Capítulo Três: Ameaças Covardes

Percy levantou-se em uma manhã de sexta-feira, colocou os óculos e olhou no relógio: eram seis e vinte.
Vestiu-se e desceu sonolento para tomar café. Na cozinha, encontravam-se seus pais, Penelope e um dos gêmeos. Não se deu o trabalho de reclamar o fato de o irmão não ter lhe desejado um bom-dia.
Fred e Jorge ignoravam completamente a presença dele, o que de início Percy achou que fosse impossível de fazer, pois os três trabalhavam lado a lado na Ordem. Mas uma vez que eles conseguiam ignorar Snape, não seria difícil fazer o mesmo com ele, que não cheirava tão mal.
Não que Percy não estivesse se sentindo mal. Pelo contrário, já fizera de tudo para reconquistar a simpatia dos dois. Desistiu no dia em que ele foi até a Gemialidades Weasley e os gêmeos fecharam a porta da loja na sua cara. Agora sabia como sua mãe se sentira quando ele fez isso.
Às sete horas, Percy, Penelope e Arthur aparataram para o Ministério. Quando o elevador do Átrio chegou ao nível dois (Departamento de Execução das Leis da Magia) Percy se despediu do pai com um aceno de cabeça e de Penelope com um demorado beijo (somado a um olhar de censura de um bruxo octogenário que acabara de entrar no elevador).
- Tenha um bom dia!
- Você também!
Ele observou-a indo embora, com os cabelos loiros e compridos balançando, até que o nível dois sumiu sob seus pés e o elevador chegou finalmente no nível um.
Cumprimentou alguns colegas de trabalho e entrou na porta ao final do corredor – o gabinete de Cornélio Fudge. Há alguns meses atrás, seu maior prazer seria gritar para todos os bruxos do mundo ouvirem que ele trabalhava para o Ministro da Magia em pessoa.
Mas passara um ano inteiro pensando nas palavras que ouvira do pai (é difícil de esquecer o que uma pessoa gritou quando só se ouve ela gritar uma vez na vida). Agora finalmente – talvez um pouco mais tarde do que poderia ter sido – se convencera de que Arthur estava certo. Fudge não gostava dele. Queria apenas espionar a Ordem da Fênix.
Ele se sentia envergonhado só de pensar que acreditara nas ladainhas de Fudge. Mas isso não era nada. Quando uma pessoa que você admira muito se torna apenas um rato desprezível é frustrante. Mas quando ela mesma te mostra isso o choque é ainda maior.
E era esse o tipo de choque que Percy iria receber naquela manhã.
O seu escritório, ao lado da sala do Ministro, era pequeno, porém confortável. Havia uma estante repleta de livros que ele lia nas horas vagas, um arquivo com pergaminhos que ele administrava organizadamente e uma escrivaninha de madeira escura e lustrosa, diante de uma cadeira vermelha e confortável. Ele tirou a capa, pendurou-a em um gancho atrás da porta e se sentou.
Havia sido colocada na sua escrivaninha, ao lado da foto de Penelope, uma pilha pergaminhos que ele teria de preencher em nome do Ministro. Era sempre assim: ele escrevia, ele preenchia, ele remetia... E o Ministro assinava.
Já estava mais do que acostumado, pois fizera muito disso quando trabalhava para o sr.Crouch. E apesar de ser muito mal pago para o que fazia, sentia-se útil.
Começou a preencher os pergaminhos distraidamente e ouviu batidas na porta.
- Entre!
Uma bruxa baixinha e muito magra, com nariz arrebitado e nenhuma sobrancelha entrou na sala.
- Sr.Weasley?
- Pois não?
- O Ministro quer vê-lo na sala dele às nove horas em ponto.
- Muito bem. Estarei lá.
A bruxa horrorosa saiu da sala e Percy olhou para a foto de Penelope por alguns segundos para se lembrar que ainda havia pessoas bonitas no mundo.
Só então se perguntou o que o Ministro queria falar com ele. Geralmente marcava suas reuniões com vinte e quatro horas de antecedência. Mas, como Percy já aprendera com os erros dos outros, não era sensato ficar questionando os motivos de Fudge.
Voltou seus pensamentos para os pergaminhos e só então notou o que eram. Estava copiando uma carta muitas vezes – isso ele percebera. Só não havia parado para se concentrar no que estava escrito na carta.
Era um pedido de desculpas por parte Fudge, nem um pouco sincero, com os motivos pelos quais ele não reconhecera a volta de Voldemort. Percy puxou o pergaminho com os remetentes. Eram endereços de importantes instituições e noticiários bruxos, além de Ministérios da Magia de toda a Europa.
Ele pensou que, se Fudge estava se rebaixando a dar explicações para toda uma comunidade bruxa, era porque sua reputação estava realmente indo por água abaixo.
Percy ficou imaginando se poderia se candidatar a Ministro da Magia no dia em que acabasse o mandato de Fudge. Passou um bom tempo se imaginando em um cargo superior, sendo uma pessoa superior, com um salário superior...
Perdera-se em pensamentos. Quando se deu conta, já eram nove horas.
Levantou-se e saiu apressado do escritório – o Ministro não tolerava atrasos. Mas não havia por que se preocupar, uma vez que bastavam seis passos e ele já chegara à sala do patrão. Bateu na porta três vezes e ouviu um grito:
- Pode entrar!
Ele entrou e se viu em um escritório três vezes maior do que o seu, com muito mais enfeites sobre a escrivaninha e duas cadeiras a mais. Pensou que mesmo que fosse menor, sua sala era mais alegre – Fudge não tinha uma foto da esposa na mesa, Percy achou que todos tivessem!
- Mr.Fudge?
- Sr.Weasley! – disse ele sorrindo jovialmente – Sente-se, por favor.
Percy puxou uma cadeira e se sentou em frente ao Ministro. A capa de risca de giz e o chapéu-côco estavam sobre uma mesinha a um canto e o homem exibia uma careca feia.
- Chegou aos meus ouvidos, Sr.Weasley, uma notícia muitíssimo interessante. O senhor sabe qual é?
- Não senhor. Não sei.
- Me disseram que o senhor voltou a morar com o seu pai, Arthur Weasley.
Já pensando que a conversa ali não seria muito agradável, Percy assentiu com a cabeça.
- E o senhor está ciente de que seu pai sempre teve uma certa... Confiança por parte do atual diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore, não está, sr.Weasley?
- Sim senhor.
Fudge, que provavelmente pensara que Percy ia desmenti-lo, ficou com o rosto um pouco arroxeado e prosseguiu, controlando a voz o máximo que podia.
- Todo mundo sabe que Alvo Dumbledore armou uma conspiração contra mim utilizando-se de seus alunos, ridicularizou o Ministério tentando ser mais poderoso do que todos nós e ainda pregou para toda a comunidade bruxa mentiras sobre gigantes e sobre os guardas de Azkaban.
Percy manteve o semblante tranqüilo, embora seu punho tivesse se fechado com raiva sob o tampo da mesa.
- Devo lhe dizer, senhor Weasley, - continuou Fudge agora com um brilho ameaçador nos olhos – que não aceito que nenhum funcionário meu alie-se a gente como esse homem. E nem ao menos aceito funcionários que dividam o teto com partidários de Alvo Dumbledore.
O queixo de Percy caiu. Onde é que ele queria chegar com aquilo?
- Portanto, o senhor não teria outra saída se não abandonar o Ministério juntamente com seu pai e sua namorada.
- Mas... Mr.Fudge...
- A não ser – interrompeu Fudge – que o senhor esteja disposto a me ajudar.
- Te ajudar? – repetiu Percy desconfiado.
- Sim senhor, me ajudar! O senhor deve ter percebido que os bruxos de toda a Grã-bretanha simplesmente deixaram de gostar de mim quando descobriram que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado realmente voltara. E isso não é nada bom, senhor Weasley, nada bom. Estamos muito próximos das eleições! Porém... tanto para o meu emprego quanto para o seu ainda há uma saída.
Ele fez uma pausa, saboreando o desespero nos olhos de Percy.
- Estive pensando nas possibilidades de... digamos, pesquisar informações de Alvo Dumbledore sobre Aquele-Que-Não-Se-Deve-Nomear para divulga-las e, bem, promover a minha imagem. E o senhor poderia me ajudar nisso!
- Senhor, eu... Realmente sinto muito. Mas acho que não seria honesto de minha parte fazer isso.
- O senhor não está me entendendo. O seu emprego e de sua família depende disso! Consegue imaginar seus pobres irmãozinhos passando fome? Bastam apenas algumas informações para que isso não aconteça!
- Não, Mr.Fudge, eu vou continuar fiel ao meu pai custe o que custar!
O Ministro estava agora decididamente nervoso e seus olhos miúdos pareciam lançar fagulhas. Percy sentia o coração martelar no peito.
- Então não vai cooperar hein, Weasley? Por enquanto não? Ah, mas o senhor vai voltar atrás, eu sei que vai! Enquanto isso não acontecer, não volte a pisar no meu gabinete, está ouvindo? – ele tremia. Levantou-se do lugar e apontou o dedo gordo para a porta – Recolha as suas coisas e vá para casa. Mandarei uma coruja informando em que departamento vai trabalhar. Agora, FORA!
Percy quase tropeçou nos próprios pés a caminho da porta, e não descolou os olhos espantados de Fudge até fecha-la. Andou depressa até seu escritório, cheio de culpa. O que iria acontecer a ele? E quanto a Arthur e Penelope?
Então ele ouviu uma porta batendo do lado de fora de sua sala.
Em um movimento automático, ele encostou o ouvido na parede para escutar o que acontecia no gabinete. Pôde ouvir os passos de Fudge, saindo do escritório e chamando alguém. Mais passos. A pessoa atendera ao chamado.
Percy tentou prender a respiração, pois esta estava bastante alta e ofegante, o que o impedia de se concentrar no que acontecia do outro lado da parede. Acalmou-se a tempo de escutar:
- ...e tire-a daqui hoje mesmo!
Ele não conseguiu imaginar o que Fudge estaria fazendo, mas sabia que coisa boa não era. Então recolheu tristemente o retrato de Penelope e seus livros na estante, vestiu a capa e desaparatou.
Foi parar na cozinha do Largo Grimmauld, onde Gina estava ajudando a senhora Weasley a preparar o almoço.
- Percy? – exclamou Gina olhando para ele curiosa.
- O que aconteceu, querido? – perguntou a senhora Weasley largando a panela no fogo e ajudando-o a descarregar os livros sobre a mesa.
- Você tinha razão, mamãe – disse ele olhando para baixo, ainda espantado com o que acabara de ouvir – O Fudge é um homem horrível! Me ameaçou...
- O quê?! – Gina deixou cair a tigela de molho que segurava e correu para se sentar à mesa com a mãe e o irmão.
- Ele disse que queria informações sobre a Ordem e que se eu não as desse iria despedir a mim, ao papai e a Penny.
- Mas você não deu o braço a torcer, não é mesmo? – perguntou a senhora Weasley nervosa – Não lhe contou nada?
- Não, não contei. Ele me mandou voltar para casa e disse que a partir de segunda-feira eu irei trabalhar para um outro departamento. Ah, eu estou me sentindo horrível... O que acham que ele vai fazer ao papai e a Penny? Vai despedi-los?
Tanto Gina quanto Molly estavam atordoadas demais para responder. Era óbvio que queriam dar uma palavra de consolo a ele, mas não conseguiam.
- Eu devia ter mentido para ele... Devia ter dado informações falsas e então continuaria tudo bem...
- Não, não devia não! – censurou a senhora Weasley – Se há uma coisa que prezamos nessa família é honestidade. Você teve uma atitude correta, querido! Não deve se culpar pelo que pode vir a acontecer.
- Obrigada, mamãe, eu... Vou lá para cima.
Ele ainda se sentia afetado demais para conversar. Não conseguia parar de pensar que se a situação financeira da família piorasse a culpa seria dele. Sentia vontade de publicar nos jornais o que Fudge estava fazendo.
Foi até seu quarto e fechou a porta. Quando se virou notou que havia alguém deitado na sua cama. Era Penelope. Estava com o rosto no travesseiro e não o ouviu entrar.
- Penny?
- Percy?
Ela levantou o rosto, que estava encharcado, seus olhos estavam muito vermelhos. Sentou-se depressa e enxugou as lágrimas com as costas das mãos.
- Desculpe, eu não deveria estar chorando...
- Há quanto tempo está aqui? – perguntou Percy sentando ao lado dela, receando que seus temores fossem realidade.
- Acabei de aparatar. Fui despedida.
Ele fitou Penelope desesperado. Estava acabado. Assim que dissesse que o motivo pelo qual ela perdera o emprego fora a honestidade idiota dele, o único amor de sua vida provavelmente o abandonaria.
- Por quê?
- Eu não sei. A secretária do Fudge simplesmente apareceu no meu escritório e... me mandou embora!
Ela abraçou Percy e começou a soluçar em seu ombro. Ele pensou que não merecia ser o ombro amigo dela.
- Não chore, Penny. A culpa é toda minha.
- O quê? – ela ergueu os olhos azuis inchados para ele.
Percy contou para ela toda a conversa que tivera com Fudge, sentindo o coração cada vez mais apertado. Quando terminou de falar, Penelope estava boquiaberta.
- Ele não é um homem... é um monstro! Não vai despedir seu pai não é mesmo? Ele não pode.
- Você não está brava comigo?
- Claro que não, Percy! Não vou ser o objeto de chantagem de Fudge – disse ela indignada – Posso procurar um emprego no Profeta Diário. Estou mais preocupada com você e com seu pai... Não podem deixar de trabalhar!
- Não vamos – concluiu Percy tristemente – Ele te despediu para mostrar do que era capaz. Agora vai usar o emprego de papai para me pressionar.
- Mas você não pode ceder, Percy. Se o mundo ficar sabendo sobre a Ordem, Você-Sabe-Quem nos dará um fim! Prometa que não vai fornecer nenhuma...
- Não vou – prometeu ele em seguida beijando a namorada.
Eles ficaram um bom tempo ali, abraçados, pensando apenas um no outro. Os poucos momentos em que Percy ainda conseguia ser sentir feliz era quando Penelope estava com ele. E Penelope não conseguia nunca se imaginar ao lado de outra pessoa.
Estavam combinando de ir jantar fora no dia seguinte quando a sra.Weasley bateu na porta.
- Percy, querido, o almoço está na mesa – anunciou ela entrando – Ah, Penelope, que bom que chegou, estava preocupada. Vamos, estão todos lá embaixo.
Enquanto eles desciam as escadas, Percy perguntou à mãe, receoso:
- Mamãe, a senhora já contou para o papai o que aconteceu no Ministério?
- Não, querido, achei que era melhor que você contasse.
Logo que chegaram à cozinha, ele contou a Arthur tudo o que havia acontecido com ele e com Penelope. Este, embora tivesse ficado muito sério, disse ao filho que não havia com que se preocupar e que Fudge não ia mandar os dois embora antes de obter as informações que queria, mesmo que isso levasse a vida toda.