17. Pior que a morte
O apartamento para onde Black a tinha levado era bom o suficiente, e apesar de pequeno era muito agradável. As janelas eram altas e deixavam entrar bastante luz do sol para alegrar Laurel, enquanto Black colocava sua bagagem na sala. Ele tinha evitado levitar a bagagem desde a estação até a Rua Faye, por isso estava exausto. Pelo menos o feitiço incógnito tinha funcionado, fazendo com que todos esquecessem o seu rosto assim que ele passava, e ninguém tinha reconhecido o homem que estava na capa de todos os jornais há dois anos atrás.
"Dumbledore podia ter achado um lugar onde pudéssemos usar um levitador!" Ele reclamou enquanto chutava o baú.
"Você quer dizer elevador."
"Tanto faz. Se você for se mudar daqui, faça o Snape carregar seus trecos, ok?"
Laurel mostrou a língua para ele. Ela teve que admitir para si mesma que ele combinava mais com o mundo trouxa agora, do que ela naquele momento. Sirius Black parecia ter nascido para jeans e couro preto, e só o que faltava era uma moto. Enquanto ela, ainda de vestes e capa, com o cabelo solto parecia uma hippie.
Sirius apontou para a janela. "Daqui você pode ver uma esquina e uma pequena porta preta."
Laurel olhou para a rua lá embaixo. Era uma vizinhança agradável, com um gramado e casas iguais dos quatro lados. "Estou vendo."
"Aquela é a entrada para o Leaky Cauldron. A Rua Faye é uma vizinhança mista. Trouxas e bruxos. Eles nos deixam em paz e nós os deixamos em paz. Mas se você precisar de ajuda ou conselho, você deverá ir ao Leaky Cauldron e chamar pelo Tom."
"Tom." Ela balançou a cabeça positivamente.
"Ele também pode te levar ao Beco Diagonal. Você vai precisar de dinheiro de sua conta em Gringotes. E você pode conseguir todo o tipo de coisas mágicas lá. Você poderia pensar em comprar uma varinha decente enquanto estiver aqui. A que você usava em Hogwarts é uma varinha suplementar para estudantes. Mr Olivander vai ficar feliz de encontrar uma varinha adequada para uma bruxa adulta."
"Eu não vou precisar de varinha." Laurel sentou no batente da janela. "Eu não vou usar magia enquanto estiver aqui. Dumbledore me disse para ficar na moita. Alem disso não sou muito boa em feitiços e se alguma coisa sair errada, o ministro pode notar. De qualquer maneira, não preciso de magia em um apartamento. Existe a eletricidade." Ela apontou para o interruptor de luz.
Ele franziu a testa. "Eu esqueci, você cresceu no mundo dos trouxas. Então você sabe acender a luz e coisas assim? Você sabe usar o tele... aquela coisa?"
"O telefone? Sim, eu ficarei bem."
"Bom." Black se levantou. "Existem algumas pessoas que eu preciso ver, eu não tenho muito tempo agora. Só mais uma coisa. Dumbledore me deu isso.'" Ele bateu nos bolsos e pegou um pequeno tubo de bronze. "Para sua segurança."
"Para minha segurança?" Laurel pegou a peça de metal e olhou meio em dúvida. "O que eu devo fazer com isso? Bater com ele nos olhos de alguém que queira me atacar?"
"É uma tranca mágica, idiota!" Black revirou os olhos. "Você deve estar fora de perigo agora que aquela maluca de cabelos vermelhos está sob custódia..." Ele deu uma risada. "Moony apaixonado por uma lunática... James adoraria isso!"
Laurel segurou a peça na frente dos olhos. "Sirius, a tranca. Como funciona?"
Ele ficou sério novamente. "Este apartamento deveria ser um lugar seguro. Mas a gente nunca sabe. Com esta tranca na sua porta, somente certas pessoas podem entrar. Então, se você quiser se encontrar com mais alguém, você tem que marcar encontro no café ou no parque." O sorriso dele se tornou sugestivo. "Se fosse idéia do Severus, eu diria que era para evitar que outro homem entre no seu quarto."
Ela o pegou pelo colarinho e o puxou com força. "Não teste minha paciência, Black. Sempre que eu começo a achar você um cara legal, você me prova o contrário."
O sorriso dele se alargou. "Meninos legais são chatos. Você deveria saber." Ele puxou um pedaço de pergaminho do tubo. "Você pode escrever cinco nomes aí. A porta só abrirá para essas cinco pessoas. Então pense bem." Com um aceno de sua varinha apareceu um pote de tinta e uma caneta tinteiro em cima da mesa.
Laurel escreveu cinco nomes. Black pegou o pergaminho sem ler, enrolou e o empurrou de volta para o tubo.
"Eu devo dizer os nomes que escrevi?"
Ele sacudiu a cabeça. "Melhor não."
Laurel observou ele derreter o tubo e enfiá-lo na tranca da porta com sua varinha. Se alguém dissesse há um mês atrás que um dia Sirius Black seria uma das cinco pessoas no mundo que ela mais confiaria, ela teria rido. De alguma forma, tinha sido fácil escolher os nomes: Dumbledore, McGonagall, Remo Lupin obviamente, Black – e Severus. E se a porta tivesse que abrir para um deles, ela apenas desejou que fosse para Severus.
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Desde então, quatro semanas haviam passado. O dinheiro em Gringrotes a sustentaria por mais alguns meses, e então ela teria que procurar por um emprego. Ela suspeitava que Dumbledore tinha posto algum dinheiro em sua conta, porque tinha muito mais dinheiro do que ela poderia ter ganho em poucos meses ensinando em Hogwarts.
Ela havia passado um tempo de pesquisa na Biblioteca Nacional, com a intenção de escrever um livro algum dia, no futuro. Fora isso, ela esperava. Como Dumbledore havia previsto, ela havia sentido todas as vezes que Severus tinha sido chamado por Voldemort. Então ela ficava tremendo na cama, se abraçando até parar de sentir medo e então ela sabia que o homem que amava tinha sobrevivido mais uma vez. Minerva McGonagall mandava-lhe uma coruja todos os domingos, reportando todas as fofocas e fatos novos, mais a respeito dos alunos, e de vez em quando, uma frase sobre Severus. E na semana passada uma grande coruja da torre chegou anunciando a visita de Neville. Na carta ele sugeria que eles se encontrassem no Leaky Cauldron.
Laurel tentava se adaptar em uma vida trouxa novamente, mas era mais difícil do que ela pensava. Apesar de detestar as vestes que eles usavam em Hogwarts, ela já havia se acostumado com aquele tipo de roupa e sentia falta do macio tecido contra sua pele. Agora, vestindo jeans e camiseta, ele se sentia quase nua ali no Leaky Cauldron, esperando Neville Longbottom. Quando ela o viu chegando, com suas bochechas redondas, ela sentiu seu coração ir até ele. Não mais uma criança e nem um adulto ainda, ele a lembrou muito o irmão mais novo dela.
Neville sorriu para ela. "Olá, Srta. Hunter. Você fica muito bem com roupas de trouxa." Ele corou.
Laurel sacudiu a cabeça "Eu nunca havia percebido como elas são desconfortáveis. Como você está, Neville? Como estão todos em Hogwarts?"
Neville respirou fundo. "Mione mandou dizer olá, e Harry, Ron, Seamus, Emily da Lufa Lufa, os alunos do primeiro ano da Corvinal também." Ele hesitou se devia mencionar o Barão Sangrento também, mas achou melhor, não. "Professor Lupin mandou dizer que não está fugindo – seja lá o que isso signifique." Ele deu de ombros. "Podemos entrar? Eu detesto quando as pessoas ficam olhando para mim." Algumas crianças trouxas passaram por eles, rindo das vestes dele.
"Com certeza." Laurel abriu a porta e entraram. Ela de vez em quando olhava para aquele lugar da sua janela apenas para ver que os trouxas não notavam a loja de jeito nenhum.
"Você já veio aqui antes?" Neville perguntou.
"Pode apostar." Disse Laurel. Ela já tinha ido a Gringotes, claro, e então se perdeu em um monte de lojas do Beco Diagonal. Eles tinham uma grande coleção de livros na Flourish&Blott's, e umas duas cafeterias vendiam as trufas de chocolate preferida dela. As trufas tinham sido a desculpa dela para ir ao Beco Diagonal todas as sextas feiras à tarde desde então, mas o que realmente a motivava era a familiar atmosfera de magia a que ela se acostumara em Hogwarts.
"Você se importaria se eu visitasse meus pais antes de nós pedirmos alguma coisa para comer?"
Laurel observou Neville e notou uma certa tensão por trás de sua expressão amigável. "Foi por isso que você veio, não foi? Você gostaria que eu fosse com você? É longe daqui?"
Neville balançou a cabeça. "O Saint Mungo`s fica perto do Banco Gringotes. Os médicos sugerem que a gente coma uma barra de chocolate depois das visitas, então eu sempre vou a Florescue`s depois. Apesar de nunca sentir fome depois de..." A voz dele falhou e ele olhou para o outro lado rapidamente.
Laurel o seguiu para um prédio no Beco que ela nunca havia notado antes.
"Só aparece aos sábados." Neville explicou. "Mas claro que a ala da emergência está sempre lá."
Eles entraram em um hall cheio de luz e flores. Grandes janelas de vidro abriam para uma vista agradável e uma pequena fonte. Laurel viu os pacientes andar pelo jardim cheio de flores e nem se ligou no fato de que estavam em Fevereiro. Afinal estavam no Beco Diagonal, onde eles vendiam escalas de dragão tão naturalmente quanto vendiam batatas na Tesco's.
Ela começou a andar na direção do jardim, quando Neville segurou seu braço. "Meus pais não estão no jardim. Eles estão... na enfermaria fechada."
Laurel mordeu o lábio e deixou que ele a guiasse.
As enfermeiras em suas vestes brancas e médicos barbudos cumprimentavam Neville como a um velho amigo. Neville virou para Laurel. "Eu venho aqui todos os primeiros sábados do mês, desde que me entendo por gente." Ele explicou.
Um leve tumulto no Hall fez com que ele segurasse o braço dela e a tirasse do caminho de médicos que passavam correndo. Dois médicos levitaram uma maca através do hall. "Acidente no Darwin's!" Um deles informou. Laurel tinha estado no Darwin's, uma loja que vendia criaturas mágicas, na semana anterior e reconheceu o Sr. Darwin, segurando a mão ensangüentada. Obviamente alguma de suas mercadorias não tinha concordado em ser exibida na vitrine.
Neville apontou para uma porta no final do corredor. "Aquele é o quarto deles." Ele ficou com um olhar indeciso. "Você não precisa vir comigo se não quiser."
Laurel engoliu em seco. Para ser honesta, ela preferia sair agora, mas se um adolescente podia agüentar, ela também podia. "Eu vou com você. Eu prometi, não foi?"
O quarto dos Longbottom era tão branco como o corredor tinha sido. Possuía duas camas, duas cadeiras e uma mesa pequena, mas nenhuma janela. Um bruxo estava sentado à mesa, olhos fixos na parede. Ele devia ter a idade de Snape, cabelos da cor dos de Neville, mas nem um pouco bochechudo. Seu rosto pálido lembrou a Laurel as fotos de Black quando ele fugiu de Azkaban. Uma caveira, com uma pele que parecia papel esticado sobre os ossos. Mas enquanto os olhos de Black tinham um brilho muito intenso, que chegava a amedrontar, os olhos de Frank Longbottom eram vazios.
Enquanto Laurel permanecia parada no batente da porta sem saber o que fazer, Neville foi até a cama, onde uma mulher estava deitada, enrolada em um lençol branco. O menino empurrou uma fina camada de cabelos no rosto dela para o lado e beijou a testa dela.
"Você parece muito bem hoje, mãe."
Ele apontou para a segunda cadeira. "Sente-se Srta. Hunter. Eu sentarei na cama." E para o homem sentado. "Oi, pai."
Apesar de se passarem anos até que ela visse os pais de Neville novamente – e em circunstâncias muito mais agradáveis – Laurel nunca esqueceria as horas passadas com os Longbottom naquela enfermaria. Eles eram corpos vivos, ela pensou. Corpos que respiravam, cujo coração batia, mas cujas mentes tinham ido embora há muito tempo atrás, ou pelo menos tão escondida que ninguém conseguia alcançá-los. E mesmo assim Neville falava com eles, contava a eles a respeito da escola e de Bola de Pêlo, como se eles estivessem ouvindo e fossem responder a qualquer momento. Mas naquela época ele nunca os tinha visto em um melhor estado do que aquele. Em nenhum momento eles mostraram sinal de reconhecimento. Frank nem piscou quando Neville deu-lhe um beijo de despedida, mas quando ele se curvou para cumprimentar Alice, Laurel pensou ter visto, por um momento, o rosto da mulher mostrar alguma emoção. Mas aquele provavelmente era um fruto de sua imaginação, como um médico disse a ela no corredor. Ele colocou uma grande barra de chocolate nas mãos deles e estudou a face de Laurel cuidadosamente.
"É a sua primeira vez, não é? Você é parente deles?"
"Não, eu sou... era, professora de Neville em Hogwarts. Quero dizer, não professora dele, mas eu ensinava em Hogwarts."
"Ela é uma amiga, Dr. Jung." Neville explicou.
"Bem, você deve levar sua amiga para um lugar agradável agora, onde vocês possam comer algo doce." Disse o médico. "Neville, você me faz um favor e pede para a enfermeira Simmons vir me ver?"
Quando Neville desceu pelo corredor, o médico apontou para a porta trancada, sem sorrir. "Quando eu estudava medicina em Vienna, eu nunca entendia porque os professores chamavam aqueles que morriam pelo reino de terror de Voldemort de felizardos. Agora eu sei que aqueles que sobreviveram sofrem um destino muito pior que a morte."
"Eles são... vazios."
Ele balançou a cabeça. "E ainda estão vivos. A saúde deles não é afetada. Eles podem viver muitos anos e ainda assim não reconhecer nenhum daqueles que amavam. É a coisa mais apavorante que eu posso imaginar. Mesmo assim, Neville continua vindo todo mês."
'Outra luz contra as trevas', pensou Laurel, quase chorando.
Quando Neville voltou com uma enfermeira atrás dele. Ele fez Laurel comer o chocolate que tinha derretido em sua mão e a guiou para fora do prédio. De pé na rua, ela se chocou com o súbito aparecimento de tanta cor e sons.
Neville sorriu para ela. "Obrigado por ter vindo."
"Você está bem, Neville?" Laurel perguntou trêmula. "Porque eu não estou..."
"Você precisa comer alguma coisa doce. Minha avó está me esperando no Florescue para ter certeza de que não vou deixar de comer o sorvete que os médicos prescreveram. Ela quer te conhecer. Mas tenho que avisá-la. Ela é um pouco assustadora para quem não a conhece.
Laurel sorriu. "Eu vou gostar muito de conhecer a sua avó. Pelo que você me falou ela deve ser uma bruxa notável."
"Ela é." Neville concordou. "É só que ela tem um jeito de olhar as pessoas que pode ser bem enervante." Ele deu de ombros. "Mas eu acho que você é corajosa o suficiente."
"O que faz você pensar assim?"
"Bem, amar o professor Snape e tudo..."Laurel riu. "Eu acho que Severus concordaria com você. E isso iria matá-lo." Mas enquanto o seguia para dentro do Florescue, ela pensou que Neville era o mais corajoso deles todos, visitando aqueles mortos vivos todos os meses.
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Quando Snape aparatou na sala do diretor, estava coberto de sujeira e sangue. O sangue era dele mesmo, saía de seu nariz e sua boca, e a sujeira vinha da terra lamacenta ao norte de Edinburgh onde Voldemort havia reunido seus seguidores dessa vez. Ele estava com um humor muito perverso dessa vez e tinha torturado todos eles, até Malfoy, com um rápido movimento de sua mão. Os gritos de trinta homens adultos submetidos ao feitiço Crucius ainda ecoavam nos ouvidos de Snape.
Ele segurou a beira da escrivaninha e fechou os olhos por um momento para se recuperar. A mudança abrupta entre o terror da presença de Voldemort e a serena sala de Dumbledore sempre o deixava tonto.
"Tome um drink." Uma voz disse e um copo bateu na mesa.
Snape estacou. "O que você está fazendo aqui, Black? Onde está Dumbledore?"
O outro bruxo deu de ombros. "Ele teve um encontro urgente com algum amigo chamado Leander." Ele serviu uma dose generosa de Acqua Vitae no copo. "Então ele me pediu para esperar por você."
"Eu não preciso que ninguém espere por mim." Severus falou, por entre os dentes. "Especialmente não você."
Black se recostou na cadeira de couro. Balançando seu copo em um joelho, ele apontou para a outra cadeira. "Você está parecendo que vai desmaiar, Snape."
Uma ânsia de náusea atingiu Snape e ele se sentiu muito doente para responder. Com os joelhos trêmulos ele se sentou e ficou olhando para o tapete. Pelo menos Black mostrou alguma compaixão e manteve a boca fechada, ele pensou enquanto o sangue voltava para sua cabeça.
Quando ele sentiu que podia levantar a cabeça sem vomitar no tapete de Dumbledore, ele tomou um grande gole de bebida. O álcool forte queimou sua garganta.
Black estudava Snape de sua cadeira.
"Eu nunca gostei de você, Snape."
"É mesmo? Agora realmente você me magoou, Black." Snape respondeu acidamente.
"Mas eu nunca pensei que você fosse um idiota."
O Mestre de Poções torceu a boca e deu a Black um sorriso amargo.
"E eu sou?"
"Você deve ser. Depois de ambos, Laurel e Remo, insistirem que você não é um bastardo desalmado. Cheguei à conclusão de que você é simplesmente muito estúpido para recusar o que Laurel estava querendo te dar."
Os olhos de Snape arderam e seu rosto ficou ainda mais pálido.
"Você não sabe do que está falando, Black."
"Talvez. Eu passei quase metade da minha vida em Azkaban. Já faz tempo que eu não amo ninguém. Mas eu sei o quanto isso é precioso e raro. E não sou arrogante o suficiente para expulsar o amor para longe de mim se ele me alcançar. Mas Severus Snape, com tantos contatos, dinheiro." Ele se levantou e ficou na frente de Snape. "Severus Snape pensa que pode escolher."
Snape segurou os braços da cadeira com tanta força que seus dedos ficaram brancos. Manchas vermelhas coloriram seu rosto e foram as únicas indicações da ira que estava tomando conta dele a cada palavra de Black.
"Mas eu esqueci, você sempre foi um esnobe. Nada nem ninguém podia ser suficientemente bom para o Sr. Snape, não é? Ninguém era suficientemente bom para ser seu amigo na escola – exceto Malfoy e aqueles outros de sangue puro. E não havia nada que seu papaizinho não comprasse para você. Ele provavelmente comprou cada garota que você quis, e agora você não sabe o que fazer quando recebe amor de graça."
Um violento empurrão o jogou através da sala, batendo na parede bem abaixo do retrato de um dos diretores falecidos, que acordou assustado. Snape permaneceu, com a varinha em punho, os lábios curvados para trás, olhando seu adversário caído no chão. Ele respirou fundo com um grunhido de raiva.
"Severus."
A voz plácida de Dumbledore encontrou um caminho através da ira de Snape e chegou a sua mente. Abaixando a varinha, ele se afastou de Black e encarou o diretor, que estava parado na porta. Mais retratos tinham acordado com o barulho e se cutucavam para prestar atenção e não perderem nenhum detalhe do evento.
"Severus, se acalme."
O diretor se aproximou com cautela e, devagar, tirou a varinha da mão dele. "Sente-se." Ele disse calmamente.
Snape encarou Black, que estava sentado, encostado na parede, segurando a cabeça entre as mãos. Dumbledore se abaixou e checou o corte da testa de Black. "Está com uma aparência terrível, Sirius, é melhor você ir ver Poppy." Black tentou concordar, mas desistiu ao tentar mover a cabeça.
O Diretor se virou para Snape. "E você, Severus..."
"Não foi culpa dele, Diretor, eu o provoquei." Resmungou Black "Eu precisava saber se ele ainda era o cara arrogante que eu conheci. Ou se Laurel estava certa e ele tinha mudado."
Dumbledore sorriu levemente e sentou atrás de sua escrivaninha. "Entendo. E qual foi sua conclusão?"
Black ficou de pé, muito cuidadosamente, testando seu equilíbrio. "Eu detesto admitir, mas talvez eu estivesse errado. Não que eu entenda o motivo dele agir desse jeito." Ele mancou para a porta. "Mudando de assunto, belo golpe, Snape. Mas da próxima vez me jogue em algo mais macio, sim?"
Quando ele saiu do estúdio, Dumbledore olhou para Snape. O Mestre de Poções tinha fechado os olhos e descansava a cabeça no encosto da cadeira. Dumbledore estudou o rosto cansado do bruxo mais novo, a crosta de sangue no canto da boca, o cabelo despenteado, as vestes cheias de lama.
"Eu acho que Black não teve a chance de fazer sua boca sangrar, teve?" Ele perguntou.
Snape pulou. Ele quase tinha dormido de exaustão. Desde que Laurel tinha partido os pesadelos tinham voltado com força total e ele não dormia mais que poucas horas por noite.
"Black? Não. O Lorde das Trevas quis nos dar um exemplo."
Dumbledore suspirou. "Severus, você sabe que eu não peço para você arriscar sua vida mais do que já arriscou. Se Voldemort suspeitar de você..."
"Ele não suspeita." Snape respondeu cansado. "Ele está bem feliz porque eu afastei... uma certa bruxa... da minha vida." Ele não disse que Lucius Malfoy o tinha convidado para uma festa em sua mansão, para distraí-lo. Snape sabia que tipo de distração aquele tipo de festa proporcionava. Ele tinha participado tantas vezes que não podia enumerar. Só de pensar se sentia mal.
"Severus, você acha inteligente de sua parte fazer isso tudo ainda mais difícil para você, do que deveria ser?" O Diretor tinha conjurado chá e um caldeirão de bolinhos e os molhava no chá.
Snape não respondeu. Seus movimentos estavam lentos como os de um homem bem velho, ele pegou sua varinha que estava na mesa e acendeu o fogo da lareira. Esfregando suas mãos perto do fogo, ele estremeceu. "Eu não consigo me aquecer. Aquelas malditas masmorras parecem uma cela de gelo."
Dumbledore esperou pacientemente que o Mestre de Poções movesse sua cadeira para perto do fogo.
"As masmorras continuam as mesmas." Ele disse. "O que Black disse para deixar você tão zangado?"
"A mera presença dele em Hogwarts é o suficiente."
"Mas ele tem estado aqui há muitas semanas e essa foi a primeira vez que você teve vontade de atirá-lo contra a parede."
Snape evitou o olhar do bruxo mais velho. "Isso não é importante."
"Claro que é. Chegará um dia em que vocês terão que apoiar uns aos outros. Mas se eu estiver errado em meu julgamento e vocês não conseguirem parar de se atacar..."
"Foi minha culpa." Snape falou muito rápido. "Ele ficou falando de meu pai..."
"Ele sabe, Severus?"
"Não!" Ele virou a cabeça e encarou o diretor. "Ele não precisa saber. Ninguém precisa..."
"Laurel tem que saber".A voz de Dumbledore estava calma, porém insistente. "Um dia você terá que contar a ela."
"Eu não. Ela foi embora. Ela tem que ficar longe... disso tudo." Ele tocou seu rosto machucado. "Eu quero saber que ela está segura e em paz."
"Ela nunca terá paz longe de você, Severus."
"Ela precisa me esquecer!" Ele encostou sua cabeça e fechou os olhos novamente. "Ela merece alguém melhor do que eu."
"Melhor que você?" Dumbledore sacudiu sua varinha e fez aparecer um cobertor aparecer e descer devagar sobre o homem na poltrona.
"Você sabe o que eu sou, Albus. Você estava lá."
O diretor suspirou e fez o cobertor se enrolar no corpo de Snape. "Eu nunca me perdoarei por não ter percebido mais cedo."
"Não é sua culpa." Snape disse.
"Então foi por isso que você forçou Laurel a ir embora? Você sente que não a merece?"
"Isso, e o fato de que eu posso morrer nessa guerra que está por vir... todos nós podemos morrer. Mas Laurel tem que viver."
Um sorriso suave acendeu o rosto preocupado de Dumbledore.
"Porque você a ama."
"Porque eu a amo." Snape repetiu muito suavemente como se saboreasse as palavras pela primeira vez.
"Meu querido rapaz, nós estamos muito felizes por você!" O diretor relaxou visivelmente. Os falecidos diretores aplaudiram.
Snape abriu os olhos. "Nós? Novamente? Eu sou o alvo favorito das fofocas agora?"
"Bem, eu acho que os alunos têm suas próprias teorias a seu respeito. Mas Minerva, Theodore e meus honoráveis colegas, – ele apontou para os retratos - todos concordam que você precisava muito se apaixonar. Eu sempre falei que o amor é a melhor coisa que poderia lhe acontecer."
Snape se levantou da cadeira, olhou demoradamente para Dumbledore e foi para a porta. Antes de sair ele se virou, seu rosto espelhando dor e carência. "Você também devia ter me avisado o quanto isso dói."
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Outra semana se passou. As noites de Laurel eram cheias de sonhos sobre Hogwarts e dia após dia ela se encontrou olhando para a sua varinha em sua caixa. Ela não a usaria, ela se dizia todos os dias, sendo que a cada dia isso se tornava mais difícil. Talvez ela estivesse errada por ter partido. Talvez ela pudesse ter ficado com Severus e ter mantido seu amor por ele em segredo. Mas então ela se lembrava das palavras de Dumbledore. Ela ainda acreditava, que apesar de ser doloroso e difícil, esse era o caminho certo. Ela queria muito Severus – mas ao mesmo tempo ela sabia que definharia se tivesse que negar esse amor. Nada de covardia. Nada de mentiras. E então ela acordava chorando todas as manhãs.
Ela estava nervosa e incapaz de se concentrar para trabalhar todo o dia. Quando um dos atendentes da biblioteca tinha lhe dado o livro errado novamente, ela decidiu dar o dia por encerrado, ir para casa, sentar-se e tomar uma boa xícara de chá. Mas nem mesmo uma música lenta podia acalmar seus nervos. A chuva fria no telhado do apartamento a fazia tremer. Ela acendeu uma vela e foi para a janela se assegurar de que estava segura e não podia ser aberta pela tempestade. Foi quando ela ouviu a porta se abrir.
"Faça com que seja Severus." Laurel pediu sem virar a cabeça. "Oh, por favor deixe que seja Severus." Então ela viu o reflexo na janela e suspirou.
"Diretor Dumbledore."
O velho bruxo, usando vestes de azul bem vivo e amarelo, sorriu para ela.
"Temo que você estivesse esperando outra pessoa, mas vai ter que se contentar comigo por enquanto."
Ela virou e esfregou os braços. Ele entrou na sala e fechou a porta com cuidado. Só de olhar para o rosto gentil dele fez com que ela se sentisse melhor.
"Como você está, menina?"
Impulsivamente ela o abraçou. "Não se preocupe comigo. Severus está bem?"
"Temos que discutir um assunto importante, Laurel." A voz de Dumbledore soou cansada. "Vamos nos sentar."
Laurel sentou na beira da cadeira, subitamente preocupada.
"O que aconteceu?"
Ele deu um sorriso afetado. "A pergunta certa é – o que vai acontecer?"
Laurel franziu levemente a testa. Tinha alguma coisa errada com ele, alguma coisa que ela não conseguia identificar ainda.
Dumbledore puxou sua varinha e olhou para ela através de seus óculos de formato de meia lua. Seu olho direito tremeu.
"Obstringo." Ele disse, quase casualmente, e cordas prateadas saíram da ponta de sua varinha e amarraram Laurel na cadeira.
