Capítulo 8: A Transformação Fantástica
- NORIÇÁ????????? – os quatro berraram ao mesmo tempo, pasmos com o que acabaram de ver.No lugar do grande felino desconhecido agora estava a garota que eles procuraram aquele dia inteiro.Ao mesmo tempo que muita coisa se explicava, outras perguntas apareciam na mente deles.Mas ela parecia alheia ao espanto geral, se limitando a fixar Draco com olhos de fogo, olhos aliás vermelhos e marcados de choro, mas que não baixaram uma vez sequer em nenhuma ocasião.Agora não seria diferente.
- Então...você é um animago.... – Rony pensou alto, ainda assimilando os fatos.Ela fez um sinal negativo com a cabeça, sem virar o rosto para o amigo.
- Não pode ser chamado assim...
Todos ficaram em silêncio, esperando que ela terminasse o raciocínio, mas tão logo terminou a frase, voltou a olhar Draco do mesmo jeito.Ele, que ficara um tanto sem ação depois do que vira, endireitou-se e decidiu resolver de uma vez o assunto que o levara até ali.
- Noriçá...eu...eu sei que você não acredita...bem, ninguém acredita, mas é a verdade e eu não vou parar de repetir: eu não tive culpa, não tive culpa, não tive culpa e faço qualquer coisa pra você acreditar em mim, eu...
- Harry, Rony, Hermione – cortou ela – vocês podem me dar licença uns instantes?
Os três saíram da vista, não sem antes lançar olhares bem ameaçadores para Malfoy, apesar de terem certeza de que Noriçá tinha dado conta disso por toda a Grifinória.Tão logo eles sumiram, Noriçá sentou-se na pedra iluminada pelo luar que havia ali, sem olhar para Draco.Se ela soubesse o que ele pensava naquele momento, como agiria?
- Mesmo assim, zangada e triste, você é tão bonita...tão bonita quanto era no Expresso de Hogwarts, sorridente e calma...e é a garota mais corajosa que já conheci... mas é injusto que eu só tenha descoberto isso depois de te magoar tanto, mesmo sem querer...eu juro...
- Estou esperando. – ela disse, fixando agora o olhar na lua.
- ...juro...que eu não queria fazer isso...
Ela virou o rosto, em silêncio.Ele olhou no fundo dos olhos dela, o máximo que pôde.
- Juro...que não queria te magoar...
Noriçá então viu uma coisa que pensou ser impossível de acontecer.Pela primeira vez em muitos anos, Draco Malfoy conseguiu chorar de novo.E vendo ele chorar, ela sentiu a garganta embargada outra vez, e percebeu que era o momento.
- Draco...você pensou que eu estava mentindo?
- Mentindo...?
- Sobre a nossa amizade.Por acaso você pensou em algum momento que eu pudesse estar te enganando?Me aproveitando?Armando algo?
- Esses eram os boatos que corriam nos corredores da Sonserina.Eu nunca me importei...
- Eram boatos sim.Mas o que eu soube de você era a mais pura verdade, certo?
Ele ficou em silêncio.Já estava achando que perdera a viagem.
- Mesmo assim eu não me importei.Eu não sei porquê.(na verdade sabia sim, mas...)E eu estava gostando de ser sua amiga, a te ensinar que coisa é essa.Você está me entendendo?
Ele fez que sim com a cabeça.
- Estou com medo.
Era a primeira vez que Noriçá admitia algo como o medo, e Draco se sentiu ainda pior por dentro.Ele nunca teve culpa dentro de si antes, mas agora era como se todas as culpas da sua vida estivessem doendo de uma vez só.Mas ficou mais preocupado com o que Noriçá pudesse estar tentando dizer.
- Eu nunca pensei que pudesse perder toda a minha vida desse jeito – estalou os dedos – É tão fácil perder tudo, não?
Sim, ele entendia disso de perder.
- Eu não pude fazer o que eu desejava...eu não pude...protege-los...
- Mas...mesmo que fizesse o melhor, Noriçá...não seria possível...
- Eu sei que não ganharia deles, eu sei!Mas pelo menos eu tentaria...poderia ter feito algo...
- Se você pudesse eu sei que faria...você tem muita força...tem tudo o que eu nunca terei, será tudo o que eu nunca serei...
- Draco...?
- Você é uma boa pessoa...realmente uma boa pessoa...tem pessoas pelas quais vale arriscar sua vida...e vai...vai ser feliz com certeza, vai ser feliz por si própria, lutar por aquilo em que acredita e realizar seus sonhos...
- Draco...você lembrou...
- E eu sei que estou sobrando nisso...nem devia ter vindo até aqui...eu sei que não precisa de um cara como eu na sua vida, então...então...adeus, Noriçá!
Ele virou-se e começou a andar na direção da lua, indo embora.Noriçá levantou-se na pedra mesmo e resolveu terminar de vez com aquela novela que ela mesma quis começar.
- Draco...DRACO MALFOY, VOLTE AQUI JÁ!
- Noriçá...? – ele se virou de novo, e ficou parado, ou melhor, paralisado, com medo de fazer tudo errado mais uma vez.Seu instinto mandava que esperasse Noriçá agir primeiro, embora ele não tivesse muita certeza de que seu instinto era assim tão confiável...
- Acha que fugindo daqui vai resolver tudo?
Ele abaixou a cabeça, ciente de que aquela era a frase que mais se encaixava na história da sua vida.
- Eu fiquei...eu estou muito nervosa.Você diz que eu sou forte, pode ser, mas ninguém pode ser forte de verdade sozinho.E agora eu...acho que estou...
- Não diga isso...foi...foi exatamente por isso que eu vim aqui...eu pensei nisso... quando eu percebi, eu já estava pensando nisso...eu...sei que a solidão é um lugar horrível...
- E difícil de sair...mas...eu pensei muito enquanto estive aqui...eu acho que... bem, agora não tem mais jeito mesmo.
Noriçá pareceu dizer a última frase com sofrimento, tanto que virou as costas e contemplou a lua por longos instantes.E respirou fundo a fim de segurar os sentimentos antes de falar outra vez.
- Tudo o que eu digo é que eu adorei esse lugar, adorei conhecer todos os amigos que fiz, adorei...encontrar você, Draco, adorei até brigar com você, e não importa como você aja com os outros, e embora eu tenha ficado com raiva e odiado você outra vez, não posso evitar de perceber que sempre foi sincero comigo.Talvez por isso eu tenha ficado confusa também.Mas sabe...acho que eu nunca vou esquecer de você e de todos os momentos que estávamos juntos...
Draco não estava entendendo direito aquele desabafo que aparentemente partira do nada, mas a cada palavra ele se sentia mais ansioso, extremamente feliz e absurdamente triste ao mesmo tempo.Ela o estava perdoando, sim, mas havia algo nas entrelinhas que fazia daquelas palavras algo muito, muito triste e sofrido para ambos.
- Entenda que não acho mais que você tenha alguma culpa voluntária nisso, e que sempre seremos amigos...
Ela se virou para olha-lo, e os seus olhos denunciavam que ela estava muito emocionada, apesar dó sorriso meigo.A voz dela tornou-se serena como nunca havia sido.
- Por favor...diga a Harry, Rony e Mione para voltarem...eu vou tirar todas as dúvidas ainda esta noite.
É noite de lua, mas a luz dela não entra no ambiente, escuro e nebuloso, provavelmente um pântano como outro qualquer, exceto pelo vulto igualmente nebuloso à espreita, imóvel como uma estátua de mármore.A única informação possível de confirmar em meio à bruma é que se trata de um homem.Ele olha para o lado do lodaçal, seguro de que alguma coisa, ou alguém, se aproxima.
- Vamos, deixe de onda e tenha coragem de se mostrar – disse, parecendo impaciente – De que adianta essa frescura toda?
- Sempre apressado... – era uma voz feminina, irônica, vinda do meio do lodaçal – mas eu tenho meus métodos, ele é o único que precisa aprovar.Sua opinião é completamente dispensável.
- Não gosto que fale assim... – rosnou o outro, contido – o que tem dessa vez?
- Já que alguém fez o favor de botar todo o plano em risco, vejo que teremos que apressar nossos passos.Dumbledore está tomando providencias, e todos sabemos que com ele se pode brincar tanto quanto com o próprio Merlim.
- Chega de rodeios.Temos a oportunidade perfeita se aproximando, logo as coisas vão acontecer.Esteja a postos.
- Uma dama está sempre a postos, querido.
- Acontece que não acredito que você seja uma dama.Um dia desses ainda vou descobrir quem você é, senhorita Inominável das Trevas...
- ...de maior confiança do Lord das Trevas, você esqueceu.
Em resposta, o rapaz cuspiu na árvore mais próxima, lançou um olhar soturno para o vulto que lhe observava e seguiu em direção contrária.
- Até mais, querido...deixe tudo com os profissionais agora. – rindo marotamente, a silhueta desapareceu da mesma forma que surgiu.
Agora a lua ia mais alta ainda, mas nenhum dos alunos se deu conta disso.Agora, tudo o que importava para Harry, Rony, Hermione e Draco era terminar de vez com aquela situação de Noriçá, nem que fosse preciso varar a noite naquele lugar.
- Agora que vocês já sabem, é melhor pra todos que eu explique tudo desde o inicio.Eu não sou um animago, como Rony e acho que todos pensaram.Isso é muito mais parecido com uma maldição...
- Começou logo depois de eu descobri que era uma bruxa.Eu fui para o colégio e logo na primeira noite me aborreci com minha colega de quarto.Eu me lembro que quando acordei...eu tinha sangue nas unhas e na roupa, e ela estava em choque, encolhida num canto do quarto, com feridas nos braços e pernas, não queria que eu me aproximasse de jeito nenhum.Eu fiquei muito assustada, lancei um feitiço de memória nela e a levei para a enfermaria dizendo que o gato dela havia feito o estrago, não sem antes limpar-me completamente.Mas mesmo sob feitiço ela nunca mais falou comigo, parecia que via um espírito agourento toda vez que nos encontrávamos.E foi assim que eu sempre me senti.
- Tentei descobrir o que tinha sido aquilo de todas as maneiras, imagine, eu ainda não sabia quase nada de bruxaria, mas não tive coragem de contar a ninguém, nem a um professor ou algo parecido.Até que descobri algo que me deixou mais confusa ainda.
- Em uma enciclopédia sobre maldições, eu vi que Pactos Eternos do tipo Familiar se encaixava perfeitamente na minha descrição.Mas era impossível, nunca tinham nascido bruxos na minha família antes, eu não entendo isso até hoje.
- Mas me agarrei a isso e as indicações foram batendo, eu descobri que no meu caso a transformação para uma forma animal se daria involuntariamente – como um lobisomem – devido a uma "circunstância propícia".E essa circunstância é um aborrecimento ou irritação muito grande.
Nessa parte, todos olharam para Draco com um jeito de "sim, você esteve a ponto de morrer" e pelo jeito era isso que ele pensava também.
- Então sempre procurei não me irritar nem nada, embora seja impossível em algumas situações. Mas tentar ajuda, principalmente porque posso manter um pouco de consciência humana enquanto animal...às vezes.
- Então – disse Harry – as vezes que você vinha para cá...
- Isso mesmo.Incomoda manter isso guardado quando quer se manifestar.Aqui eu não tinha problemas, até foi divertido conhecer a Floresta.Tomei todos os cuidados para que nunca ninguém me encontrasse, mas eu não podia adivinhar que todos vocês viessem e ficassem tanto tempo atrás de mim... – ela corou um pouco, emocionada – e acabei os expondo a um perigo enorme, desculpem.
- Não tem nada não – Rony disse, tentando alegra-la – A gente nem pode chamar o que aconteceu hoje de perigo enorme, se fizermos umas comparações com o que já aconteceu aqui antes...
- Nós sabíamos dos riscos, Noriçá, e viemos porque quisemos, não precisa pedir desculpas – concluiu Harry, sorrindo.
- Fale por si mesmo, Harry – Mione desabafou, sentando – Eu levei o maior susto, ouvir vocês contando sobre as encrencas daqui é uma coisa, e fazer a excursão é outra bem diferente.
- Acredite ou não, eu concordo plenamente, Granger – manifestou-se Draco, encostado em uma arvore – E é só a segunda vez que venho aqui...
- E é a segunda vez que quase se borra todo, né, Malfoy? – riu-se Rony.
- Se tivesse uma aranha envolvida queria ver quem ia se borrar... – respondeu o outro, e, antes que Rony continuasse a discussão inútil, Mione se levantou e olhou o relógio do bolso.
- Que tal a gente voltar agora e conversar no castelo, ou trocar ofensas, o que quiserem fazer, mas debaixo de um teto?
- Eu concordo – disse Harry – Perdemos a noção do tempo aqui.
Todos se prepararam para andar, mas Noriçá continuava imóvel, apenas observando os quatro.Draco notou e achou estranho.
- Vamos Noriçá, antes que aconteça mais alguma coisa...
- Eu disse...que não tem mais jeito mesmo...não é? – ela respondeu, exibindo um olhar triste porem conformado.Era fácil perceber o esforço que ela fez para disfarçar a voz chorosa.Rony e Mione se entreolharam, não arriscavam uma suposição sobre o que ela queria dizer, mas Harry entendia cada gesto.
- O...que quer dizer? – Draco tinha uma idéia, mas queria muito estar errado.Ela suspirou e olhou para o céu, tentando falar do jeito mais fácil possível.
- Eu pensei...que podia escapar...que podia me controlar...mas tudo o que aconteceu nesses últimos dias me mostrou a verdade.Eu não posso me livrar dessa... maldição, é a melhor palavra.Faz parte de mim, está marcado para sempre.Quanto mais eu reprimir, mais ela vai sair para fora, e eu vou virar...não...eu sou um perigo, onde quer que eu esteja, sempre serei.
- Mas... – ela levantou a mão, pedindo para Draco esperar ela terminar.
- Meu tempo por aqui terminou.Não posso permanecer em Hogwarts, e todos vocês sabem disso.
Ela estava tão calma e decidida que ninguém sabia direito o que fazer, só ficaram olhando ela se despedir deles como se fosse uma coisa já prevista e marcada, como se fosse algo natural.
- Posso dizer umas coisas também? – pronunciou-se Harry, sério como nunca havia estado.Noriçá fez que sim com a cabeça, duvidando de que adiantaria ele falar algo.
- Você tem medo de como as pessoas reagiriam ao descobrirem isso, não é?
- O que é que você acha, hein? – ela respondeu, abaixando os olhos – Ninguém entenderia, e não as culpo por isso.
- Mas eu sim.As pessoas são assim mesmo, julgam precipitadamente, por qualquer motivo, mas nada deixa de ser um erro só porque todo mundo comete.E se você se curva a esses erros, eles acabam passando por coisas normais, e tudo continua igual.Uma varinha pode ser muito mais perigosa que você, que é uma boa pessoa e não tem culpa nenhuma de ser assim. – Harry se lembrara na hora de seu segundo ano: de como o popular Harry Potter se transformara de uma hora para outra em um elemento perigoso porque é ofidiglota.
- É fácil dizer, eu sei de tudo isso, mas acontece que...
- Acontece que fugir é mais fácil, não é? – Rony tomou a palavra.
- Rony...eu não estou fugindo!!!
- Não conscientemente, mas no final é a mesma coisa.Você pensa que está protegendo os outros de se envolverem nos seus problemas, mas está mesmo é fugindo deles.Confia em mim, é palavra de quem já fez isso milhões de vezes. – ele se lembrou das vezes em que não disse nada a Harry sobre os problemas de dinheiro em casa, sabia que, mais do que não envolver o amigo, ele fazia isso mais por vergonha.
- Noriçá, nós somos seus amigos e queremos que você fique para que possamos ajuda-la.Não diga que é impossível, sempre há alguma coisa que nós não sabemos e podemos descobrir. – Mione disse, já separando mentalmente dezenas de livros onde poderia procurar sobre aquele tipo desconhecido de maldição.
- Noriçá...não pode ir embora porque algumas pessoas podem falar mal, eu sei do que estou falando, é exatamente isso que elas querem que faça.Que tenha medo e se sinta inferior.Mas pode não dar certo com todo mundo – olhou para o trio que o encarava de um modo enigmático – tem gente que não é fácil de curvar.Diferentes de idiotas como eu que acabam metendo os pés pelas mãos em tudo o que faz...
- Draco, está com as orelhas vermelhas... – Noriçá sorriu levemente, apontando os pimentões nos lados da cabeça de Malfoy.
- Acho que ele não se sentindo muito à vontade – zombou Rony – Afinal, quase morreu procurando você e não conseguiu mais do que cinco minutos a sós...
- Ora, Weasley!Eu... – antes que o agora-completamente-rubro Draco continuasse uma discussão ali, Mione praticamente gritou com os garotos.
- Será que podemos ir agora, eu ODEIO esse lugar ainda mais a cada minuto que passa!Que coisa! – e se virou para seguir o caminho de volta, dura como pedra.Rony foi atrás dela, gritando como ela era cabeça-dura e se não podia agüentar mais um minuto já que se segurara a tarde toda.Harry olhou para Noriçá, que entendeu.
- É, vamos voltar que já está tarde!Conheço o caminho de cor!
Harry e Draco se olharam rápida e secamente, e se ignoraram o caminho todo, com Noriçá no meio deles e Mione e Rony discutindo atrás.Foi só na saída da floresta, quando os primeiros raios de sol já apareciam sobre o lago, que Rony se lembrou de uma coisa que queria perguntar desde a madrugada.
- Noriçá, mas afinal que animal é aquele que você se transforma?
- Eu também nunca tinha visto. – falaram Harry e Draco ao mesmo tempo, para aborrecimento de ambos.Noriçá sorriu e olhou para Mione.
- Você sabe, não é?
- Eu já li sobre ele. – respondeu ela, orgulhosa.Noriçá virou-se para os garotos e disse com um sorriso ainda maior.
- Uma onça.Uma onça pintada, brasileira.
