dessa vez era mais, era pior, diferente. E de maneira alguma ele iria encostar em algum dos seus alunos, adulto ou não. Ele deu um riso de escárnio e esticou a perna para empurrar outra lenha no fogo. Até mesmo ele, arrogante e cruel, com cabelos oleosos, tinha seus problemas com jovens e seus hormônios. Nunca com Grifinórias, para quem era uma questão de orgulho pela própria casa, ou Lufa-lufas, que se assustavam facilmente. Mas um ano ou outro havia uma Cornival o seguindo com estrela nos olhos. Para muitas delas inteligência e sabedoria compensavam até a aparência e conduta mais desagradável. Mas ele tentava desiludir logo a aluna, geralmente conseguindo êxito rapidamente. Com as garotas da Sonserina ele só precisava deixar claro que ele não iria entrar nos joguinhos de poder delas e sugerir que elas fossem procurar uma vítima mais condescendente do que ele.
Mas Laurel não era uma Grifinória ou uma Lufa-lufa, muito menos uma Sonserina. Uma mente acesa e paixão por livros. Será que ela teria sido selecionada para a Corvinal no seu primeiro ano, ele imaginou. Ele era apenas poucos anos mais velho. Ela teria notado ele se esse fosse o caso? Provavelmente não. Ou então os amigos dela teriam a convencido logo que Serevus Snape estava fora de questão. Como um Sonserino. Como um valentão. Como alguém que provavelmente iria se tornar um Comensal logo após a graduação.
E ele? Teria notado ela? Ele se lembrou de como era no quinto ano, extremamente tímido e recluso, apenas empenhando-se por poder e controle. Desesperado para não deixar ninguém descobrir o porque dele se manter fechado para todos. Não, ele teria tentado ficar o mais longe possível dela.
Como ele estava fazendo agora.
Ele tinha tentado ficar longe dela.
Ele tinha tentado vê-la como apenas mais uma aluna irritante, em vão.
Quando ele tocou a mão dela para explicar como levitava a pena, ele sentiu o calor emanando da pele dela. Na noite em que eles tinham observado o unicórnio morrer só tinha piorado tudo. Mesmo após lavar sua mão com sabonete, ele ainda sentiu o toque leve dos seus lábios por dias. Sua capa ainda mantinha seu perfume, um aroma suave de amêndoa e açúcar queimado, o que fez com que ele a escondesse no fundo do seu armário e só voltaria a encostar nela depois de lavada.
E então teve a tarde de domingo na biblioteca...
Ele fechou os olhos com raiva.
Quando um "pop" repentino anunciou uma aparatação não licenciada, ele pulou da cadeira. Um bruxo experiente aparataria em silêncio. Qual dos estudantes se atrevia a aparatar diretamente no quarto de um professor? Nem mesmo Potter, com sua capa de invisibilidade, para se meter onde ele não devia.
Preparado para gritar com quem fosse, ele se levantou da sua cadeira. Mas quando ele reconheceu a mulher aos seus pés ele perdeu as palavras.
Laurel soltou um suspiro queixoso. Por que, de todas as salas em todas as alas desse castelo velho, ela tinha que aparatar justo no quarto de Snape? Uma onda de dor a fez nausear e ela deixou a cabeça afundar no tapete.
"Sinto muito, " ela sussurrou. "Mas acho que estou morrendo."
Então ela desmaiou.
Snape se ajoelhou ao lado de Laurel, e sentiu a temperatura da sua testa. Ele conhecia o suficiente sobre venenos para reconhecer seus efeitos. Ele pegou uma das mãos dela e analisou suas unhas. Elas estavam azuis. Um medo abriu caminho até seu peito. Ele pegou a mulher do chão e a cobriu com o cobertor que ele deixou cair sem querer. Com ela em seus braços, ele procurou um pouco de Pó de Flu no seu bolso. Eles tinham aproximadamente uma hora ou menos para descobrir o que estava envenenando ela, e preparar um antídoto.
Madame Pomfrey informou o diretor no minuto que Snape deixou a ala hospitalar para voltar ao seu laboratório. Laurel continuava inconsciente, enrolada em vários cobertores para a manterem quente, e deitada numa cama na enfermaria sob os olhos cuidadosos da enfermeira. Tudo que Pomfrey podia dizer era que o estado da jovem mulher lhe lembrava um caso de envenenamento acidental por causa de amêndoas estragadas.
Dumbledore aparatou diretamente no laboratório de Snape e encontrou o Professor de Poções curvado sobre um grosso livro.
"Pedra de Cabra e um pouco de Mandrágora para fortalecer o coração," ele sugeriu. "Nós temos que agir rapidamente, no entanto."
Snape olhou para cima. "Irei precisar da sua ajuda nisso, Albus."
O diretor apenas concordou com a cabeça. Sua varinha conjurou o enorme caldeirão pendurado num gancho na lareira. Eles tomavam turnos contando gotas de vários frascos que Snape pegava da sua despensa. O líquido roxo e mal-cheiroso do caldeirão começou a ferver e mudar de cor quando ele adicionou um punhado de pó branco e cintilante. Um aroma subitamente começou a subir do caldeirão e fez com que Dumbledore olhasse para Snape.
"Parece pronta."
"Estará em um minuto." o Professor de Poções concordou. Ele filtrou o líquido para uma pequena garrafa de vidro claro. Dumbledore olhou para a ampulheta em cima da mesa. "Estamos ficando sem tempo."
Ambos os bruxos pisaram na lareira e voltaram direto para a enfermaria.
Madame Pomfrey estava sentada ao lado da cama de Laurel, preparando outra toalha molhada. Seus lindos olhos azuis estavam enevoados com preocupação.
"Ela está piorando a cada minuto."
Snape colocou sua mão esquerda debaixo da cabeça de Laurel, usando sua outra mão para abrir a boca da mulher. Dumbledore abriu o frasco da garrafa e contou, cuidadosamente, gotas do antídoto, enquanto Madame Pomfrey passava para Snape um copo d'água.
"Vamos lá, só um gole," ele murmurou. "Só um gole e você se sentirá melhor."
Os olhos de Laurel se abriram. As pupilas estavam dilatadas, mas seus olhos não estavam mais castanhos e sim pretos. Mesmo assim ela olhava com intensidade para os olhos de Snape enquanto ela engolia com dificuldade.
Dumbledore e Madame Pomfrey assistiram surpresos como o Professor de Poções ajudou a mulher se deitar novamente, gentilmente. Um pequeno sorriso iluminou o rosto do diretor, enquanto ele colocava uma mão no ombro do seu jovem professor.
"Você vai querer ficar um pouco mais, só pra ter certeza de que o antídoto funcionou."
Snape apenas balançou a cabeça.
"Mas eu gostaria de vê-lo no meu escritório assim que você achar que ela está a caminho da recuperação."
* * *
Quando Snape finalmente bateu na porta de Dumbledore, o diretor o deixou entrar. Uma bandeja com chá e pequenos sanduíches estava posta numa mesa ao lado, e Snape percebeu de repente a fome que estava sentindo. Dumbledore passou a ele uma xícara de chá quente e o indicou para se sentar numa das grandes poltronas de couro perto da lareira.
"Como está a Srta. Hunter?"
"Ela irá sobreviver."
Snape tomou seu chá e fechou os olhos por um instante. Ele tentava relaxar. "Foi por pouco!"
Dumbledore observava a expressão no rosto do outro bruxo. Todos os ângulos e sombras, o nariz em gancho, os olhos profundos. Ele se lembrou de outra noite naquela mesma sala, anos atrás, quando ele havia estudado aquele mesmo rosto e decidido confiar naquele homem. Snape não poupou nenhum detalhe sobre o tempo que ele esteve no exército de Voldemort. Ele contou sobre todos os assassinatos, torturas e violência e sua voz não traia a dor e vergonha que ele sentia. Mas estavam lá, em seus olhos, e Dumbledore ainda podia ver a dor e vergonha.
O professor distraidamente esfregou o braço esquerdo. Dumbledore duvidou de que ele estava consciente disso.
Snape sentiu o olhar do diretor em cima dele e abriu os olhos novamente.
"Vou precisar de alguns dias de folga novamente."
"As reuniões estão começando a ficar mais freqüentes."
"Ele está reunindo seu exército."
"Novamente."
Os dois ficaram em silêncio por um momento, até que Dumbledore serviu chá para Snape, e ele novamente.
"Não sei por onde começar, Severus." ele admitiu.
Snape bufou. "Ainda estou pra vê-lo sem palavras, diretor."
"Bem, eu sempre pensei que não existe mágica mais poderosa do que palavras. Mas o que estarei pedindo de você agora..."
"Estarei em seu débito pelo resto da minha vida. Farei qualquer coisa que pedir."
"Meu garoto," Dumbledore balançou a cabeça negativamente. "Você só está em débito consigo mesmo."
Os olhos de Snape se tornaram frios e distantes. "Você é gentil, mas eu sei o que eu sei."
"Você nunca espera nenhuma compaixão, não é? Eu poderia tê-lo entregado para Azkaban e ainda assim você veio até mim."
O Professor curvou a cabeça e olhou para o fogo.
"Severus, esses atentados à vida da Srta. Hunter são na verdade para destruir você."
Snape levantou a cabeça rapidamente. "Para me destruir?"
"Nós discutimos..."
"Quem são 'nós', posso saber?"
"Professora McGonagall e eu." Dumbledore levantou uma das mãos para silenciar o protesto de Snape. "Ela se importa com você, Severus. Bastante."
Snape soltou um riso sarcástico. "Então... vocês discutiram."
"Nós concordamos que a Srta. Hunter poderia dar a você... o que lhe falta. E vice versa. Vocês podem se tornar completos."
"Completos." Snape fez pouco caso.
"Nós acreditamos que, matando a Srta. Hunter, alguém está tentando evitar um laço entre vocês dois."
"Um laço?" O professor de Poções se levantou, furioso. "Diretor! Você está louco? Você me oferece uma xícara de chá e no momento seguinte me pede para desposar uma mulher?"
Dumbledore permaneceu sentado e pacientemente deixou o outro liberar sua raiva.
"Existem diferentes tipos de laços, meu amigo."
"Nenhum que eu queria. E certamente nenhum que a Srta. Hunter gostaria de ter. Albus, ela é minha aluna!"
"Ela é maior de idade e independente."
"E?"
"E se ela concordar, você também concordaria?"
"Isso só iria arriscar a vida dela."
"Não mais do que a situação atual. Se existir algum laço entre vocês dois, você será capaz de ajudá-la, de protegê-la."
"Você poderia mandá-la para outro lugar. Deve existir algum lugar onde nem mesmo Voldemort possa encontrá-la."
"Não, eu não posso," Dumbledore respondeu calmamente. "O Ministério deixou isso bem claro. Ou Hogwarts, ou o Ministério."
"Eles a prenderiam por exatamente que motivos?"
"Por ser uma bruxa perdida? Por fazer feitiços sem licença? Você conhece o Ministério. Eles não precisam de um motivo."
"Eu não posso entrar num relacionamento agora!" A voz de Snape estava rouca de tanta raiva reprimida.
"Você não pode continuar vivendo sem ela, Severus. Estou falando sério. É para o bem de vocês dois."
Snape abaixou a xícara na mesa com força. "Nem pense nisso. Você pode dispor da minha vida como você quiser. Mas não arranje um laço entre aquela mulher e eu."
"Devemos deixar a Srta. Hunter decidir então."
"Não."
Dumbledore olhou o professor de poções sair furioso da sala. "Ah, Severus..." ele murmurou enquanto pegava um sanduíche. "Tanta confusão, raiva e dor. Se alguém precisa desse laço, é você."
* * *
Uma semana havia passado, e Laurel começou a pensar se o beijo não passara de um sonho. Snape estava de volta com seu comportamento vil de sempre. Não era difícil esquecer o quão atencioso e paciente ele podia ser, enquanto olhava com desprezo para Neville, reduzia alunos do primeiro ano ao choro desesperado ou transformava a vida de todos em um inferno. E daí que ele era o maior professor de poções do mundo, como Serene e Ben diziam durante o jantar?
"Ele é o maior tirano também." Laurel se atreveu a interromper as bajulações dos dois colegas.
Serene corou de raiva. "Mas Laurel, você viu ele preparando aquela Poção do Frenesi durante a aula? Em todos os livros dizem que aquela poção é quase impossível de ser preparada corretamente. E ele fez isso como demonstração. Foi fantástico!"
Tudo o que Laurel lembrava era que ele tinha feito duas garotas da Corvinal chorarem naquela manhã. Na mesa dos professores Snape e Lupin discutiam algo. A primeira conversa dos dois, já que eles pareciam se evitar como se o outro fosse uma praga.
"O professor de Defesa! Tem alguma coisa de errada nele." Serene disse pensativa. "Ele parece estar sempre doente. E a gente imagina que um professor de DCAT deveria ser mais intimidante. Eu aposto que Lupin não conseguiria matar uma mosca se ela o incomodasse."
Laurel soltou um suspiro. Era um erro se sentar com Serene e Ben, ela lembrou a si mesma. O entusiasmo de Serene pelos aspectos obscuros da magia era insuportável, e Ben...Ben era amigável o suficiente, mas havia algo nele que não a deixava se aproximar. Não que ela suspeitasse que ele lesse a mente dela. Mas havia uma certa frieza nele. Uma frieza quase desumana.
Ela iria se sentar com a Corvinal, ou a Grifinória amanhã. Serene gostava de se juntar à mesa da Sonserina, ainda convencida de que ela seria uma deles, se tivesse entrado na escola na época certa. Laurel por sua vez preferiria morar na plantação de abóboras do Hagrid do que ir parar na Sonserina. Ela já havia escutado histórias o suficiente sobre eles. E o diretor da casa deles a encarava da mesa dos professores. O que foi uma mudança, já que ele a havia ignorado completamente durante toda a semana, sem lhe dirigir uma palavra ou dar a perceber que ela estava por perto. Mas agora que os olhares dele queimavam buracos em sua pele, ela preferia que ele continuasse a ignorando.
* * *
Duas horas depois que ela deixou o Salão Principal, Laurel se ajoelhou no chão ao lado da sua cama. O mundo a sua volta não parava de balançar. A dor começou quando ela entrou no quarto para pegar seus livros, pronta para ir estudar na sala comunal da Grifinória. Serene havia desaparecido, provavelmente passando tempo na sala comunal da sua casa predileta.
Novamente a dor no seu estômago fez com que ela se dobrasse, deixando-a encolhida no chão por alguns minutos. Um suor frio escorria pelas suas costas quando ela finalmente reuniu força suficiente para se levantar. A dor era insuportável e confundia sua mente. Ela não conseguia pensar direito, sentia como se fosse morrer. Quando ela deu um passo em direção à porta, seus joelhos cederam, e a derrubando novamente no chão. Ela nunca iria conseguir chegar à Ala Hospitalar à pé, talvez nem mesmo ao corredor.
Sua força era o suficiente para aparatá-la até a Enfermaria? A Professora McGonagall a havia explicado sobre a barreira mágica que impedia aparatações de fora para os terrenos de Hogwarts. Mas dentro da escola era possível, porém exaustivo. Era por isso que todos preferiam andar, ou usar Pó de Flu. Ela com certeza iria desmaiar com o esforço, mas pelo menos assim ela não iria mais sentir dor. Com as mãos sobre o estômago, ela se concentrou e desaparatou.
Snape estava sentando numa cadeira em frente à lareira, com um cobertor cobrindo seus ombros. Iria ele deixar de sentir frio novamente? Desde de que ele havia retornado a Hogwarts e Dumbledore o aceitou como professor de poções, ele passou a viver naquelas salas escuras e úmidas das masmorras, bem ao lado da sala de aula de poções. Esse acordo lhe fazia bem, já que o permitia ficar longe tanto do resto do corpo - docente quanto dos alunos. Ele preferiria não ser Diretor da Sonserina, mas Dumbledore havia deixado claro que a posição de diretor da casa fazia parte da sua penitência.
Em todos esses anos as masmorras nunca pareceram tão frias e o humor de Snape nunca esteve tão obscuro. Com saudades ele se lembrou de seu último ano. Alunos barulhentos e preguiçosos, sim. Harry Potter e seus companheiros tão irritantes quanto James, Sirius e Lupin, sim. Mas pelo menos ele tinha certeza naquela época de quem ele era e do que ele queria. Então aqueles malditos estudantes adultos chegaram. Serene Kennedy com sua quase palpável sede por poder, Olsen com sua mente afiada e em primeiro lugar, e com certeza a mais irritante: Srta. Hunter.
Ele não era um tolo. Ele conhecia atração sexual quando sentia isso, mas dessa vez era mais, era pior, diferente. E de maneira alguma ele iria encostar em algum dos seus alunos, adulto ou não. Ele deu um riso de escárnio e esticou a perna para empurrar outra lenha no fogo. Até mesmo ele, arrogante e cruel, com cabelos oleosos, tinha seus problemas com jovens e seus hormônios. Nunca com Grifinórias, para quem era uma questão de orgulho pela própria casa, ou Lufa-lufas, que se assustavam facilmente. Mas um ano ou outro havia uma Cornival o seguindo com estrela nos olhos. Para muitas delas inteligência e sabedoria compensavam até a aparência e conduta mais desagradável. Mas ele tentava desiludir logo a aluna, geralmente conseguindo êxito rapidamente. Com as garotas da Sonserina ele só precisava deixar claro que ele não iria entrar nos joguinhos de poder delas e sugerir que elas fossem procurar uma vítima mais condescendente do que ele.
Mas Laurel não era uma Grifinória ou uma Lufa-lufa, muito menos uma Sonserina. Uma mente acesa e paixão por livros. Será que ela teria sido selecionada para a Corvinal no seu primeiro ano, ele imaginou. Ele era apenas poucos anos mais velho. Ela teria notado ele se esse fosse o caso? Provavelmente não. Ou então os amigos dela teriam a convencido logo que Serevus Snape estava fora de questão. Como um Sonserino. Como um valentão. Como alguém que provavelmente iria se tornar um Comensal logo após a graduação.
E ele? Teria notado ela? Ele se lembrou de como era no quinto ano, extremamente tímido e recluso, apenas empenhando-se por poder e controle. Desesperado para não deixar ninguém descobrir o porque dele se manter fechado para todos. Não, ele teria tentado ficar o mais longe possível dela.
Como ele estava fazendo agora.
Ele tinha tentado ficar longe dela.
Ele tinha tentado vê-la como apenas mais uma aluna irritante, em vão.
Quando ele tocou a mão dela para explicar como levitava a pena, ele sentiu o calor emanando da pele dela. Na noite em que eles tinham observado o unicórnio morrer só tinha piorado tudo. Mesmo após lavar sua mão com sabonete, ele ainda sentiu o toque leve dos seus lábios por dias. Sua capa ainda mantinha seu perfume, um aroma suave de amêndoa e açúcar queimado, o que fez com que ele a escondesse no fundo do seu armário e só voltaria a encostar nela depois de lavada.
E então teve a tarde de domingo na biblioteca...
Ele fechou os olhos com raiva.
Quando um "pop" repentino anunciou uma aparatação não licenciada, ele pulou da cadeira. Um bruxo experiente aparataria em silêncio. Qual dos estudantes se atrevia a aparatar diretamente no quarto de um professor? Nem mesmo Potter, com sua capa de invisibilidade, para se meter onde ele não devia.
Preparado para gritar com quem fosse, ele se levantou da sua cadeira. Mas quando ele reconheceu a mulher aos seus pés ele perdeu as palavras.
Laurel soltou um suspiro queixoso. Por que, de todas as salas em todas as alas desse castelo velho, ela tinha que aparatar justo no quarto de Snape? Uma onda de dor a fez nausear e ela deixou a cabeça afundar no tapete.
"Sinto muito, " ela sussurrou. "Mas acho que estou morrendo."
Então ela desmaiou.
Snape se ajoelhou ao lado de Laurel, e sentiu a temperatura da sua testa. Ele conhecia o suficiente sobre venenos para reconhecer seus efeitos. Ele pegou uma das mãos dela e analisou suas unhas. Elas estavam azuis. Um medo abriu caminho até seu peito. Ele pegou a mulher do chão e a cobriu com o cobertor que ele deixou cair sem querer. Com ela em seus braços, ele procurou um pouco de Pó de Flu no seu bolso. Eles tinham aproximadamente uma hora ou menos para descobrir o que estava envenenando ela, e preparar um antídoto.
Madame Pomfrey informou o diretor no minuto que Snape deixou a ala hospitalar para voltar ao seu laboratório. Laurel continuava inconsciente, enrolada em vários cobertores para a manterem quente, e deitada numa cama na enfermaria sob os olhos cuidadosos da enfermeira. Tudo que Pomfrey podia dizer era que o estado da jovem mulher lhe lembrava um caso de envenenamento acidental por causa de amêndoas estragadas.
Dumbledore aparatou diretamente no laboratório de Snape e encontrou o Professor de Poções curvado sobre um grosso livro.
"Pedra de Cabra e um pouco de Mandrágora para fortalecer o coração," ele sugeriu. "Nós temos que agir rapidamente, no entanto."
Snape olhou para cima. "Irei precisar da sua ajuda nisso, Albus."
O diretor apenas concordou com a cabeça. Sua varinha conjurou o enorme caldeirão pendurado num gancho na lareira. Eles tomavam turnos contando gotas de vários frascos que Snape pegava da sua despensa. O líquido roxo e mal-cheiroso do caldeirão começou a ferver e mudar de cor quando ele adicionou um punhado de pó branco e cintilante. Um aroma subitamente começou a subir do caldeirão e fez com que Dumbledore olhasse para Snape.
"Parece pronta."
"Estará em um minuto." o Professor de Poções concordou. Ele filtrou o líquido para uma pequena garrafa de vidro claro. Dumbledore olhou para a ampulheta em cima da mesa. "Estamos ficando sem tempo."
Ambos os bruxos pisaram na lareira e voltaram direto para a enfermaria.
Madame Pomfrey estava sentada ao lado da cama de Laurel, preparando outra toalha molhada. Seus lindos olhos azuis estavam enevoados com preocupação.
"Ela está piorando a cada minuto."
Snape colocou sua mão esquerda debaixo da cabeça de Laurel, usando sua outra mão para abrir a boca da mulher. Dumbledore abriu o frasco da garrafa e contou, cuidadosamente, gotas do antídoto, enquanto Madame Pomfrey passava para Snape um copo d'água.
"Vamos lá, só um gole," ele murmurou. "Só um gole e você se sentirá melhor."
Os olhos de Laurel se abriram. As pupilas estavam dilatadas, mas seus olhos não estavam mais castanhos e sim pretos. Mesmo assim ela olhava com intensidade para os olhos de Snape enquanto ela engolia com dificuldade.
Dumbledore e Madame Pomfrey assistiram surpresos como o Professor de Poções ajudou a mulher se deitar novamente, gentilmente. Um pequeno sorriso iluminou o rosto do diretor, enquanto ele colocava uma mão no ombro do seu jovem professor.
"Você vai querer ficar um pouco mais, só pra ter certeza de que o antídoto funcionou."
Snape apenas balançou a cabeça.
"Mas eu gostaria de vê-lo no meu escritório assim que você achar que ela está a caminho da recuperação."
* * *
Quando Snape finalmente bateu na porta de Dumbledore, o diretor o deixou entrar. Uma bandeja com chá e pequenos sanduíches estava posta numa mesa ao lado, e Snape percebeu de repente a fome que estava sentindo. Dumbledore passou a ele uma xícara de chá quente e o indicou para se sentar numa das grandes poltronas de couro perto da lareira.
"Como está a Srta. Hunter?"
"Ela irá sobreviver."
Snape tomou seu chá e fechou os olhos por um instante. Ele tentava relaxar. "Foi por pouco!"
Dumbledore observava a expressão no rosto do outro bruxo. Todos os ângulos e sombras, o nariz em gancho, os olhos profundos. Ele se lembrou de outra noite naquela mesma sala, anos atrás, quando ele havia estudado aquele mesmo rosto e decidido confiar naquele homem. Snape não poupou nenhum detalhe sobre o tempo que ele esteve no exército de Voldemort. Ele contou sobre todos os assassinatos, torturas e violência e sua voz não traia a dor e vergonha que ele sentia. Mas estavam lá, em seus olhos, e Dumbledore ainda podia ver a dor e vergonha.
O professor distraidamente esfregou o braço esquerdo. Dumbledore duvidou de que ele estava consciente disso.
Snape sentiu o olhar do diretor em cima dele e abriu os olhos novamente.
"Vou precisar de alguns dias de folga novamente."
"As reuniões estão começando a ficar mais freqüentes."
"Ele está reunindo seu exército."
"Novamente."
Os dois ficaram em silêncio por um momento, até que Dumbledore serviu chá para Snape, e ele novamente.
"Não sei por onde começar, Severus." ele admitiu.
Snape bufou. "Ainda estou pra vê-lo sem palavras, diretor."
"Bem, eu sempre pensei que não existe mágica mais poderosa do que palavras. Mas o que estarei pedindo de você agora..."
"Estarei em seu débito pelo resto da minha vida. Farei qualquer coisa que pedir."
"Meu garoto," Dumbledore balançou a cabeça negativamente. "Você só está em débito consigo mesmo."
Os olhos de Snape se tornaram frios e distantes. "Você é gentil, mas eu sei o que eu sei."
"Você nunca espera nenhuma compaixão, não é? Eu poderia tê-lo entregado para Azkaban e ainda assim você veio até mim."
O Professor curvou a cabeça e olhou para o fogo.
"Severus, esses atentados à vida da Srta. Hunter são na verdade para destruir você."
Snape levantou a cabeça rapidamente. "Para me destruir?"
"Nós discutimos..."
"Quem são 'nós', posso saber?"
"Professora McGonagall e eu." Dumbledore levantou uma das mãos para silenciar o protesto de Snape. "Ela se importa com você, Severus. Bastante."
Snape soltou um riso sarcástico. "Então... vocês discutiram."
"Nós concordamos que a Srta. Hunter poderia dar a você... o que lhe falta. E vice versa. Vocês podem se tornar completos."
"Completos." Snape fez pouco caso.
"Nós acreditamos que, matando a Srta. Hunter, alguém está tentando evitar um laço entre vocês dois."
"Um laço?" O professor de Poções se levantou, furioso. "Diretor! Você está louco? Você me oferece uma xícara de chá e no momento seguinte me pede para desposar uma mulher?"
Dumbledore permaneceu sentado e pacientemente deixou o outro liberar sua raiva.
"Existem diferentes tipos de laços, meu amigo."
"Nenhum que eu queria. E certamente nenhum que a Srta. Hunter gostaria de ter. Albus, ela é minha aluna!"
"Ela é maior de idade e independente."
"E?"
"E se ela concordar, você também concordaria?"
"Isso só iria arriscar a vida dela."
"Não mais do que a situação atual. Se existir algum laço entre vocês dois, você será capaz de ajudá-la, de protegê-la."
"Você poderia mandá-la para outro lugar. Deve existir algum lugar onde nem mesmo Voldemort possa encontrá-la."
"Não, eu não posso," Dumbledore respondeu calmamente. "O Ministério deixou isso bem claro. Ou Hogwarts, ou o Ministério."
"Eles a prenderiam por exatamente que motivos?"
"Por ser uma bruxa perdida? Por fazer feitiços sem licença? Você conhece o Ministério. Eles não precisam de um motivo."
"Eu não posso entrar num relacionamento agora!" A voz de Snape estava rouca de tanta raiva reprimida.
"Você não pode continuar vivendo sem ela, Severus. Estou falando sério. É para o bem de vocês dois."
Snape abaixou a xícara na mesa com força. "Nem pense nisso. Você pode dispor da minha vida como você quiser. Mas não arranje um laço entre aquela mulher e eu."
"Devemos deixar a Srta. Hunter decidir então."
"Não."
Dumbledore olhou o professor de poções sair furioso da sala. "Ah, Severus..." ele murmurou enquanto pegava um sanduíche. "Tanta confusão, raiva e dor. Se alguém precisa desse laço, é você."
* * *
