18. O Quarto Feitiço Proibido
Snape ficou de pé no Hall da mansão de Malfoy, com seu teto mágico e austeros retratos dos seus ancestrais. Cada um deles um autêntico membro da Sonserina, ele pensou. Malfoy tinha tanto orgulho de sua árvore genealógica, enquanto Snape - que podia traçar a sua de volta aos dias de Merlin e Morgana Le Faye – não se incomodava com isso. Ele tinha lutado por anos para se convencer de que não tinha herdado os traços da família Snape. "Sangue não importa." Dumbledore tinha dito a ele vinte anos atrás na ala hospitalar de Hogwarts. "Você decide quem você quer ser." E então, quando tudo tinha dado tão errado, o velho bruxo tinha lembrado a ele que a decisão ainda era dele...
Ele aceitou o convite de Malfoy essa noite porque não tinha achado uma desculpa aceitável o suficiente. Narcissa o cumprimentou na porta com aquele sorriso estranho dela, metade triste, metade condescendente. O querido Draco tinha contado ao pai o quanto Snape estava miserável aqueles dias e ela estava feliz de ele ter aparecido para participar da festa de Lucius. Narcissa nunca participava das atividades sociais do marido, pelo menos não no que dizia respeito ao Lord das Trevas e seus companheiros Comensais da Morte. Às vezes Snape se perguntava o quanto ela estava ciente do que estava acontecendo nas masmorras da Mansão Malfoy, e se ela sentia medo por Draco quando ele passava o verão em casa.
O marido dela arranjou "distração" que Snape polidamente recusou. Lucius aceitou com um levantar de ombros, mas a "distração" não chegou a ser tão civilizada e lançou um feitiço maliciosamente quando ele virou as costas. Somente sua rápida reação o salvou. Mas não foi sempre assim na casa de Malfoy?
Por outro lado, nas festas de Lucius ninguém nunca iria achar uma mulher que tenha sido forçada a comparecer. Poucos dos seguidores de Voldemort eram dedicados à obsessão de seu líder quanto ao sangue puro. Apenas poucas famílias podiam se vangloriar de seu real puro sangue afinal. Às vezes, quando Snape analisava a árvore genealógica dos Malfoy, ele não podia deixar de fazer um comentário malicioso para Lucius sobre o perigo de casamento entre parentes. Lucius nunca aceitou esses comentários, ele realmente acreditava naquela baboseira. Mas poder – ah, poder era algo que até o mais simplório Comensal da Morte podia entender. O poder de fazer os outros obedecerem. O poder de fazer as pessoas fazerem coisas de que se envergonhavam, tinham medo ou até mesmo podia matar. Esse poder, dado tão livremente quanto a punição, prendia os Comensais da Morte cada vez mais próximos a Voldemort cada vez que eles sentiam o gosto disso.
Nas festas de Malfoy as coisas eram diferentes. Todos iam de livre e espontânea vontade. Claro que havia dor - o universo não se constituía de dor? Mas se alguém aqui gostasse de infligir dor nos outros, eram mais as mulheres do que os homens. Lucius era um dos poucos Comensais da Morte que não se incomodavam secretamente pelo fato de Voldemort aceitar mulheres em seu exército. Não que Malfoy fosse a favor do feminismo ou direitos iguais – pensou Snape – bastava ver como ele tratava Narcissa, como um objeto de arte ou um animal muito bem criado. Mas as mulheres, especialmente as Comensais da Morte, supriam o que Malfoy considerava um grande entretenimento.
Nas festas de Malfoy Snape tinha aprendido a nunca comer nada que lhe oferecessem, nunca beber nada de uma garrafa que não estivesse selada e fosse aberta por ele mesmo. Ele aprendeu a encostar as costas para a parede e conseguir a satisfação que seu corpo queria sem nunca perder controle. Ele tinha visto homens esfaqueados, envenenados, visto homens perderem o uso dos membros ou da razão. Claro, em termos de crueldade nada se comparava com o que acontecia nas festas dos Goyle ou Flint. Snape nunca havia forçado uma mulher – apenas Laurel, ele lembrou – ele nunca havia participado de estupro ou abuso. Freqüentemente a imagem que ele tinha inventado de pessoa cínica, gelada, fria, provou ter sido bem escolhida. Aqueles que apenas o conheceram como caçador de Voldemort o temiam. Os mais jovens o encaravam com a segurança relativa de seus capuzes quando eles imaginavam que ele não notava. Como aquele Comensal que Voldemort convocou ao círculo apenas uma semana atrás. Até então ninguém sabia o nome do bruxo. Voldemort gostava disso, manter os nomes em segredo, até que eles fossem marcados com a Marca Negra e seus capuzes puxados para revelar seus rostos para os outros Comensais.
Toda vez que um novo membro aparecia no círculo, Snape observava seus movimentos, suas posturas, sempre com medo de olhar nos olhos de algum de seus alunos quando o capuz caísse. Isso havia acontecido duas vezes no ano anterior. Assim que Marcus Flint se formou, ele se uniu. Snape nunca tinha visto Boris Flint tão orgulhoso, e teve que fingir a mesma atitude ao ver o formado Sonserino manchado com a caveira.
Cansado, Snape esfregou suas têmporas.
Um elfo domestico se aproximou silenciosamente. Lucius não gostava que seus elfos fizessem barulho desnecessariamente e os punia sem compaixão sempre que se sentia perturbado por eles. O elfo olhou para cima para o alto Mestre de Poções.
"O senhor quer que Lory traga a sua capa agora, Senhor?"
"Sim, obrigado." Ele concordou.
"Para que você precisa de sua capa, Sev? Iris aqui está desejando muito aquecer você, não é, Iris?"
Iris riu, mostrando seus grandes dentes. Ela era mãe de Millicente Bullstrode e Snape achou que nunca mais olharia para a menina sem se lembrar da mãe dela quase matando um homem estrangulado há alguns anos atrás. Oh, aquela mulher adorava a dor, tanto de causar, mas ainda mais de receber. Algumas vezes ele se perguntava como as crianças de seus companheiros Comensais da Morte tinham sobrevivido até serem admitidas em Hogwarts. Mas claro, ele também tinha sobrevivido. O corpo humano sobrevive demais, e a mente humana pode sempre fingir. – não saber, não ver, não se importar.
"Obrigado, Lucius, Iris." Ele segurou a capa em volta dos ombros. "Eu tenho que ir agora. Estou sendo esperado em Hogwarts e não quero levantar suspeitas."
"Bem, então diga a Draco para se esforçar mais, sim?" Lucius falou com um sorriso que suavizou seu rosto por um breve momento. Snape sabia que ele sempre era ambicioso no que dizia respeito a Draco e só esperava as mais altas notas e conquistas para o garoto. Mais um na longa lista de Malfoys... Mas por outro lado, se havia um ser humano que Lucius Malfoy amava do fundo de seu coração negro, era seu filho.
Às vezes Snape se perguntava se Harry Potter, com seus pais mortos, não tinha sido tratado pelo destino com muito mais misericórdia do que muitos outros.
"Eu prefiro não aparatar muitas vezes para dentro de Hogwarts quando isso não é imperativo. Importa-se de me emprestar uma de suas vassouras, Lucius?" Ele perguntou enquanto dois elfos abriam a porta.
Malfoy deu de ombros e acariciou o peito de Iris. "De jeito nenhum. Fique a vontade."
"Diretor?" Laurel falou com voz áspera, tomada de surpresa. Ela tentou mover as mãos e não conseguiu. As cordas finas a mantinham firmemente no lugar.
O velho bruxo riu novamente. "Essas trancas não valem nada." Ele disse quando conseguiu se acalmar. "Quando eu ouvi Dumbledore falando com o professor White sobre os nomes que você devia colocar na lista eu sabia que você iria colocá-lo na lista."
Laurel olhou para ele, e quando os olhos dele se tremeram, a suspeita a invadiu. Se ele não tinha reconhecido o feitiço Incógnito que transformou Sirius no irreconhecível Professor White, ele não podia ser do staff de Hogwarts, uma vez que Dumbledore tinha revelado o disfarce na reunião quando Remo e Sirius tinham chegado.
"Ben?"
"Muito bem, Laurel." Ele deu um sorriso condescendente e chegou a cadeira para perto da dela. "Como você descobriu?"
"Seu olho."
"Ah, sim. Um tique do qual não consigo me livrar." Ele esfregou os olhos e ainda parecia Albus Dumbledore.
"Eu não entendo." Laurel sacudiu a cabeça. A cena lembrou demais a ela o momento em que ela havia acordado na câmara que desaparecia, foi como um deja vu. "Por que você..."
"As cordas?" Ele apontou a varinha para os pulsos dela e as amarras se dissolveram. Mas quando Laurel tentou se levantar ele apontou a varinha para ela e avisou suavemente: "Não se mova. Eu vim aqui por causa do seu querido amigo, Professor Snape, mas não vou hesitar em machucar ou matar você no processo, se for preciso. Apesar de preferir que Snape faça isso."
Os olhos de Laurel se arregalaram. Ela ouvira o que ele dissera, mas não conseguia entender o que aquilo tudo significava.
"Você quer que Severus me machuque? Por que ele faria isso?"
"Oh, não se preocupe, minha querida." O rosto do diretor se iluminou em um sorriso. "Nós temos nossos meios."
"Que nós?"
Quando ele abriu a boca, um gritou de dor escapou no lugar da resposta. Seu corpo teve uma convulsão na cadeira, tremeu e se sacudiu, começando a se transformar diante os olhos de Laurel. A barba desapareceu, bem como a pele enrugada. Devagar e dolorosamente, o rosto real de Ben apareceu.
"Polissuco." Ele resmungou quando conseguiu respirar novamente. "Deveria ser suficiente beber uma dose a cada hora para manter o efeito, mas eu fiz alguma coisa errada."
"Que nós, Ben?" A voz de Laurel tremeu. Estava claro que Ben, o silencioso e simpático Ben, tinha perdido a razão, ou pior, sua alma.
"Lord Voldemort e eu, claro." Novamente o riso. "Eu estou para receber a Marca Negra a qualquer momento agora. A destruição de Snape vai ser meu... presente para ele."
"Destruição? Ben, o que eu fiz para você? O que Severus fez para você?"
"Você não deve cometer o erro de achar que é importante, Laurel." Ele falou bruscamente e estreitou os olhos. "Você não é nada, pura trouxa, e este talento que possui não faz de você uma bruxa, faz de você uma esquisita."
Ele ficou de pé e tomou um grande gole de um frasco que mantinha escondido na manga. "Aargh, essa droga tem um gosto horrível!"
O processo começou novamente, só que de maneira reversa. O corpo jovem de Ben se transformou no velho de Dumbledore. Laurel não conseguia tirar os olhos da cena aterrorizante.
'Dumbledore' esfregou seu pescoço. "Ser velho não é fácil como parece." Ele reclamou. "Minhas juntas doem pra diabo!"
"Ben, deixe-me ir!" Laurel pediu, mas sem esperança.
"Garota idiota, eu disse antes, eu preciso de você aqui. Como posso deixá-la ir?"
"Mas por quê?"
Ele chegou perto dela até que seu rosto estava a poucos centímetros do dela. "O que você acha que acontece com aqueles que traem o Lord das Trevas?"
"Severus não traiu Volde..."
Ele deu-lhe um tapa tão forte no rosto que ela chegou a morder a língua.
"Não se atreva a falar o nome dele, sua ... trouxa vagabunda." Ele gritou. "E não se atreva a mentir para mim. Você esqueceu que posso ler sua mente? Oh, os bruxos tomam muito cuidado para bloquear os pensamentos perto de mim, mas, quando estão muito zangados ou tristes, eu consigo penetrar em suas mentes. Eu sei que Snape tem sido espião de Dumbledore por anos!
Laurel cuspiu sangue no tapete e manteve os olhos fechados para o caso de outro tapa. Mas Ben pareceu se acalmar.
"A morte não é punição para aqueles que traem a preciosa confiança de meu Lord e provam não serem válidos. Lord Voldemort não liga para você, portanto não precisa se preocupar. Você vai sofrer um pouco, mas todo sofrimento termina com a morte. Mas Snape... ele vai sofrer por muito, muito tempo. E eventualmente se matar."
Ele a forçou a olhar para ele, apertando sua boca. "Como você acha que eu vou conseguir isso com um homem que depois do Feitiço Crucius fica em pé novamente e age como se estivesse sacudindo a poeira? Como fazer esse homem sofrer? Pergunte, Laurel!"
Ela rangeu os dentes.
Ele sacudiu-a com mais forca, até a dor ser forte demais.
"Como?"
"Você vai ver. Pena que você é burra demais para apreciar o extraordinário feitiço que eu vou fazer. O quarto Feitiço Proibido. Esquecido por mais de seiscentos anos. Mas Lord Voldemort o descobriu e Snape será o primeiro a ser punido com ele."
Ele tocou a testa dela com a varinha e murmurou uma rápida sucessão de palavras em uma língua antiga. Laurel ficou tensa, preparada para sentir dor, ou pelo menos uma mudança, mas nada aconteceu. Ela se sentia como sempre, exceto pela dor na língua e no maxilar, pelo aperto de Ben. Mas havia aquela irresistível vontade de abrir a boca...
Ben empalideceu. Seus olhos se arregalaram e ele cobriu as orelhas com ambas as mãos. Laurel não podia ouvir nada, então imaginou que o feitiço a tinha deixado surda. Como isso era capaz de ferir Severus, que estava muito longe, em Hogwarts nesse momento, ela não entendia.
Os lábios de Ben se moviam no que pareceu um Feitiço de Amarra e Amordaça, só que não haviam cordas visíveis. Os braços de Laurel estavam amarrados aos braços da cadeira novamente, e alguma coisa grudenta cobriu sua boca e dificultou sua respiração.
Assim que os lábios dela se fecharam, Ben baixou as mãos e a encarou maliciosamente. "Por isso você morreria pelas minhas próprias mãos, se eu não soubesse que Snape vai matar você, de qualquer maneira."
Ele deu um passo atrás e se escondeu em um canto da sala. Ali, nas sombras, ele fez um círculo no chão. Lutando contra as cordas invisíveis, Laurel olhou enquanto ele entrava no círculo e desaparecia e voltava a aparecer quando saía dele.
"Agora está tudo pronto." Ele acariciou a longa barba. "Só falta um jogador."
A Mansão se elevava no pequeno vilarejo como um mau agouro. Snape empurrou a vassoura para trás de uma parede de pedras onde não seria visto por ninguém que passasse por ali, apesar dele saber muito bem que os moradores do vilarejo prefeririam fazer grandes contornos a cruzar o terreno da casa dos Snape. Ele nem precisava gritar Alohomora, afinal ele era um Snape, e apesar de não ter aparecido por ali há mais de vinte anos, a porta ainda o reconheceu e abriu com um rangido.
Assim que entrou, ele estremeceu violentamente. Ele tinha pensado que as masmorras de Hogwarts eram frias? O Hall estava silencioso e frio como uma tumba. Ninguém havia morado ali depois que seu pai tinha morrido, mas alguém havia coberto os moveis com cobertores cinzas. Snape podia ter acendido as velas nos candelabros ou usado sua varinha, mas ele encontrou o caminho sem ajuda de luz. Seus passos ecoaram no corredor.
Julian Snape nunca tinha pensado ser necessário esconder seus divertimentos no porão, atrás de portas fechadas. Não havia ninguém para testemunhar o que acontecia na casa além dos elfos e aqueles que participavam. Depois que Camilla, sua esposa, tinha fugido e morrido com seu jovem amante em um acidente de vassoura em Paris, ele nunca se casara novamente. Severus tinha apenas dois anos quando isso aconteceu e não se lembrava da mãe. Ele não tinha visto muito de Julian também, até completar oito anos, idade suficiente para aprender o primeiro feitiço. Somente então seu pai pareceu notá-lo, para horror do menino.
Snape passou por um cômodo pintado que tinha sido bonito um dia e eventualmente parou no grande salão de baile. Espelhos tomavam três lados do salão, enquanto janelas com pesadas cortinas tomavam o outro. O salão estava vazio, coberto por poeira. Obviamente Julian não tinha se divertido muito nos últimos anos. Ele se forçou a andar até o meio do salão. Sua respiração estava entrecortada. Um suor frio escorria pelo meio de suas costas. Ele tinha morrido ali. Dumbledore tinha levitado uma maca, com o corpo dele ainda respirando. Mas aquilo não mudava o fato de que ele tinha morrido. Neste lugar ele tinha aberto sua alma para a Escuridão e desde então isso se mantinha firme em sua essência.
Ele se abaixou e tocou a parede embaixo da moldura do espelho. As marcas ainda eram visíveis, agora um pouco marrons. Elas tinham sido de um vermelho brilhante, seu sangue pelas pedras de mármore e pelas paredes. Tanto sangue...
Snape sacudiu a cabeça e se levantou. Sua imagem repetida várias vezes pelos espelhos, ele queria que suas mãos relaxassem, seus dedos se abrissem. O quarto parecia cheio de homens vestindo capas pretas, e mesmo assim, ele estava sozinho. Ele tinha estado sozinho antes daquele dia, e tinha estado sozinho depois. Ele tinha estado sozinho como um Comensal da Morte e como um espião – até Dumbledore ter aparecido com aquele plano ridículo. Merlin, ele tinha tentado chamar o velho bruxo à razão, não tinha? Mas de alguma maneira Dumbledore tinha conseguido infiltrar Laurel não apenas em sua cama, mas também em – não, não seu coração – sua vida. Ela não tinha se impressionado pelo cínico, pelo misantropo. Pior, ela dizia amá-lo apesar disso. E ela havia enxergado através dele. Ela estava certa, ele estava se afundando nas Trevas, ele estava se tornando o que já tinha sido antes. – Cão de Caça para Voldemort – e pior que isso.
Ele nunca havia confiado em ninguém na sua vida, apenas Albus Dumbledore. Até agora o velho bruxo tinha estado certo a respeito de tudo, e talvez estivesse certo quanto ao laço também. A paixão entre eles tinha sido forte o suficiente para afastar os pesadelos. Snape baixou a cabeça em súbita rendição. Com Laurel ao seu lado ele lutaria contra as Trevas. Mais do que isso. Ele lutaria contra Julian, de uma vez por todas. Ele ia pedir por uma coisa com a qual nunca teria sonhado, nunca se achara merecedor: Ser amado por alguém. Ser amado acima de qualquer razão.
Ele ainda não aceitava facilmente o fato de que não seria capaz de dar nada a ela. Mas, uma vez mais, Laurel e ele tinham um acordo - paixão por honestidade. Talvez ele pudesse trocar mais alguma coisa agora: proteção, lealdade, dedicação por amor. Apesar de ele estar vazio, Laurel desejava se doar. Ou pelo menos desejara, ele pensou com súbita ansiedade. Tinha desejado até ele tê-la forçado a sair de Hogwarts...
Antes que a porta se fechasse atrás dele, ele se virou uma ultima vez e encarou o grande retrato no hall. Ele olhou nos olhos frios e não sentiu nada além de cansaço. Mas por baixo do cansaço, havia uma faísca que brilhava, aquecendo seu coração. Ele iria até Laurel, colocaria seu destino em suas mãos, assim como tinha feito uma vez com Dumbledore. Ele não tinha certeza de como ela iria reagir, mas tinha esperança.
"Talvez você não tenha vencido afinal, Julian. Espero que você apodreça no inferno."
A porta se fechou sem nenhum ruído.
Eles esperavam. Duas vezes Laurel viu aterrorizada a barba de Dumbledore entrar de volta na sua bochecha, sua pele se esticar e ele se transformar em Ben. Duas vezes ele teve que tomar a Poção Polissuco e voltar a parecer Dumbledore. A mudança parecia ser uma experiência um tanto desagradável. Depois da segunda mudança ele começou a ficar impaciente, olhando para o relógio da parede.
"Eu me pergunto o que está fazendo seu amante demorar tanto. Eu o ouvi dizer que ia sair da festa antes de eu aparatar."
Ele se dirigiu para o seu esconderijo no canto da sala.
Laurel tentou respirar devagar pelo nariz. A fita mágica sobre sua boca fazia com que ela sufocasse. Ela tinha dificuldade de se mexer. Sua mente corria – ela precisava avisar Severus de alguma maneira, mas não conseguia ver como. Pela primeira vez em semanas ela rezou para que ele não aparecesse.
Quando a porta se abriu, uma lágrima de desespero rolou pelo seu rosto.
A centenas de milhas dali Serene gritou. Ela caiu no chão da plataforma na torre de astronomia onde tinha se encontrado com Remo Lupin para olhar as estrelas. Os músculos de Remo ainda estavam doloridos pela mudança que tinha acontecido dois dias antes, e ele ainda se sentia tonto pela poção Mata-cão. Então eles tinham sentado na bancada de pedra ao invés de subir a escada para olhar pelo telescópio.
Segurando a cabeça com as duas mãos, a respiração de Serene falhou. Ela parara de gritar, mas estava chorando. Remo se ajoelhou ao lado dela, cheio de medo. Ele não sabia o que fazer. Em um momento ela estava perfeitamente bem, até mesmo se recostando contra o ombro dele, enquanto explicava as estrelas para ele, no momento seguinte estava cheia de dor e terror.
"Serene." Ele sussurrou e tocou sua bochecha. "O que houve?"
Ela olhou para ele, seus lindos olhos arregalados em choque. "Está acontecendo. Você prometeu que não iria acontecer. Mas está acontecendo nesse momento."
Remo puxou-a para seus braços, abraçando com força. "O que está acontecendo, amor?"
Ele nunca tinha usado o termo carinhoso na presença dela, mas como ele a chamava de querida em pensamento, a palavra escapou facilmente agora que ele estava preocupado com ela.
"Ele vai matá-lo. Oh, ele vai matá-lo."
Ela começou a chorar desesperada quando Remo a carregou para fora da torre.
Snape ficou parado na porta esperando Laurel o convidar para entrar. Ele tinha ensaiado esse momento em sua mente no caminho para Londres. Essa tinha sido a razão dele não ter aparatado, mas decidir ir de vassoura. Ele precisava de tempo para analisar a situação com cuidado. Ele não fazia experiências quando suas emoções estavam envolvidas. Como muitos riscos que ele corria no laboratório, onde experimentava o resultado de uma determinada mistura, a situação de agora era igualmente apavorante. Porque ele sabia que podia limpar um laboratório de Poções devastado. Mas se ele fizesse algo errado agora, ele poderia não ter uma segunda chance. E isso era algo que ele nunca tinha feito antes, uma situação em que nem experiência, nem razão poderiam guiá-lo. Ele decidiu pensar que o fato de ter conseguido passar pela trava de segurança era um bom sinal.
"Laurel? Posso entrar?"
Quando ela não reagiu, ele fechou a porta atrás dele, mas continuou onde estava, pronto para sair novamente. A sala estava iluminada apenas por uma daquelas coisas elétricas que os trouxas usavam em uma mesinha perto do sofá. Ele podia ver Laurel sentada na cadeira e mesmo sabendo que ela tinha todo o direito de estar zangada com ele, esperava uma recepção mais calorosa. Ele cerrou os punhos em uma súbita necessidade de virar as costas e correr. Mas ele podia ser qualquer coisa, menos covarde. Um idiota, talvez, ou pior, mas não um covarde.
"Laurel" Ele começou e ouviu com alivio que sua voz não traía sua insegurança. Sua voz sempre tinha sido uma de suas melhores características. Ele tinha dominado turmas de pequenos monstros com aquela voz. "Eu sei que não tenho o direito de te pedir qualquer coisa depois que a mandei embora. Mesmo assim, eu lhe peço cinco minutos para explicar."
Ela não respondeu, então ele prosseguiu.
"Sem duvida, todos se prontificaram a dizer a você quão insociável e repulsivo eu era. E eles estavam certos. Até você chegar a Hogwarts eu nunca entendera como alguém poderia estar com outras pessoas quando podiam ficar sozinho." Ele fechou os olhos por um momento para afastar lembranças indesejadas. "Eu sou velho o bastante para ter minha vida organizada de maneira a me beneficiar. Eu ensino Poções – porque eu gosto de sua estrutura universal e confiabilidade. Eu não gosto de ser tocado - então nunca deixei ninguém chegar perto o suficiente. Eu não digo que é uma boa vida, mas era tudo o que eu podia ter. E então você veio e destruiu isso tudo." Ele cerrou os punhos quando sentiu sua voz tremer.
"Eu sei que lutei contra esse laço entre nós. Não porque eu não gostasse de você, como você suspeitava, mas porque eu tinha medo do que aconteceria se você chegasse muito perto. Eu não queria você por perto. Eu nunca deixei que ninguém se aproximasse tanto. Agora Dumbledore me diz que estou apaixonado por você e eu não posso nem provar que ele está errado, porque eu... não sei como é... como é o amor. Eu sei que isso deve te causar repulsa, mas honestamente, eu nunca amei ninguém, em toda a minha vida. Não existe nenhum livro, nenhuma regra, e eu não posso dizer que gosto do sentimento que você evocou. Ele certamente me deixa apavorado. O mero pensamento de que eu possa ficar em débito com alguém me choca. Mas como você disse que o amor é um presente, de graça, e se você apenas for paciente o bastante, talvez eu possa aprender a..."
Ele esperou. Então, chegando mais perto, ele perguntou: "Eu arruinei tudo? Ou você apenas quer me ver implorar? É isso? Você quer que eu me ajoelhe?"
Só então ele viu os olhos dela, arregalados, cheios de terror, seus lábios pressionados juntos como se... Ele olhou para as mãos dela. Suas unhas estavam azuladas, seus pulsos em carne viva, como se...
Ele estacou. Olhando em volta da sala, ele procurou por um invasor e não encontrou sinal de que eles não estivessem sozinhos. Os olhos de Laurel tentavam lhe dizer algo. Ainda procurando nas sombras ele levantou a sua varinha e disse "Finite Incantatem!" para ela. As mãos dela se soltaram dos braços da cadeira. Seus lábios se abriram. Ela respirou fundo. E então o seu mundo desabou quando ela riu na cara dele.
"Que patético! Por que razão alguém iria amar você, Mestre de Poções?"
Dumbledore olhou para cima surpreso e tirou seus óculos quando Remo saiu da lareira sem ser anunciado. Então ele viu a mulher semi-inconsciente em seus braços e reagiu mais rápido do que sua idade sugeria.
Usando um pouco de pó de flu, ele chamou Madame Pomfrey e depois Sirius e os dois chegaram em poucos minutos no estúdio circular.
Remo tinha posto Serene em um sofá e massageava sua testa, sem saber o que fazer.
Dumbledore tocou a bochecha dela. "Abra seus olhos, Serene, e olhe para mim." Sua voz estava suave, mas imperiosa.
Ela virou a cabeça "O senhor está aqui? Mas não é possível..."
Dumbledore deu passagem para Madame Pomfrey, que tinha trazido um copo com uma poção calmante e fez com que Serene bebesse. Enquanto a enfermeira mantinha a paciente ocupada, Dumbledore puxou Sirius para o lado.
"Por favor, vá e acorde o Sr. Potter, e peça a ele para emprestar aquele mapa formidável novamente."
Black concordou e saiu, apenas para aparecer poucos minutos depois com o Mapa do Maroto.
Dumbledore abriu o pergaminho na sua mesa e gesticulou para Remo ajudar Serene a se levantar.
"Como você pode ver, Serene – e para meu alívio também – eu estou aqui." Ele apontou para um pequeno ponto chamado "Dumbledore".
Serene sacudiu a cabeça sem acreditar. "Mas eu vi. Está acontecendo agora mesmo." Ela olhou para o mapa. "O professor Snape não está em Hogwarts."
O diretor franziu a testa. "Ele já deveria estar de volta a essa hora. Está faltando mais alguém?"
Poppy tinha começado a contar os pontos quando Sirius bateu no mapa com sua varinha e perguntou "Quem está faltando?"
Letras apareceram no canto do mapa. Snape. Hunter. Olsen. Flitwick. Hagrid. Harrington.
"Miss Harrington foi chamada para ver o bebê recém nascido de seu irmão." Poppy afirmou.
Dumbledore concordou. "Professor Flitwick está na França em uma conferência. Hagrid está na Romênia supervisionando uma entrega de dragões de estimação que comprou para a escola. Mr. Olsen está visitando seu irmão em Mancheste. Snape está... bem, eu sei onde ele está. Laurel está em Londres."
"Como você sabe?" Sirius interrompeu o bruxo mais velho. "Como você sabe onde Snape ou Laurel estão nesse exato momento?"
"Nós não sabemos." Ele deu de ombros, preocupado agora. "Eu sei muito bem o que acontece em Hogwarts. Mas Londres... está fora do meu alcance."
"De qualquer forma, nós não sabemos onde se passa a visão de Serene. Mas nós sabemos que você está aqui conosco, Diretor." Remo trouxe Serene de encontro ao seu peito e por um momento ela relaxou de encontro ao seu ombro. "Então é praticamente impossível que Snape esteja matando você nesse momento, não é?"
Assim que seus lábios se abriram, Laurel sentiu uma presença estranha no quarto. Era como se as Trevas estivessem ali, saindo de sua boca e se aproximando do homem na sua frente. Ela não conseguia ouvir nada do que ela estava dizendo, mas obviamente, Snape podia. Ela viu o rosto dele empalidecer como se ela o tivesse esbofeteado na cara. Desesperada, ela levou as mãos à boca. Mas as Trevas não seriam detidas.
Paralisada com o choque, ele viu a dor aumentar no olhar de Snape, e algo pior do que a dor, uma aceitação estarrecida. Fossem lá quais fossem as palavras que ela estiva dizendo sem poder ouvir, elas estavam devastando o homem que ela amava. Ela tentava alcançar a mão de Snape apenas para ver ele pular para trás. Como ela podia fazer com que ele visse Ben?
Apesar de cada movimento custar um grande esforço, ela se levantou e se dirigiu para o canto em que Ben se escondia. Ela não tinha varinha, a sua estava na sua caixinha de madeira na cômoda. Mas tempos atrás Snape tinha dito a ela que ela só precisava se concentrar o suficiente. Ela já havia começado um incêndio só por ter ficado com bastante raiva. As lágrimas caíam por seu rosto quando ela se aproximou do círculo. Seja lá o que Ben tivesse feito a ela, estava destruindo Snape bem diante de seus olhos. Ele permanecia parado, seus ombros dobrados, como se estivessem tentando bloquear ondas violentas. Ainda assim as Trevas continuavam em volta dele. Enchia o quarto como uma névoa negra. A temperatura tinha baixado dramaticamente. Laurel estremeceu incontrolavelmente quando alcançou o círculo que Ben tinha desenhado. Ela esticou a mão e se concentrou no ódio que sentia por Ben.
Assim que ela tocou no círculo sentiu uma corrente de força gelada. Foi tão forte que a empurrou para trás, na direção da janela, como um soco. Mas seu toque tinha sido o suficiente para quebrar a energia e mostrar Ben que tinha estado se escondendo atrás deles. Ele se tornou visível – e Snape olhou para ele, seu rosto vazio e branco como papel.
Laurel piscou. Claro que ele não via Ben, ele via Dumbledore.
Ben riu e foi um riso cruel. Triunfante ele olhou o Mestre de Poções que ouviu um novo fluxo interminável de palavras. "Você realmente achou que podia trair Lord Voldemort, Snape?"
O Mestre de Poções mal conseguia respirar. Seus olhos se focavam em Ben e Laurel viu um estremecimento correr pelo corpo dele. Ela sabia que sua boca continuava falando, mas Snape estava fora de si de tanta dor agora. Ele levantou a varinha. Laurel gemeu. Não isso. Serene tinha visto essa mesma cena, tinha visto Severus pronto para matar Dumbledore – ou Laurel agora sabia – um bruxo que era igual a Dumbledore. Mas na visão de Serene ela tinha ficado em pé no batente da janela. A janela... A janela alta com vista para a rua embaixo... Quatro andares abaixo... Quando ela finalmente entendeu, o tempo pareceu parar. Ela subiu no batente e olhou Severus levantar sua varinha em câmera lenta e viu Ben abrir a boca enquanto ela abria a janela. O único pensamento claro em sua mente era que ela precisava deter as Trevas que engoliam Severus, e só havia um jeito de fazer ela mesma de parar de falar. Ela esticou os braços, pronta para cair.
Snape sentiu o sangue correr para sua cabeça quando Dumbledore subitamente apareceu no canto da sala. Então tudo aconteceu muito rápido. Automaticamente ele puxou a varinha, viu Dumbledore reagir, viu Laurel subir no batente da janela e entendeu o que ela estava para fazer. A visão de Serene. O corredor em Hogwarts. Ele e Laurel discutindo a possibilidade daquilo acontecer. A voz de Laurel ecoou em sua mente, mais forte e mais clara do que as palavras que ela estava dizendo para ele agora.
"Você não vai matar Dumbledore. Voldemort nunca vai conseguir ter tanto poder assim sobre você."
Ele viu quando ela abriu os braços, ouviu o riso triunfante de Dumbledore e pulou para puxá-la de volta – ao mesmo tempo gritando "Expeliarmus!" para seu adversário.
O grito parou Dumbledore no meio de um feitiço.
"Avada..."
Sua voz se partiu com o susto ao ver sua varinha voar da sua mão, na direção de Snape.
"Eu devo aparatar para Londres. Não existe outro jeito de confirmar se a Srta. Hunter está a salvo."
"Não!" Gritou Serene e segurou a manga da camisa do diretor. "Você não deve! Pode ser uma armadilha."
"Ela está certa. Você não pode se arriscar." Sirius concordou com ela. "Eu irei."
"Albus!" A voz de Madame Pomfrey os assustou. Ela apontava para a ponta do mapa. Dois pequenos pontos estavam aparecendo, piscando, sumindo e aparecendo de novo, até se aproximar da Floresta Proibida.
"Laurel e Severus." Dumbledore observou. Ele virou para Remo e Sirius. "É melhor vocês irem até eles. E rápido."
Laurel caiu. Alguém a segurou e a queda pareceu demorar muito. Mesmo os quatro andares de seu edifício não poderiam demorar tanto. Quando ela finalmente atingiu o chão, não parecia de pedra. Parecia mais uma grama úmida, e cheirava a madeira e folhas, e então ela soube que devia estar morrendo porque ela com certeza estava em uma rua de Londres e não na Floresta Proibida.
Remo e Sirius seguiam seu caminho através dos arbustos. A varinha de Remo iluminava o mapa onde eles podiam ver os dois pontos na beira da Floresta. Os pontos não tinham se movido a principio, mas agora eles pareciam se aproximar lentamente do campo de quadribol. Black olhou em volta, impaciente.
"Corra, Aluado, nos temos que encontrá-los antes que alguma daquelas criaturas da floresta! Você não pode fazer nada? Sentir o cheiro deles?"
Ele estudou o mapa novamente. Eles tinham que estar perto agora.
O farfalhar das folhas provou que o mapa estava certo. Snape tropeçou na frente deles, suas vestes em farrapos por causa dos arbustos que o tinham atacado pelo caminho na Floresta.
"Eu nunca pensei que ia dizer isso. Mas, Merlin, estou feliz de ver você, Snape!" Falou Sirius.
A poucos metros deles, Snape desabou, caiu de joelhos e depositou Laurel com cuidado na grama. Ele tentou distinguir através dos vultos azuis à sua volta.
"Vocês... devem levá-la para Dumbledore." Ele tocou o seu ombro e olhou sem entender para seus dedos que voltaram cobertos de sangue. "Digam a ele... digam a ele... que eu não o matei."
Ele desmaiou nos braços de Remo.
Lupin moveu sua varinha para iluminar o corpo do Mestre de Poções. Ele piscou e olhou de volta para Black. "Que droga, Sirius, olhe para isso!"
Um pedaço de madeira estava enterrado no ombro de Snape, da grossura de um dedo e com a ponta para fora da carne.
"Eu conheço essa varinha." Disse Remo "É norueguesa."
Sirius concordou. "Parece que Mr. Olsen mudou de lado
Nota da Tradutora
Muitas dúvidas podem surgir por causa dos nomes de alguns alunos e feitiços. O que acontece, como já tinha dito, é que resolvi manter os nomes nos originais, ou então eu iria ficar louca tentando lembrar o nome em português de cada um deles. Vale notar que quando eu digo nome original, quero dizer aqueles que foram colocados na fic original. Mas como a autora da fanfic é Alemã, e não Inglesa, e provavelmente deve ter lido o livro em alemão, não posso saber se por lá a tradutora também fez o que fez por aqui: mudou tudo para ficar mais sonoro para nossa língua.
Isso é só para explicar alguns nomes realmente estranhos.
Ah, outra coisa. Perdão se, mesmo com essa história de manter o nome no original, eu der algum escorregão (como eu fiz com o nome do Remo nos primeiros capítulos, e continuei fazendo). É força do hábito, quando traduzo parágrafo por parágrafo.
