15. Luzes na Escuridão

Quando Laurel entrou no Salão Principal na manhã seguinte ela franziu as sobrancelhas. Alguma coisa estava errada. Havia pouco mais de uma dúzia de alunos sentados à mesa. Então ela se lembrou. O feriado de Natal havia começado três dias atrás, e o dia de Natal havia passado sem que ela percebesse. Enquanto as crianças abriam seus presentes, ela tentava quebrar a porta da sala que desaparecia.

Ela se sentou à mesa principal e viu que metade das cadeiras estava vazia, entre elas a de Black, Serene, Dumbledore e Snape. Bem, se ele pretendia evitá-la, teria uma surpresa. Ela iria encurralá-lo, se necessário até usaria algum feitiço – Feitiço do Corpo Preso parecia funcionar, como ela bem lembrava – e se mesmo assim ele não quiser conversar, ele terá que escutar.

Mas primeiro teve o café da manhã. Como ela não comia nada fazia dias, ela apreciou os pratos à mesa. Alguém passou uma travessa de pão de canela para ela.

"Você gosta desses, não?"

"Remo!" Ela engoliu e suspirou aliviada. "Como você está? Como está seu braço?"

Ele deu de ombros. "Nós... lobisomens, quero dizer... nos curamos rápido."

"Como está Serene?"

"Ela vai ficar bem. É com a mente dela que eu estou preocupado. Não as contusões e as costelas quebradas."

Laurel suspirou. "Eu deveria ter segurado Snape. Mas eu estava tão confusa e exausta..."

Ele colocou a mão gentilmente sobre a mão dela. "Não foi sua culpa. E eu também não culpo Snape. Você deveria tê-lo visto, quando ficou claro que você havia desaparecido. Ele estava fora de si."

"Ele realmente pediu ajuda para você?"

"Não só para mim, mas principalmente Black. Foi penoso para ele, mas ele pediu. Eu nunca o tinha visto tão assustado." Ele deitou a cabeça e um sorriso maroto surgiu em seu rosto cansado. "Só quando ele me viu transformando a primeira vez."

"Ele te viu?"

"Quando eu fui aceito em Hogwarts, foi arranjado um lugar secreto onde eu poderia me transformar todos os meses. Snape e Sirius... eles não se davam muito bem. Então um dia Sirius indicou o caminho até meu esconderijo para o Snape. James Potter, o pai de Harry, o tirou de lá no último momento, e eu só tive uma rápida visão do rosto dele."

"Então Black realmente tentou assassinar Snape. Você o teria matado, não?" ela perguntou ansiosamente.

Ele concordou silenciosamente. "Eu não sou eu mesmo quando me transformo, Laurel. Quero dizer, a parte humana ainda está lá, mas o animal é mais forte. Eu sinto e reajo como um lobo. E um lobo mataria qualquer intruso."

"E a poção que Severus preparou para você?"

"Funciona como um forte sedativo. Imagine um lobo sonâmbulo. Esse sou eu."

Laurel teve que rir do sorriso zombador dele. Mas ela se lembrou do seu livro de poções que a poção Mata-cão tinha sérios efeitos colaterais. Era, afinal de contas, um veneno.

"Ainda é melhor do que perder a cabeça toda vez, tentando pensar no que eu tenha feito, ou quem eu tenha atacado." Remo continuou, sério novamente.

"Você contou para a Serene, ou ela descobriu como todos os outros quando Severus contou?"

"Eu... contei a ela antes." Ele corou.

"E? Como ela reagiu?"

"Ela prometeu guardar segredo."

"Só isso?"

Ele balançou a cabeça. "Ela deixou bem claro que não está interessada em mim."

"Mas, Remo, ela disse ontem..."

Antes que ela pudesse terminar a frase, Dumbledore entrou no saguão. No caminho, ele parou na mesa dos estudantes por um minuto e conversou com alguns alunos. Todos eles riram, claramente divertindo-se com uma piada. Mas quando ele se virou para a mesa principal, o sorriso no rosto dele deu lugar ao cansaço e apreensão.

"Laurel, Remo." ele deu um leve aceno com a cabeça. "Bom dia. Como está a Srta. Kennedy, Remo?"

Lupin se levantou. "Obrigado, Diretor. Ela ainda estava dormindo quando eu saí. Sirius a está guardando agora."

"Nós não devemos mantê-la como uma prisioneira, lembre-se. Ela precisa aprender que nós confiamos nela."

Remo sorriu fracamente. "Eu vou liberar o Sirius. Ele deve estar com fome."

"Se você encontrar o Sr. Olsen, peça-o para vir me ver no meu escritório, sim? Eu preciso conversar com ele."

"Sobre a vela?"

"Sobre a vela e outros assuntos."

Remo saiu, e Dumbledore pegou seu lugar.

Ele olhou ao redor da mesa.

"Severus não desceu para o café-da-manhã?"

"Eu não sei." Laurel disse. "Eu mesma cheguei atrasada. Talvez ele tenha saído antes..."

"Não. Severus não apareceu a manhã toda." Professor Flitwick se intrometeu. Sua pequena mão batendo de leve na mão de Laurel. "Você está bem, querida?"

"Estou bem." Ela sorriu. Aparentemente todos já sabiam sobre o que tinha acontecido. Era impossível manter um segredo em Hogwarts.

"Então eu sugiro que você vá procurá-lo, Laurel." Dumbledore se levantou. "Houve um chamado a noite passada, assim que ele deixou a enfermaria. Ele estava em um estado deplorável quando voltou, mas não me deixou acordá-la."

Laurel mordeu os lábios. Enquanto ela dormia tranqüilamente, sem sonhos, Severus tinha entrado novamente naquele domínio da Escuridão. "É absolutamente necessário que ele vá para lá?" ela perguntou para Dumbledore enquanto eles saiam do salão.

"É a decisão de Severus. As informações que ele coleta podem ser cruciais."

"Mas você não notou como ele tem estado diferente, ultimamente? É como se ele estivesse sendo vagarosamente envenenado ou drogado."

O diretor parou em frente a estátua de Helga Hufflepuff – sorrindo serenamente com um brasão aos seus pés. "Então você deveria dizer para ele parar."

Laurel o encarou, atônita. "Eu? Que direito tenho eu para dizer isso a ele?"

"Você está ligada com ele, Laurel. Eu temo que nenhum dos dois tenha entendido completamente o que isso significa. Vocês são uma unidade agora. Se Severus se machucar, você irá sofrer. Assim como ele sofreu os últimos dias."

Ela evitou o olhar dele. Como o diretor fazia isso? A fazendo sentir como se ele pudesse olhar diretamente dentro do seu coração.

"Ele não irá escutar."

"Ele irá, se você disser a verdade."

"A verdade?" Ela ainda estudava o intricado desenho do chão de mármore do Saguão.

O diretor pegou o queixo dela e a forçou a olhar para ele. "Que você não consegue continuar assim."

"Como você sabe?" ela suspirou. Lágrimas começavam a se juntar.

Ele passou a ela um grande lenço roxo.

"Quando Minerva a trouxe para Hogwarts, no banquete de Seleção, eu vi Severus te encarando. Eu pude ver um raio de luz entre vocês. E não se iluda como Severus faz. Paixão é um laço forte, mas não o suficiente para salvá-lo."

"Mas amor é?" Laurel o encarou de volta, mais calma, mais forte.

"Amor é" ele concordou.


Laurel bateu na porta do quarto de Snape. Ninguém atendeu. Quando ela se virou para deixar as masmorras, ela ouviu um som abafado vindo de dentro da sala de aula. A porta estava ligeiramente aberta e ela a empurrou, apenas para encontrar Snape parado no meio da sala mal iluminada.

Por um momento ele permaneceu indiferente a presença dela. Ele parecia extremamente solitário, separado do mundo por uma barreira de desespero. O coração de Laurel doeu. Ela estava pronta para esquecer tudo, esquecer porque ela tinha ido até ali, esquecer o que ela tinha para falar a ele. E apenas abraçá-lo.

Ela limpou a garganta.

"Severus?"

Ele congelou. "Quem deixou você entrar?"

Laurel apontou para a porta. "Não estava trancada. Não estava nem mesmo fechada."

"Oh" Ele esfregou a testa e suspirou. "Estou ficando descuidado."

"Eu escutei vozes. Com quem você estava conversando?"

"Ninguém"

"Você está cansado."

O rosto dele mostrava depressões profundas, o fundo dos olhos vazio. O corpo alto e magro emaranhado em robes rasgados e manchados. O canto da boca dele estava incrustada de sangue, e assim que Laurel se aproximou mais ela notou o pulso provisoriamente enfaixado.

"O que aconteceu?" ela perguntou suavemente.

"Nada." Ele tentou esconder as mãos atrás das costas, como um garoto.

"Eu pensei que o... laço... entre nós me desse o direito de cuidar dos seus ferimentos. De cuidar de você quando voltasse de Voldemort."

"Laurel, eu..." ele não encontrava palavras.

"Não. Me escute, Snape! Por um longo tempo eu deixei você fugir em silêncio, porque eu não queria te machucar..."

"Mas agora você quer... me machucar?" Os olhos dele lançaram flashes negros.

Laurel suspirou e sentou em uma mesa. "Não. Mas eu não consigo continuar assim..."

"Eu nunca..."

"Você nunca me prometeu nada." Ela terminou a frase por ele. "Você me alertou desde o início. Você me disse que nunca me amaria e que não poderia me dar nada além de... sexo." Ela sorriu sonhadora. "O que foi ótimo, por sinal."

Ele se aproximou mais, até que estivesse apenas um passo de distância dela. Sem nenhuma palavra ele colocou as mãos na cintura dela, a puxando para mais perto de si. Tão perto que ela pôde notar que ele estava pronto para ela sob o tecido.

Ele olhou para ela, o rosto dele mostrando toda a sua necessidade. Ele a levantou até suas bocas estivessem no mesmo nível e mais uma vez ela ficou surpresa com a força dele. Segurando a respiração, ela se entregou à língua dele. O gosto dele era intoxicante e ela o beijou de volta, quente.

As mãos dele procuravam por sob o robe dela. Tocando seus seios, por baixo do sutiã. Laurel gemeu e mordeu o próprio lábio.

Ele sussurrou no ouvido dela. "Diga que você me quer."

O movimento dos dedos dele a fez tremer. Tudo o que ela queria era o corpo nu dele contra ela, a respiração quente dele em seu colo. Tudo o que ela queria era ele por inteiro, o mais perto possível, dentro dela. Quando ele a levantou e a colocou em cima de uma das carteiras, ela respondeu os movimentos do seu corpo, caindo no ritmo naturalmente. Só aí uma pequena voz no fundo de sua mente a chamou de volta. Porque não era só isso que ela queria. O que ela realmente queria era...

Com as mãos trêmulas ela abriu o robe dele, fazendo com que o tecido deslizasse pelos ombros dele. Os dedos dela tocaram a pele cicatrizada nas costas dele, fazendo círculos gentis, tecendo uma rede de calor e amor ao redor dele. Ele reprimiu um gemido. Segurando ambos os pulsos dela com força, ele afastou as mãos dela para longe de si.

"Não faça isso, Laurel."

Com toda a força que ela conseguiu juntar, ela o afastou de si.

"Não."

Machucou. Ela nunca imaginou que fosse doer tanto. O esforço a deixou trêmula. Os olhos dele estavam vazios quando ele se afastou. Penosamente ela tentou manter a voz firme.

"Não assim, Severus. Da próxima vez a gente não irá simplesmente fazer sexo. Vamos fazer amor. Como iguais."

Ele agarrou o canto da carteira com tanta força que as dobras dos dedos dele ficaram brancas.

"Eu não posso te dar nenhuma das coisas que você precisa, Laurel. Nenhum calor. Nenhum amor. Nenhum... carinho. Eu pensei ter deixado isso claro naquela primeira tarde. Você me disse que não se importava."

Laurel pulou da carteira, agitada e se aproximou dele. Sem resistência ela pegou a mão dele na sua mão e analisou o pulso enfaixado.

"Viver sem seu amor seria difícil, mas eu posso fazer isso. Mas o que eu não posso é viver sem isto."

Ela levantou o pulso dele até seus lábios e beijou o ferimento suavemente. Quando ele estremeceu, ela o soltou, sorrindo tristemente. "Você vê? Eu... eu não posso viver sem dar. Eu me iludi. Eu pensei que eu pudesse só receber, mas eu estava errada."

"Eu quero que você deixe Hogwarts, Laurel."

Ele disse em uma voz fria e indiferente, como se tivesse praticado várias vezes.

Ela olhou para baixo. Os lábios inferiores começaram a tremer. Mas ainda assim ela permaneceu firme. Com os braços cruzados, ela olhou de volta para ele.

"Por quê?"

Ele cerrou os dentes. Como ele havia temido esse momento! Desde a primeira vez que ela esperou por ele após um chamado, e o confortou – contra a sua vontade. Até mesmo então ele disse a si mesmo, que cada vez que ele se deixasse levar pela sua vontade, seria mais difícil no fim deixá-la ir. Mas ela não facilitou as coisas para ele. Ela não partiu. Então ele teria que fazer ela ir.

"Porque eu não quero você aqui."

"Severus..."

"Você não percebe, mulher? Eu já estou no fundo."

"Você uma vez me disse que tudo o que queria era sinceridade, se você chegasse a ficar perdido nessa teia de falsidade. Você precisa parar com isso, Severus. Isso está te devorando."

Ele respirou fundo e cerrou os punhos.

"Não se preocupe comigo. Eu posso agüentar."

"Não, você não pode. Você acha que eu sou cega? Você acha que eu não sei o que isso faz a você? Sua raiva, seu humor vil, a violência..." a voz dela falhou.

Ele escarneceu. "Esse é quem eu sou, Laurel. Cruel. Violento. Abusivo. Eu te disse antes. Você pegou a pessoa mais indesejável para ser seu companheiro de cama."

"Você não é nenhum dos dois." Ela balançou a cabeça tristemente. "Nem indesejável, nem apenas meu... companheiro de cama." Ela esticou a mão para tocar nos ombros dele. Snape se afastou, encostando-se à parede.

"Severus, quando Dumbledore sugeriu esse... laço, eu não estava certa sobre você. Você sofre para convencer a todos dessa sua máscara."

Ele a olhou como se ela tivesse batido nele.

"Eu raramente cheguei a ver sua verdadeira face. Mas nem mesmo você consegue manter um disfarce desse o tempo todo. Até mesmo o mestre da falsidade fala enquanto dorme."

Ele ficou pálido.

"Não se preocupe. Eu não entendi a maior parte das coisas que você disse." Essa não era a verdade. Ela havia entendido frases inteiras, havia escutado ele implorando a alguém. "Eu vi sua verdadeira face quando você deu aquele gatinho ao Neville."

"Eu não dei a ele. Ele o tomou de mim!"

Ela continuou sem escutar o protesto resmungado dele.

"Eu vi quando você me mostrou as conchas na biblioteca, quando ficou entre mim e o Unicórnio. E eu vi sua face verdadeira todas as noites, quando você colocava sua própria necessidade por último."

"Eu te violentei." Ele disse secamente. "Como você pode perdoar o que eu te fiz naquela noite?"

Ela mordeu o lábio e deu de ombros. "Eu estava machucada. E com raiva. E eu não quero que isso aconteça novamente. Mas isso não muda o fato que eu te amo."

"Não!" O punho dele bateu contra a parede.

Ela tocou a mão dele apenas para ser deixada de lado. O rosto de Snape estava pálido quando ele se virou para ela. "Eu não quero mais você aqui. Eu quero que você vá embora. Eu não posso perder minha energia com essas suas... emoções tolas."

"Nem mesmo você pode permanecer sozinho através disso. Ninguém pode viver sem amor."

"Eu posso. Fiz isso minha vida toda."

"Você está desmoronando, Severus. O que você vai fazer se Voldemort ficar mais forte? Você me disse uma vez que era o cão-de-caça dele. E dessa vez? Você vai matar para ele se ele mandar?"

"Você não sabe do que está falando." A voz dele era um mero sussurro.

"Eu entendo perfeitamente. Você está com medo. Não de Voldemort. Mas do amor, e o que isso pode fazer com você."

"Laurel..."

"Mas se tornar como ele não vai fazer com que Voldemort seja derrotado."

"FORA!" ele apontou para a porta. "Saia AGORA, Laurel, antes que eu..."

"Você ganhou." Ela segurou as lágrimas. "Por enquanto, eu vou sair de Hogwarts. Mas não se engane. Você não pode me proibir de te amar. E você não pode fazer isso parar."

"Eu posso. Eu preciso."

Ela bateu a porta e correu escada acima. Só quando alcançou o Saguão ela notou que as lágrimas escorriam dos seus olhos e quase a cegavam.


Dumbledore ainda estava parado à porta do Salão Principal, onde Laurel o havia visto pela última vez. Ela cerrou os dentes. Era difícil, mas ela precisava dizer.

"Eu preciso ir embora, Diretor. Não me importa se o Ministério aprova ou não. Se preciso for, eu volto para a "Casa de Visitas" deles."

"Mas Laurel, Severus precisa..."

"Ele não precisa de ninguém. Tudo o que tivemos foi paixão mútua. Foi bom enquanto durou, mas agora acabou."

"E, portanto, após você partir o coração dele, você vai embora."

"Partir o coração dele? Improvável." Ela disse rispidamente.

O sorriso no rosto do bruxo desapareceu completamente e de repente ele mostrava toda a autoridade que seu título e sua reputação continham.

"Ele salvou sua vida."

Ela apenas continuou encarando o vazio.

"Três vezes ele salvou sua vida. Primeiro na Floresta Proibida. Na segunda vez, quando Serene envenenou seu jantar. Na noite passada ele engoliu todo o orgulho e pediu a ajuda de Black – o homem que ele despreza – para encontrá-la. E você, Srta. Hunter, duvida do coração dele."

Sem resposta.

"Ele está morrendo, Laurel, e você o abandona."

Ele se aproximou e fez com que ela olhasse para ele. Só então ele notou que o rosto dela estava pálido e marcado de lágrimas. O tom severo da sua voz amansou. "O que foi, querida? Por que você faz isso com ele? Nunca pensei que você fosse cruel."

"Eu nunca o machucaria." Ela mordeu os lábios em desespero silencioso. "Ele não está morrendo. Ele só está exausto."

"Você fala sobre o corpo dele. Eu falo sobre a alma."

O pouco da força que ela ainda tinha sumiu e Dumbledore só pôde segurá-la enquanto ela chorava desamparada em seus braços.

"Bem, bem." Ele gentilmente deu um tapinha nas costas dela.

"Eu não o abandonei, Diretor. Ele me mandou embora."

"Eu já imaginava." O bruxo deu um longo suspiro.

"Por meses eu menti. Eu menti para mim mesma e para ele. Eu tentei me convencer de que eu podia viver assim. Mas eu não posso."

"E você não deve." Dumbledore a puxou para um banco. "Quando eu a escolhi para Severus, eu sabia que você era uma pessoa que dá."

"Dou?"

"Você precisa dar amor, calor, carinho, para se sentir completa. Apesar de sempre tentar restringir esse desejo."

"Às vezes isso quase me engasga. Mas eu sei que eu estou sufocando quem eu amo."

"Agora, Severus ainda precisa aprender a receber. Mas você não precisa temer que você dê amor demais a ele. Vai ser preciso anos e anos de amor para compensar o longo período de falta."

"O tempo dele como Comensal?"

"A vida inteira dele." Dumbledore disse suavemente. "Bruxos se unem ao exército de Voldemort por várias razões. Dinheiro, vingança, oportunismo. Severus queria poder. Ele precisava disso."

Laurel balançou a cabeça. "Mas porque? Black me disse que ele era de uma família rica."

"Por acaso Sirius disse algo sobre o pai de Severus? Julian?"

"Só que ele morreu."

"Eu não devo trair a confiança que Severus deposita em mim e te dizer o que Julian fez a ele. Apenas digo uma coisa. Se o Severus de dezesseis anos fosse levado a Azkaban, os Dementadores não iriam perceber a presença dele ali."

"Nenhum pensamento feliz." A voz de Laurel falhou.

"Eu sei que você teve uma boa infância."

Ela concordou com a cabeça.

"E você se sentia amada e protegida na presença dos seus pais."

"Sim."

"Isso mostra. Isso irradia de você. Não é de se espantar que Severus, com seu coração vazio tenha se sentindo atraído para você. E foi assim que eu soube que você seria a pessoa que poderia salvá-lo."

"Diretor?" Laurel analisou o rosto dele. "Por que você se importa tanto com Severus? Eu presumo que você não sai arranjando 'laços' para todos os professores, não?"

Ele sorriu. "Não. Eu não faço isso. Apesar de Minerva..." Ele limpou a garganta e ficou sério novamente. "Eu o abandonei uma vez, quando ele ainda era um aluno. De certa maneira eu sou parcialmente responsável por ele ter se juntado a Voldemort."

"Como?"

"Ele terá que te contar por si mesmo, e eu tenho certeza de que ele irá, um dia. Mas existe outra razão para eu estar procurando alguém que preenchesse o vazio na alma dele." Ele pegou sua varinha. "Deixe-me te mostrar uma coisa."

Um feitiço murmurado e o Salão escureceu. Laurel acenou a mão em frente aos seus olhos, mas não conseguia distinguir o próprio contorno.

"Essa é a essência de Voldemort. A escuridão impenetrável." Dumbledore explicou suavemente. "Isso penetra no coração, rodeia a mente. Isso é o que ele almeja. O vazio. Frio. Morte."

Laurel tremeu involuntariamente. A escuridão era quase palpável.

"Mas então." Dumbledore estalou os dedos. "Fez-se a luz."

Uma pequena chama apareceu na escuridão infinita, tremendo fracamente.

"A mãe de Harry." Laurel suspirou e não conseguiu desviar os olhos da chama solitária.

"Não." A voz do Diretor soava de longe. "Isso foi quase um ano antes de Lilly Potter dar a própria vida para salvar Harry."

A chama lutou contra o ataque da escuridão bravamente. Laurel sentiu a súbita necessidade de protegê-la."

"Severus?"

"A decisão dele de se separar de Voldemort. Isso foi bem antes do reino do Lord das Trevas sucumbir. Ele estava no ápice de seu poder então. Apenas considere: Voldemort deu a Severus tudo o que ele desejava. Poder. Imunidade. E ainda assim Severus se afastou. Ele é a prova viva de que, não importa o quão fechado sejam os poderes de Voldemort, sempre se tem a escolha. Não importa o que o leva até a escuridão, haverá algo que o levará de volta para a luz."

"Ele veio até você."

"E retornou, como um espião, sabendo bem que se ele fosse descoberto..."

"Voldemort iria matá-lo." Sussurrou Laurel. 

"Não, ele não iria. O que Voldemort guarda para aqueles que o traem é pior do que a morte."

Silêncio seguiu as palavras do diretor. A pequena chama tremeu e lutou, mas continuou viva.

Então outra luz apareceu. Maior do que a primeira, quente e dourada.

"Lilly." Explicou Dumbledore com grande compaixão. "Seu último sacrifício."

Mais chamas se acenderam na escuridão e cada uma corrompendo o breu. Cúpulas de luz se juntaram e formaram um semicírculo.

"Ronald Weasley arriscando a própria vida para que Harry pudesse salvar a pedra filosofal. Harry lutando contra Voldemort no cemitério. Dobby, o elfo-doméstico. Sirius fugindo de Azkaban para impedir Pettygrew de machucar seu afilhado. Remo, superando seu próprio ódio e insegurança. Até mesmo Serene, tentando prevenir um destino terrível. Todos eles lutaram contra a escuridão."

Laurel podia ver o rosto dele agora, tão forte era a luz das chamas.

"Por um tempo nós pensamos que precisávamos de um herói, um guerreiro para superar Voldemort. Mas nós estávamos errados. Isso," Ele estendeu a mão para a luz. "é o que irá derrotá-lo no final. Tudo o que é bom. Tudo o que distingue a existência humana: amor, compaixão, honra, sacrifícios. E um dia o círculo irá se fechar e a escuridão irá desaparecer para sempre."

Ele limpou a garganta. "Nós não podemos nos dar ao luxo de perder nenhuma dessas luzes. Especialmente Severus."

Laurel sentiu seu coração pesar pelo diretor. Ele sempre parecia tão poderoso e intocável, mas agora ele estava apenas frágil e preocupado.

"Eu o amo."

"Eu sei." Ele sorriu. "Mas agora é a vez dele de dar o próximo passo."

"Você irá cuidar dele enquanto eu estiver fora?"

"Eu vou. Coragem, Laurel. O caminho certo nem sempre é o mais fácil."

"Mas como vou saber qual é o caminho certo?"

Ele bateu no braço dela de leve e se levantou do banco com um suspiro. "Isso é simples. Apenas siga seu coração."