Capítulo 10: Xeretando

A reação ao nome da pessoa em questão foi a única possível: como se uma súbita e pesada nuvem negra se apossasse do local, todos silenciaram, cada um pelos seus motivos.Harry segurou-se para não deixar o local imediatamente por repugnância, Rony estava pronto a soltar um formidável palavrão, o que não o fez em respeito às senhoritas presentes, Hermione manteve-se com a cabeça levantada, encarando o homem de igual pra igual, diferente de Draco, que baixou os olhos em pânico por saber o que o esperava. Noriçá pensava se Lúcio recordava-se de alguma coisa sobre um porre fenomenal de fim de ano, quando ele parecia bem menos intimidador. 

- Bom dia, srta. Rosmerta. Crianças.– respondeu ele num sorriso e reverencia que não combinavam em nada com o resto – Sei que não é usual, mas resolvi passar por aqui hoje...vejo que fiz bem. – e olhou para Draco de uma maneira enigmática, como que feliz, assustando mais ainda o garoto.Dessa parte Rony estava gostando.Nenhum deles percebia que o bar estava começando a encher.

- Traga-me um aperitivo enquanto aguardo, srta. Rosmerta – disse ele sentando-se no balcão – Não vou atrapalhar a conversa das crianças...mas olhe só, não já nos vimos antes? – Lúcio olhou fixamente para Noriçá, que fez o que pôde para não demonstrar o frio na espinha que sentiu.

- Acho difícil, sr. Malfoy...- ela tornou-se a pessoa fria que sabia ser quando necessário – Eu não sou deste país...

Draco num momento de trégua encarou Harry, os dois com a mesma expressão: aí vem patada ao estilo Malfoy.Por que para tradicionalistas não existe muita diferença de tratamento entre sangue-ruins e estrangeiros residentes.Com um gesto discreto, Mione lembrou-os da pior parte, a que podia causar mais problemas: uma perda de controle por parte da garota ia transforma-la de vitima a agressora em segundos.

- Ah, interessante... – respondeu ele levantando as sobrancelhas – deixe-me ver...seu sotaque, parece ser de um daqueles paisinhos do Sul, acertei?

Todos na mesa entenderam na hora que isso não ia parar tão cedo, e como no caso Noriçá não podia controlar certos aborrecimentos, precisavam dar um jeito naquilo rápido.

- Brasil, precisamente... – Noriçá disse, sorrindo forçosamente e dizendo com os olhos para os amigos que podia agüentar aquilo facilmente, e eles se aliviaram.Mas Lúcio sabe jogar com as pessoas como se joga cartas na mesa de pôquer.

- Ah, claro...você deve estar feliz de estar aqui. – Lucio sorriu diabolicamente, e alguma coisa dizia a Noriçá que ela deveria correr dali imediatamente.Mas como isso pareceu muito sem sentido, ela não o fez.

- Feliz...o que quer dizer? – no instante seguinte sabia que não devia ter dito isso.

- Quero dizer...depois daquele ataque de Comensais da Morte no sul...foi a coisa mais sangrenta que já vi na minha vida, e olha que já vi muita coisa...

Aquilo foi um tiro à queima-roupa, Noriçá tremeu da cabeça aos pés.Era tudo tão recente, não podia se dar ao luxo de controlar-se perante aquela investida.Mais tarde, acharia que se tivesse chorado como um bebê nesse momento, teria sido mais fácil.Mas nunca tinha sido uma garota de chorar, era algo de sua personalidade.Vendo que causara o efeito pretendido, Lúcio não parou.

- Pois é, ouvi dizer que havia em Hogwarts uma aluna diretamente atingida no incidente...mas não imaginava que ia conhece-la.Deve mesmo estar feliz, deu muita sorte de não estar lá naquele momento...

Noriçá fechou os olhos e engoliu seco, não podia sair do controle, mas diante daquilo ficou difícil.Xingou-se muito, pensou que deveria ter imaginado que ele usaria isso na provocação, para arrasa-la completamente, mas não se preparou para isso.Era como estar recebendo a noticia outra vez, sentada na mesa da Sonserina, lendo cada linha, a vida passando na frente de seus olhos... mas não podia pensar nisso agora, ou não conseguiria manter a consciência. 

Draco sentiu muita raiva, muita raiva mesmo, do pai nessa hora.Como alguém em sã consciência poderia estar feliz quando há uma semana atrás perdera toda a família, toda uma vida?Lembrou-se de como ela tinha ficado arrasada por nem ter tido chance de defender essa vida, tendo que saber de tudo através de uma estúpida noticia, quando já não havia o que fazer, a quem fazer.E o que dava mais raiva era saber que cada palavra era dita como em discurso, ensaiada e premeditada friamente.E toda essa raiva se espelhava nos olhos do garoto, não parecia que fitava o pai, mas o próprio demônio.E haveria lá muita diferença?Era o que ele se perguntava também.

- Pois é... – Noriçá falou sem ouvir as próprias palavras, o esforço que fazia para manter-se sob controle causava-lhe até náuseas.

- Com licença – Harry pronunciou-se, procurando ignorar a vontade de socar o nariz da pessoa à sua frente. – Está sendo inconveniente ao fazer esses comentários.

Lúcio o fitou estreitando os olhos, e Harry sabia que ele tomara como abuso supremo essa interrupção.Mas sabia também que quem deveria envergonhar-se das suas atitudes era o Malfoy, então permaneceu firme.

- Então, sr. Potter, acho que a senhorita aqui não precisaria de seu apoio para dizer-me o que é ou não inconveniente para ela.Acredite, o mundo não precisa de sua milagrosa intervenção para funcionar...

Harry começava a achar patético aquele tipo de provocação.Se eles não melhorassem o repertório a cada ano, pensou, atingi-lo moralmente seria um tanto improvável.Ainda mais em momentos como esse, em que o mais importante não era o que dissessem a ele, e sim que as provocações parassem para Noriçá.

- Então, muito menos da sua, senhor. – o intuito de desviar a atenção de Lúcio para o próprio Harry parecia surtir efeito, mas com certeza isso iniciaria outra discussão.Mesmo que precisasse manter aparências, Lúcio não engoliria as palavras do garoto.

Enquanto a guerra começava, Rony e Hermione esqueciam a rixa entre si e tentavam pensar em alguma coisa para parar aquilo.Draco tentava acalmar Noriçá, suada e enjoada por represar a magia por tanto tempo.Repentinamente, Mione teve uma idéia e não hesitou.

- Srta. Rosmerta, por favor, pode trazer um vinho para mim? – ela pediu como se fosse muito natural, sob os olhares arregalados de todos na mesa.

- Mas Mione...oh! – Rony sorriu, captando a mensagem – Eu também quero um vinho, por favor.

- Pra mim também... – Noriçá não pensava que seria algo planejado, mas um vinho era uma boa pedida no estado dela.

- Já que todos vamos querer, por que não traz uma garrafa daquelas grandes? – arremedou Draco, pálido e sem olhar para o pai.

- Sim.É o melhor a fazer. – Harry sorriu, entendendo o plano de Mione.Ainda que desconfiada, srta. Rosmerta trouxe logo a tal garrafa e seis copos, olhando para Lúcio.

- O senhor vai acompanha-los, certo? – perguntou ela inocentemente.

- Claro...evidentemente! – Lúcio puxou uma cadeira para a mesa e sentou-se, um pouco nervoso – Apenas um gole, que mal há, não é crianças?

Dez minutos depois, a garrafa estava vazia e o sr. Malfoy estava cheio.De cara cheia, para ser mais exato.E o bar já dava mostras de movimento intenso.Lúcio arrastava palavras e frases desconexas bem condizentes com a sua atual condição, e todos sentiam-se mais calmos.Com exceção do pobre Draco, que parecia um zumbi emburrado, mas também não se pronunciou contra nada.Noriçá era a única dos alunos que tomara     (na verdade virara) um copo da bebida e ainda assim estava um pouco doente.Rony estava certo de que guardaria isso para o resto da vida no coração, assim como Harry.Hermione, que consideraria este o seu melhor dia para planos, resolveu se aproveitar um tanto da situação.

- Então sr Malfoy, o que achou da Copa de Quadribol do ano passado? – ela perguntou como que inocente, mesmo que Lucio não pudesse distinguir o tom da sua voz.

- A...Copa...do ano passado?(ic!)O melhor mesmo não foi o jogo...(ic!)O melhor veio depois...foi quando o Ministério se encrencou(ic!)tudo por causa de uma marca negra de nada...(ic!)Vocês estavam lá pra ver...(ic!)Ei!Falando nisso, você tem sorte de estar viva, garota!AHUAHUAHUAHUAHUA....(ic!)

Hermione esperava que ele dissesse algo comprometedor, isso era até possível com uma pessoa naquele estado.Mas seu jogo foi por água abaixo no instante seguinte.

- Pelo amor de Merlim!LÚCIO! – McNair acabava de entrar no restaurante, e ficou ainda mais pálido ao contemplar a cena.Foi até a mesa a passos rápidos e constatou que o estado do outro era degradante demais para permanecer ali.

- McNair!Meu amigo!(ic!)Vamos beber juntos!Eu estava agora mesmo...

- Acho que você já bebeu o suficiente para um século, Lúcio.Parece que nunca aprende! – Harry percebeu que McNair deu uma discreta olhada para Noriçá.Ela respondeu com um olhar irônico, apesar de ainda sentir-se tonta.Engolindo em seco, o velho bruxo apoiou Lúcio e o conduziu para fora do bar.

- Espero que não seja necessário que outras pessoas tomem conhecimento disso, crianças.Lamento... – ele saiu rapidamente, parecendo muito decepcionado.Logo que ele sumiu de vista, uma gargalhada geral apossou-se da mesa onde Lúcio estava.

- Não vejo graça nenhuma... – resmungou Draco, profundamente envergonhado – Ele não consegue controlar isso.Mas parabéns, Granger!Ganhou de mim nessa...

- Vou considerar um elogio, Malfoy! – Hermione respondeu, abafando o riso – Mas só vi essa maneira de tirar Noriçá e Harry do inconveniente.

- Salvou minha pele mesmo – disse Noriçá, apoiando os cotovelos na mesa – Mas...foi a primeira vez que consegui segurar a magia desse jeito.

- Viu só?Deve ter um jeito de controlar isso, e podemos descobrir! – atalhou Rony, bem humorado.mas Harry ficou sério.

- É  estranho.Ele veio direto para cá, e para Noriçá.Muito seguro.E depois aparece McNair?Que notável coincidência!Malfoy...

- Eu não sei de nada, eu não vi nada, você mesmo viu o jeito que ele me olhou quando entrou.E lá vou eu ouvir um monte de novo...Eu não podia imaginar que ele estaria aqui!

- Foi mesmo estranho, mas...já que esse outro veio também, ele pretendia fazer outra coisa aqui.Mas não tenho idéia do que possa ser. – opinou Noriçá, um pouco mais sóbria.

- Eu tenho um pressentimento de que vamos ficar sabendo logo...  – comentou Harry, pensando alto.

Gina andava pelas ruas da vila, prestando atenção nas vitrines que expunham todo tipo de mimo e presente.Teve a idéia de comprar alguma coisa para o Harry, já que aquele seria o dia em que confessaria a ele.Mas no fundo sabia que estava apenas adiando o momento mais um pouco com essa desculpa.Ao menos era uma boa desculpa.

- Geralmente eu faço os presentes para o Harry, mas dessa vez tem que ser especial.O pior é que não consigo achar nada que pareça bom...Na verdade é mesmo meio difícil com esses poucos trocados – lamentou-se ela, passando a mão nos bolsos e contando as moedas pela milésima vez.Percebeu que acabara indo parar nas lojas mais baratas de Hogsmeade, e não pôde deixar de sentir vergonha.Mas também percebeu outra coisa mais interessante.

- Como é que você me faz uma dessas...na frente da cidade toda, na frente de Harry Potter!

Gina reconheceu a voz de McNair por perto, e viu que ele conversava com alguém num bar muito suspeito.não pensou duas vezes em chegar mais perto ao ouvir o nome de Harry.

- Mas aquele com ele é o pai do Malfoy!Quem diria...o que será que ele está fazendo aqui?E...o que ele andou bebendo aqui?Toda a cota de vinho do Ministério?

- Estou dizendo... – Lucio tomava a poção anti-porre com uma careta – Foi uma armação!Uma jogada ardilosa da pequena sabe-tudo sangue-ruim!Como ela poderia ter adivinhado?

- Talvez ela te ache com cara de bêbado– riu McNair, voltando logo à seriedade – Mas você disse que seu filho estava lá!Isso foi alucinação alcoólica?

- O pior é que não!Aquele bolha!Eu sabia que andava arrastando asa para a sangue-ruim estrangeira, mas descer a esse nível foi vergonhoso!Se bem que ele é uma vergonha desde que nasceu, vou fazer o que...mas isso até nos ajuda, e você sabe do que estou falando...

- Vai usar seu próprio filho para o plano?Ora, esse é o Lucio que eu conheço! – McNair sorriu, um brilho diabólico nos olhos.

- E para que servem os filhos, me diga? – respondeu Lúcio, triunfante.

Os dois foram saindo da mesa, e Gina correu para longe dali, cheia de medo e perguntas na cabeça.Já haviam comentado que Draco tinha uma quedinha por Noriçá, e tudo mais...mas agora um plano horrível entrava na historia, e o Malfoy faria parte dele meio sem saber.Com certeza mais uma tentativa "Voldemortiana" de matar o Harry e voltar ao poder.Esquecendo-se do presente, ela resolveu procurar o irmão e contar o que ouvira.

Enquanto isso, um vulto bem familiar observa tudo nas sombras.

- Eu falei pra besta não se empolgar demais...droga, eu fiz minha parte direitinho, como sempre, e agora danou-se tudo!Bem, mas como sempre eu também tenho um plano reserva...Pode ir, ruivinha, conte para Merlim e o mundo o que ouviu.Só vai deixar tudo mais divertido! – e sumiu do mesmo modo que apareceu.

         Antes que Gina pudesse alcançar qualquer um dos amigos, cada um havia voltado para seu turno (Harry sozinho, e sem a menor disposição de encontrar Leandra).Noriçá caminhava sem sentir os passos, totalmente perdida em pensamentos.Ou ao menos assim parecia.

         - Levou um susto, não? – levou um tempo para Draco perceber que era com ele, pois Noriçá não deixou de olhar pra frente.

         - Susto?

         - Não poderia ser tão bom ator assim e ter consciência da expressão que fez quando teu pai entrou no bar... – e segurou um sorriso, que Draco percebeu.

         - Uma palavra? – perguntou, receoso.

         - Hilário. – ela disse secamente.

         - Você não conhece o meu pai... – ele atalhou.

         - Você morre de medo dele, não é?Não parece que é um pai, mas um inquisidor.         - Argumento válido...é triste mas é verdade, ele é assim mesmo.Nada está bom, nunca.E vai ser assim para sempre.

         Ela parou e olhou para o chão, a franja tapando os olhos, como fazia sempre que estava séria.

         - Noriçá... – a culpa de tudo aquilo voltou às costas do garoto, com mais força.

         - Vai chegar o dia em que vamos entrar em choque.Sinto que não demora...não há como evitar. – não havia raiva ou tristeza na voz, apenas conformismo.Draco não saberia explicar a agonia que estas palavras lhe causaram no momento.

         - Olha, estão descarregando na Zonko's!Vamos aproveitar! – ela levantou o rosto, sorrindo e o puxando para o caminhão, como se sua ultima frase não tivesse existido.E não deixava de estar feliz de verdade.

         - Sim, vamos entrar em choque, querido Draco Malfoy.Estamos em lados diferentes.Há mais entre nós do que uma rivalidade com Harry Potter, muito mais.Mas, nesse dia, tudo vai ser decidido, seja o que for que aconteça conosco.E enquanto ele não chega, eu quero aproveitar cada minuto!

            No dia seguinte, domingo, amanheceu uma chuva enjoada e pesada, daquelas que tiram completamente o ânimo de todos.Mesmo assim, lá estavam os monitores e os "agregados para o fim de semana" tomando o café no Três Vassouras.Gina puxou Rony para um canto do bar, sem conseguir esconder direito o nervosismo.

         - Que houve, Gi?Você tá até pálida!

         - Eu não te achei ontem, e tem uma coisa urgente...escuta...

         Enquanto eles conversavam, Leandra e Hermione estavam numa disputa de "olhar malvado" digna de Nagini e Anaconda, e Harry já se conformava em resolver primeiro esses novos mistérios que surgiam e depois falar com Gina sossegado.Assim ela não se encrencaria também, era melhor desse jeito.Foi quando um cliente entrou, fazendo-se logo ouvir.

         - Mas quem está aqui, que "feliz coincidência"!Harry Potter e seus amigos! – brandiu Rita Skeeter, no momento em quem pôs os olhos para dentro do restaurante.

            *~*