Capítulo 4: O Troco

         - Sinto muito, crianças.Ela parece ter sumido no ar! – Hagrid falava quase chorando para Harry e os outros.

         Ele e Canino passaram a noite toda procurando por Noriçá, na Floresta Proibida, no lago, nos arredores do castelo.E nada.Agora o dia já amanhecia e estava quase na hora do café da manhã.

         - Tudo bem, Hagrid.Obrigado por ajudar a gente. – Harry tentava consolar o amigo, que não parecia disposto a sair da cabana.

         - Ela é uma menina tão boa! – chorava ele – Estava me ajudando a tratar dos animaizinhos...eles também gostam dela.Snif!

         - Não fica assim, Hagrid! – Gina passou um enorme lenço encardido da mesa para ele – Aposto que ela está por aí, e vai aparecer logo.

         - Tudo culpa daquele Malfoy podre. – rosnava Rony – Ele não pode ficar impune!

         - A gente pensa em alguma coisa hoje –disse Mione parecendo muito disposta a uma vingança – Mas agora é melhor a gente voltar pro castelo.

         - Não querem tomar café comigo? – convidou Hagrid, tirando um pacote de dentro do casaco – Olímpia me mandou esses docinhos franceses fim de semana passado, ainda tenho alguns!

         - AchoqueficapraoutrahoratchauHagrid! – disseram e saíram rapidinho da cabana.

         Enquanto isso, no salão, algumas garotas da Sonserina comentavam que Noriçá não tinha passado a noite no dormitório e formulavam hipóteses das mais absurdas.Pansy afirmava que a previsão da profa. Sibila podia ter se cumprido.No meio da mesa, Draco brincava com a comida sem se importar com as conversas.Ele tinha ficado um bom tempo na frente do quadro da casa esperando Noriçá (pra terminar a briga, não se importava nem um pouco se tinha acontecido alguma coisa), mas ela realmente não voltara.

         - Garota idiota...sempre faz as coisas ao contrário...quando é pra ela brigar comigo, sai correndo chorando.E eu nem fiz muita coisa...

         - Sangue-ruim de terceiro mundo deportada!

         - Tudo bem, eu fiz bastante coisa!Mas e daí?Não era pra eu estar pensando nisso!Ela não liga pra mim também!Não liga nem um pouco...

         - DRACO!

         - GAH! – Crable e Goyle gritaram no ouvido dele ao mesmo tempo, fazendo-o derrubar o suco de abóbora todo na mesa – Seus retardados, isso é jeito de chamar!

         - É que a gente estava chamando faz um tempão...

         - Você parecia estar em outro mundo...ou estava pensando?

         - E em que eu estaria pensando, hein?

         - Ah, sei lá...

         - Se não sabem, não fiquem dando palpite!Por que me chamaram?

         - Por causa daquilo. – Goyle apontou com a cabeça para a mesa da Grifinória. Harry, Rony, Hermione e Gina fixavam os olhos nele, como basiliscos.Draco fingiu que não sentiu um frio na espinha e virou-se pra Crable e Goyle.

         - O que eles podem fazer? Não passam de uns sangue-ruins sem influência alguma!Se eles mexerem com a gente, são eles mesmos que saem perdendo!

         - Não se esconderem os corpos... – supôs Crable.Goyle concordou.

         - Parem ou eu vou pensar que estão com medo daquelas coisas! – esbravejou Draco, se levantando antes que o salão ficasse vazio demais.

         Eles se dirigiram a passos rápidos para a porta, acompanhados pelos olhares de Harry e os outros.Mas, justo quando Draco encostou na porta ela se abriu com violência, fazendo-o pular para trás, xingando.

         - Ei, qual é a sua? – levantou os olhos, e o que viu o surpreendeu – Você?

         O salão inteiro girou a cabeça para ver quem entrara.Os famosos cochichos de surpresa correram pelo salão.Pansy segurou a faca do bolo com mais força.Crable e Goyle olharam para Draco, que ainda estava parado no mesmo lugar, fitando Noriçá, que impedia a passagem.Ela estava com os braços ao lado do corpo, e a cabeça baixa fazia com que sua franja despenteada caísse sobre os olhos.Não movia um músculo e nem dizia nada.

         - Me deixa passar. – sussurrou Draco em tom de ameaça – Agora.

         - Eu disse que não iria ficar assim. – a voz de Noriçá estava dura e fria como nunca tinha falado – Eu tenho o direito...

         Draco se perguntava por que não dava logo um empurrão nela e acabava com isso.Alguma coisa o obrigava a ficar ali, parado, esperando uma reação dela.

         - Já fez seu showzinho, agora SAIA DA PORTA! – gritou ele depois de um tempo.Noriçá levantou a cabeça e todo mundo se encolheu nas cadeiras.Harry e Rony se entreolharam surpresos.O olhar dela era como o de uma leoa insatisfeita, que não está pra brincadeiras.Mas ao mesmo tempo ela parecia estranhamente calma, como se o impacto que causara fizesse parte do espetáculo.

         - Eu tenho o direito... – repetiu ela.

         - Direito de quê? – rangeu Draco entre dentes.Aquele olhar não lhe perturbava, havia um olhar muito pior que ele encarara a vida toda e que mesmo assim ainda lhe arrepiava.

         - DIREITO DISTO! – mal ela terminou de falar, sua varinha já estava apontando para o coração de Draco, e o salão inteiro levantara, estarrecido. Algumas garotas davam gritinhos abafados, alguns alunos aplaudiam (Rony neste grupo) mas a grande maioria esperava o desfecho calada.Crable e Goyle não podiam se mexer (os neurônios ainda estavam processando as informações) e Draco menos ainda.Pensava agora nas piores coisas possíveis:quando ele disse que era óbvio que Noriçá iria pra Sonserina é porque tinha percebido que não era uma pessoa de se brincar.Agora ela estava em tremenda vantagem sobre ele.

         - Draco Malfoy, – o tom dela agora ainda era duro, mas parecia formal – você ofendeu a mim, a minha família e o meu país seriamente...

         - MATA LOGO! – gritou um grupo de lufa-lufas que estava muito empolgado.

         - Deixa ela terminar! – mandou Leandra Vinci da mesa da Corvinal, se lixando para seu dever como monitora da casa.

         - ...e por isso eu me vejo no meu direito – Noriçá não prestava atenção em nada à sua volta, apenas mantinha os olhos frios em Draco – de desafiá-lo a um duelo!

         O salão rompeu em "ooooohs" infindáveis, e aplausos por parte dos grifinórios. Harry e Rony se entreolharam novamente, assombrados.Mione repetia baixinho que "isso é ilegal" e Gina aplaudia junto a Fred, Jorge, Lino e Simas.Colin imediatamente catou a máquina fotográfica.Pansy deixou a faca cair no copo, fazendo respingar suco nela, mas ela estava tão passada que nem percebeu.Draco ficou tão paralisado quanto ela, parecia não ter processado a informação também.

         - Não vai responder não?DRACO! – Noriçá teve que gritar para que ele voltasse à Terra.Antes de dizer qualquer coisa, ele deu uma olhada de ponta a ponta no salão.Todos estavam prestando atenção nele agora.

         - E essa agora?Se eu disser não, passo vergonha na frente do colégio todo e perco todo o respeito, além de ser malhado pela Sonserina inteira!Mas se eu aceito posso perder e isso vai ser extremamente vergonhoso...mas espera aí!Não vou  perder de uma menina! – ele olhou para Noriçá, ainda com a mesma expressão – Não...vou!Eu sou um Malfoy, sou muito perigoso, meu pai é o maior, etc, etc...

         - E então, Draco? – Noriçá estava com a voz entediada.Draco olhou duro para ela e puxou a varinha.Mais "ooooohs" foram ouvidos.

         - Pois bem, eu aceito seu desafio! – ele falou solene.Ela sorriu maldosamente.

         - Então esteja em frente ao lago após o último sinal. – os alunos se entreolharam como se dissessem "estaremos lá!" – Te espero com seus padrinhos. – e virou-se para sair, mas voltou-se em seguida e acenou para a mesa da Sonserina, já com seu olhar e voz normais – MARY, LEVA UNS BOLINHOS NA SALA PRA MIM, TÁ?

         - PODE DEIXAR, NORIÇÁ! – respondeu a garota, parecendo muito orgulhosa de ter sido citada.Noriçá saiu e o salão voltou a ficar em silêncio.Foi preciso que Filch aparecesse para todos voltarem à realidade.

         - O que estão esperando?TODO MUNDO PRA AULA! – e saiu acompanhado da Madame Nor-r-r-a.Ainda comentando o que tinha acontecido e lançando olhares para Draco (ainda parado em frente à porta com Crable e Goyle ao seu lado), os alunos foram saindo aos poucos.Harry, Rony e Mione passaram por ele com um ar de "você pediu por isso", sem dizerem nada.

         - Calma, vai dar tudo certo.O que aquela guria pode sabe sobre duelos?Eu não preciso me preocupar tanto. – pensava Draco enquanto andava pelos corredores.

         - Pela última vez, Rony, eu não quero falar nesse assunto! – Rony seguira Mione até a porta da sala de Aritmancia, mas ela não parecia querer conversa.

         - Mas Mione, não dá pra deixar por isso mesmo! – Rony quase implorava, tentando impedir que Mione entrasse na sala.

         - A gente combinou que ia esquecer o assunto! – Mione quase gritou com Rony.Estava suando frio com aquela conversa.

         - Mas sua indecisão me deixa aflito!Mione, você sabe, você sempre soube... – ele segurou o braço dela, mas ela se soltou como se tivesse levado um choque.

         - Rony, quantas vezes vou ter que explicar?Preciso de tempo...

         - Então pelo menos...pelo menos me diz quanto tempo... – a voz dele era tão suplicante que Mione não teve coragem de recusar.Hesitou um pouco e respondeu.

         - Até...o Baile de Dia das Bruxas.

         - Dois meses? – Rony pareceu decepcionado.

         - É pegar ou largar, Rony! – concluiu Mione, batendo a porta da sala de Aritmancia antes que fizesse alguma besteira.Rony suspirou e, quando se virou, tomou um susto.

         - Então, eu não posso saber, não é? – foi a primeira coisa que Harry disse ao aparecer bem na frente do amigo.Sua expressão não era nada feliz.

         - Que coisa ficar ouvindo conversa alheia, Harry... – foi a única coisa em que Rony conseguiu pensar pra responder, e não convenceu muito.

         - Não se faça de santo, Rony!Você e a Mione estão escondendo o que de mim, hein?Pensei que não precisássemos desse tipo de coisa! – Harry parecia bem chateado, e Rony não queria chateá-lo mais, mas contar era inviável.

         - Harry, quando tudo acabar eu explico direitinho. Você ouviu, né?Dia das Bruxas!Não me olha com essa cara de Snape com TPM!

         - Tudo bem...vamos pra sala agora. – disse um Harry nem um pouco conformado, mas que resolveu respeitar a decisão de Rony.Este se sentia mal em não contar nada pro amigo, mas era uma confusão entre ele e Mione e eles não iriam envolver ninguém mais nisso.

         Noriçá assistia calmamente a aula de História da Magia, brincando com o colar de contas.Como a tinham avisado, o fantasmagoricamente chato Binns não fazia questão nenhuma que alguém prestasse atenção no que ele dizia, e ela é que não ia reclamar disso.

         - E os casos de pactos de magia negra foram sendo descobertos com mais facilidade no último século, pois os descendentes da quarta e quinta geração amaldiçoados nos pactos familiares foram nascendo.O Ministério da Magia baixou uma lei em 1568 que dizia...

         As palavras de Binns iam ficando cada vez mais longe conforme os pensamentos de Noriçá se afastavam do colar.Mas foi interrompida do transe por um pergaminho levitando um pouco acima dos seus pés.Pegou-o silenciosamente e olhou pela sala até dar com o aceno de Mary lá no fundo.Mary era a garota da Sonserina com quem ela mais conversava.Apesar de um tanto sonsa e descuidada nos estudos, perigava ser a pessoa mais sincera da casa.Nunca escondera de ninguém seu real desejo: se casar com um cara rico, bruxo ou trouxa não importava, e que lhe desse muitas jóias e roupas chiques.Aos poucos ela e Noriçá acabaram ficando amigas, e ela descobriu que Mary não era muito bem vista na casa, fazia qualquer coisa por dinheiro – "não tem orgulho do sangue que leva nas veias", diziam às suas costas. Não que ela não soubesse. "Ahahahahahaha, os garotos não se importam com isso!", ela costumava dizer.E esse era o negócio (literalmente) dela: garotos.

         "Você nem parece que vai espancar alguém depois da aula, sabia?Costuma fazer isso sempre?"

         Noriçá começou a escrever no pergaminho.Tudo o que ela escrevesse ali irias aparecer na mesma hora no pergaminho gêmeo da mesa de Mary.Bem melhor do que arremesso de bolinha de papel à distância, não?

         "Eu deveria estar preocupada?"

         "Ahahahahahaha!Com o Draquinho?Nem esquenta!Aquilo não é mais medroso porque não é mais alto!Na verdade, se olhar à minha esquerda, vai ver a cara de pelúcio assustado dele." 

         Noriçá olhou mesmo, e, apesar de tentar disfarçar, Draco estava mais pálido do que Noriçá jamais sonhara ver.Ela e Mary se entreolharam e deram risinhos.

         "Então eu tinha razão.Só tem papo mesmo, no fundo é um crianção.Se o colégio todo não tivesse visto, ele teria dado um jeito de recusar ou não aparecer."

         "Com certeza!Ele já fez isso no primeiro ano, pra ferrar o Potter.Ele tem uma fixação pelo Potter!Acho que pode ser amor reprimido!"

         Noriçá segurou uma gargalhada ao ler e continuou a "conversa".

         "Você só pensa besteira...mas hoje não vai ser o Harry que vai coloca-lo em maus lençóis, e sim EU!"

         "Ai, perigosa!O que ele fez pra deixar a elegante Noriçá Nomini tão fula?"

         "Era aí que você queria chegar, né, sua vadia?"

         "Ahahahahahaha...eu sei que você vai me contar!"

         "Como você ouviu no salão, ele ofendeu a mim, minha pátria e minha família seriamente.E isso eu não ia engolir!"

         "Às vezes eu acho que tem duas Noriçá Nomini, sabe?A que eu estou conversando agora e a que deixou Draquinho com as calças sujas aquela hora.Você tava...diferente, sei lá!"

         "Ei, eu não tenho dupla personalidade não!Por acaso já te assustei ou te pus em perigo?"

         "Desculpa, eu vou esquecer disso!Se tem coisa aí, não sou eu quem vai correr o risco de te deixar zangada..."

         "Ahahahahahaha!"

         O dia passou voando e o sinal da última aula bateu.Estranhamente, nenhum aluno compareceu ao refeitório para o jantar, deixando os elfos domésticos profundamente magoados.Mas os alunos estavam com fome de confusão.A primeira a chegar a frente do lago foi Noriçá e seus padrinhos, Mary e Gina.Logo depois apareceu Draco com Crable e Goyle.Os dois times ficaram um de frente pro outro.

         - Pensei que não viria – provocou Noriçá com um sorriso cínico.

         - Não tenho porque me ausentar – respondeu ele no mesmo tom.

         - COMECEM LOGO!

         De repente alunos saíram de todos os cantos, formando um círculo em torno de Noriçá e Draco.Este arregalou os olhos ao se dar conta disso.

         - O que estão fazendo aqui? – ele tentou parecer autoritário.

         - Vai querer proibi-los de andarem pela escola? – Noriçá não parecia nem um pouco incomodada com a platéia.Isso era o que mais mexia com Draco, que pigarreou e empinou o nariz.

         - Vamos começar, então?

         - Claro.Mas tem uma coisa.

         - Quê?

         - Não vamos apenas brincar de sacar as varinhas, certo?

         - Por mim tudo bem.

         O silêncio era absoluto, apesar da evidente ansiedade em todos os presentes. Apenas Draco e Noriçá pareciam assustadoramente calmos diante da situação. Sensato seria pensar que um duelo entre dois alunos do quinto ano não poderia trazer conseqüências mortais e irremediáveis, mas o clima estava realmente pesado.

         Eles sacaram as varinhas praticamente ao mesmo tempo, mas Draco atacou primeiro com um Feitiço Estuporante.Com uma agilidade impressionante, Noriçá esgueirou-se pela esquerda e conseguiu evitar o ataque, desferindo logo em seguida um Rectusempra, que passou raspando por Draco e acertou John em cheio.Quando Draco recuperou-se, Noriçá já avançara com a varinha apontada para ele, que rapidamente fez o mesmo, e quando os dois estavam prestes a desferir o golpe final com todas as forças, um sacolejo brusco os atingiu, seguido de uma estranha luz que não se sabia de onde vinha.

         Noriçá sentiu um calafrio percorrer a espinha, e tanto ela quanto Draco perceberam que suas varinhas tremiam nas suas mãos.Os alunos começaram um rebuliço.A maioria já tinha ouvido falar, mas os mais novos não puderam perceber do que se tratava e os mais velhos nunca tinham visto antes, e nem esperavam que isso acontecesse.Apenas Harry, Rony e Mione associaram, num assombro, o que era aquele feixe de luz ligando as varinhas.

         Priori Incantatem.O que acontece quando as varinhas são gêmeas.

         Foi preciso que algum corajoso gritasse o nome do feitiço para que todo mundo se localizasse.As expressões de frieza de Noriçá e Draco foram substituídas por raiva.Agora a guerra seria para quem fizesse a varinha alheia retornar os feitiços. Novamente ao mesmo tempo, os dois se posicionaram com as duas mãos na varinha, um de frente por outro e, sem dizer nada, se esforçavam para manter a ligação.O sangue deles fervia com o esforço, mas um não se permitia mostrar um só sinal de cansaço para o outro.Os espectadores começaram a gritar, se dividindo em duas torcidas.Até os padrinhos perderam a compostura.Mais tarde, quando se lembrasse disso, Noriçá diria que pareceu uma final de campeonato de futebol trouxa.Mas no momento os gritos nem chegavam a serem entendidos por ela, só pensava em vencer, vencer, vencer, retornar os feitiços, retornar os feitiços.Draco nem nisso conseguia pensar.Era a primeira vez que se esforçava de verdade para fazer alguma coisa, nem mesmo no quadribol tinha tanta força de vontade, mesmo com a obsessão de ganhar do Potter nas partidas.Tudo o que fazia agora era segurar a varinha com toda a força que tinha – nem imaginava que tinha essa força.Era algo novo, que fazia suas pernas tremerem, mas não tinha a menor vontade de chamar Crable e Goyle para livra-lo, como sempre fazia, ele queria vencer por ele mesmo, embora não tivesse consciência disso naquele momento.

         De repente, um estalo.E a ligação sumiu tal qual apareceu.

         - O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI???????????? – a inconfundível voz da professora Minerva ressoou pelo jardim, fazendo a lula gigante imergir na mesma hora, receosa de que sobrasse até pra ela.Os gritos pararam e os alunos se viraram pra professora, num reflexo.E ela estava pior do que nunca.As quimeras de que Noriçá tanto falava seriam fofinhas se comparadas a Minerva naquele momento.Se ela se transformasse em um Nundu em vez de um gato, ninguém ia estranhar.O silêncio só não era absoluto porque podia-se ouvir a respiração ofegante de Draco e Noriçá no centro da roda, onde não podiam ser vistos.Com um movimento, a professora fez com que os assustados alunos abrissem caminho para que ela pudesse chegar lá.

         - Srta. Nomini, Sr. Malfoy... – Minerva sibilou – podem explicar o que significa isso?

         Noriçá e Draco, sentados na grama e exaustos, se entreolharam, como se agora é que tivessem tomado noção do que tinham feito.Duelaram, ficaram fora do castelo, perambularam fora do horário e provocaram balbúrdia entre os alunos, tudo isso no segundo dia de aula.Agora não podiam simplesmente pegar e dizer à professora que queriam transformar um ao outro em poeira de bruxo.Ou podiam?

         - Se não vão falar, talvez eu possa perguntar ao monitor da casa.John Rover! – ela o chamou e logo se arrependeu, visto que John ainda estava sob o efeito do Rectusempra e ria sem parar.Respirando fundo, ela desfez o feitiço e se virou novamente para os dois sentados à sua frente.

         - Vejamos...50 pontos a menos pra Sonserina...pra cada um.E 25 pontos a menos para as outras casas, por estimularem essa atitude!E mais...

         - Espere um instante, srta. Minerva. – todos se viraram espantados ao ver o próprio Dumbledore se aproximando.Estava com uma expressão enigmática.Era como se já esperasse por isso.

         - Alvo?Vai tomar parte nisso?

         - Não posso ficar indiferente, professora.Um duelo é algo muito sério e requer mais do que perda de pontos.

         Os alunos olharam para Noriçá e Draco temerosos.Os dois também arregalaram os olhos.Seriam expulsos?Noriçá pensou uma enxurrada de palavrões de todos os tipos para si mesma, tão estúpida a ponto de se meter nessa encrenca por causa do idiotinha do Draco.E ele pensava no que iria acontecer no caso de uma expulsão, seu pai jurava que não deixaria a reputação da família, conseguida com "tanto esforço" , ser destruída por causa de um filho marginal.Isso fora no terceiro ano, quando ele teve a brilhante idéia de se vestir de dementador para assustar Harry no jogo e acabou levando um patrono na cabeça.Mas seu pai o lembrava sempre de "nunca deixar que tenham provas contra você", e agora tinha sido idiota o bastante de se encrencar por causa da estúpida da Noriçá.

         - Por isso eu sugiro uma detenção conjunta. – concluiu Dumbledore sorrindo.

         - DETENÇÃO CONJUNTA? – Noriçá e Draco se levantaram ao mesmo tempo. Dumbledore confirmou a decisão com a cabeça e um olhar firme.Os dois não souberam o que dizer, apenas se entreolharam com ódio.Minerva passeou os olhos dos dois para Dumbledore e de Dumbledore para os dois, como se dissesse "um assassinato não vai ser bom para a reputação da escola", mas ele fez um gesto para que ela se acalmasse.

         - Estejam os dois amanhã com a profa. Minerva na porta da sala do Quadribol após as aulas.Aquele lugar precisa de uma boa limpeza faz tempo.Agora todos para o dormitório, penso que precisem descansar de um dia tão agitado. – e saiu seguido da profa. Minerva e de todos os alunos.Harry, Rony, Mione, Gina e Mary se aproximaram de Noriçá e Crable e Goyle foram embora com Draco, ainda pálido como cera e com Pansy grudada em seu braço.

         - Foi...um duelo e tanto! – Mary tentou consolar Noriçá, medindo as palavras- Foi...legal ser sua madrinha!

         - Você teve bastante sorte. – disse Rony enquanto andavam para o castelo – Mas foi a primeira vez que algo assim acontece, acho, então não sabiam ao certo como agir.  

         - Pensei que ia ser expulsa.Pomba, que burra eu sou!Aprontar assim no segundo dia!

         - Harry fez coisas piores no primeiro ano, e ainda está por aí.

         - Mas eu não estava salvando a escola, Gina.Eu estava brigando por brigar!

         - Peraí, Noriçá!Ele não ofendeu você, sua pátria e sua família seriamente?Foi um belo discurso, não o estrague! – falou Mary, fazendo eles rirem.

         - O mais incrível foram as varinhas... – Harry lembrou – Como pode, sua varinha comprada do outro lado do mundo ser gêmea da varinha do Malfoy?Isso é caso de um em um bilhão.

         - No caso de você e Você-Sabe-Quem também é um em um bilhão. – disse Rony – Acaba que deixa tudo mais emocionante.Isso vai ser comentado por um boooom tempo.Quem sabe até entre para Hogwarts:uma história!

         - E daí, Rony?Você não ia ler mesmo! – brincou Mione.

         - Eu só quero dormir agora.Pra agüentar o rojão amanhã na sala de Quadribol. – suspirou Noriçá.

         - Só não mate ele, ele ainda é o apanhador do time.Só por que é um Malfoy. Se eu fosse importante, as amigas da Parkinson iam falar comigo.É a mesma coisa. Ainda bem que não sou importante agora.Quando eu for, vou poder esfregar na cara delas quando elas quiserem falar comigo.E ainda dizem que têm "orgulho do sangue". Se vendem mais fácil do que eu, se duvidar!  – desabafou Mary, parecendo sonolenta.Devia estar ainda nervosa, costumava falar muito quando ficava assim.

         - Se você casar com o Malfoy, vai ser importante! – brincou Gina.Mary fez cara de nojo.

         - Ahahahahahaha, como diz a Noriçá, aquela criança não vale nem como passatempo! – respondeu ela.Todos riram de novo, menos Noriçá.Por algum motivo, não gostou de pensar em Draco casando com Mary.

         A sala de Dumbledore estava na penumbra, parecendo vazia.Mas, estrategicamente sentada em um banco no canto mais escuro, estava uma figura avantajada e inconfundível, que só se moveu quando a luz se acendeu totalmente. Hagrid levantou-se logo que Dumbledore entrou na sala, ambos com a mesma expressão séria.Calmamente, o diretor sentou-se e chamou Hagrid para perto da mesa.Este postou-se como um soldado aguardando a missão.

         - Você já preparou tudo para a viagem, Hagrid? – começou Dumbledore. Fawkes levantou a cabeça, atento.

         - Sim, senhor.Sábado logo cedo eu vou. – confirmou Hagrid, decidido.

         - Tenho mais um trabalho para você, Hagrid.Envolve o mesmo assunto, embora eu não possa explicar a relação entre os casos sem coloca-lo em risco também.Sinto muito.

         - Eu não me importo, professor Dumbledore! – Hagrid mostrou-se um tanto ofendido – Não é o senhor que precisaria me dar explicação alguma!

         - Obrigado, Hagrid. – sorriu o diretor – Bem, na volta da viagem, quando você fizer aquilo que pedi, preciso que procure uma pessoa e passe um recado a ela, urgente.Precisaremos nos apressar em relação a aquilo.

         - Pode dizer, senhor.

         Na sua cama no dormitório da Sonserina, Draco examinava sua varinha aborrecido.Deitou-se olhando para o teto e a balançava no ar, como que tentando desvendar um enigma da esfinge.

         - Será que o senhor Olivaras tem uma filial no Brasil?Não haveria outra explicação.

         Deitou-se de lado e jogou a varinha para baixo do travesseiro, ainda pensativo.

         - Como é que ela pode ter uma varinha gêmea da minha?Meu pai até dizia que "nem em matéria de varinhas um sangue-ruim se iguala a um sangue-puro". Hunf! Aposto que ele só falou isso querendo dizer: "se você perder um duelo pra um sangue-ruim algum dia, te deserdo".De qualquer maneira, foi bem estranho.E bem emocionante...

         Ele se lembrou do semblante de Noriçá o desafiando no refeitório, fria como mármore, e da guerra de nervos travada entre os dois na hora do Priori Incantatem.E também da profa. Minerva bufando em cima deles, quando mal se agüentavam nas próprias pernas depois da aventura.Conseguiu sorrir.

         - Mas que ela fica um amor brava, isso fica... – foi a última coisa que pensou antes de adormecer, e da qual nem se lembraria no dia seguinte.

         E o dia seguinte chegou.Noriçá acordou de ótimo humor e com as pernas funcionando, para seu próprio espanto.Mas logo no salão comunal ela percebeu que ia ser "um dia daqueles".

         - Então, a nova celebridade de Hogwarts dormiu bem? – desdenhou Pansy, da mesma poltrona onde as duas discutiram a primeira vez, e na mesma posição.Pelos olhos, parecia disposta a matar o primeiro que aparecesse, preferencialmente Noriçá.

         - Que foi?Perdeu a aposta que fez que o Draco ia me transformar em batata e me assar pra comer com peru? – riu Noriçá, percebendo a raiva mal contida da outra. Até os quadros faziam gestos para que ela saísse logo dali.

         - Parece que não são só os grifinórios que Dumbledore protege... – rosnou ela, se levantando – Você deveria ter sido expulsa ontem mesmo... 

         - Daí Draco também teria sido expulso. – Noriçá deu um passo em direção à saída – E você não quer isso, né?

         Pansy queria atacar Noriçá, mas não sabia como.Estava FURIOSA com ela, mas nem sabia direito porquê.Afinal, Draco e a estrangeira não fizeram mais do que brigar feio nos dois primeiros dias de aula, e qualquer um diria que se odiavam profundamente.E Noriçá era uma sangue-ruim praticamente largada em Hogwarts, vinda do outro lado do mundo de um país qualquer.Nem se comparava à ela, uma Parkinson.Entretanto, a intuição feminina de Pansy dizia que ali tinha coisa, e que a garota de cabelos cheios e franja arrepiada na sua frente iria lhe dar dor de cabeça, logo logo.Ainda mais depois da noite anterior, quando ela viu Draco voltar do dormitório (onde ela tinha largado ele) e ficar um bom tempo sentado naquela mesma poltrona, e ainda que ele negasse, ela tinha certeza de que esperava Noriçá.Mas felizmente os dois não se encontraram.Draco voltou para a cama cansado de esperar, e parecia tão morto de sono que Pansy nem quis aparecer.Costumava levar uma refrega dele sempre que os dois estavam sozinhos, e como explicar que o espionava o tempo todo? – ele ia ficar convencido demais...

         - Tá, não quero perder o café da manhã.E tô louca pra ver o que estão falando de ontem lá no refeitório! – zombou Noriçá enquanto saía, só pra irritar Pansy, que deu um grito histérico logo que ficou sozinha.

         - Ponto pra você, amiga! – riu baixo Mary, que estava com o ouvido colado no quadro esperando Noriçá. – Ela ficou lou-qui-nha!

         - Ela mereceu. - disse Noriçá muito séria enquanto se dirigiam para o salão. Não podia evitar de pensar no sufoco que seria cumprir a detenção com Draco à noite.Precisaria se controlar muito para não explodir diante das provocações dele. Mas, por outro lado, poderia ser pior.Sempre pode, não é?

         Enquanto isso, na mesa da Grifinória, o assunto não era o duelo e suas conseqüências.Apenas Gina e Neville conversando normalmente.Desde que foram ao baile de inverno juntos, os dois se tornaram bons amigos.No momento, ela elogiava a performance dele na primeira aula de Herbologia.

         - Mas Neville, você soube exatamente em qual poção cada erva mostrada servia.O que te acontece na hora de preparar?

         - Eu não sei, Gina.Não é só o professor Snape, eu me confundo com todas aquelas coisas pra misturar...

         - Isso é falta de confiança em si mesmo.Tem que trabalhar isso antes que seja tarde demais e suas chances terminem...

         - Tá falando de você mesma, né?Em relação a um certo h-a-r-r-...

         - Não misture as coisas, Neville!Pra começar eu nunca tive chances mesmo...

         - Será que isso não é falta de confiança em si mesma?

         - Ah, Neville.Às vezes penso que eu deveria me apaixonar por você, sabia?

         - Não diz isso, Gi...eu fico com vergonha...

         - Você é um anjo, Nev.Até depois.

         Gina saiu da mesa sorrindo conformadamente, pensando no que Neville dissera.Não tinha dito que ia se declarar?Que ia meter a cara a tapa?E agora, Gina Weasley, qual é a desculpa esfarrapada?Tão absorta estava que não percebeu que Harry se aproximava de Neville com uma cara estranha.

         - Neville...posso te fazer uma pergunta?

         - Claro, Harry. – Neville estranhou o tom formal do amigo – O que é?

         - Você e Gina estão...namorando, é? – sussurrou ele.

         - Não, Harry, não estamos não.Isso é ciúme ou estou errado?

         Harry não respondeu.Nem ele mesmo sabia ainda o que era.Neville sorriu.

         - Se eu fosse você tiraria um tempinho pra pensar.Sabe do que estou falando. – e saiu.Sabia que naquele momento abdicava de sua paixão pela felicidade de Gina.Ela e Harry iriam se arrumar, ele que estava sobrando.Seu singelo segredo. Com a tristeza, nem percebeu que, da mesa da Sonserina, Mary Sienfield o acompanhava com o rabo dos olhos.

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