10. A Marca Negra
Infelizmente a felicidade dela não durou muito. Snape desaparecera pelo corredor quando Laurel ouviu um som baixo atrás da porta da sala de poções.
Ela abriu a porta e encontrou Neville Longbottom ajoelhado no chão, recolhendo das pedras algo que parecia geléia esverdeada. Hermione Granger, abraçada aos próprios joelhos, falava calmamente com ele.
"Neville, eu tenho certeza que Trevor não sentiu nada"
Neville balançou a cabeça vigorosamente. "Você viu ele encarando Snape? Ele sabia, Mione! Ele sabia!"
Laurel se aproximou. "O que está acontecendo?"
Hermione e Neville se assustaram. A garota olhava para Laurel com uma mistura de raiva e alívio. "Laurel! Quero dizer, Srta. Hunter" Ela corou. "É estranho ter você como professora"
"Nem me diga" Laurel suspirou. Olhando para o rosto manchado de lágrimas de Neville, os olhos inchados e os restos verdes que ele segurava, ela se sentou em uma carteira.
"Professor Snape matou Trevor" Hermione acusou.
"Trevor?"
"O sapo do Neville. Ele fez o sapo beber a poção de engorgio do Neville"
Neville fungou e olhou para os restos do sapo. "Ele sabia que eu tinha errado de novo. Muito bile de peixe"
"Então Trevor cresceu. e cresceu" Hermione disse com um olhar piedoso para Neville. "E finalmente ele explodiu."
"Trevor era apenas um sapo" Neville tentou ser firme. "Mas ele era um bom sapo. Ele não merecia isso."
Laurel fechou os punhos. "Professor Snape sabia que sua poção estava forte demais e mesmo assim ele a testou com o Trevor?" ela repetiu com a voz controlada.
Hermione concordou furiosa. "Ele fez de propósito, para torturar o Neville! Ele consegue ser um grande idiota!" A mão dela voou para a própria boca. "Eu sinto muito, Srta. Hunter, eu não tinha a intenção..."
"Oh, sim, você tinha a intenção" Laurel sibilou. "E eu também tenho."
A vassoura de Laurel tremeu e sacolejou assim que ela diminuiu a velocidade no pé da colina que subia graciosamente entre o lago e a Floresta Proibida. Ela não estava nem certa se Severus tinha mantido o encontro dos dois. Ele provavelmente estaria sentado nas masmorras e inventando outra poção para torturar algum pobre aluno. A vassoura desceu e parou quatro pés acima do chão. Impacientemente ela desceu e chutou o cabo.
Snape, recostado contra o tronco de um carvalho antigo, retraiu-se. "Não é por menos que sua vassoura não te obedece, com você a tratando assim".
"Eu não me importo" ela respondeu bruscamente. "Pessoas não foram feitas para andar de vassouras. Elas andam de avião, e ônibus, e carros."
"Bruxos usam vassouras. Isso é, se eles não sabem aparatar."
A arrogância na voz dele fez com que ela quisesse lhe dar um soco. Com força. E ainda assim, a sua raiva não impediu seu coração de pular ao ver ele, os cabelos negros, as feições fortes, o corpo esbelto.
Severus ergueu as sobrancelhas. "Não é do seu feitio chutar um objeto inocente quando o que você realmente quer é me chutar."
"Então você admite que merece um chute?"
"Isso é sobre o Lupin? De novo?"
Laurel cerrou os dentes em frustração. "Não. Não é"
"Bom"
"É sobre Neville Longbottom."
Snape virou os olhos exasperadamente. Algum dia ela iria parar de criticar os seus métodos de ensino? Algum dia ele seria bom o suficiente aos olhos dela? E por que diabos ele se importava com o que ela pensava sobre ele?
"Sr. Longbottom. Eu sei. O que tem ele?"
"Você está planejando matá-lo de medo algum dia desses?"
Ele bateu a mão no chão ao lado dele. "Por que você não se senta, tente comer alguma coisa e depois grita comigo?"
Laurel se sentou, mas apenas balançou a cabeça vigosoramente quando ele ofereceu um dos sanduíches que os elfos domésticos haviam preparado para ele. "Eu não estou com fome, obrigada."
"Esse... piquenique," ele fez um gesto em direção da cesta aos seus pés e do cobertor dobrado, "foi idéia sua, Srta. Hunter."
"Eu perdi meu apetite quando vi o que você fez com Trevor"
"Quem em nome de Merlim é Trevor?"
"O sapo do Neville."
"Você preferiria que eu tivesse administrado a poção no próprio Longbottom?"
"Ele tem medo de você, Severus! Se você continuar gritando assim com ele, um dia ele..."
"Um dia ele irá se levantar e gritar de volta. E ele nunca mais terá medo."
Ele disse secamente e sem emoções.
"Você estava tentando fazer com que ele se defendesse por contra própria? Assim como você tentou fazer com Lupin?"
O olhar dele não desviou. "E novamente, eu perdi."
A raiva dela evaporou. Ela abraçou os próprios joelhos e olhou para ele com os olhos semi-cerrados. "Você sabe" ela disse devagar, "Eu não consigo enxergar através de você."
"Você não pode estar esperando seriamente que eu me preocupe com isso, pode?"
"Eu me vejo claramente" ela continuou, sem prestar atenção ao sarcasmo dele. "E eu sou boa nisso, ler pessoas. Só que aqui em Hogwarts nada e ninguém é o que aparenta ser."
Snape a viu mordendo o lábio inferior. Ela parecia estar aflita. Ele se ajoelhou em frente a ela e segurou sua mão. "Vamos dar uma volta."
Silenciosamente eles caminharam morro acima até que eles alcançaram o topo da colina. O outono havia chegado cedo, transformando arbustos e árvores em redemoinhos de cores. Da elevação em que eles estavam, eles podia ver o polvo gigante nadando preguiçosamente no lago.
"Eu peço desculpas" Laurel disse suavemente quando Snape indicou as divisas de Hogwarts.
A cabeça dele se virou bruscamente. "Você o que?"
"Eu peço desculpas por ter gritado com você. Eu estava nervosa e..."
Ele esperou pacientemente.
"Eu deveria saber. Eu deveria ter perguntando suas razões antes de julgá- lo."
"Você realmente pensou que eu era simplesmente cruel?" Ele não teve a intenção, mas sua voz soou amargurada.
"Eu temia que você gostasse de provocar o Neville."
"Bem, eu não gosto."
"Bom."
"Podemos mudar de assunto agora? Eu não sou um homem muito paciente, como você já sabe, e você está me testando hoje."
"Você irá parar de assustar Neville?"
"Não. Não até ele criar coragem."
"Nem todo mundo é igual a você, Severus."
Uma dor aguda surgiu em seu braço. Snape estremeceu. Não agora!
"O que você quer dizer?" ele conseguiu controlar-se.
Laurel olhou para ele, subitamente percebendo o suor frio em sua testa.
"Você está bem?"
"O que você quis dizer, como eu?"
Os olhos dela nunca deixaram os dele. Ela iria levá-lo para ver a Madame Pomfrey a qualquer minuto, ela jurou a si mesma. Ele não parecia nada bem.
"Você acha que pode se erguer sozinho." ela disse suavemente.
Ele tentou dizer algo, mas a dor em seu braço tomou seu fôlego. Sua face, sempre pálida, estava ficando cinza.
"Você não precisa de ninguém. Você pode sobreviver sozinho. Mas outros precisam de amigos, amor, suporte. Neville perdeu seus pais. Assim como Harry."
"Isso não é desculpa. Potter está sempre quebrando as regras! E eu não vou tolerar isso. Isso é tão difícil de entender, Laurel?"
Ela cruzou os braços, com raiva e preocupação ao mesmo tempo.
"Você quebrou todas as regras que há, seu... idiota! Até onde eu saiba você inventou e aperfeiçoou a quebra de regras!"
Ele esqueceu de respirar. Uma raiva seca quase o fez engasgar. Sua mão direita agarrou e começou a esfregar seu braço esquerdo compulsivamente. "E eu estou pagando por isso!" ele urrou subitamente. "Eu vou pagar por isso até o dia da minha morte!" Agarrando a manga do seu robe, ele rasgou o pano preto até revelar uma caveira negra em seu braço - não apenas uma tatuagem como Laurel imaginou primeiro - mas algo mais sombrio, alguma coisa... viva. Uma cobra deslizava pelos buracos da caveira sorridente. Ela olhou aquilo por um momento, fascinada e sentindo repulsa ao mesmo tempo.
"O que... O que é isso?"
"A Marca Negra. Isso é que o você ganhar por quebrar as regras." Ele fechou os olhos e segurou a marca novamente, como se ela causasse uma grande dor. "Se você tiver o azar de sobreviver."
"Eu nunca havia visto isso antes."
"Ela só aparece quando Voldemort chama seus servos fiéis. Eu quero que você vá até Dumbledore, agora."
"Chamando você? Por que ele iria..."
Ele ofegou. "Laurel, eu não tenho tempo para explicar. Uma vez na vida, faça o que eu digo."
Ela viu ele tremular.
"O que está acontecendo?"
"Eu estou aparatando daqui. Vá... ver Dumbledore" ele disse com dificuldade. "Siga os conselhos dele."
"Você não pode aparatar de Hogwarts! Isso não pode ser feito dentro dos limites da escola."
"Pois veja."
"Severus?"
Ele desapareceu.
* * *
Dumbledore fez um cumprimento em direção a uma poltrona. "Ah, Srta. Hunter. Eu esperava vê-la. Permita-me um momento para terminar isso" Ele disse e continuou penteando Fawkes. O grande pássaro vermelho e dourado estava arrulhando de felicidade.
"Por que você não faz um chá para nós? Arrumar Fawkes sempre deixa minha garganta seca."
Laurel pulou. Ela estava olhando os quadros na sala circular, onde vários ex-diretores roncavam.
"Oh. Claro" Ela olhou ao redor mas não pôde encontrar nem chaleira nem xícaras. Um dos diretores perto da porta abriu os olhos e piscou para ela. Quando ela franziu as sobrancelhas ele pegou a varinha e sacudiu-a, sugestivamente. Laurel corou. "Claro. Supostamente eu devo fazer isso com minha varinha."
Ela podia ver a página de "Um guia de iniciante para feitiços na cozinha" em sua mente. A bruxa no livro fazia parecer tão fácil. Sob o olhar atento de vários diretores ela procurou pela sua varinha que tinha a péssima tendência de se perder dentro da sua manga. Como eles conseguiam fazer isso?
"Simples feitiço, Burdock" Dumbledore disse como se falasse com Fawkes, que preguiçosamente abriu os olhos. "Mantém a varinha onde ela deve ficar."
Laurel apontou para a pequena mesa e se concentrou. Uma larga travessa apareceu do ar, com um prato de bolo de caldeirão, um jarro de leite, duas xícaras e um vapor suave saindo de... um peixe. Os diretores nos quadros tremeram em risos silenciados. Laurel fez o peixe desaparecer rapidamente e tentou novamente. Ela chegou perto dessa vez, mas um vaso de flores não era o que ela queria também. Sua quinta tentativa e o esforço conjunto dos diretores de quatro séculos eventualmente produziu uma chaleira perfeita. Um cheiro suave de caramelo encheu a sala.
Quando Dumbledore largou o pente, Fawkes lançou a Laurel um olhar ofendido, mas se acomodou no braço da poltrona dela. Ela ofereceu ao diretor uma xícara de chá e se esticou para a beira da cadeira, preparada para pular. A ansiedade que ela sentia desde que Snape havia aparatado sem explicações a estava deixando inquieta.
Dumbledore se sentou perto dela, escolheu um dos bolos do prato e tomou um gole do chá.
"Muito bom, essa chá, querida. Agora, o que vamos fazer para distraí-la enquanto Snape está fora?"
"Me distrair?" ela olhou para ele sem entender.
"Você se preocupa demais com ele."
"Como ele conseguiu aparatar para fora de hogwarts?" ela perguntou, ainda confusa. "Eu pensei que houvesse barreiras mágicas que impedissem qualquer um de aparatar para dentro ou para fora."
"Finalmente um aluno que presta atenção às aulas" Dumbledore sorriu. "Você está certa, claro. Mas onde há uma fechadura, haverá uma chave. Severus pode ir e vir quando quiser."
"Porque você deu a chave a ele."
"Correto."
"Porque ele é seu espião. E se eles descobrirem sobre ele?"
"Não vamos nem pensar sobre isso."
Laurel não conseguiu impedir um soluço.
"Ele é um mestre em falsidade" ela tentou acalmar a si mesma.
"Ele é" Dumbledore concordou gravemente. "Severus está sob grande pressão agora, no meio do terror e da maldade. Por causa do laço entre vocês, você irá sentir a necessidade de dar suporte a ele espiritualmente. Mas ele precisa ir até Voldemort sem nenhum traço seu. Não tente alcançá-lo. Acredite, assim como os Dementadores podem sentir o cheiro de desespero, Voldemort também consegue. Qualquer emoção. Tudo o que Severus deve sentir é medo na presença do Lord negro. Não segurança, nem intimidade, nem esperança. Isso só iria traí-lo."
"Mas você me disse antes que eu deveria dar suporte a ele. Como eu vou fazer isso?"
"Não enquanto ele está lá. Nos campos de Voldemort ele está sozinho. Mas quando ele voltar."
"Ele irá voltar. Logo, não?" ela implorava por segurança.
"Eu realmente espero que sim. Normalmente leva apenas algumas horas, não tempo suficiente para alguém notar a ausência do Comensal. Mas para Severus vai parecer como se dias se passaram. Quando ele voltar, ele irá precisar de você."
Ela se forçou a relaxar, e hesitantemente bebia seu chá. Era difícil afastar seus pensamentos do medo obscuro em sua mente. O diretor a observou se recostando na poltrona e respirando calmamente e disciplinadamente. Ele sorriu.
"Você aprendeu muito desde que veio a Hogwarts, Srta. Hunter. Dois anos atrás você teria colocado fogo em algo por causa das suas emoções estarem te sobrecarregando."
"É o Severus" ela respondeu com um sorriso. "De alguma maneira eu consigo pegar emprestado a disciplina dele, o modo como ele se contêm, quando preciso."
"Assim como ele pode pegar emprestado suas emoções, seu calor humano. É o laço, vê? Ele deveria fortalecer ambos nas áreas em que vocês fraquejam. E foi o que ele fez." Com um movimento rápido, ele mudou de assunto. "Agora, me fale sobre seu primeiro dia do outro lado da sala. Como foi?"
Ela sorriu para ele. "Não tão mal. O Feitiço Silenciador pareceu funcionar. Não que eu pudesse perceber, já que não consigo mesmo escutar o professor Binns. Os alunos precisaram de um tempo para se adaptar, no entanto."
"Eles irão sobreviver sem as horas extras de sono que as aulas do Professor Binns ofereciam."
Um estalido fraco no ar chamou a atenção de Dumbledore. Ele virou a cabeça. "Severus está de volta, eu acredito."
Laurel se sentou rapidamente. A conversa com o diretor não havia apenas a distraído, mas fez com que ela esquecesse completamente o perigo por qual Snape estava passando. Agora a ansiedade voltava mais forte ainda.
Do nada, uma figura aparatou no meio da sala. Snape ficou parado alguns segundos com os olhos abertos. Até que ele tropeçou e caiu de joelhos no chão.
Dumbledore se curvou em frente a ele e estudou os olhos do bruxo. "Quem sou eu, Severus?" A voz dele era gentil, mas firme.
Laurel mordeu os próprios lábios. "O que está acontecendo com ele?"
"A presença do Lord das Trevas pode apagar a memória, assim como um beijo de Dementador. Tudo o que sobra é uma concha vazia."
"Você é Albus Dumbledore, Diretor de Hogwarts" Snape respondeu suavemente. A voz dele estava rouca, como se ele tivesse passado as últimas horas gritando a plenos pulmões. "Você tem açúcar de confeiteiro em sua barba."
"Ele está bem." Dumbledore sorriu, assegurador, e se sentou em sua cadeira. "Há algo que necessite da minha atenção imediata, Severus?"
"Não"
"Você pode relatar tudo amanhã. Eu sugiro, Srta. Hunter, que você cuide dele agora."
"Eu não preciso de ninguém cuidando de mim." Snape protestou fracamente, tentando se levantar.
"Claro que não." O diretor concordou com a cabeça.
"Eu estou bem."
Laurel deu um passo a frente para dar suporte a ele quando ele tropeçou.
Dumbledore levantou as sobrancelhas. "Perfeitamente bem, Severus." Ele foi até a lareira e abriu uma jarra com pó de Flú. Um chuvisco dourado tornou as chamas verdes. "Agora vão. Vocês dois."
Momentos depois eles saíram da lareira direto para o dormitório de Snape.
Ele insistiu em lavar o rosto e as mãos sem ajuda, mas não lutou muito quando ela o ajudou a trocar de roupas para algo mais confortável.
Preocupada, Laurel viu ele fechar e abrir os olhos repetidamente, e então balançar a cabeça com força como se tentasse esquecer. Suas mãos agarravam uma das quatro pilastras de madeira da cama.
Uma batida alta na porta fez com que ela se virasse. Quando ela abriu, Franny, um dos elfos domésticos, entrou aos tropeços na sala, carregando uma travessa pesada com vasilhas e pratos.
"Franny traz a comida do Mestre de Poções, melhor comida da cozinha. Franny traz."
"Obrigada, Franny. Foi muito gentil da sua parte." Laurel pegou a travessa das mãos do elfo sorridente.
Severus olhou para a comida. "Eu não sei se consigo comer isso."
"Quando foi a última vez que você comeu?"
"Eu não me lembro... Dias atrás?"
Ela sorriu e colocou a travessa no chão, em frente à lareira. "Você realmente devia arrumar outra cadeira e talvez uma mesa."
"Eu tenho toda a mobília que eu preciso."
"Uma cama?"
"Você nunca reclamou da cama. Você realmente quer experimentar fazer numa mesa?"
Ela olhou para cima e, vendo o sorriso sarcástico dele, ela respirou aliviada. Se ele já estava soltando comentários cínicos é porque ele devia estar bem.
"Eu achei que a gente podia estender nossa relação de piquenique para jantar."
"Por quê?"
Ela baixou os talheres e se levantou. "Eu não estou confortável com todas essas mentiras. Mas eu entendo que elas são necessárias. Eu só queria passar um tempo com você."
Ele olhou para ela, seus olhos investigando o rosto dela a procura de algum sinal de ridicularização. Ele suspirou em seguida.
"Eu sinto muito ter colocado você nisso. No meio de todas essas mentiras e perigos."
"Você nunca me prometeu diferente. Eu sabia com o que estava concordando."
"Nós poderíamos tomar um chá aqui um dia ou outro. Se você quiser."
Ela sorriu, e o calor que irradiou dela fez ele se sentir tonto. Depois de um momento de silêncio ela moveu a cadeira mais perto da lareira.
"Tente comer alguma coisa, Severus. Você precisa recuperar sua energia. Você está parecendo um fantasma."
"Você não me veria então, não é?"
"Verdade. Você está pior do que um fantasma."
"Eu estou bem."
"O diretor Dumbledore me aconselhou a alimentá-lo, distraí-lo e ter certeza de que tenha algumas horas de sono. Então é isso que eu vou fazer."
Ele fez uma careta cínica. "Eu não sou seu paciente, Srta. Hunter."
"Uma vez na vida, Severus, faça o que eu digo. Coma!"
Ele apontou a varinha para a lareira e lançou um feitiço "Acendium". Um fogo crepitante apareceu do nada. Ainda carrancudo ele se sentou no chão. Após algumas mordidas cuidadosas ele começou de repente a devorar carnes e batatas como o bruxo faminto que ele era.
Laurel o observou da cama. Ela imaginava que logo após o jantar ele iria dormir, exausto. Então, tudo o que ela precisava fazer era distraí-lo por meia hora mais ou menos, e colocá-lo na cama.
"Severus?"
Ele olhou para cima, engolindo.
"Você se lembra da nossa... nossa..."
"Nossa briga antes de eu aparatar?"
"Nós não brigamos."
Os olhos dele a mantinham presa. "Se nós não brigamos, o que foi que nós estávamos fazendo?"
"Nós tivemos uma discussão."
"Você me chamou de idiota."
"Porque você estava se comportando como um."
"Ah." Ele pegou um pedaço de pão. "Do que então você irá me chamar no dia que a gente brigar?"
"Acredite, que você não vai querer saber."
"Refresque minha memória. O que exatamente me fez ser um idiota?"
"O modo como você trata seus alunos. Eu falo sério sobre isso. Neville Longbottom quase morre de medo sempre que você olha para ele, e eu não consigo entender porquê."
"Eu nunca olho para você dessa maneira."
"Sorte minha, então! Eu não sou uma criança, Severus, e até eu tive medo quando você gritou comigo naquela tarde de detenção!"
Os pensamentos dele voaram de volta para o momento em que ele reconheceu que o que ele realmente queria era puxar ela para si mesmo e beijá-la. No entanto, ele gritou com ela e a chamou de irresponsável. O que um bruxo deveria fazer?
"E aquela pobre garota da Lufa-lufa, Emily alguma coisa."
"Shanks. Emily Shanks. Ela podia ser a gêmea do Longbottom."
"Ela fica petrificada quando você entra na sala. Ela é bem esperta e realmente meiga em todas as outras salas."
"Eu não espero que meus alunos sejam meigos. Eu espero que eles não explodam a minha sala."
"E Harry. Ele não é estúpido, nem atrapalhado. Por que você o odeia tanto?"
Ela encheu dois copos de vinhos e passou um a ele.
"Eu não odeio Harry. Ele só lembra o James da maneira mais irritante possível."
"James?"
"James Potter, o pai dele." Ele tomou um gole de vinho e suspirou. "Nós éramos estudantes aqui na mesma época. Claro que ele era um Grifinório e eu um Sonserino."
"Vocês eram amigos?"
Snape frizou as sobrancelhas. "Eu acabei de dizer que ele era da Grifinória, não?"
"E daí?"
Impacientemente ele desfez a questão dela. "Não, James e eu não éramos amigos. Ele e sua trupe transformavam minha vida em um inferno sempre que podiam. E eu os odiava do fundo da minha alma."
"Você não pode culpar o garoto pelo o que o pai dele fez a você, Severus. Por falar nisso - o que exatamente James fez para que você o odiasse mesmo dezesseis anos após a morte dele?"
"Ele salvou a minha vida."
Ela o encarou, ajoelhado em frente ao fogo, esquentando suas mãos.
"Isso foi... realmente maldoso?" Ela tentou gozar, mas não houve sinal de um sorriso. Nem mesmo aquela torcida no canto de sua boca que havia se tornado tão familiar para ela.
"Eu devia a James, e eu nunca pude pagá-lo de volta. Ele acabou sendo morto e me deixou na obrigação de proteger o garoto. E Harry é como o maldito pai dele... arrogante, fútil e sem noção."
Laurel se sentou na poltrona perto da lareira e deixou ele falar. Depois de um tempo ele jogou o corpo para trás, recostando a cabeça nos joelhos dela, em uma posição que os dois gostavam de ficar.
"E assim como James, um dia desses esse garoto vai acabar se matando. Não há regras para os Potters, e eles nunca pensam sobre os danos que as bravuras não-pensadas deles causa aos outros."
"Ele é apenas um garoto, Severus."
"Não. Ele não é. Ele é o garoto que sobreviveu. Esse é o destino dele. Ele não tem tempo para tentativas e erros, como outras crianças. Os erros dele o matarão, assim como fez com seu pai."
Ele fechou os olhos e sentiu a mão dela passando pelo seu cabelo, cuidadosamente evitando encostar ao seu rosto. "Eu sou o professor dele e eu o faço seguir as regras. Ele me odeia por isso. E daí? Se eu conseguir fazer com que ele sobreviva minha dívida vai estar paga. Deixe que todos eles me odeiem, se pelo menos eles sobreviverem."
"Entendo."
"Isso vale especialmente para alunos adultos que viram professores."
A mão dela encostou em sua nuca e ele teve que se controlar para não soltar um gemido de prazer.
"Mas eu sempre sigo as regras, professor!"
Ele sorriu. "Claro."
"Até mesmo agora. Eu só estou aqui com a permissão explícita do Diretor Dumbledore."
"Se esse não fosse o caso eu já a teria mandado para seu quarto."
Agora era a vez dela de rir. "Você é realmente durão, Mestre de Poções. Mas você tem que admitir que você é parcial, de uma maneira terrível. Você tira pontos de todas as casas menos das suas preciosas pequenas serpentes."
Ele olhou para ela, os olhos inflexíveis como duas gemas pretas. "Preciosas. Sim. Eles são, pelo menos para mim."
Ela tentou entender.
Ele deu um sorriso de escárnio e se virou para o fogo. O calor o relaxava, assim como a mão dela que descia do seu pescoço para seus ombros, massageando seus músculos tensos. "O chapéu não seleciona estudantes para a sonserina sem razão. Eles são os temidos, os indesejáveis, várias vezes abusados. Eles desejam poder porque precisam disso para sobreviver. Antes de Hogwarts, muitos deles não sabiam como era ter alguém ao lado deles. Incondicionalmente, sem importar o resto."
"Mesmo que isso signifique tratar os outros alunos de maneira injusta?"
"Mesmo assim. Especialmente assim." Ele deitou a cabeça dele no joelho dela novamente. "Você não percebe que isso faz toda a diferença?"
Calmamente ela levantou a mão e tocou o queixo dele. Por um momento ele entregou-se ao toque dela e fechou os olhos. Por experiência ela sabia como ele reagia com carinhos, por isso ela apenas deixou a mão dela onde estava.
"E você diz que você não ama, Severus."
"Eu não amo." A voz dele era áspera.
"Então me diga o que é amor? Se não o que você dá para seus alunos da Sonserina?"
"Eu dou a eles o que eu teria precisado quando era um aluno da Sonserina."
Laurel achou a reclusão no rosto dele quase insuportável. Como ele conseguia viver com toda a tristeza dentro dele e anda assim parecer tão frio e controlado?
"Você precisa dormir" ela sussurrou. A voz dela começou a ceder e ela escondeu a emoção atrás de uma tosse. "Dumbledore me fez ter certeza de que você iria dormir."
Ele pegou ambos os pulsos dela e a puxou para si no carpete em frente ao fogo, onde ela se encontrou em um abraçado apertado. Ele escondeu o rosto nos cabelos dela. "Eu estou contente por você estar de volta. Eu deveria ter dito antes."
"Severus?" Ela perguntou baixinho após um tempo, sem saber se ele ainda estava acordado ou dormindo.
Quando ele sussurrou alguma coisa inteligível ela continuou. "Como foi? Lá?"
"Foi ruim."
Ele a segurou em seus braços como uma criança seguraria seu boneco favorito. O corpo dele a envolveu como uma proteção, um escudo, e o último pensamento que cruzou a mente dela antes dela também dormir foi que era ela quem deveria estar abraçando ele, e ele que deveria estar sendo abraçado.
* * *
Infelizmente a felicidade dela não durou muito. Snape desaparecera pelo corredor quando Laurel ouviu um som baixo atrás da porta da sala de poções.
Ela abriu a porta e encontrou Neville Longbottom ajoelhado no chão, recolhendo das pedras algo que parecia geléia esverdeada. Hermione Granger, abraçada aos próprios joelhos, falava calmamente com ele.
"Neville, eu tenho certeza que Trevor não sentiu nada"
Neville balançou a cabeça vigorosamente. "Você viu ele encarando Snape? Ele sabia, Mione! Ele sabia!"
Laurel se aproximou. "O que está acontecendo?"
Hermione e Neville se assustaram. A garota olhava para Laurel com uma mistura de raiva e alívio. "Laurel! Quero dizer, Srta. Hunter" Ela corou. "É estranho ter você como professora"
"Nem me diga" Laurel suspirou. Olhando para o rosto manchado de lágrimas de Neville, os olhos inchados e os restos verdes que ele segurava, ela se sentou em uma carteira.
"Professor Snape matou Trevor" Hermione acusou.
"Trevor?"
"O sapo do Neville. Ele fez o sapo beber a poção de engorgio do Neville"
Neville fungou e olhou para os restos do sapo. "Ele sabia que eu tinha errado de novo. Muito bile de peixe"
"Então Trevor cresceu. e cresceu" Hermione disse com um olhar piedoso para Neville. "E finalmente ele explodiu."
"Trevor era apenas um sapo" Neville tentou ser firme. "Mas ele era um bom sapo. Ele não merecia isso."
Laurel fechou os punhos. "Professor Snape sabia que sua poção estava forte demais e mesmo assim ele a testou com o Trevor?" ela repetiu com a voz controlada.
Hermione concordou furiosa. "Ele fez de propósito, para torturar o Neville! Ele consegue ser um grande idiota!" A mão dela voou para a própria boca. "Eu sinto muito, Srta. Hunter, eu não tinha a intenção..."
"Oh, sim, você tinha a intenção" Laurel sibilou. "E eu também tenho."
A vassoura de Laurel tremeu e sacolejou assim que ela diminuiu a velocidade no pé da colina que subia graciosamente entre o lago e a Floresta Proibida. Ela não estava nem certa se Severus tinha mantido o encontro dos dois. Ele provavelmente estaria sentado nas masmorras e inventando outra poção para torturar algum pobre aluno. A vassoura desceu e parou quatro pés acima do chão. Impacientemente ela desceu e chutou o cabo.
Snape, recostado contra o tronco de um carvalho antigo, retraiu-se. "Não é por menos que sua vassoura não te obedece, com você a tratando assim".
"Eu não me importo" ela respondeu bruscamente. "Pessoas não foram feitas para andar de vassouras. Elas andam de avião, e ônibus, e carros."
"Bruxos usam vassouras. Isso é, se eles não sabem aparatar."
A arrogância na voz dele fez com que ela quisesse lhe dar um soco. Com força. E ainda assim, a sua raiva não impediu seu coração de pular ao ver ele, os cabelos negros, as feições fortes, o corpo esbelto.
Severus ergueu as sobrancelhas. "Não é do seu feitio chutar um objeto inocente quando o que você realmente quer é me chutar."
"Então você admite que merece um chute?"
"Isso é sobre o Lupin? De novo?"
Laurel cerrou os dentes em frustração. "Não. Não é"
"Bom"
"É sobre Neville Longbottom."
Snape virou os olhos exasperadamente. Algum dia ela iria parar de criticar os seus métodos de ensino? Algum dia ele seria bom o suficiente aos olhos dela? E por que diabos ele se importava com o que ela pensava sobre ele?
"Sr. Longbottom. Eu sei. O que tem ele?"
"Você está planejando matá-lo de medo algum dia desses?"
Ele bateu a mão no chão ao lado dele. "Por que você não se senta, tente comer alguma coisa e depois grita comigo?"
Laurel se sentou, mas apenas balançou a cabeça vigosoramente quando ele ofereceu um dos sanduíches que os elfos domésticos haviam preparado para ele. "Eu não estou com fome, obrigada."
"Esse... piquenique," ele fez um gesto em direção da cesta aos seus pés e do cobertor dobrado, "foi idéia sua, Srta. Hunter."
"Eu perdi meu apetite quando vi o que você fez com Trevor"
"Quem em nome de Merlim é Trevor?"
"O sapo do Neville."
"Você preferiria que eu tivesse administrado a poção no próprio Longbottom?"
"Ele tem medo de você, Severus! Se você continuar gritando assim com ele, um dia ele..."
"Um dia ele irá se levantar e gritar de volta. E ele nunca mais terá medo."
Ele disse secamente e sem emoções.
"Você estava tentando fazer com que ele se defendesse por contra própria? Assim como você tentou fazer com Lupin?"
O olhar dele não desviou. "E novamente, eu perdi."
A raiva dela evaporou. Ela abraçou os próprios joelhos e olhou para ele com os olhos semi-cerrados. "Você sabe" ela disse devagar, "Eu não consigo enxergar através de você."
"Você não pode estar esperando seriamente que eu me preocupe com isso, pode?"
"Eu me vejo claramente" ela continuou, sem prestar atenção ao sarcasmo dele. "E eu sou boa nisso, ler pessoas. Só que aqui em Hogwarts nada e ninguém é o que aparenta ser."
Snape a viu mordendo o lábio inferior. Ela parecia estar aflita. Ele se ajoelhou em frente a ela e segurou sua mão. "Vamos dar uma volta."
Silenciosamente eles caminharam morro acima até que eles alcançaram o topo da colina. O outono havia chegado cedo, transformando arbustos e árvores em redemoinhos de cores. Da elevação em que eles estavam, eles podia ver o polvo gigante nadando preguiçosamente no lago.
"Eu peço desculpas" Laurel disse suavemente quando Snape indicou as divisas de Hogwarts.
A cabeça dele se virou bruscamente. "Você o que?"
"Eu peço desculpas por ter gritado com você. Eu estava nervosa e..."
Ele esperou pacientemente.
"Eu deveria saber. Eu deveria ter perguntando suas razões antes de julgá- lo."
"Você realmente pensou que eu era simplesmente cruel?" Ele não teve a intenção, mas sua voz soou amargurada.
"Eu temia que você gostasse de provocar o Neville."
"Bem, eu não gosto."
"Bom."
"Podemos mudar de assunto agora? Eu não sou um homem muito paciente, como você já sabe, e você está me testando hoje."
"Você irá parar de assustar Neville?"
"Não. Não até ele criar coragem."
"Nem todo mundo é igual a você, Severus."
Uma dor aguda surgiu em seu braço. Snape estremeceu. Não agora!
"O que você quer dizer?" ele conseguiu controlar-se.
Laurel olhou para ele, subitamente percebendo o suor frio em sua testa.
"Você está bem?"
"O que você quis dizer, como eu?"
Os olhos dela nunca deixaram os dele. Ela iria levá-lo para ver a Madame Pomfrey a qualquer minuto, ela jurou a si mesma. Ele não parecia nada bem.
"Você acha que pode se erguer sozinho." ela disse suavemente.
Ele tentou dizer algo, mas a dor em seu braço tomou seu fôlego. Sua face, sempre pálida, estava ficando cinza.
"Você não precisa de ninguém. Você pode sobreviver sozinho. Mas outros precisam de amigos, amor, suporte. Neville perdeu seus pais. Assim como Harry."
"Isso não é desculpa. Potter está sempre quebrando as regras! E eu não vou tolerar isso. Isso é tão difícil de entender, Laurel?"
Ela cruzou os braços, com raiva e preocupação ao mesmo tempo.
"Você quebrou todas as regras que há, seu... idiota! Até onde eu saiba você inventou e aperfeiçoou a quebra de regras!"
Ele esqueceu de respirar. Uma raiva seca quase o fez engasgar. Sua mão direita agarrou e começou a esfregar seu braço esquerdo compulsivamente. "E eu estou pagando por isso!" ele urrou subitamente. "Eu vou pagar por isso até o dia da minha morte!" Agarrando a manga do seu robe, ele rasgou o pano preto até revelar uma caveira negra em seu braço - não apenas uma tatuagem como Laurel imaginou primeiro - mas algo mais sombrio, alguma coisa... viva. Uma cobra deslizava pelos buracos da caveira sorridente. Ela olhou aquilo por um momento, fascinada e sentindo repulsa ao mesmo tempo.
"O que... O que é isso?"
"A Marca Negra. Isso é que o você ganhar por quebrar as regras." Ele fechou os olhos e segurou a marca novamente, como se ela causasse uma grande dor. "Se você tiver o azar de sobreviver."
"Eu nunca havia visto isso antes."
"Ela só aparece quando Voldemort chama seus servos fiéis. Eu quero que você vá até Dumbledore, agora."
"Chamando você? Por que ele iria..."
Ele ofegou. "Laurel, eu não tenho tempo para explicar. Uma vez na vida, faça o que eu digo."
Ela viu ele tremular.
"O que está acontecendo?"
"Eu estou aparatando daqui. Vá... ver Dumbledore" ele disse com dificuldade. "Siga os conselhos dele."
"Você não pode aparatar de Hogwarts! Isso não pode ser feito dentro dos limites da escola."
"Pois veja."
"Severus?"
Ele desapareceu.
* * *
Dumbledore fez um cumprimento em direção a uma poltrona. "Ah, Srta. Hunter. Eu esperava vê-la. Permita-me um momento para terminar isso" Ele disse e continuou penteando Fawkes. O grande pássaro vermelho e dourado estava arrulhando de felicidade.
"Por que você não faz um chá para nós? Arrumar Fawkes sempre deixa minha garganta seca."
Laurel pulou. Ela estava olhando os quadros na sala circular, onde vários ex-diretores roncavam.
"Oh. Claro" Ela olhou ao redor mas não pôde encontrar nem chaleira nem xícaras. Um dos diretores perto da porta abriu os olhos e piscou para ela. Quando ela franziu as sobrancelhas ele pegou a varinha e sacudiu-a, sugestivamente. Laurel corou. "Claro. Supostamente eu devo fazer isso com minha varinha."
Ela podia ver a página de "Um guia de iniciante para feitiços na cozinha" em sua mente. A bruxa no livro fazia parecer tão fácil. Sob o olhar atento de vários diretores ela procurou pela sua varinha que tinha a péssima tendência de se perder dentro da sua manga. Como eles conseguiam fazer isso?
"Simples feitiço, Burdock" Dumbledore disse como se falasse com Fawkes, que preguiçosamente abriu os olhos. "Mantém a varinha onde ela deve ficar."
Laurel apontou para a pequena mesa e se concentrou. Uma larga travessa apareceu do ar, com um prato de bolo de caldeirão, um jarro de leite, duas xícaras e um vapor suave saindo de... um peixe. Os diretores nos quadros tremeram em risos silenciados. Laurel fez o peixe desaparecer rapidamente e tentou novamente. Ela chegou perto dessa vez, mas um vaso de flores não era o que ela queria também. Sua quinta tentativa e o esforço conjunto dos diretores de quatro séculos eventualmente produziu uma chaleira perfeita. Um cheiro suave de caramelo encheu a sala.
Quando Dumbledore largou o pente, Fawkes lançou a Laurel um olhar ofendido, mas se acomodou no braço da poltrona dela. Ela ofereceu ao diretor uma xícara de chá e se esticou para a beira da cadeira, preparada para pular. A ansiedade que ela sentia desde que Snape havia aparatado sem explicações a estava deixando inquieta.
Dumbledore se sentou perto dela, escolheu um dos bolos do prato e tomou um gole do chá.
"Muito bom, essa chá, querida. Agora, o que vamos fazer para distraí-la enquanto Snape está fora?"
"Me distrair?" ela olhou para ele sem entender.
"Você se preocupa demais com ele."
"Como ele conseguiu aparatar para fora de hogwarts?" ela perguntou, ainda confusa. "Eu pensei que houvesse barreiras mágicas que impedissem qualquer um de aparatar para dentro ou para fora."
"Finalmente um aluno que presta atenção às aulas" Dumbledore sorriu. "Você está certa, claro. Mas onde há uma fechadura, haverá uma chave. Severus pode ir e vir quando quiser."
"Porque você deu a chave a ele."
"Correto."
"Porque ele é seu espião. E se eles descobrirem sobre ele?"
"Não vamos nem pensar sobre isso."
Laurel não conseguiu impedir um soluço.
"Ele é um mestre em falsidade" ela tentou acalmar a si mesma.
"Ele é" Dumbledore concordou gravemente. "Severus está sob grande pressão agora, no meio do terror e da maldade. Por causa do laço entre vocês, você irá sentir a necessidade de dar suporte a ele espiritualmente. Mas ele precisa ir até Voldemort sem nenhum traço seu. Não tente alcançá-lo. Acredite, assim como os Dementadores podem sentir o cheiro de desespero, Voldemort também consegue. Qualquer emoção. Tudo o que Severus deve sentir é medo na presença do Lord negro. Não segurança, nem intimidade, nem esperança. Isso só iria traí-lo."
"Mas você me disse antes que eu deveria dar suporte a ele. Como eu vou fazer isso?"
"Não enquanto ele está lá. Nos campos de Voldemort ele está sozinho. Mas quando ele voltar."
"Ele irá voltar. Logo, não?" ela implorava por segurança.
"Eu realmente espero que sim. Normalmente leva apenas algumas horas, não tempo suficiente para alguém notar a ausência do Comensal. Mas para Severus vai parecer como se dias se passaram. Quando ele voltar, ele irá precisar de você."
Ela se forçou a relaxar, e hesitantemente bebia seu chá. Era difícil afastar seus pensamentos do medo obscuro em sua mente. O diretor a observou se recostando na poltrona e respirando calmamente e disciplinadamente. Ele sorriu.
"Você aprendeu muito desde que veio a Hogwarts, Srta. Hunter. Dois anos atrás você teria colocado fogo em algo por causa das suas emoções estarem te sobrecarregando."
"É o Severus" ela respondeu com um sorriso. "De alguma maneira eu consigo pegar emprestado a disciplina dele, o modo como ele se contêm, quando preciso."
"Assim como ele pode pegar emprestado suas emoções, seu calor humano. É o laço, vê? Ele deveria fortalecer ambos nas áreas em que vocês fraquejam. E foi o que ele fez." Com um movimento rápido, ele mudou de assunto. "Agora, me fale sobre seu primeiro dia do outro lado da sala. Como foi?"
Ela sorriu para ele. "Não tão mal. O Feitiço Silenciador pareceu funcionar. Não que eu pudesse perceber, já que não consigo mesmo escutar o professor Binns. Os alunos precisaram de um tempo para se adaptar, no entanto."
"Eles irão sobreviver sem as horas extras de sono que as aulas do Professor Binns ofereciam."
Um estalido fraco no ar chamou a atenção de Dumbledore. Ele virou a cabeça. "Severus está de volta, eu acredito."
Laurel se sentou rapidamente. A conversa com o diretor não havia apenas a distraído, mas fez com que ela esquecesse completamente o perigo por qual Snape estava passando. Agora a ansiedade voltava mais forte ainda.
Do nada, uma figura aparatou no meio da sala. Snape ficou parado alguns segundos com os olhos abertos. Até que ele tropeçou e caiu de joelhos no chão.
Dumbledore se curvou em frente a ele e estudou os olhos do bruxo. "Quem sou eu, Severus?" A voz dele era gentil, mas firme.
Laurel mordeu os próprios lábios. "O que está acontecendo com ele?"
"A presença do Lord das Trevas pode apagar a memória, assim como um beijo de Dementador. Tudo o que sobra é uma concha vazia."
"Você é Albus Dumbledore, Diretor de Hogwarts" Snape respondeu suavemente. A voz dele estava rouca, como se ele tivesse passado as últimas horas gritando a plenos pulmões. "Você tem açúcar de confeiteiro em sua barba."
"Ele está bem." Dumbledore sorriu, assegurador, e se sentou em sua cadeira. "Há algo que necessite da minha atenção imediata, Severus?"
"Não"
"Você pode relatar tudo amanhã. Eu sugiro, Srta. Hunter, que você cuide dele agora."
"Eu não preciso de ninguém cuidando de mim." Snape protestou fracamente, tentando se levantar.
"Claro que não." O diretor concordou com a cabeça.
"Eu estou bem."
Laurel deu um passo a frente para dar suporte a ele quando ele tropeçou.
Dumbledore levantou as sobrancelhas. "Perfeitamente bem, Severus." Ele foi até a lareira e abriu uma jarra com pó de Flú. Um chuvisco dourado tornou as chamas verdes. "Agora vão. Vocês dois."
Momentos depois eles saíram da lareira direto para o dormitório de Snape.
Ele insistiu em lavar o rosto e as mãos sem ajuda, mas não lutou muito quando ela o ajudou a trocar de roupas para algo mais confortável.
Preocupada, Laurel viu ele fechar e abrir os olhos repetidamente, e então balançar a cabeça com força como se tentasse esquecer. Suas mãos agarravam uma das quatro pilastras de madeira da cama.
Uma batida alta na porta fez com que ela se virasse. Quando ela abriu, Franny, um dos elfos domésticos, entrou aos tropeços na sala, carregando uma travessa pesada com vasilhas e pratos.
"Franny traz a comida do Mestre de Poções, melhor comida da cozinha. Franny traz."
"Obrigada, Franny. Foi muito gentil da sua parte." Laurel pegou a travessa das mãos do elfo sorridente.
Severus olhou para a comida. "Eu não sei se consigo comer isso."
"Quando foi a última vez que você comeu?"
"Eu não me lembro... Dias atrás?"
Ela sorriu e colocou a travessa no chão, em frente à lareira. "Você realmente devia arrumar outra cadeira e talvez uma mesa."
"Eu tenho toda a mobília que eu preciso."
"Uma cama?"
"Você nunca reclamou da cama. Você realmente quer experimentar fazer numa mesa?"
Ela olhou para cima e, vendo o sorriso sarcástico dele, ela respirou aliviada. Se ele já estava soltando comentários cínicos é porque ele devia estar bem.
"Eu achei que a gente podia estender nossa relação de piquenique para jantar."
"Por quê?"
Ela baixou os talheres e se levantou. "Eu não estou confortável com todas essas mentiras. Mas eu entendo que elas são necessárias. Eu só queria passar um tempo com você."
Ele olhou para ela, seus olhos investigando o rosto dela a procura de algum sinal de ridicularização. Ele suspirou em seguida.
"Eu sinto muito ter colocado você nisso. No meio de todas essas mentiras e perigos."
"Você nunca me prometeu diferente. Eu sabia com o que estava concordando."
"Nós poderíamos tomar um chá aqui um dia ou outro. Se você quiser."
Ela sorriu, e o calor que irradiou dela fez ele se sentir tonto. Depois de um momento de silêncio ela moveu a cadeira mais perto da lareira.
"Tente comer alguma coisa, Severus. Você precisa recuperar sua energia. Você está parecendo um fantasma."
"Você não me veria então, não é?"
"Verdade. Você está pior do que um fantasma."
"Eu estou bem."
"O diretor Dumbledore me aconselhou a alimentá-lo, distraí-lo e ter certeza de que tenha algumas horas de sono. Então é isso que eu vou fazer."
Ele fez uma careta cínica. "Eu não sou seu paciente, Srta. Hunter."
"Uma vez na vida, Severus, faça o que eu digo. Coma!"
Ele apontou a varinha para a lareira e lançou um feitiço "Acendium". Um fogo crepitante apareceu do nada. Ainda carrancudo ele se sentou no chão. Após algumas mordidas cuidadosas ele começou de repente a devorar carnes e batatas como o bruxo faminto que ele era.
Laurel o observou da cama. Ela imaginava que logo após o jantar ele iria dormir, exausto. Então, tudo o que ela precisava fazer era distraí-lo por meia hora mais ou menos, e colocá-lo na cama.
"Severus?"
Ele olhou para cima, engolindo.
"Você se lembra da nossa... nossa..."
"Nossa briga antes de eu aparatar?"
"Nós não brigamos."
Os olhos dele a mantinham presa. "Se nós não brigamos, o que foi que nós estávamos fazendo?"
"Nós tivemos uma discussão."
"Você me chamou de idiota."
"Porque você estava se comportando como um."
"Ah." Ele pegou um pedaço de pão. "Do que então você irá me chamar no dia que a gente brigar?"
"Acredite, que você não vai querer saber."
"Refresque minha memória. O que exatamente me fez ser um idiota?"
"O modo como você trata seus alunos. Eu falo sério sobre isso. Neville Longbottom quase morre de medo sempre que você olha para ele, e eu não consigo entender porquê."
"Eu nunca olho para você dessa maneira."
"Sorte minha, então! Eu não sou uma criança, Severus, e até eu tive medo quando você gritou comigo naquela tarde de detenção!"
Os pensamentos dele voaram de volta para o momento em que ele reconheceu que o que ele realmente queria era puxar ela para si mesmo e beijá-la. No entanto, ele gritou com ela e a chamou de irresponsável. O que um bruxo deveria fazer?
"E aquela pobre garota da Lufa-lufa, Emily alguma coisa."
"Shanks. Emily Shanks. Ela podia ser a gêmea do Longbottom."
"Ela fica petrificada quando você entra na sala. Ela é bem esperta e realmente meiga em todas as outras salas."
"Eu não espero que meus alunos sejam meigos. Eu espero que eles não explodam a minha sala."
"E Harry. Ele não é estúpido, nem atrapalhado. Por que você o odeia tanto?"
Ela encheu dois copos de vinhos e passou um a ele.
"Eu não odeio Harry. Ele só lembra o James da maneira mais irritante possível."
"James?"
"James Potter, o pai dele." Ele tomou um gole de vinho e suspirou. "Nós éramos estudantes aqui na mesma época. Claro que ele era um Grifinório e eu um Sonserino."
"Vocês eram amigos?"
Snape frizou as sobrancelhas. "Eu acabei de dizer que ele era da Grifinória, não?"
"E daí?"
Impacientemente ele desfez a questão dela. "Não, James e eu não éramos amigos. Ele e sua trupe transformavam minha vida em um inferno sempre que podiam. E eu os odiava do fundo da minha alma."
"Você não pode culpar o garoto pelo o que o pai dele fez a você, Severus. Por falar nisso - o que exatamente James fez para que você o odiasse mesmo dezesseis anos após a morte dele?"
"Ele salvou a minha vida."
Ela o encarou, ajoelhado em frente ao fogo, esquentando suas mãos.
"Isso foi... realmente maldoso?" Ela tentou gozar, mas não houve sinal de um sorriso. Nem mesmo aquela torcida no canto de sua boca que havia se tornado tão familiar para ela.
"Eu devia a James, e eu nunca pude pagá-lo de volta. Ele acabou sendo morto e me deixou na obrigação de proteger o garoto. E Harry é como o maldito pai dele... arrogante, fútil e sem noção."
Laurel se sentou na poltrona perto da lareira e deixou ele falar. Depois de um tempo ele jogou o corpo para trás, recostando a cabeça nos joelhos dela, em uma posição que os dois gostavam de ficar.
"E assim como James, um dia desses esse garoto vai acabar se matando. Não há regras para os Potters, e eles nunca pensam sobre os danos que as bravuras não-pensadas deles causa aos outros."
"Ele é apenas um garoto, Severus."
"Não. Ele não é. Ele é o garoto que sobreviveu. Esse é o destino dele. Ele não tem tempo para tentativas e erros, como outras crianças. Os erros dele o matarão, assim como fez com seu pai."
Ele fechou os olhos e sentiu a mão dela passando pelo seu cabelo, cuidadosamente evitando encostar ao seu rosto. "Eu sou o professor dele e eu o faço seguir as regras. Ele me odeia por isso. E daí? Se eu conseguir fazer com que ele sobreviva minha dívida vai estar paga. Deixe que todos eles me odeiem, se pelo menos eles sobreviverem."
"Entendo."
"Isso vale especialmente para alunos adultos que viram professores."
A mão dela encostou em sua nuca e ele teve que se controlar para não soltar um gemido de prazer.
"Mas eu sempre sigo as regras, professor!"
Ele sorriu. "Claro."
"Até mesmo agora. Eu só estou aqui com a permissão explícita do Diretor Dumbledore."
"Se esse não fosse o caso eu já a teria mandado para seu quarto."
Agora era a vez dela de rir. "Você é realmente durão, Mestre de Poções. Mas você tem que admitir que você é parcial, de uma maneira terrível. Você tira pontos de todas as casas menos das suas preciosas pequenas serpentes."
Ele olhou para ela, os olhos inflexíveis como duas gemas pretas. "Preciosas. Sim. Eles são, pelo menos para mim."
Ela tentou entender.
Ele deu um sorriso de escárnio e se virou para o fogo. O calor o relaxava, assim como a mão dela que descia do seu pescoço para seus ombros, massageando seus músculos tensos. "O chapéu não seleciona estudantes para a sonserina sem razão. Eles são os temidos, os indesejáveis, várias vezes abusados. Eles desejam poder porque precisam disso para sobreviver. Antes de Hogwarts, muitos deles não sabiam como era ter alguém ao lado deles. Incondicionalmente, sem importar o resto."
"Mesmo que isso signifique tratar os outros alunos de maneira injusta?"
"Mesmo assim. Especialmente assim." Ele deitou a cabeça dele no joelho dela novamente. "Você não percebe que isso faz toda a diferença?"
Calmamente ela levantou a mão e tocou o queixo dele. Por um momento ele entregou-se ao toque dela e fechou os olhos. Por experiência ela sabia como ele reagia com carinhos, por isso ela apenas deixou a mão dela onde estava.
"E você diz que você não ama, Severus."
"Eu não amo." A voz dele era áspera.
"Então me diga o que é amor? Se não o que você dá para seus alunos da Sonserina?"
"Eu dou a eles o que eu teria precisado quando era um aluno da Sonserina."
Laurel achou a reclusão no rosto dele quase insuportável. Como ele conseguia viver com toda a tristeza dentro dele e anda assim parecer tão frio e controlado?
"Você precisa dormir" ela sussurrou. A voz dela começou a ceder e ela escondeu a emoção atrás de uma tosse. "Dumbledore me fez ter certeza de que você iria dormir."
Ele pegou ambos os pulsos dela e a puxou para si no carpete em frente ao fogo, onde ela se encontrou em um abraçado apertado. Ele escondeu o rosto nos cabelos dela. "Eu estou contente por você estar de volta. Eu deveria ter dito antes."
"Severus?" Ela perguntou baixinho após um tempo, sem saber se ele ainda estava acordado ou dormindo.
Quando ele sussurrou alguma coisa inteligível ela continuou. "Como foi? Lá?"
"Foi ruim."
Ele a segurou em seus braços como uma criança seguraria seu boneco favorito. O corpo dele a envolveu como uma proteção, um escudo, e o último pensamento que cruzou a mente dela antes dela também dormir foi que era ela quem deveria estar abraçando ele, e ele que deveria estar sendo abraçado.
* * *
