CAPÍTULO 02:
A Violeta e a Rosa.
Comentário do Autor: Este capítulo descreve o estado do mundo após a Endless Waltz e mostra as contradições e diferenças de opiniões que existiam mesmo entre o novo governo civil da Nação Unida da Esfera Terrestre.
Lady Une e Relena aparecem no capítulo, bem como o Presidente da Nação Unida, um politiqueiro ministro de estado e um general que parece não morrer de amores por Une, além de um repórter sensacionalista que parece estar atrás da ex-oficial da OZ.
Mais um piloto de Gundam é introduzido na trama, mas neste capítulo ele faz uma discreta aparição. Contudo...
Ao contrário do capítulo anterior, este é mais focado em intriga e manobras políticas de bastidores. Contudo, ele é de vital importância para o entendimento da trama que terá logo em seguida.
Embora a sede do Poder Executivo da Nação Unida da Esfera Terrestre ficasse em Bruxelas, na antiga Europa, boa parte do centro de decisões mundiais estava sediada na cidade de Nova York, parcialmente reconstruída.
A Big Apple - como era chamada esta grande cidade - teve a duvidosa fama de inaugurar a "Era das Guerras" em Setembro de 2001 ao ser alvo de um grande ataque terrorista que vitimou o famoso prédio World Trade Center, por parte da organização radical islâmica Al Qaeda, comandada pelo terrorista Osama bin Laden.
Agindo por conta própria, os EUA - a única superpotência de então - decidiram endurecer as relações com vários países sob o pretexto da luta contra o terrorismo. Um misto de ressentimento e paranóia começou a dominar o mundo.
Surgiram várias guerras localizadas por todo o globo. Após terem subjugado quase todo o mundo, os EUA e seus aliados ocidentais começaram a ter divergências internas que minaram a sua aliança, ao passo que inúmeros atentados conduzidos por grupos radicais provocavam dezenas de milhares de mortes sem que fossem contidos.
Nova York foi arrasada por novos ataques e parcialmente destruída com a eclosão da III Guerra Mundial em 2010, envolvendo a China Comunista, a antiga Rússia, a Índia e uma aliança de países muçulmanos contra os EUA e seus aliados. O conflito não teve vencedores e nem vencidos, mas centenas de milhões de mortos.
No final deste esmagador conflito, quase todos os líderes mundiais que iniciaram a carnificina estavam mortos ou desaparecidos e as nações que sobreviveram ao massacre estavam fracas demais para reivindicarem qualquer vitória.
O complexo industrial-militar americano que chegava a eleger presidentes e provocar guerras estava irremediavelmente mutilado e nunca mais iria se levantar.
Várias Guerras civis e desordens sacudiam a velha Europa, banhando-a de sangue.
Uma revolução derrubou o comunismo na China e vários países muçulmanos renegaram o fundamentalismo religioso ao constatar que sua "Jihad" sagrada contra o ocidente trouxera apenas desgraças e morte ao seu povo. As armas nucleares, químicas e bacteriológicas foram em seguida, proscritas e banidas do planeta.
Seguiu-se um período de neutralidade, durante o qual as nações do globo tentaram cicatrizar as feridas causadas pela guerra e o caos subseqüente. Com os recursos econômicos exauridos, as atenções se voltaram de novo para o espaço. E uma nova corrida rumo às estrelas teve início, inaugurando a era de colonização espacial.
A antiga e ineficiente ONU fora substituída pela Aliança pela Unidade da Esfera Terrestre, com mais poderes efetivos para arbitrar conflitos e tomar decisões.
Para diferenciar de sua antecessora, o seu prédio foi construído no marco zero da semidestruída Nova York, ao passo que os escombros do antigo edifício da ONU ficaram no lugar onde estava, como uma sombria advertência do passado.
Além das novas nações e entidades políticas, a Aliança tinha a adesão de entidades privadas de relevância e de ONGs, todas interessadas para que nenhuma nova guerra eclodisse pelos interesses obscuros de alguma auto-proclamada "superpotência".
Ironicamente, a destruição causada acabou beneficiando o que restou de Nova York. Como uma fênix renascida das cinzas, a cidade foi remodelada e reconstruída em linhas mais harmoniosas, dentro de um planejamento urbano. A caótica e apertada megalópole transformou-se numa cidade mais arejada, com relativa qualidade de vida e mais espaços abertos, como se refletisse o desejo da humanidade em começar novos caminhos.
Contudo, certas coisas ainda existiam e sempre ainda continuariam existindo, como a ambição, a ganância, o desejo de poder... E o sensacionalismo oportunista.
Andando pelas ruas da chamada "Cidade Nova" - como foi denominada a vasta área reconstruída no pós-guerra - estava um homem com andar apressado. Vestindo uma impecável camisa branca, um terno de grife italiana, sapatos produzidos em Franca (Brasil); além de uma gravata de seda que custava no mínimo 500 dólares.
Ele tinha cabelos castanho-claros, olhos também castanhos, um metro e setenta e cinco, e deveria ter por volta de trinta e dois anos.
Seu nome era Marvin Baggins e ele era um dos principais repórteres do "The Truth", um dos jornais de maior circulação pelo mundo na era AC, tanto em mídia impressa como pela via digital.
Por incrível que parecesse, a Era da Informática não eliminou a imprensa escrita, embora ela tenha precisado se reciclar e adaptar aos novos tempos.
Muitas pessoas ainda se sentiam desconfortáveis em acessar notícias através de um terminal de computador, mesmo dispondo de um. Livros e revistas ainda podiam ser encontrados nas suas formas tradicionais, ainda que a tecnologia tenha obrigado a adicionar novas matérias-primas na confecção de papel.
Isto porque as florestas que restaram no globo terrestres estavam sendo reconstituídas - após as devastações sem precedentes - e o desmatamento indiscriminado passou a ser considerado como crime inafiançável.
Apesar do nome, o "The Truth" era um jornal de linha sensacionalista e adorava falar mal de todo mundo. A sua especialidade era apontar gafes de políticos, escândalos dos mais diversos tipos e tamanhos, devassar a vida privada e sexual de celebridades e divulgar todo tipo de noticiário estilo "mundo cão" para um público pouco seletivo.
Mesmo no período em que a OZ esteve no poder na Terra e manteve um estrito controle sobre todos os meios de comunicação, o The Truth não foi silenciado totalmente, devido ao seu apelo perante às massas.
Quando não era possível divulgar as notícias sobre a Eve Wars, o jornal investia na cobertura de fatos banais e corriqueiros, transformando cidadãos comuns em celebridades descartáveis, divulgando toda sorte de boatos e fofocas, além de usar e abusar do humor negro.
Marvin Baggins era uma das principais estrelas do jornal. Astuto, esperto e de raciocínio rápido, ele era um especialista em improvisação e sempre procurava superar-se a si mesmo, fazendo as reportagens mais malucas possíveis.
Ele era considerado um ídolo popular e o seu site de notícias oficioso - que publicava matérias não aproveitadas no jornal - era um dos mais acessados na Rede Mundial.
Para muitos, Marvin era a personificação do "Sonho Americano", da pessoa corajosa destemida que saiu do nada e conseguiu se superar a si mesma.
Nascido numa família pobre numa cidadezinha de Arkansas e órfão de pai aos cinco anos de idade, ele teve dificuldades para estudar, tendo que desde cedo fazer vários pequenos serviços: mensageiro, office-boy, digitador, etc.
Após ter servido o Exército por dois anos - e misteriosamente escapado de qualquer convocação para a guerra - ele conseguiu fazer a faculdade de jornalismo aos vinte e um anos, depois de ter conseguido uma bolsa para estudantes pobres. Pouco se sabe sobre sua vida nestes anos e o próprio Marvin se encarregou de aumentar o seu mistério sobre si mesmo. .
Quando mudou se para Nova York, o nosso jornalista morava numa quitinete de três cômodos e o seu almoço se resumia num cachorro-quente com uma garrafinha de refrigerante. Mal sobrava dinheiro para pagar as despesas do mês.
Depois de passagens inexpressivas e ingratas em jornais e sites de notícias, ele conseguiu uma vaga no "The Truth" ao vencer trinta concorrentes ao apresentar uma reportagem de última hora sobre um suposto canibal que atacava no bairro do Bronx.
Atualmente Marvin era rico, famoso e um dos dez jornalistas mais influentes em todo o mundo. Ele morava numa cobertura Triplex num bairro fino, além de ter uma casa de campo e uma de praia. Solteiro assumido, ele era cobiçadíssimo pelas garotas mais lindas da alta sociedade e havia rumores de que ele tinha um caso com a famosa cantora pop japonesa "Cherry Blossom".
Contudo, por trás deste verniz de self-made man, do seu carisma e do sorriso contagiante, Marvin Baggins escondia um caráter totalmente sórdido e falso. Ele não dava a mínima para a ética jornalística e mais de uma vez foi acusado de forjar notícias falsas e boatos apenas para aumentar a vendagem do jornal.
Mesmo nos seus dias de pobreza, ele seria capaz de vender a própria mãe para conseguir uns trocos e a sua súbita fama aumentou a sua ganância e desfaçatez a níveis insuportáveis..
Cerca de 25% do seu ganho líquido ia para pagar os seus advogados, que o defendiam de inúmeros processos por calúnia e difamação. .
Apesar de ser idolatrado pelas massas de gente humilde que pagava um dólar por dia, para ler o seu jornal, Marvin tinha nojo de pobres e da pobreza. Ele chegava ao exagero de cheirar os seus ternos quando voltavam da lavanderia, para certificar-se de que eles não tinham resíduos de "cheiro de povo".
"A Verdade sempre tem duas faces. Escolha a que dá mais lucro" - Este era o seu lema e refletia a forma como ele buscava a verdade.
Naquela tarde, Marvin iria cobrir uma reunião mensal dos delegados da Assembléia da Aliança pela Unidade da Esfera Terrestre, como jornalista credenciado.
Contudo, o seu verdadeiro alvo não era esta assembléia cheia de discursos protocolares e decisões formais, que teria lugar no amplo salão do térreo, mas sim a participante de uma reunião privada que teria lugar no último andar do monumental prédio de mármore branco.
O seu alvo no momento chamava-se Lady Une, mais conhecida como Coronel Une da OZ.
As notícias conhecidas diziam que Lady Une era descendente de uma aristocrática família de origem franco-alemã e que ela foi a primeira aluna da turma da academia de Wiener-Neustadt, se tornando a primeira oficial a se tornar Coronel com menos de 20 anos de idade.
Sabe-se que ela fez parte das Forças Especiais da OZ e atuou como diplomata da Nação Mundial até o final da Eve Wars. Após a guerra, ela recebeu um indulto por parte do Presidente da nova Nação Unida, como parte do plano de anistia geral e foi convidada a tomar parte do novo governo.
Embora ninguém soubesse ao certo o que ela fazia, ela era comumente vista com o Presidente, vários ministros de Estado e com a senhorita Relena Darlian, presidente da Fundação Darlian e Subsecretária de Assuntos Exteriores.
Há tempos Marvin estava formando um dossiê sobre esta figura que era a sombra do finado líder Treize Kushrenada, aquele que deveria reinar sobre a Esfera Terrestre.
Ao que parece, o seu primeiro nome era Anne-Marie e era nascida em 174 AC.
Marvin tivera acesso a informações em antigos bancos de dados, sobre a árvore genealógica da família Une - que remontava desde o século XVI - bem como o destino de seus pais, ambos mortos num atentado terrorista em Paris, quando a jovem tinha de 5 para 6 anos de idade.
Anexo ao dossiê, havia uma foto digitalizada de origem anônima que mostrava uma Lady Une ainda criancinha, toda sorridente, junto com um garoto chamado Treize Kushrenada, numa suposta festa de aniversário.
Outra foto mostrava Une recebendo sua Primeira Comunhão numa igreja, toda vestida de branco e com um ramalhete de flores na mão.
Haviam também fotos obtidas na época em que ela era estudante e como cadete da Academia de Oficiais de Neustadt.
Contudo, os dados mais comprometedores eram os relativos à sua atuação como representante dos interesses de Treize. Sendo comandante das forças especiais da OZ, era de se esperar que ela estivesse envolvida com os assuntos mais negros desta entidade que tomou o poder da Aliança durante a Eve Wars.
Através de subornos e trocas de favores, Marvin conversou com ex-oficiais da OZ e mesmo alguns dos ex-empregados de Treize e sabia que ela tinha o costume de se encontrar regularmente com ele numa das mansões de sua propriedade.
E havia indícios fortes de que ela tivesse tramado os atentados contra o Ministro Darlian e contra o General Septum, embora tais fatos tivessem sido encobertos na época pela censura militar.
Contudo, além destas notícias comprometedoras, o jornalista Baggins estava muito mais interessado em desnudar - literalmente - a suposta vida amorosa e sexual da Coronel.
Ele gastara as últimas semanas tentando inutilmente contatar um ex-criado da mansão aonde o finado líder Treize e a Coronel Une se encontravam, bem como um alfaiate que costumava fazer as roupas civis da representante da OZ, apenas para saber as três "medidas" dela.
Sorrindo, Marvin não deixara de notar a mudança sofrida pela linda oficial nestes anos todos. No seu dossiê, as fotos digitalizadas de infância mostravam uma jovem Une de olhar puro e inocente, apesar de um exterior vivaz. Ela ainda mantinha esta vivacidade nas fotos de Colégio e do início da Academia. Contudo, o seu olhar já era sério quando acabara de se formar Cadete, obtendo a nota máxima de sua turma.
As fotos da sua época de OZ mostravam uma mulher de beleza sombria e que transparecia um certo fanatismo pela causa que defendia, ao passo que as imagens de suas aparições públicas após o final da Eve Wars denotavam certa tristeza e vazio no seu olhar.
Marvin não fazia isto por animosidade pessoal ou por desejo de vingança. Para ele, ideologias políticas e sociais nada significavam e pouco se importara a respeito da luta entre a Esfera Terrestre e as colônias. Ele estava devassando a vida particular de Une simplesmente por amor ao escândalo e ao potencial do lucro que ele teria por suas reportagens.
Ao chegar ao imponente prédio, Marvin sentiu que era o seu dia de sorte.
No amplo estacionamento era possível ver os carros oficiais e as limosines que transportavam os delegados da Assembléia. Seguranças impecavelmente vestidos protegiam os participantes
Enquanto fotógrafos e membros da mídia disputavam espaço a cotoveladas para entrevistar as figuras do evento, usando o seu instinto de jornalista, Marvin abre caminho e tenta chegar a um local insuspeito: A parte dos fundos.
Ele estava munido de um gravador/comunicador sem fio colocado no seu prendedor de gravata e dispunha de uma sofisticada caneta transmissora de imagens que era infinitamente mais potente do que as primitivas webcans do início do século XXI e podiam transmitir imagens ao vivo do local onde estava até a sua central de notícias.
De repente, um burburinho de vozes e flashes de máquinas começa a tumultuar o local. Ele nota que um alvo potencial estava tentando inutilmente entrar no prédio de forma discreta.
Usando óculos escuros e trajando um elegante vestido azul-celeste e sapatos de salto alto, além de carregar a tiracolo uma pequena bolsa de couro, o seu semblante estava entre sério e preocupado.
Escoltada por agentes Preventers vestidos a caráter e acompanhada de um assessor, Lady Une iria participar de uma reunião ministerial extraordinária que aconteceria simultaneamente com a Assembléia Geral das delegações enviados pelos países da Esfera Terrestre e das colônias espaciais.
De repente, um rapaz rompe o cerco de curiosos e repórteres e se aproxima perigosamente do cortejo. Os seguranças notam sua presença e tentam cercá-lo, mas ele consegue arremessar uma torta de creme no rosto de Lady Une, que fica totalmente lambuzado.
O rapaz, que acaba gritando palavras de ordem e de protesto contra a Nação Unida, é imediatamente dominado e detido pelos seguranças, mas sem violência excessiva.
Marvin é o primeiro a ativar sua câmera e lança a chamada de sua reportagem: "Coronel Une acaba de sofrer atentado!", e em seguida transmitindo imagens ao vivo. Para a sua sorte, ele era o único repórter nas imediações, ao passo que a grande maioria estava entrevistando e conversando com os políticos da Assembléia na frente do prédio.
Enquanto o jovem agressor anônimo estava sendo levado pelos seguranças, Lady Une tentava se limpar com um lenço providencialmente trazido por um dos seus ajudantes. Partes do seu cabelo, rosto e do vestido que usava estavam totalmente lambuzadas.
- Coronel Une, eu sou Marvin Baggins do "The Truth". o que me diz sobre deste atentado que acabou de sofrer? - Pergunta o repórter com o seu estilo acintosamente exagerado e artificial, mas que agradava ao povão.
- Atentado? Desculpe-me, Marvin, mas todos sabem que não sou mais coronel da OZ. Por favor, chame-me de Lady Une. - Responde Une sem fazer alarde. Embora não conhecesse o abelhudo repórter em pessoa, ela já tinha ouvido falar dele.
- Tudo bem, Anne, como a senhorita vê este protesto daquele jovem que acaba de ser preso pelos seguranças? - Marvin começa a guerra de nervos, chamando Une pelo seu primeiro nome - que era quase desconhecido de todos - somente para provocá-la diante dos telespectadores..
- Bem, acredito que ele estava querendo mostrar alguma opinião divergente. Sobre qual motivo não sei... - Responde a oficial, sem mostrar nenhuma emoção.
- E que maneira de mostrar uma opinião divergente, Anne! Como você reagiria se isto tivesse acontecido nos tempos da OZ? A Coronel Une mandaria fuzilá-lo ou enviaria o coitado para um campo de concentração num lugar remoto do planeta? - Pergunta o irritante caçador de notícias.
- Bem, não dá para falar mais do passado, Marvin. O que importa agora é que as pessoas são livres para expor o que pensam, mas de uma forma aberta e civilizada.
- Mas ao invés de uma torta, poderia ter sido uma bomba ou um tiro... - Sem se deixar abalar com as esquivas de sua antagonista, Marvin muda de tom de voz e fecha a cara, como se fosse um repórter policial.
- Pelo menos é um sinal de que o projeto de paz idealizado pelo Sr. Presidente e pela senhorita Relena está avançando a passos largos. Agora, com licença... - Responde a elegante oficial esboçando um sorriso irônico.
- Uma última pergunta... Qual o sabor desta torta? - Marvin sorri descaradamente querendo fazer gracinhas. Os seguranças de Une se aproximam dele, a um passo de expulsar o irritante representante da mídia. .
- Engraçadinho! Hummm... Ela parece-me feita de limão com Marshmallow. - Sem se fazer de rogada, Une sorri e com a ponta do dedo prova um pouco da torta que estava grudada no vestido.
Acintosamente, Marvin se aproxima da lambuzada Lady Une e usando a ponta do dedo prova um pouco da torta, antes de ser afastado por um segurança vestido de preto. Aproveitando a deixa, a chefe dos Preventers rapidamente no prédio, junto com os guardas.
- E tem razão! A munição usada pelo suposto terrorista é uma legítima torta de limão com Marshmallow, dessas que encontramos nas confeitarias do centro da cidade! E sem aditivos químicos! Confira na edição vespertina de hoje: Lady Une acaba de sofrer um atentado em Nova York, levando uma torta na cara! E aproveito para dizer aos telespectadores que não deixem de comprar o legítimo tônico capital Blesshair, encontrado nas mais diversas farmácias desta maravilhosa cidade! Aqui falou Marvin Baggins do "The Truth", transmitindo a verdade nua e crua como ela é, trazendo a notícia até você, trabalhador e dona de casa!...
O inconveniente e sensacionalista repórter mal termina de falar quando é educadamente "convidado" a se retirar pelos seguranças restantes.
A sorte da infortunada Lady Une é que chegara no prédio quarenta minutos antes da sua reunião começar, pois tinha o hábito de deixar todo o seu material de reuniões preparado, para evitar atropelos de última hora.
O seu gabinete particular no enorme prédio da Nação Unida ocupava meio andar e compunha-se de sua sala privativa, de uma sala de conferências, o escritório onde seus assessores diretos ficavam e ela recebia informações do mundo todo e das colônias, uma pequena saleta com um cofre especial para guardar documentos confidenciais, copa, cozinha, dois banheiros e um pequeno apartamento que ela eventualmente usava, quando precisava pernoitar a serviço.
Ela tivera tempo de ir ao seu banheiro privativo para limpar-se e retocar a maquilagem, enquanto um vestido limpo era providenciado oportunamente.
Se por um lado ela estava furiosa pela falha da equipe de segurança, por outro, o bizarro incidente fizera involuntariamente rir de sua condição atual. Isto era absolutamente impensável há anos atrás, quando dirigia a Divisão Especial da OZ. Agora os tempos eram outros e ela - como qualquer outro ex-membro da OZ - teria que conviver com a chamada "liberdade de expressão".
Por sorte, a torta não causara maior dano no seu elegante tailleur. Nada que uma visita ao tintureiro não resolvesse. Apesar de ser rica e de origem nobre, Une não costumava fazer extravagâncias com o seu orçamento pessoal.
Enquanto isto, estando sem blusa no espelho, a jovem oficial começa a reparar em seu belo corpo e sorrindo para si mesma, constata que está mais feminina do que há tempos atrás.
Como que Treize-Sama iria reagir ao curioso incidente, caso estivesse vivo? Embora não fosse dada a devaneios, devido ao seu caráter realista e prático, Une ainda sentia falta de seu ex-líder e amado, que ainda influenciava inconscientemente as suas decisões atuais.
O seu pensamento é interrompido bruscamente quando a sua secretária bate na porta, informando que o vestido reserva chegara e estava pendurado do lado de fora da porta do banheiro.
Trocando-se rapidamente, Une sai do banheiro e volta à sua escrivaninha. Ela constata que ainda lhe restava quinze minutos. E tinha que se apressar.
Após conferir rapidamente a pasta que iria levar na reunião, ela acessa o seu terminal de computador, lendo rapidamente com os olhos os informes da agência.. Teclando alguns códigos secretos de acesso, Une sorri quando chega um relatório classificado como ultraconfidencial. Era a informação da qual aguardava para poder ir preparada à reunião.
Tirando algumas cópias reservadas com a inscrição "Altamente Secreto", ela desliga o seu micro e coloca a papelada em sua pasta. E, tomando o elevador expresso privativo, vai à sala de reuniões previamente designada.
Chegando lá, ela nota que foi a primeira a entrar na sala. Sem se sentir constrangida, ela pega um estojo de maquilagem e começa a fazer alguns retoques.
Em menos de um minuto, Relena Darlian chega ao recinto, acompanhada de seguranças. Une interrompe o seu pequeno ritual de vaidade feminina e cumprimenta-a, meio envergonhada.
Relena repara no estojo de maquilagem, sorri discretamente e senta-se num dos lugares da enorme mesa. Não, não era uma bomba disfarçada.
Embora fosse uma reunião que interessasse mais à área militar e de informações, o Presidente havia insistido para que Relena participasse. De fato, o seu status real era muito maior do que o cargo de subsecretária poderia supor. Quase todas as decisões cruciais do governo, inclusive todos os assuntos que demandavam sigilo, ficavam sob o conhecimento da jovem Darlian, mesmo que de forma sucinta.
Em seguida chegam um homem jovem e alto, usando óculos e vestindo um impecável terno e um senhor aparentando ter mais de cinqüenta e cinco anos, de compleição forte e trajando uniforme militar.
Tratavam-se de Maxwell Taylor, atual Ministro da Defesa e teoricamente superior da Lady Une e do General Alfred Brecht, Comandante do Estado Maior das Forças de Defesa da Nação Unida.
Após um rápido e protocolar cumprimento, ambos os homens sentam-se à mesa.
O General Brecht repara no estojo de maquilagem de Une e franze o cenho de forma desaprovadora. Era claro que ele não simpatizava de forma nenhuma com a jovem líder dos Preventers. "Estas mulheres..." - podia ser o pensamento que ecoava em sua mente.
Brecht havia sido assessor direto do falecido General Nobenta, da Aliança Terrestre e que supostamente havia falecido durante um ataque dos Gundams numa conferência de paz, mas que havia sido manipulado maquiavelicamente pelo então General Treize em seu golpe de estado em que a OZ assumiu o papel da Aliança.
Apesar de Lady Une ter se retratado publicamente deste e de outros episódios lamentáveis e de contar com a confiança do próprio Presidente e de Relena Darlian, Brecht jamais havia perdoado a OZ e seus líderes, embora o seu senso de dever o proibisse de contestar ordens superiores, como o bom soldado que era.
Maxwell Taylor - sem nenhum parentesco com Duo Maxwell - podia passar como um elegante executivo de empresa multinacional e não como um Ministro de Estado. Formado em Direito e em Sociologia, muito inteligente, prático e objetivo, tinha muitos contatos em diversos órgãos governamentais e assumiu a difícil tarefa de conduzir o processo de desarmamento e desmilitarização global, a chamada Operação "Swords to Plowshares" ("Espadas em Arados").
Durante a atual gestão, ele reduziu as forças armadas para apenas dez por cento do que eram no período da Eve Wars e mandou eliminar todas as armas pesadas, desde carros de combate, caças, artilharia até os grandes navios de guerra.
Os Mobile Suits e Mobile Dolls disponíveis foram convertidos em MS de trabalho e suas fábricas fechadas ou forçadas a se converterem para uso civil.
Somente permaneceram poucas unidades militares, e estas, apenas equipadas com armas e carros leves, servindo apenas para defesa. Cogitava-se inclusive de eliminar totalmente as armas pessoais com capacidade letal, substituindo-as por pistolas e rifles com munição paralisante.
Sob o Ministério da Defesa, ficavam subordinadas as Forças Armadas, as unidades de defesa civil, as unidades policiais e algumas unidades especializadas em proteção à natureza, defesa de florestas e repressão ao crime internacional.
Por ordem presidencial, o titular da pasta deveria ser um civil e de não comprometido com quaisquer lobbies militares.
Embora teoricamente a Agência Preventer fosse subordinada a Maxwell, na prática Lady Une agia mais por conta própria, estando subordinada apenas ao próprio Presidente. Várias das ações dos Preventers eram de caráter sigiloso e não dependiam de passar pelos intrincados caminhos da política ou da burocracia oficial, até porque lidavam com situações urgentíssimas aonde cada minuto era vital. .
Contudo, a convivência mútua entre a Agência, o Ministério e as Forças de Defesa estava longe de ser tranqüila.
Afora a animosidade pessoal entre Brecht e Une, o ressentido chefe do Estado Maior argumentava que os militares podiam dar perfeitamente conta da tarefa de prevenir o uso de armas de destruição massiva por parte de grupos radicais, bem como a repressão ao terrorismo. Ele defendia pura e simplesmente a dissolução da agência e a substituição da mesma por um órgão de inteligência militar.
O general não se conformava com o fato dos Preventers manterem uma quantidade não especificada de Mobile Suits, enquanto o Exército foi obrigado a desmobilizar todas as suas unidades, além de passar por severos cortes de pessoal e recursos.
E ele fazia de tudo que estava em sua alçada para não facilitar as coisas para o que ele chamava de "panelinha da OZ".
Embora fosse a favor da desmilitarização do globo terrestre, Brecht ainda era de opinião de que deveria haver um aparato mínimo de forças de defesa para evitar conflitos étnicos, religiosos e políticos.
Na sua concepção, deveria haver uma pequena tropa, mas de elite e altamente móvel, para intervir de forma decisiva em qualquer parte da Terra ou do Espaço, em combinação com forças policiais e territoriais para propósitos unicamente de defesa.
Pelo estado de tensão que havia ainda em várias regiões remotas da esfera terrestre, era de seu entendimento que a desmilitarização se deveria fazer de forma gradativa.
Da parte de Taylor, ele procurava se manter teoricamente neutro nas disputas entre Une e Brecht, embora ele pressionasse freqüentemente o Presidente para que entregasse o controle definitivo da Agência a ele, embora quase nada conhecesse sobre as reais funções dos Preventers.
Brecht temia secretamente que Une usasse os recursos à sua disposição para transformar os Preventers numa espécie de CIA ou KGB, acobertando todo tipo de ação suja e sórdida que tornou estas antigas agências de inteligência tristemente célebres no século XX.
Tendo nascido e vivido sua juventude na colônia L-1, Taylor sabia do que esta moça seria capaz, pois conhecia a fama de Une quando esta era Coronel da OZ.
Pacifista convicto e profundo admirador do falecido Ministro Darlian, foi sua a idéia de implementar de forma radical a Operação "Swords to Plowshares" no início do novo governo, desmobilizando todas as forças armadas existentes na Terra e colônias - sem exceção - bem como implementando a destruição geral das armas pesadas e a conversão da indústria bélica para fins civis.
Contudo, se por um lado esta medida permitiu deslocar imensos recursos financeiros para as áreas de educação, saúde, infra-estrutura e bem estar da população em geral, por outro isto permitiu que Dekim Barton atacasse facilmente a Terra com a sua Segunda Operação Meteoro.
As únicas forças que se opuseram ao golpe de estado foram justamente os Preventers - as Forças de Defesa da Terra estavam completamente inoperantes na ocasião - e os corajosos pilotos anônimos dos Gundams.
Em função disto, o Presidente, agradecido, permitiu um certo status de autonomia para a Agência, bem como concedeu permissão para que eles possuíssem um limitado efetivo de MS para lidar com situações críticas.
Em compensação, diante destes fatos, Maxwell viu-se obrigado a amenizar a sua proposta radical de desarmamento e manter um mínimo de forças para fins puramente defensivos. Mas ainda era de opinião que num futuro próximo, todas as Forças Armadas e os Preventers inclusive deveriam ser desarmados.
Quanto a Une, ela acreditava que por si só o desarmamento puro e simples não resolveria o eterno problema das guerras e conflitos.
Assim como Relena, ela acreditava que somente quando os espíritos dos humanos estivessem desarmados, seria possível chegar na desmilitarização total. Enquanto isto não ocorresse, os Preventers teriam que existir como um mal necessário.
Era o seu dever este sonho se tornar realidade. Além de ambiciosos como Dekim e de lunáticos como o General separatista Liu Tang, existia o risco de organizações terroristas, o crime organizado e grupos religiosos fanáticos aproveitarem da disposição pacifista de muitos para darem vazão aos seus instintos sádicos.
Une dispunha de relativamente pouco pessoal e recursos materiais e financeiros apertados para cumprir com as atribuições que lhe foram confiadas.
Naquele exato momento, além do conflito aberto na província de Yunan, na ex-China, havia cerca de oito movimentos radicais em todo o mundo que exigiam a sua atenção, em todos os continentes.
Embora este número de conflitos fosse apenas uma sombra do que era o mundo entre os séculos XX e XXI - aonde dezenas de guerras localizadas aconteciam em diversos pontos do planeta - ainda assim era um número exagerado para a atual realidade da Nação Unida.
Enquanto Une cuidava do aspecto de manutenção preventiva da paz, cabia à Relena fazer a parte mais difícil: Convencer não com palavras e bonitos discursos, mas com atos concretos de que a paz não apenas era possível como também desejável. Aonde houvesse qualquer situação de miséria, injustiça, opressão, corrupção e dor, lá estaria um futuro potencial foco de conflitos.
Relena Darlian procurava cuidar de tudo isto, visitando as áreas mais miseráveis e carentes do globo e das colônias, procurando se inteirar dos problemas e orientando os demais ministérios do governo a tomarem medidas concretas.
Era uma tarefa difícil e ingrata. Além do seu cargo de subsecretária de Assuntos Exteriores, ela era também a Presidente do Conselho da Fundação Darlian, uma ONG pacifista fundada em homenagem ao seu falecido pai e que visava a dar assistência a comunidades carentes por todos os cantos do globo e das colônias.
Ela havia chegado na parte da manhã, de volta a uma visita de três dias as populações carentes do Nordeste do Brasil e teria que partir amanhã para uma visita humanitária à China, justamente na área do conflito. Junto com ela, iriam equipes de médicos, dentistas, enfermeiros e assistentes sociais atender as vítimas da loucura do autoproclamado Deus da Guerra Liu Tang.
Após alguns minutos, a porta se abre e uma figura alta e elegantemente vestida entra no salão de reuniões, cumprimentando com um sorriso a todos. Era o Presidente da Nação Unida da Esfera Terrestre.
O seu nome era Bertrand Russell e era de origem anglo-saxônica, embora tivesse morado em várias partes do mundo. Ele havia sido amigo pessoal do ex-ministro Darlian e era um conhecido ativista pela paz, sendo militante militado há mais de vinte e cinco anos.
Durante o período em que a OZ esteve no poder, ele foi sucessivamente processado, preso, libertado, preso de novo, libertado e finalmente posto em prisão domiciliar. Contudo, nem as pressões, chantagens e ameaças de morte - anônimas ou declaradas - impediram dele abdicar de seus ideais.
Com o fim da OZ, ele fez parte do governo provisório de transição e foi eleito democraticamente com ampla maioria, através de sua plataforma de governo - que visava a manter a paz duramente conquistada e a promover a reconciliação entre a Terra e as Colônias.
Um de seus primeiros atos foi convidar a já conhecida Relena Peacecraft - depois adotando oficialmente o sobrenome Darlian - para participar do novo Governo. E particularmente marcante foi o seu ato de dar o indulto presidencial a todos os envolvidos no conflito, tanto do lado da Aliança, como para a OZ, a White Fang e as colônias.
A primeira prova de fogo que o novo governo civil teve que enfrentar foi a crise deflagrada pela nova Operação Meteoro, em Dezembro de 196 AC.
Apesar dos avisos de Lady Une - chefe dos Preventers - tanto o Presidente como o Ministério de Defesa subestimaram a ameaça da declaração de guerra de Mariemeia, julgando ser um blefe.
Com o desarmamento radical posto em prática pelo Ministro Maxwell, na véspera de natal de 196 AC não havia uma única força capaz de deter a invasão da Terra pelos Mobile Suits Serpents do exército de Mariemeia.
As unidades militares estavam sendo desmobilizadas e dissolvidas, e haviam perdido capacidade de prontidão. Quase todos os MS - com exceção de pouquíssimas unidades sob custódia dos Preventers - foram destruídos ou convertidos em unidades civis de trabalho.
Para piorar as coisas, Relena Darlian foi seqüestrada e mantida prisioneira dos seguidores de Mariemeia quando foi visitar uma colônia.
A Capital Provisória da Nação Unida, Bruxelas, foi atacada por quase 500 MS e o Presidente foi obrigado a se retirar do Palácio Presidencial, que foi tomado pelas tropas de Mariemeia e Dekim Barton naquela Noite de Natal.
Se não fosse a desesperada resistência de dois agentes Preventers anônimos (cujas identidades foram mantidas sob sigilo) e dos corajosos pilotos Gundans - que apareceram do nada - o golpe sido fulminante e uma nova era de guerras teria começado.
Contudo, embora pouco pudesse fazer para se opor aos rebeldes, o Presidente Russell teve uma participação crucial para o colapso do golpe, quando ele participou, juntamente com milhares de cidadãos, de uma passeata de protesto a favor da paz, logo após a cativa Relena ter transmitido um breve, mas dramático apelo aos populares pelo circuito de TV do Palácio. A sua imagem, bem como a de Relena, e dos heróicos opositores do golpe tocaram corações e mentes da Terra e do Espaço.
Protegidos pelo derradeiro Gundam em condições de operar - o de Wufei - os manifestantes cercaram o palácio, intimidando os inexperientes pilotos de MS pilotados pelos soldados de Dekim e Mariemeia - a maioria entre 16 a 18 anos de idade e que foram manipulados pelo ardiloso patriarca da Fundação Barton.
Após a morte de Dekim e o conseqüente o fim da conjuração, Russell manteve-se fiel aos seus ideais. Os seguidores de Mariemeia foram perdoados e ela teve uma pena simbólica - A suspensão de seus direitos civis até completar a maioridade legal.
Mesmo o traiçoeiro Dekim - a mais expressiva vítima fatal do malfadado golpe - teve direito a um enterro com honras militares.
Após os cumprimentos de praxe, o Presidente Russell começou a explanação dos motivos da reunião:
- Desculpem-me pelo atraso. Eu estava fazendo o discurso de abertura da Assembléia Geral embaixo e a cerimônia terminou somente agora. Esta reunião é extraordinária, como todos os senhores sabem, e temos que abordar a situação da chamada crise asiática. Com a palavra, o caro Ministro Maxwell? - Diz o Presidente em voz serena, se voltando para o jovem e bem falante Ministro.
- Boa tarde, Senhor Presidente e caros colegas. Como é do conhecimento de todos, fomos obrigados a conter o movimento separatista liderado pelo General Liu Tang após todas as tentativas diplomáticas terem falhado e ele... Ter cometido aquelas atrocidades com missionários e camponeses indefesos. Neste momento as nossas forças de vanguarda estão na fronteira da província de Yunan e cerca de dez mil soldados estão a caminho para pacificar a região... Passo os detalhes a cargo do General Brecht. - Explica Taylor, hesitando um pouco ao se referir ao incidente de Yunan, há quarenta dias atrás.
Estava claro que o Ministério havia subestimado a capacidade de Tang cometer tais atrocidades, não enviando suficiente proteção policial às aldeias ameaçadas.
- Por favor, Senhor General. - Com um gesto, o Presidente passa a palavra para o veterano oficial, olhando fixamente para ele.
- Bem, a nossa situação atual é a seguinte. Embora Tang tenha tido sucesso em tomar várias aldeias da fronteira e a estrada que liga Yunan à Nova Pequim, as nossas forças conseguiram ocupar a Represa Hidroelétrica do Rio Vermelho, que é vital para a continuidade do esforço de guerra. Bloqueando as tropas de Tang na fronteira, impediremos que ele se aposse de valiosos recursos minerais e de alimentos que permitiriam a continuidade da rebelião por um longo tempo...
Um holograma acionado pelo computador portátil do general faz aparecer no telão situado na extremidade da sala, mostrando um mapa animado da região do conflito e das posições das tropas da Nação Unida e da força oponente. Era um recurso muitíssimo mais prático do que os antigos retroprojetores e mapas de outrora.
- E qual é a situação atual? - Pergunta o Presidente com a voz pausada.
- Se conseguirmos conter Tang até a chegada dos reforços - que demorarão mais três dias, a rebelião terá os seus dias contados... Ela poderá ser debelada em duas semanas, ou três no máximo. - Conclui o General mostrando com o mapa computadorizado a posição das tropas de reforço - vindas da capital da Nova China.
- Qual a situação atual de baixas militares e civis? Pergunta Relena, visivelmente preocupada. .
Para ela importava mais em eliminar todas as possibilidades de mortes e sofrimento causadas pelo conflito que a solução militar em si. Sua próxima viagem seria à região afetada e ela queria amenizar o quanto antes o sofrimento daquele povo de camponeses e pastores oprimidos pelos delírios de um oficial megalomaníaco.
- Até o momento, houve cerca de cinqüenta mortos e feridos pelo lado de nossas tropas... As baixas civis infelizmente passam da casa de trezentos mortos - após o massacre da semana passada - e um número indefinido de feridos, desaparecidos e desabrigados... Do lado do inimigo... - O General Brecht passa uma estatística pela tela, descrevendo os números sem demonstrar qualquer traço de emoção.
- Meu Deus!... - Exclama Relena, que se importava com a vida humana, não fazendo diferença entre uma, dez, mil ou um milhão de baixas.
- Por favor, General... Todos os homens da Terra e das colônias são cidadãos da Nação Unida. Estando ou não do nosso lado. - Adverte sutilmente o Presidente, visivelmente incomodado com o termo "inimigo" usado pelo Oficial do Estado-Maior.
- A força oponente teve cerca de quatrocentas baixas desde o início dos combates. Há relatos de que Tang tenha ordenado execuções sumárias em soldados supostamente acusados de covardia ou que tenham tentado se render a nós... - Meio constrangido, Brecht faz força para evitar nova gafe e substitui o termo "inimigo" por "força oponente".
- E não tem um jeito de acabar com este conflito sem mais derramamento de sangue? - O tom de voz de Relena começa a se tornar dramático e vívido.
- Se dependêssemos da gente, sim, só que Tang não quer saber de mais nada. Está disposto a arriscar tudo pelos seus sonhos de grandeza... - "O que esta menina ingênua estaria pensando? Que a guerra é uma brincadeira?"- Pensava mentalmente Brecht ao explicar a situação à Relena.
- E o que diz a comandante dos Preventers, Senhorita Une?... - O Presidente resolve consultar a comandante da Agência de Informações, observando a sua atitude silenciosa e compenetrada.
- Sou de opinião de que quanto mais cedo acabarmos com o conflito melhor. E os Preventers farão o que estiverem ao seu alcance para...
Une começa a expor suas idéias, mas é bruscamente interrompida por um aparte de Brecht, que reage de forma meio irritada.
- Perdão por interompê-la, Senhorita Une, mas Sua Excelência, eu ainda sou de opinião de que é um exagero mandar os Preventers num conflito de pequena intensidade! Além do risco de exposição à mídia que eles correm, é um absurdo mandar MS para debelar algumas tropas armadas levemente e... - Brecht abandona a máscara de frieza e objetividade que demonstrava até então e parte para o ataque, falando com franqueza brutal.
Une escuta atentamente, mas não reage.
- Qual é a estimativa da força oponente, General Brecht? - Intervém o Ministro Taylor, tentando redirecionar a conversa.
- Nossos serviços de inteligência reportam que Tang tem à sua disposição entre no mínimo cinco mil, e no máximo sete mil e quinhentos homens, mal armados, a maioria apenas com equipamento leve... - Acionando os informes de suas tropas de reconhecimento, Brecht expõe a última estimativa disponível, que datava do início da semana. E já era Sexta-Feira..
- Perdão, senhor General, mas tenho informações de última hora... - Une sorri discretamente e ela começa a retirar de sua pasta, as informações captadas em seu computador minutos atrás.
- Mas... Como? - Tanto Taylor como Brecht ficam surpresos e irritados com esta intervenção da astuta ex-oficial da OZ, que não era nenhuma tonta.
Inteligente e perspicaz, a aristocrata sabia muito bem que não podia contar com aquele ministro politiqueiro e aquele rancoroso oficial para nada se quisesse sobreviver em seu trabalho. Ela tinha que pensar por três. .
- Estes dados que estou transmitindo foram coletados de nossos MS de reconhecimento...
Lady Une aciona um botão do seu controle remoto que levava consigo, e em seguida, o telão da sala de reuniões transmite imagens intensas e dramáticas, como se fosse um filme de guerra, mas em escala muito mais dramática, por se tratar de imagens reais.
Os presentes assistem a uma seqüência de enormes comboios de carros blindados e tanques, do mesmo modelo usado pela OZ na Eve Wars, andando pelo clima semidesértico do interior da China.
Em seguida, surgem as imagens dos dois MS Sagittarius de reconhecimento disparando rajadas de mísseis não-letais que apenas danificam os blindados sem destruí-los, paralisando seus sistemas informatizados e de comunicações.
Mas as imagens mais dramáticas iriam vir a seguir. Fortes explosões sacodem a vastidão da estepe asiática, devastando as colunas paralisadas de Tang. Em seguida, um dos satélites espiões mostra os canhões autopropulsados do general - escondidos em abrigos subterrâneos fortemente camuflados - disparando contra suas próprias tropas por terem falhado no ataque.
Outra imagem mostra dezenas de helicópteros e aeronaves V-STOL em formação de combate, poderosamente armados. E finalmente, a última imagem captada mostra a silhueta mortal de cinco Mobile Suits Leo avançando rapidamente em direção à represa, com as cores (vermelho e verde) e a insígnia de guerra do insano general chinês.
- Não, não pode ser, nossos informes apenas atestavam o uso de armas leves!... - Brecht estava incrédulo. Se Tang tinha todo aquele poder de fogo, as tropas que enviara - mesmo em maior número - podiam ser simplesmente esmagadas.
- Eu exijo explicaçòes, Une, como?... - Taylor também fica indignado e confuso. Como que os seus inspetores de armas e especialistas em desarmamento não acusaram nada nas visitas aos centros fabris e ex-arsenais da OZ?
- Infelizmente não pudemos obter estas informações até porque os Preventers foram autorizados a intervir no conflito muito recentemente... - Defende-se Une, atendo-se aos fatos. Era evidente demais que havia sido um erro - tanto do Presidente Russell como de Maxwell Taylor - terem deixado os Preventers de fora da Crise até a última hora.
- Mas como eles conseguiram acesso a armamento pesado? As inspeções... - Maxwell estava começando a ficar irritado e com o rosto pálido. A sua atuação já foi muito criticada quando Dekim atacou de surpresa e somente a insistência pessoal de Russell contra setores insatisfeitos da Assembléia Geral é que garantira sua permanência no cargo até o dia de hoje.
- Provavelmente o General Tang deve ter desviado material bélico da OZ quando era o comandante daquela área e armazenado em algum lugar a salvo dos inspetores... - Limita-se a responder Lady Une.
- Maldita OZ! Como vocês foram tão incompetentes a ponto de deixarem armas para aquele lunático do Tang? - Retruca indignado o General Brecht descarregando sua raiva para Une, alfinetando-a pelo fato dela ter sido justamente a responsável pelas Forças Especiais da extinta organização no período da guerra.
- Na época ele era um oficial de lealdade inquestionável e não fez nada que o desabonasse, nem um indício sequer. Depois, com o caos decorrente da guerra, ficou quase inviável fazermos auditorias periódicas nas bases.... - Explica Une lembrando-se das poucas informações que ela sabia sobre Tang. Infelizmente para ela, a Frente Asiática da guerra estava fora de sua jurisdição e o General responsável por ela já estava morto.
- Mas, e as inspeções de armas? Elas deviam ser infalíveis... - Incapaz de admitir o seu próprio fracasso, Maxwell tenta descarregar a culpa em Une e indiretamente na Relena, já que esta havia conduzido pessoalmente algumas inspeções.
- Não é de nossa alçada fiscalizar as atribuições do Programa de Desarmamento do Ministério da Defesa, a não ser se fôssemos solicitados... - Une responde às insinuações mantendo a sua postura profissional, mas com um tom mais firme.
- Vocês são uns incompetentes! - Brecht se exalta e quase deixa cair o seu computador pessoal da mesa.
- Por favor, contenha-se, General Brecht. Falar do passado não vai resolver nada. Temos que lidar agora com este fato, de forma pró-ativa - Russell modera o rumo da conversa, atendo-se a questão original.
- Mas se isto for verdade, as nossas forças estarão em perigo! Nós não temos condições de deter aqueles... - Brecht está simplesmente alarmado para responder e tenta ganhar tempo.
- Tomei a liberdade de enviar dois de meus melhores agentes para proteger a equipe de reconhecimento... Se necessário, outros cinco agentes Preventers estão a postos em Pequim para intervir no conflito.
- Você deveria ter me avisado deste último detalhe! - Retruca Maxwell, irritado, com a sensação de que está na corda bamba.
- A Senhorita Une já havia falado desta proposição na reunião da semana passada, Mister Taylor. E todos nós concordamos com esta medida - Lembra Russell.
- Bem, então o que a Senhorita Une pretende fazer quanto esta ameaça. Lembramos aos senhores que nossas tropas não tem sequer um tanque e nem um helicóptero armado na região, quanto mais MS... ? - Pergunta, irritado, o General Brecht, como se estivesse lançando um desafio.
- Os agentes que estão na área foram instruídos a darem apoio as tropas de terra, com os novos mísseis de contramedidas eletrônicas "Raptor", que apenas danificam veículos, sistemas de comunicações e armamentos pesados... Agora, com relação aos MS inimigos, infelizmente só vejo um jeito, combatermos fogo com fogo...
- Mas utilizar os MS de Agência num conflito destas proporções não irá trazer repercussões negativas na mídia? - Comenta Maxwell com um tom de azedume na voz.
- Bem, pelo menos é melhor do que uma estatística de mortes na casa de quatro a cinco dígitos no noticiário da tarde.- Responde Lady Une sem se alterar emocionalmente.
- Bem, Senhorita Une, está ciente das grandes responsabilidades sob sua alçada. Sinceramente não desejava que chegássemos no ponto de ressuscitarmos antigos problemas, mas infelizmente o fato de Tang dispor de um certo contingente de MS-Leo é um fato concreto... Espero que seus agentes ajam como fizeram em Bruxelas...
Embora o Presidente fosse pessoalmente contra o uso de Móbile Suits na resolução de conflitos, era obrigado a autorizar o uso deles pela força das circunstâncias.
- Bem, neste caso, eu autorizo você, Une, a mobilizar os agentes de apoio em Nova Pequim em apoio às tropas de Brecht...
- Obrigada, Senhores Presidente Russell e Ministro Taylor. .. - Sorri a experiente oficial que de boba não tinha nada. .
- Senhorita Relena, não deseja adiar a sua viagem mesmo que seja por três dias até que a ofensiva de Tang seja contida, para sua segurança?... - O ponderado político se dirige à figura da sua subsecretária e se preocupa com o a iminência dela estar indo a uma área de risco.
- Não, obrigado Senhor Presidente. Partirei amanhã à tarde mesmo. Infelizmente os civis atingidos não podem esperar... Já emiti ordens para que as equipes de médicos, enfermeiras, assistentes humanitários partissem e se reunissem em Nova Pequim. Estou ciente dos riscos, mas é preciso libertar os camponeses de Yunan não apenas de Tang, mas dos grilhões da miséria e da falta de perspectivas... - Comenta Relena, fiel a seus ideais.
- As liberações de verbas adicionais para ajuda humanitária já foram encaminhadas à Assembléia e até amanhã ao meio-dia serão aprovadas. Faça o que for preciso. - Conclui Russell, fazendo uma breve pausa para tomar o seu chá, que estava começando a se esfriar.
- Senhorita Relena, se precisar de proteção adicional, o Ministério de Defesa pode oferecer segurança VIP extra à sua visita, como desejar. - O Ministro Taylor aproveita a sua deixa para fazer um pouco de politicagem pessoal, tentando passar-se por bem intencionado.
- Bem como as minhas tropas na região já foram instruídas para cooperarem com as suas equipes e podem oferecer escolta às áreas que pretende visitar... - O General Brecht começa a adular Relena, buscando cooptá-la sutilmente para seus pontos de vista.
- Obrigada, Ministro Taylor e General Brecht, mas já disponho de um responsável pela minha segurança pessoal. Não gostaria que os camponeses de Yunan se sentissem intimidados com um forte esquema de proteção... - Sorri Relena, como que adivinhando as intenções de seus colegas de reunião.
- Mas... E se os espiões de Tang souberem de sua visita? - Tenta objetar Maxwell Taylor, assustado diante da possibilidade de Relena ser raptada.
- Podem ficar tranqüilos... Nada neste mundo é capaz de me abalar... - Limita-se a responder a jovem subsecretária.
- Estamos contando com você, Senhorita Relena. Se quiser, está dispensada. O General Brecht, o Ministro Taylor e eu teremos que tratar ainda de alguns assuntos burocráticos referentes à Defesa. - Conclui Bertrand Russell, demonstrando que confiava muito na filha do seu falecido amigo ministro Darlian.
- Não, tudo bem, a não ser que seja algo muito específico, posso acompanhar... - Embora fosse um pouco leiga em assuntos da pasta de Defesa, Relena fazia o possível para acompanhar as discussões, já que seu objetivo era o de criar uma Esfera Terrestre mais segura para todos.
Após uma breve pausa para o pessoal comer e beber alguma coisa, a reunião prossegue.
- Como queira, Senhorita. General Brecht: Pode começar a sua explanação. - Após ter tomado o seu chá, Russell prossegue a reunião.
- Bem, Senhorita Relena, Senhor Presidente e meus caros colegas: Infelizmente a Crise Asiática pegou no Calcanhar de Aquiles da nossa Força de Defesa... Entendo a preocupação geral para evitar uma nova escalada de militarismo, mas é preciso também que as forças que defendam a paz e a ordem estejam à altura de seus desafios...
- Pode ir direto ao ponto, General - Maxwell não tinha muita paciência para argumentações minuciosas.
- As Forças de Defesa precisam de meios para poder estar a altura, ainda que apenas com infantaria e armamentos leves... Eu proponho uma suplementação orçamentária para equipar nossas tropas - que já são escassas - com uma versão portátil do Raptor, bem como o avanço na pesquisa de novas blindagens antiprojéteis para veículos terrestres, navais e aéreos, sem falar na nova veste de proteção antibalística para as tropas de frente...
-
Brecht faz a sua exposição mostrando com o seu computador pessoal no telão da sala de reuniões, gráficos e mapas mostrando a instável situação mundial.
- Algum comentário, Senhor Taylor? - O Presidente franze o cenho e deseja saber a opinião do seu ministro de Defesa.
- Bem... É verdade que o orçamento na área está bem restrito, mas no segundo semestre poderemos contar com algum superávit. Das reivindicações que o General expôs, podemos garantir a melhoria na proteção pessoal das tropas, bem como dos veículos, aeronaves e navios... - Responde em tom otimista o Ministro antes de passar para as más notícias, alfinetando a sua rival - Agora, o míssil não-letal Raptor ainda está sob testes e demorará pelo menos um ou dois semestres para começar a ser produzido em escala industrial, mas pelo visto, a performance deles já foi comprovada pela equipe de Lady Une...
- Desde que os projetos na área de defesa não incorporem qualquer aumento de capacidade ofensiva ou letal não vejo problema para que sejam aprovados. - Com esta simples frase, Russell toma esta decisão..
- Obrigado, Senhor Presidente. - Agradece Brecht sentindo que pelo menos não iria sair de mãos vazias desta reunião.
- Senhor Taylor, e quanto aos programas de Defesa de sua pasta?.. - Russell prossegue, agora olhando para Maxwell.
- O cronograma da operação "Swords to Plowshares" prossegue como previsto e não necessita de grandes suplementações de verbas. Só precisamos reforçar o efetivo das forças policiais no Centro da África e no Sudeste Asiático, bem como implementar os programas de treinamento de defesa civil, já aprovados no primeiro semestre...
-
Como sempre, Maxwell vai direto ao ponto como se fosse um executivo de multinacional, fazendo uma rápida exposição de gráficos e estatísticas.
- Por favor, providencie um relatório completo, com valores e especificações para a minha análise
- Como queira, Senhor Presidente. - Responde Maxwell.
Fazendo nova pausa, o Presidente Bertrand Russell suspira fundo. Ele sabia que aquele seria o assunto polêmico do dia, conhecendo o gênio dos três pilares do sistema de defesa da Esfera Terrestre que nomeara.
- E quanto a Agência Preventer, Senhorita Une? - Pergunta o Mandatário democraticamente eleito à sua algoz de outrora. .
- São dois os assuntos que tenho a tratar - Senhor Presidente e caros colegas. O primeiro diz respeito ao Plano de Manutenção Integrada... Infelizmente as verbas já aprovadas não foram liberadas e o programa sofreu grande atraso... - Une inicia sua explanação comentando sobre um assunto espinhoso envolvendo a sua área e o Ministério de Defesa.
- Mas... Não havia sido aprovado no mês passado tal Plano? - Russell fica surpreso, pois tinha uma boa memória e sabia que este projeto que visava a alocar recursos para a Agência Preventer havia passado na Assembléia Mundial.
- Eu tomei a liberdade de vetar o plano, como superior imediato de Lady Une. No meu entender, não há necessidade de investir 10 bilhões de Unidades Monetárias em manutenção de um punhado de Mobile Suits! Isto é um verdadeiro absurdo... - Tenta falar demagogicamente Maxwell mostrando de vez o seu lado politiqueiro, evocando supostas causas humanitárias.
- Mas, Mister. Taylor... - Russell tenta ainda argumentar com o seu Ministro indagando o porquê ele ter desobedecido a uma ordem direta.
- Se dependesse de mim, não haveria um único MS na face da Terra e do Universo! Eu sou totalmente contra a utilização destas máquinas de destruição e mortes nesta Nova Era para a Humanidade! - Enfatiza o politiqueiro ministro.
- Bem, senhores, estes são os relatórios da semana passada. Infelizmente, durante as inspeções de rotina, três de meus agentes sofreram acidentes, um deles sendo gravíssimo. É fato de que nos foram entregues MS modelo Leo de quase vinte anos atrás, ao invés dos modelos mais recentes que foram confiscados pelas inspeções... - Sem ficar irritada, Une decide contra-atacar fornecendo para todos, inclusive Relena, um relatório comprovando o deplorável estado dos MS à sua disposição.
- Não. Não é possível... - Murmura Relena ao ver as chocantes fotos dos agentes feridos e incapacitados após o acidente.
- Um programa de recondicionamento corretivo não seria suficiente? - Pergunta o Presidente, tentando ser conciliador.
- Infelizmente, não. Vários modelos estão no final da vida útil... A proposta do Plano de Manutenção Integrada é a de fazer um upgrade total nos modelos Leo, substituindo-se todos os componentes mecânicos e eletrônicos obsoletos por equivalentes mais modernos, bem como dotá-los com cockpit com sistema de manutenção de vida e totalmente auto-ejetáveis, para prevenir acidentes... - Conclui Une mostrando "slides" enfocando o tal plano.
- E quanto a substituição das blindagens de Titânio convencional por Neo-Titanium? Não infligiria o compromisso de criar novas máquinas de guerra, senhorita Une? - Pergunta astutamente Brecht tentando ganhar as boas graças de Maxwell.
- Não, porque a matéria - prima seria reaproveitada dos modelos Serpents que foram desativados desde a época da II Operação Meteoro... Como não se trata de um upgrade que vise o aumento de poder ofensivo não vejo objeção. - Sorri discretamente a Comandante Preventer, com um certo tom de ironia.
- Meu Deus... Estes agentes não vão mais poder trabalhar devido às injúrias que sofreram? - Relena termina de ler os laudos do acidente sofridos pelo Preventers, completamente impressionada.
- Exatamente, Senhorita Relena. - Responde Une, sentindo que ganhara uma aliada de peso em sua reivindicação.
A jovem Relena se levanta e todos prendem a respiração quando ela inicia o seu comentário.
- No meu humilde entendimento, qualquer vida humana é muito mais valiosa do que alguns milhares ou milhões de créditos... Permita-me ficar com uma cópia destes relatórios. Vou verificar a possibilidade de dar assistência médica, psicológica e previdenciária gratuita para as vítimas, bem como suas famílias. - A jovem Peacecraft não estava tão interessada nos aspectos militares do programa, mas sim na segurança que isto iria trazer aos agentes de Une, bem como suas famílias.
- Bem ou mal, os MS são ferramentas de trabalho. E não podemos deixar que os funcionários de qualquer área do governo sejam aleijados ou mesmo possam morrer por causa de cortes de verbas. Por mim, a verba está liberada. - Conclui Russell, um pouco contrariado por Maxwell ter desobedecido a uma decisão de consenso anteriormente formulada.
- Mas Senhor Presidente... - Tenta contra-argumentar o político...
- Assunto encerrado. Prossiga, Lady Une.
- Bem, senhores, até o momento temos nos preocupado com a realidade atual e os conflitos de hoje. Contudo, um novo tipo de guerra pode surgir, a ponto de ameaçar a paz duramente conquistada.. É fato notório que nossa tecnologia de informática e comunicações avançou a passos nunca vistos.nos últimos 200 anos, e devemos estar preparado para uma nova ameaça que pode surgir novamente, a Guerra Cibernética ou virtual...- Introduz o último assunto da pauta a ex-coronel da OZ, enfatizando levemente a sua voz no final.
- Explique-se Senhorita Une. - Responde Russell, algo intrigado.
- Esta nova modalidade de conflito é caracterizada pela invasão externa e sabotagem de sistemas de comunicação, da Rede Mundial de Informática, bem como de quaisquer instrumentos de mídia, podendo vir de qualquer parte da Esfera Terrestre e das Colônias. As ameaças podem variar, indo desde simples blefes para induzir os dirigentes a erro em tomadas de decisões até a invasões maciças na Rede por piratas de dados para assaltar dados confidenciais...
- Sei que existiram precedentes no passado, Senhorita Une, mas não vejo razão para discutirmos isto como prioridade... Hoje os mecanismos de defesa anti-hackers são muito mais aprimorados do que no passado e mesmo durante a Eve Wars não houve registros destas... Ameaças digitais que a senhorita está falando.
- Senhor Taylor, concordo apenas em parte com a sua argumentação, mas o fato é que temos que nos antecipar a qualquer ameaça real ou potencial que venha a surgir. E a minha preocupação atual diz a respeito do imenso banco de dados que temos à disposição das informações da Eve Wars, de ambos os lados.
- Você está se referindo ao projeto Athena de compilação de informações? - Pergunta ao presidente se referindo a um Departamento Preventer encarregado de coleta de dados por toda a Esfera Terrestre.
- Sim. É verdade que a maior parte dos dados já foram decifrados, catalogados e arquivados. Mas há uma parte que ainda está sendo descriptografada, que é a referente aos projetos secretos das Colônias, do White Fang e da Oz..
- E o que elas tem de importante, Senhorita Une?
- Tratam-se de informações referentes ao aproveitamento de novas tecnologias. Parte dela já é conhecida, como os Mobile Dolls Taurus e Virgo, o sistema Zero System do Gundam Wing e outros... Mas há evidências de que os cientistas das facções envolvidas estavam desenvolvendo projetos ainda mais arrojados que poderiam ter tido um impacto fulminante na última guerra caso tivessem sido postos em prática.
- Ora... Se este é o problema, por que não mandar deletar tudo isto para evitar que caia em mãos erradas? - Propõe ironicamente o General Brecht somente para desconcertar Une.
Une faz uma breve pausa e toma um gole de água mineral. Em seguida, pela primeira vez ela se levanta da cadeira.
- Não é tão simples assim, General Brecht. Muitos dos dados estão codificados e protegidos por códigos secretos, além de estarem embaralhados com informações inofensivas ou inúteis para nós. E depois, vários destes projetos não se referiam apenas à tecnologia bélica em si, mas em aplicações que podem muito bem ser aproveitadas para uso civil... - Argumenta Une dentro da mais estrita lógica.
- Une tem razão. Embora tenhamos decidido começar tudo de novo, não podemos agir de forma bárbara, destruindo simplesmente o passado. Bem... o que o Ministério de Defesa e a Agência Preventer tem feito para garantir a segurança dos dados? - Conclui o Presidente.
- Bem de minha parte, Senhor Presidente, o Ministério tem procurado integrar todos os procedimentos de defesa dos dados e os sistemas operantes no chamado Projeto Phoenix, que visa a defender a segurança da tecnologia de informação sem se constituir numa ameaça à privacidade do cidadão. Este sistema opera em conjunção com a Rede Mundial. E contratamos a renomada Bytedata Security Inc. para auditar e supervisionar nossos procedimentos...
O Programa Phoenix era um imenso projeto governamental que visava a proteger a imensa Rede Mundial de computadores, bem como os sistemas de informações do Governo. O seu orçamento estava na casa de trilhões de unidades de crédito e ironicamente a única área que não estava em seu controle era a Agência Preventer.
- Quanto à Agência Preventer, o Departamento de Compilação de Dados do Projeto Athena têm trabalhado dia e noite em total sigilo. Pessoalmente, sou de opinião de que a Rede de Sistemas de Defesa deve funcionar independente da Rede Mundial para minimizar riscos de ataque e que devemos desenvolver novas tecnologias de rastreamento de informações suspeitas... - Comenta Une.
- Mas a Rede Mundial é 100% segura! Ela não é como a tal da Internet que funcionou há séculos atrás! - Tenta protestar Maxwell Taylor, que era o maior defensor da integração total dos sistemas de informática.
- Pode até ser, mas segurança nunca é demais... - Comenta Une encarando friamente o politiqueiro.
- Senhorita Une, não seria interessante contratar os serviços da empresa que Taylor contactou para a Agência Preventer até para integrar os procedimentos de defesa? - Pergunta Russell, que não dominava o suficiente nesta intrincada área.
- Seria uma alternativa a se considerar, mas a nível militar, os nossos procedimentos de segurança tem que ser num nível mais elevado do que o de uma empresa privada... - Comenta a ex-oficial da OZ.
- Não sei se você sabe, Senhorita Une, mas a Bytedata é a MAIOR empresa de segurança de informações do mundo... Quase todos os softwares e hardwares ligados à prevenção de atividades hackers, roubo de dados e similares passam pela mão dela... - Continua Maxwell em sua investida, aludindo à empresa contratada pelo programa Phoenix.
- Bem... Acho que isto dá para ser discutido em outra reunião. Quanto a mim, não sei até que ponto a guerra virtual pode influir no mundo real, mas é do meu desejo que os cidadãos comuns possam sentir-se livres usando a Rede Mundial sem se sentirem ameaçados ou com a sua privacidade maculada, seja por hacker ou por entidades... Maxwell e Une, vocês tem toda a liberdade de prosseguirem em seus projetos, desde que este ponto - o dos direitos de cada cidadão livre da Esfera Terrestre - sejam respeitados. - Conclui Russell querendo acabar com aquela polêmica.
- Mas, Senhor Presidente, sou ainda de opinião de que se o ,Projeto Athena estivesse operacional, nós teríamos abortado a tentativa de Golpe de Dekim há um ano e meio atrás.... - Tenta contra-argumentar Une.
- E eu diria que se a Aliança tivesse um sistema integrado de rastreamento de dados há três ou quatro anos atrás teríamos abortado a tentativa de golpe que a camarilha de você e o General Treize fizeram, a custa de milhares de... - Reclamava Brecht, destilando todo o seu rancor.
- General Brecht... - Interrompe com um gesto o Presidente.
- Por favor, meu caro General Brecht... Entendo os seus sentimentos e os de todos os presentes, mas não adianta mais falar do passado... - Intervém Relena, com um olhar melancólico.
- Bem... Mudando de assunto, Senhor Presidente, o Ministério da Defesa vai programar na semana que vem uma demonstração do projeto Phoenix com a Bytedata, no Centro de Processamento de Dados... Todos vocês estão convidados. - Conclui Maxwell Taylor, sorrindo amarelamente.
- Confirmo a minha presença, Ministro Taylor. - Concorda Une.
- Bem. Acho que dá para participar, Sr. Ministro. - Fala Brecht olhando para o seu relógio.
- Agradeço a lembrança, caro Maxwell, mas meus compromissos me impedem de agendar esta visita... Bem... Senhoras e Senhores... São Sete e Meia da Noite e podemos parar por hoje. Daqui a uma hora e meia, terei que participar da cerimônia de encerramento da Assembléia e participar de um jantar em seguida com os representantes mundiais.... Assim que a Senhorita Relena voltar, marcaremos outra reunião. Muito obrigado a todos.
Um pouco cansado, mas tranqüilo, Russell termina a reunião e a imensa porta dupla de mogno reforçado da sala se abre. O idoso político se retira, acompanhado de seus assessores e seguranças, que o esperavam do lado de fora. Brecht, Taylor, Une e Relena saem em seguida.
Na saída, a jovem ex-coronel e a subsecretária de assuntos exteriores encontram-se com uma figura familiar.
Um rapaz de 17 para 18 anos de idade - vestido a caráter e usando óculos escuros. Apesar de sua pouca idade, ele tinha uma fisionomia bastante séria e compenetrada. E estava muito longe de ser um segurança comum.
Ele era simplesmente uma arma viva, o Soldado Perfeito.
- Heero! - Relena exclama, um pouco surpresa pelo fato do rapaz ter aparecido de surpresa.
- Boa Noite, Heero. Como tem passado? - Sorri discretamente Une, observando a reação de sua colega mais jovem do Governo.
- Boa Noite, Lady Une, Boa noite, Relena. - Responde cortesmente Heero, mas sem demonstrar muita emoção.
- Heero, por favor, poderia me esperar aqui? Eu e Lady Une iremos ao WC feminino... - Fala Relena, tocando sutilmente no ombro do rapaz com a sua mão direita.
- Para que? - O Ex-Piloto de Gundam fica desconcertado com a reação inesperada da jovem ministra.
- Ora... Conversas de mulher...
Sob o olhar de um impassível Heero, Relena e Une se dirigem ao banheiro. Mas era evidente que a jovem pacifista queria falar alguma coisa para a sua colega de governo.
- Lady Une... Queria saber uma opinião sua... - Diz Relena enquanto termina de lavar as mãos.
- Como quiser, Senhorita Relena.
- Por favor, chame-me apenas de Relena. - Sorri educadamente a filha do falecido ministro Darlian para a sua ex-inimiga.
- Tudo bem.. Em que posso ser útil?
- Na sua opinião, seria possível uma nova operação Meteoro? - A fisionomia de Relena muda e passa para um ar sério e preocupado, aludindo as dificuldades atuais do novo governo em pacificar o planeta.
- Olha, espero que não... Mas para ser sincera, a situação mundial não está melhor agora do que estava há um ano e meio atrás... - A esperta oficial compreende o que a jovem ministra quis dizer.
- Mas a guerra... As pessoas deveriam saber que não levam a nada... - Os olhos de Relena começam a ficar úmidos ao lembrar de todas as tragédias e todos os sacrifícios feitos pela paz, inclusive o de seu ex-oponente Treize.
- Realmente... Os conflitos acabaram marcando muita gente, e é imperativo que defendamos a paz, mas hoje estou convicta de que a maior ameaça não vêm do General Liu Tang ou de qualquer outro líder extremista... - Diz Une tentando explicar o que não conseguira na reunião presidencial.
- Como assim? Quer dizer que? - Os olhos de Relena ficam alarmados diante da afirmativa de sua colega.
- Pode ser que a guerra do futuro venha pela via informatizada... E mais do que territórios, riquezas e fontes de energia, os lados contendores disputem informações, conhecimento e os corações e mentes dos cidadãos.. - Comenta Une, tentando falar com expressões simples a complexa realidade da guerra virtual..
- Entendo... Queria tanto que as pessoas compreendessem... - Relena abaixa levemente a sua cabeça, em atitude melancólica.
- Infelizmente, senhorita Relena, o fato é que nem todos ficaram satisfeitos com o fim da Eve Wars e você sabe tanto quanto eu... Embora a Fundação Romefeller esteja agora mantendo uma estratégia de baixa exposição na mídia, muitos cartéis e grupos industriais estão insatisfeitos com o fim dos lucros que a venda de armas lhe ofereciam... - Une gentilmente toca o ombro de Relena em sinal de solidariedade.
- Mas isto é um absurdo... - Indigna-se a pacifista.
- A militarização do planeta tinha chegado a um ponto onde cerca de 20% da população mundial vivia direta ou indiretamente ligada ao complexo industrial-militar... E se ele não fosse detido, novas guerras iriam surgir apenas para realimentar este monstro... - Continua a jovem oficial.
- Então receio que casos como o de Tang não sejam os últimos... - Constata a jovem ministra em tom melancólico, quase amargo.
- Como você disse naquela época do golpe de Mariemeia... A paz não é algo que é outorgado do alto, mas deve ser conquistada no dia a dia... Quando as pessoas compreenderem isto, a guerra tornará se desnecessária. - Conclui sabiamente a jovem oficial de origem alemã.
- Sabe, você é uma pessoa bem inteligente... e bem informada.... - Concorda Relena, admirando a perspicácia de sua antiga inimiga.
- Mudando de assunto... Como Heero e você tem passado? - Sorri Une. Afinal, apesar de ser Chefe dos Preventers, membro do novo Governo e tudo o mais, ela ainda era e continuava sendo mulher.
- O quê? Eu... Bem... Ahn.... A gente quase não tem se encontrado e... - Helena cora como se fosse um pimentão e é visível o seu embaraço.
- Mas continuam amigos, não? - A esperta Une parece se divertir com a descoberta do ponto fraco de sua ex-rival.
- Como posso dizer?... Ele continua o mesmo de sempre... - Relena faz uma expressão de desapontamento no rosto, aludindo ao dificílimo caráter de Heero.
- Em todo caso, desejo-lhe boa sorte. Você é ainda jovem, bonita e tem uma vida pela frente... - Suspira Une, com um ar pensativo e apaixonado, provavelmente lembrando os bons momentos passados.
- Obrigada... Bem, e quanto a você?
- Olha, tenho levado a vida como posso... Mas devo admitir... que ainda não esqueci Ele... - Une se emociona um pouco ao recordar do seu antigo amor. Aquele que deveria reinar sobre a Terra.
- Apesar de nossas diferenças, ele era uma pessoa admirável... - Concorda Relena.
- Mas pelo menos estou contente pois sei que uma parte dele.... Vive, na figura da pequena Mariemeia. - Pondera Une, com os seus olhos parecendo brilhar como estrelas solitárias no céu escuro.
- E ela, como está? - Pergunta, curiosa, Relena, já que nunca mais vira a ex-títere do golpe que visava depor toda a Nação Unida da Esfera Terrestre.
- Está bem... Continua freqüentando as sessões de fisioterapia e de reabilitação motora... Ainda bem que a medicina da era AC evoluiu muito... - Comenta a jovem tutora de Mariemeia, aludindo à lenta e gradativa recuperação da menina, que havia sido baleada por Dekim quando este tentou atirar em Relena.
- Entendo...
- Venha, vamos indo, senão o seu amigo pode ficar impaciente... - Sorri maliciosamente Une, segurando delicadamente no braço de Relena. Esta faz um biquinho de protesto.
Enquanto isto, no banheiro masculino, duas outras figuras trocavam idéias e impressões enquanto lavavam as mãos:
- Aquela coronelzinha arrogante! Nunca fui com a cara dela! - Esbravejava o General Brecht ao passar o pente nos seus parcos cabelos, enquanto Maxwell terminava de enxaguar duas mãos alongadas e bem tratadas.
- Realmente não podemos dizer que a gente faz parte da mesma equipe dela... Agora entende minha situação, caro General? Embora na teoria seja o superior dela, na prática, os Preventers agem como se fosse a CIA ou a KGB do passado...
- Estes caras que lidam com espionagem são fogo... Atuam como se tivesse o rei na barriga. Eu até pagaria para ver aquela mulherzinha perder a pose nem que seja uma única vez da vida! - Fala com evidente azedume o veterano general.
- Desde quando você conhece a Senhorita Une? - Sorri discretamente o político inglês, dando mais corda para o intempestivo oficial falar mais e mais.
- Bem... Hah! Desde quando ela assumiu a Divisão de Forças Especiais da OZ, após ter sido nomeada a mais jovem coronel da Aliança.. Na minha opinião foi uma grande burrada o Exército da Aliança Terrestre ter permitido o surgimento de um estado dentro do estado... O OZ fez com ela mais ou menos o que a SS fez com o Exército Nazista e a KGB com o Exército Vermelho no século XX. Não dá para confiar nesta cambada de espiões e assassinos! - Explica Brecht com a rudeza que lhe era peculiar.
- Entendo... O Senhor era ajudante de ordens do finado General Nobenta?
- Sim... Que Deus o Tenha! Ele era uma pessoa decente, honesta e realmente queria iniciar negociações para um tratado de paz com as Colônias... Só que daí apareceu a maldita OZ e aquele bando de pivetes pilotos dos Gundam e puseram tudo a perder, dando à Terra mais alguns meses de guerra e mais mortes! - Brecht apenas se emociona ao se recordar do seu ex-superior e amigo, mas Taylor não dá a mínima para isto.
- No entanto, o nosso Senhor Presidente confia muito nela...
- Hah! Mas é claro! Ele escuta muito a tal de Relena! Até admito que ele é uma pessoa boa e bem intencionada, mas pessoalmente acho que falta nela o perfil de uma verdadeira estadista para aquela menina saída do colégio! - Explica Brecht a respeito de sua opinião pessoal com a subsecretária dos assuntos exteriores.
- Admiro os ideais pacifistas dela e do seu falecido pai... E foi por este motivo que estou no governo... Só que fiquei surpreso e desconcertado ao ver ela apoiar minha "subordinada" mais uma vez, mesmo sabendo que a Une matou o seu pai.
- É... Realmente não dá para entender direito...
- Sabe, General Brecht... Apesar de você ser um homem de armas e eu um ex-militante pacifista, acho que temos algo em comum...
- Como assim, Senhor Ministro?
- O que o Senhor acha de Agência Preventer passar para a alçada militar?
- Olhe, Mister Maxwell, isto é uma insinuação ou está pedindo para que apóie algo subversivo? Eu sou um homem de armas e não posso compactuar com...
- Eheh... Não é nada do que o senhor está pensando. Não pretendo fazer nenhum golpe como que as "Pessoas por uma Paz Perfeita" e Mariemeia tentaram há tempos atrás... Mas podemos unir o útil ao agradável e tanto você como eu sairmos bem nesta.
- Por favor, explique-se.
- Se tiver um tempo passe em meu gabinete amanhã ou depois de amanhã, após o expediente. Então falaremos com mais calma...
- Bem, se for assim...
Sorrindo, Maxwell aplica um tapinha nas costas do idoso general. Ele parecia ter algo grande... Em sua mente.
Na garagem do enorme prédio da Assembléia Geral, Lady Une se despede de Relena e Heero, que entram num veículo que estava esperando por eles.
A jovem subsecretária e o seu guarda-costas particular iriam ainda jantar e finalmente descansar num Hotel no bairro de Nova Manhattan.
Cansada, Une se dirige ao seu carro, onde estava sendo aguardada por um segurança e o seu motorista particular. Ao entrar no banco traseiro, ela coloca a sua pasta e a sua bolsa de lado e pede ao condutor que a leve para o apartamento de cobertura aonde morava.
Ao se tornar membro do governo, Une havia vendido a luxuosa residência de seus falecidos pais e se mudado para Nova York, para ficar próxima ao centro de decisões da Nação Unida.
Contudo, ainda mantinha algumas propriedades de sua família: Uma pequena fazenda de gado leiteiro, algumas fábricas e terrenos, bem como o antiqüíssimo castelo de seus ancestrais, na fronteira franco-alemã. Era um patrimônio invejável aos olhos dos cidadãos comuns, mas nada comparável com o da família de Treize ou de Dorothy Catalonia, herdeira dos Romefeller.
No entanto, fazia vários meses que ela não podia se dar ao luxo de visitar a sua terra natal.
Estava por demais atarefada com as atividades dos Preventers e férias era uma palavra desconhecida para ela. Outrora servidora fiel do falecido líder mundial Treize, agora, dedicava o melhor de sua juventude e energias para defender a segurança da Esfera Terrestre unificada, que o seu antigo amor sonhara.
- Treize-sama... Queria tanto que você estivesse aqui... - Murmura baixinho a jovem de cabelos castanho-claros antes de fechar os olhos e encostar a sua cabeça no assento de trás do carro aonde estava.
NOTAS COMPLEMENTARES:
Jihad: Guerra Santa contra os infiéis, no Islamismo.
ONG: Organização Não-Governamental, entidade não vinculada a um governo ou empresa. O Greenpeace e a Anistia Internacional são exemplos de uma ONG.
The Truth: Este jornal fictício foi inspirado nos tablóides sensacionalistas da Inglaterra.
Cherry Blosson: versão em inglês da palavra Sakura.
Wiener - Neustadt: Era uma academia famosa de oficiais que existiu de verdade e que formou os quadros de elite do exército austríaco/alemão durante a 1a e a 2a Guerras Mundiais.
Anne-Marie Une: Na realidade, durante a série, o nome verdadeiro de Lady Une nunca foi revelado. Contudo, coincidentemente, na grande maioria das fanfics, os fãs usam "Anne" ou "Anne-Marie" como o seu primeiro nome. A sua ascendência é alemã (segundo alguns) ou franco-alemã (segundo outros);
"Swords to Plowshares": Espadas em Arados. Esta expressão é de origem bíblica e alude a uma promessa de Deus de pacificar a Terra por completo. Também é o nome de uma carta do card game Magic: The Gathering.
Bertrand Russell: O Presidente da Nação Unida, mencionado neste capítulo é o mesmo que aparece na Endless Waltz e na sua adaptação em quadrinhos. Como o seu nome não é mencionado, optei por usar o de um famoso filósofo pacifista do século XX.
Coronel Treize: Nota, as hierarquias militares usadas na série Gundam NÃO tem nada a ver com as modernas, especialmente as do Exército Americano. Na realidade elas foram inspiradas no organograma militar japonês da II Guerra Mundial, no qual algumas das patentes não têm equivalente em português.
No caso particular de Treize não acredito que ele fosse coronel na época do golpe da OZ, por se tratar de um cargo baixo para a categoria que ele ocupava. Provavelmente o cargo correto dele seria o de brigadeiro-general ou tenente-general, da mesma forma que acho que Une é muito jovem demais para ocupar o cargo de coronel. Possivelmente ela deveria ser Tenente-Coronel na época da Eve Wars.
Guerra Virtual: A preocupação da Lady Une demonstrada neste capítulo não é invenção minha. Ela existe de verdade e tanto os americanos como os chineses estão estudando táticas de como combater ameaças virtuais durante uma guerra de verdade. Acredita-se que muitas das notícias falsas e boatos plantados na imprensa durante a cobertura da campanha no Afeganistão e recentemente o Iraque nada mais tenham sido parte desta estratégia militar, que visa a intimidar e confundir o inimigo.
Escrito por: Calerom
Versão Final: 09/11/2003
Myamauchi1969@yahoo.com.br
A Violeta e a Rosa.
Comentário do Autor: Este capítulo descreve o estado do mundo após a Endless Waltz e mostra as contradições e diferenças de opiniões que existiam mesmo entre o novo governo civil da Nação Unida da Esfera Terrestre.
Lady Une e Relena aparecem no capítulo, bem como o Presidente da Nação Unida, um politiqueiro ministro de estado e um general que parece não morrer de amores por Une, além de um repórter sensacionalista que parece estar atrás da ex-oficial da OZ.
Mais um piloto de Gundam é introduzido na trama, mas neste capítulo ele faz uma discreta aparição. Contudo...
Ao contrário do capítulo anterior, este é mais focado em intriga e manobras políticas de bastidores. Contudo, ele é de vital importância para o entendimento da trama que terá logo em seguida.
Embora a sede do Poder Executivo da Nação Unida da Esfera Terrestre ficasse em Bruxelas, na antiga Europa, boa parte do centro de decisões mundiais estava sediada na cidade de Nova York, parcialmente reconstruída.
A Big Apple - como era chamada esta grande cidade - teve a duvidosa fama de inaugurar a "Era das Guerras" em Setembro de 2001 ao ser alvo de um grande ataque terrorista que vitimou o famoso prédio World Trade Center, por parte da organização radical islâmica Al Qaeda, comandada pelo terrorista Osama bin Laden.
Agindo por conta própria, os EUA - a única superpotência de então - decidiram endurecer as relações com vários países sob o pretexto da luta contra o terrorismo. Um misto de ressentimento e paranóia começou a dominar o mundo.
Surgiram várias guerras localizadas por todo o globo. Após terem subjugado quase todo o mundo, os EUA e seus aliados ocidentais começaram a ter divergências internas que minaram a sua aliança, ao passo que inúmeros atentados conduzidos por grupos radicais provocavam dezenas de milhares de mortes sem que fossem contidos.
Nova York foi arrasada por novos ataques e parcialmente destruída com a eclosão da III Guerra Mundial em 2010, envolvendo a China Comunista, a antiga Rússia, a Índia e uma aliança de países muçulmanos contra os EUA e seus aliados. O conflito não teve vencedores e nem vencidos, mas centenas de milhões de mortos.
No final deste esmagador conflito, quase todos os líderes mundiais que iniciaram a carnificina estavam mortos ou desaparecidos e as nações que sobreviveram ao massacre estavam fracas demais para reivindicarem qualquer vitória.
O complexo industrial-militar americano que chegava a eleger presidentes e provocar guerras estava irremediavelmente mutilado e nunca mais iria se levantar.
Várias Guerras civis e desordens sacudiam a velha Europa, banhando-a de sangue.
Uma revolução derrubou o comunismo na China e vários países muçulmanos renegaram o fundamentalismo religioso ao constatar que sua "Jihad" sagrada contra o ocidente trouxera apenas desgraças e morte ao seu povo. As armas nucleares, químicas e bacteriológicas foram em seguida, proscritas e banidas do planeta.
Seguiu-se um período de neutralidade, durante o qual as nações do globo tentaram cicatrizar as feridas causadas pela guerra e o caos subseqüente. Com os recursos econômicos exauridos, as atenções se voltaram de novo para o espaço. E uma nova corrida rumo às estrelas teve início, inaugurando a era de colonização espacial.
A antiga e ineficiente ONU fora substituída pela Aliança pela Unidade da Esfera Terrestre, com mais poderes efetivos para arbitrar conflitos e tomar decisões.
Para diferenciar de sua antecessora, o seu prédio foi construído no marco zero da semidestruída Nova York, ao passo que os escombros do antigo edifício da ONU ficaram no lugar onde estava, como uma sombria advertência do passado.
Além das novas nações e entidades políticas, a Aliança tinha a adesão de entidades privadas de relevância e de ONGs, todas interessadas para que nenhuma nova guerra eclodisse pelos interesses obscuros de alguma auto-proclamada "superpotência".
Ironicamente, a destruição causada acabou beneficiando o que restou de Nova York. Como uma fênix renascida das cinzas, a cidade foi remodelada e reconstruída em linhas mais harmoniosas, dentro de um planejamento urbano. A caótica e apertada megalópole transformou-se numa cidade mais arejada, com relativa qualidade de vida e mais espaços abertos, como se refletisse o desejo da humanidade em começar novos caminhos.
Contudo, certas coisas ainda existiam e sempre ainda continuariam existindo, como a ambição, a ganância, o desejo de poder... E o sensacionalismo oportunista.
Andando pelas ruas da chamada "Cidade Nova" - como foi denominada a vasta área reconstruída no pós-guerra - estava um homem com andar apressado. Vestindo uma impecável camisa branca, um terno de grife italiana, sapatos produzidos em Franca (Brasil); além de uma gravata de seda que custava no mínimo 500 dólares.
Ele tinha cabelos castanho-claros, olhos também castanhos, um metro e setenta e cinco, e deveria ter por volta de trinta e dois anos.
Seu nome era Marvin Baggins e ele era um dos principais repórteres do "The Truth", um dos jornais de maior circulação pelo mundo na era AC, tanto em mídia impressa como pela via digital.
Por incrível que parecesse, a Era da Informática não eliminou a imprensa escrita, embora ela tenha precisado se reciclar e adaptar aos novos tempos.
Muitas pessoas ainda se sentiam desconfortáveis em acessar notícias através de um terminal de computador, mesmo dispondo de um. Livros e revistas ainda podiam ser encontrados nas suas formas tradicionais, ainda que a tecnologia tenha obrigado a adicionar novas matérias-primas na confecção de papel.
Isto porque as florestas que restaram no globo terrestres estavam sendo reconstituídas - após as devastações sem precedentes - e o desmatamento indiscriminado passou a ser considerado como crime inafiançável.
Apesar do nome, o "The Truth" era um jornal de linha sensacionalista e adorava falar mal de todo mundo. A sua especialidade era apontar gafes de políticos, escândalos dos mais diversos tipos e tamanhos, devassar a vida privada e sexual de celebridades e divulgar todo tipo de noticiário estilo "mundo cão" para um público pouco seletivo.
Mesmo no período em que a OZ esteve no poder na Terra e manteve um estrito controle sobre todos os meios de comunicação, o The Truth não foi silenciado totalmente, devido ao seu apelo perante às massas.
Quando não era possível divulgar as notícias sobre a Eve Wars, o jornal investia na cobertura de fatos banais e corriqueiros, transformando cidadãos comuns em celebridades descartáveis, divulgando toda sorte de boatos e fofocas, além de usar e abusar do humor negro.
Marvin Baggins era uma das principais estrelas do jornal. Astuto, esperto e de raciocínio rápido, ele era um especialista em improvisação e sempre procurava superar-se a si mesmo, fazendo as reportagens mais malucas possíveis.
Ele era considerado um ídolo popular e o seu site de notícias oficioso - que publicava matérias não aproveitadas no jornal - era um dos mais acessados na Rede Mundial.
Para muitos, Marvin era a personificação do "Sonho Americano", da pessoa corajosa destemida que saiu do nada e conseguiu se superar a si mesma.
Nascido numa família pobre numa cidadezinha de Arkansas e órfão de pai aos cinco anos de idade, ele teve dificuldades para estudar, tendo que desde cedo fazer vários pequenos serviços: mensageiro, office-boy, digitador, etc.
Após ter servido o Exército por dois anos - e misteriosamente escapado de qualquer convocação para a guerra - ele conseguiu fazer a faculdade de jornalismo aos vinte e um anos, depois de ter conseguido uma bolsa para estudantes pobres. Pouco se sabe sobre sua vida nestes anos e o próprio Marvin se encarregou de aumentar o seu mistério sobre si mesmo. .
Quando mudou se para Nova York, o nosso jornalista morava numa quitinete de três cômodos e o seu almoço se resumia num cachorro-quente com uma garrafinha de refrigerante. Mal sobrava dinheiro para pagar as despesas do mês.
Depois de passagens inexpressivas e ingratas em jornais e sites de notícias, ele conseguiu uma vaga no "The Truth" ao vencer trinta concorrentes ao apresentar uma reportagem de última hora sobre um suposto canibal que atacava no bairro do Bronx.
Atualmente Marvin era rico, famoso e um dos dez jornalistas mais influentes em todo o mundo. Ele morava numa cobertura Triplex num bairro fino, além de ter uma casa de campo e uma de praia. Solteiro assumido, ele era cobiçadíssimo pelas garotas mais lindas da alta sociedade e havia rumores de que ele tinha um caso com a famosa cantora pop japonesa "Cherry Blossom".
Contudo, por trás deste verniz de self-made man, do seu carisma e do sorriso contagiante, Marvin Baggins escondia um caráter totalmente sórdido e falso. Ele não dava a mínima para a ética jornalística e mais de uma vez foi acusado de forjar notícias falsas e boatos apenas para aumentar a vendagem do jornal.
Mesmo nos seus dias de pobreza, ele seria capaz de vender a própria mãe para conseguir uns trocos e a sua súbita fama aumentou a sua ganância e desfaçatez a níveis insuportáveis..
Cerca de 25% do seu ganho líquido ia para pagar os seus advogados, que o defendiam de inúmeros processos por calúnia e difamação. .
Apesar de ser idolatrado pelas massas de gente humilde que pagava um dólar por dia, para ler o seu jornal, Marvin tinha nojo de pobres e da pobreza. Ele chegava ao exagero de cheirar os seus ternos quando voltavam da lavanderia, para certificar-se de que eles não tinham resíduos de "cheiro de povo".
"A Verdade sempre tem duas faces. Escolha a que dá mais lucro" - Este era o seu lema e refletia a forma como ele buscava a verdade.
Naquela tarde, Marvin iria cobrir uma reunião mensal dos delegados da Assembléia da Aliança pela Unidade da Esfera Terrestre, como jornalista credenciado.
Contudo, o seu verdadeiro alvo não era esta assembléia cheia de discursos protocolares e decisões formais, que teria lugar no amplo salão do térreo, mas sim a participante de uma reunião privada que teria lugar no último andar do monumental prédio de mármore branco.
O seu alvo no momento chamava-se Lady Une, mais conhecida como Coronel Une da OZ.
As notícias conhecidas diziam que Lady Une era descendente de uma aristocrática família de origem franco-alemã e que ela foi a primeira aluna da turma da academia de Wiener-Neustadt, se tornando a primeira oficial a se tornar Coronel com menos de 20 anos de idade.
Sabe-se que ela fez parte das Forças Especiais da OZ e atuou como diplomata da Nação Mundial até o final da Eve Wars. Após a guerra, ela recebeu um indulto por parte do Presidente da nova Nação Unida, como parte do plano de anistia geral e foi convidada a tomar parte do novo governo.
Embora ninguém soubesse ao certo o que ela fazia, ela era comumente vista com o Presidente, vários ministros de Estado e com a senhorita Relena Darlian, presidente da Fundação Darlian e Subsecretária de Assuntos Exteriores.
Há tempos Marvin estava formando um dossiê sobre esta figura que era a sombra do finado líder Treize Kushrenada, aquele que deveria reinar sobre a Esfera Terrestre.
Ao que parece, o seu primeiro nome era Anne-Marie e era nascida em 174 AC.
Marvin tivera acesso a informações em antigos bancos de dados, sobre a árvore genealógica da família Une - que remontava desde o século XVI - bem como o destino de seus pais, ambos mortos num atentado terrorista em Paris, quando a jovem tinha de 5 para 6 anos de idade.
Anexo ao dossiê, havia uma foto digitalizada de origem anônima que mostrava uma Lady Une ainda criancinha, toda sorridente, junto com um garoto chamado Treize Kushrenada, numa suposta festa de aniversário.
Outra foto mostrava Une recebendo sua Primeira Comunhão numa igreja, toda vestida de branco e com um ramalhete de flores na mão.
Haviam também fotos obtidas na época em que ela era estudante e como cadete da Academia de Oficiais de Neustadt.
Contudo, os dados mais comprometedores eram os relativos à sua atuação como representante dos interesses de Treize. Sendo comandante das forças especiais da OZ, era de se esperar que ela estivesse envolvida com os assuntos mais negros desta entidade que tomou o poder da Aliança durante a Eve Wars.
Através de subornos e trocas de favores, Marvin conversou com ex-oficiais da OZ e mesmo alguns dos ex-empregados de Treize e sabia que ela tinha o costume de se encontrar regularmente com ele numa das mansões de sua propriedade.
E havia indícios fortes de que ela tivesse tramado os atentados contra o Ministro Darlian e contra o General Septum, embora tais fatos tivessem sido encobertos na época pela censura militar.
Contudo, além destas notícias comprometedoras, o jornalista Baggins estava muito mais interessado em desnudar - literalmente - a suposta vida amorosa e sexual da Coronel.
Ele gastara as últimas semanas tentando inutilmente contatar um ex-criado da mansão aonde o finado líder Treize e a Coronel Une se encontravam, bem como um alfaiate que costumava fazer as roupas civis da representante da OZ, apenas para saber as três "medidas" dela.
Sorrindo, Marvin não deixara de notar a mudança sofrida pela linda oficial nestes anos todos. No seu dossiê, as fotos digitalizadas de infância mostravam uma jovem Une de olhar puro e inocente, apesar de um exterior vivaz. Ela ainda mantinha esta vivacidade nas fotos de Colégio e do início da Academia. Contudo, o seu olhar já era sério quando acabara de se formar Cadete, obtendo a nota máxima de sua turma.
As fotos da sua época de OZ mostravam uma mulher de beleza sombria e que transparecia um certo fanatismo pela causa que defendia, ao passo que as imagens de suas aparições públicas após o final da Eve Wars denotavam certa tristeza e vazio no seu olhar.
Marvin não fazia isto por animosidade pessoal ou por desejo de vingança. Para ele, ideologias políticas e sociais nada significavam e pouco se importara a respeito da luta entre a Esfera Terrestre e as colônias. Ele estava devassando a vida particular de Une simplesmente por amor ao escândalo e ao potencial do lucro que ele teria por suas reportagens.
Ao chegar ao imponente prédio, Marvin sentiu que era o seu dia de sorte.
No amplo estacionamento era possível ver os carros oficiais e as limosines que transportavam os delegados da Assembléia. Seguranças impecavelmente vestidos protegiam os participantes
Enquanto fotógrafos e membros da mídia disputavam espaço a cotoveladas para entrevistar as figuras do evento, usando o seu instinto de jornalista, Marvin abre caminho e tenta chegar a um local insuspeito: A parte dos fundos.
Ele estava munido de um gravador/comunicador sem fio colocado no seu prendedor de gravata e dispunha de uma sofisticada caneta transmissora de imagens que era infinitamente mais potente do que as primitivas webcans do início do século XXI e podiam transmitir imagens ao vivo do local onde estava até a sua central de notícias.
De repente, um burburinho de vozes e flashes de máquinas começa a tumultuar o local. Ele nota que um alvo potencial estava tentando inutilmente entrar no prédio de forma discreta.
Usando óculos escuros e trajando um elegante vestido azul-celeste e sapatos de salto alto, além de carregar a tiracolo uma pequena bolsa de couro, o seu semblante estava entre sério e preocupado.
Escoltada por agentes Preventers vestidos a caráter e acompanhada de um assessor, Lady Une iria participar de uma reunião ministerial extraordinária que aconteceria simultaneamente com a Assembléia Geral das delegações enviados pelos países da Esfera Terrestre e das colônias espaciais.
De repente, um rapaz rompe o cerco de curiosos e repórteres e se aproxima perigosamente do cortejo. Os seguranças notam sua presença e tentam cercá-lo, mas ele consegue arremessar uma torta de creme no rosto de Lady Une, que fica totalmente lambuzado.
O rapaz, que acaba gritando palavras de ordem e de protesto contra a Nação Unida, é imediatamente dominado e detido pelos seguranças, mas sem violência excessiva.
Marvin é o primeiro a ativar sua câmera e lança a chamada de sua reportagem: "Coronel Une acaba de sofrer atentado!", e em seguida transmitindo imagens ao vivo. Para a sua sorte, ele era o único repórter nas imediações, ao passo que a grande maioria estava entrevistando e conversando com os políticos da Assembléia na frente do prédio.
Enquanto o jovem agressor anônimo estava sendo levado pelos seguranças, Lady Une tentava se limpar com um lenço providencialmente trazido por um dos seus ajudantes. Partes do seu cabelo, rosto e do vestido que usava estavam totalmente lambuzadas.
- Coronel Une, eu sou Marvin Baggins do "The Truth". o que me diz sobre deste atentado que acabou de sofrer? - Pergunta o repórter com o seu estilo acintosamente exagerado e artificial, mas que agradava ao povão.
- Atentado? Desculpe-me, Marvin, mas todos sabem que não sou mais coronel da OZ. Por favor, chame-me de Lady Une. - Responde Une sem fazer alarde. Embora não conhecesse o abelhudo repórter em pessoa, ela já tinha ouvido falar dele.
- Tudo bem, Anne, como a senhorita vê este protesto daquele jovem que acaba de ser preso pelos seguranças? - Marvin começa a guerra de nervos, chamando Une pelo seu primeiro nome - que era quase desconhecido de todos - somente para provocá-la diante dos telespectadores..
- Bem, acredito que ele estava querendo mostrar alguma opinião divergente. Sobre qual motivo não sei... - Responde a oficial, sem mostrar nenhuma emoção.
- E que maneira de mostrar uma opinião divergente, Anne! Como você reagiria se isto tivesse acontecido nos tempos da OZ? A Coronel Une mandaria fuzilá-lo ou enviaria o coitado para um campo de concentração num lugar remoto do planeta? - Pergunta o irritante caçador de notícias.
- Bem, não dá para falar mais do passado, Marvin. O que importa agora é que as pessoas são livres para expor o que pensam, mas de uma forma aberta e civilizada.
- Mas ao invés de uma torta, poderia ter sido uma bomba ou um tiro... - Sem se deixar abalar com as esquivas de sua antagonista, Marvin muda de tom de voz e fecha a cara, como se fosse um repórter policial.
- Pelo menos é um sinal de que o projeto de paz idealizado pelo Sr. Presidente e pela senhorita Relena está avançando a passos largos. Agora, com licença... - Responde a elegante oficial esboçando um sorriso irônico.
- Uma última pergunta... Qual o sabor desta torta? - Marvin sorri descaradamente querendo fazer gracinhas. Os seguranças de Une se aproximam dele, a um passo de expulsar o irritante representante da mídia. .
- Engraçadinho! Hummm... Ela parece-me feita de limão com Marshmallow. - Sem se fazer de rogada, Une sorri e com a ponta do dedo prova um pouco da torta que estava grudada no vestido.
Acintosamente, Marvin se aproxima da lambuzada Lady Une e usando a ponta do dedo prova um pouco da torta, antes de ser afastado por um segurança vestido de preto. Aproveitando a deixa, a chefe dos Preventers rapidamente no prédio, junto com os guardas.
- E tem razão! A munição usada pelo suposto terrorista é uma legítima torta de limão com Marshmallow, dessas que encontramos nas confeitarias do centro da cidade! E sem aditivos químicos! Confira na edição vespertina de hoje: Lady Une acaba de sofrer um atentado em Nova York, levando uma torta na cara! E aproveito para dizer aos telespectadores que não deixem de comprar o legítimo tônico capital Blesshair, encontrado nas mais diversas farmácias desta maravilhosa cidade! Aqui falou Marvin Baggins do "The Truth", transmitindo a verdade nua e crua como ela é, trazendo a notícia até você, trabalhador e dona de casa!...
O inconveniente e sensacionalista repórter mal termina de falar quando é educadamente "convidado" a se retirar pelos seguranças restantes.
A sorte da infortunada Lady Une é que chegara no prédio quarenta minutos antes da sua reunião começar, pois tinha o hábito de deixar todo o seu material de reuniões preparado, para evitar atropelos de última hora.
O seu gabinete particular no enorme prédio da Nação Unida ocupava meio andar e compunha-se de sua sala privativa, de uma sala de conferências, o escritório onde seus assessores diretos ficavam e ela recebia informações do mundo todo e das colônias, uma pequena saleta com um cofre especial para guardar documentos confidenciais, copa, cozinha, dois banheiros e um pequeno apartamento que ela eventualmente usava, quando precisava pernoitar a serviço.
Ela tivera tempo de ir ao seu banheiro privativo para limpar-se e retocar a maquilagem, enquanto um vestido limpo era providenciado oportunamente.
Se por um lado ela estava furiosa pela falha da equipe de segurança, por outro, o bizarro incidente fizera involuntariamente rir de sua condição atual. Isto era absolutamente impensável há anos atrás, quando dirigia a Divisão Especial da OZ. Agora os tempos eram outros e ela - como qualquer outro ex-membro da OZ - teria que conviver com a chamada "liberdade de expressão".
Por sorte, a torta não causara maior dano no seu elegante tailleur. Nada que uma visita ao tintureiro não resolvesse. Apesar de ser rica e de origem nobre, Une não costumava fazer extravagâncias com o seu orçamento pessoal.
Enquanto isto, estando sem blusa no espelho, a jovem oficial começa a reparar em seu belo corpo e sorrindo para si mesma, constata que está mais feminina do que há tempos atrás.
Como que Treize-Sama iria reagir ao curioso incidente, caso estivesse vivo? Embora não fosse dada a devaneios, devido ao seu caráter realista e prático, Une ainda sentia falta de seu ex-líder e amado, que ainda influenciava inconscientemente as suas decisões atuais.
O seu pensamento é interrompido bruscamente quando a sua secretária bate na porta, informando que o vestido reserva chegara e estava pendurado do lado de fora da porta do banheiro.
Trocando-se rapidamente, Une sai do banheiro e volta à sua escrivaninha. Ela constata que ainda lhe restava quinze minutos. E tinha que se apressar.
Após conferir rapidamente a pasta que iria levar na reunião, ela acessa o seu terminal de computador, lendo rapidamente com os olhos os informes da agência.. Teclando alguns códigos secretos de acesso, Une sorri quando chega um relatório classificado como ultraconfidencial. Era a informação da qual aguardava para poder ir preparada à reunião.
Tirando algumas cópias reservadas com a inscrição "Altamente Secreto", ela desliga o seu micro e coloca a papelada em sua pasta. E, tomando o elevador expresso privativo, vai à sala de reuniões previamente designada.
Chegando lá, ela nota que foi a primeira a entrar na sala. Sem se sentir constrangida, ela pega um estojo de maquilagem e começa a fazer alguns retoques.
Em menos de um minuto, Relena Darlian chega ao recinto, acompanhada de seguranças. Une interrompe o seu pequeno ritual de vaidade feminina e cumprimenta-a, meio envergonhada.
Relena repara no estojo de maquilagem, sorri discretamente e senta-se num dos lugares da enorme mesa. Não, não era uma bomba disfarçada.
Embora fosse uma reunião que interessasse mais à área militar e de informações, o Presidente havia insistido para que Relena participasse. De fato, o seu status real era muito maior do que o cargo de subsecretária poderia supor. Quase todas as decisões cruciais do governo, inclusive todos os assuntos que demandavam sigilo, ficavam sob o conhecimento da jovem Darlian, mesmo que de forma sucinta.
Em seguida chegam um homem jovem e alto, usando óculos e vestindo um impecável terno e um senhor aparentando ter mais de cinqüenta e cinco anos, de compleição forte e trajando uniforme militar.
Tratavam-se de Maxwell Taylor, atual Ministro da Defesa e teoricamente superior da Lady Une e do General Alfred Brecht, Comandante do Estado Maior das Forças de Defesa da Nação Unida.
Após um rápido e protocolar cumprimento, ambos os homens sentam-se à mesa.
O General Brecht repara no estojo de maquilagem de Une e franze o cenho de forma desaprovadora. Era claro que ele não simpatizava de forma nenhuma com a jovem líder dos Preventers. "Estas mulheres..." - podia ser o pensamento que ecoava em sua mente.
Brecht havia sido assessor direto do falecido General Nobenta, da Aliança Terrestre e que supostamente havia falecido durante um ataque dos Gundams numa conferência de paz, mas que havia sido manipulado maquiavelicamente pelo então General Treize em seu golpe de estado em que a OZ assumiu o papel da Aliança.
Apesar de Lady Une ter se retratado publicamente deste e de outros episódios lamentáveis e de contar com a confiança do próprio Presidente e de Relena Darlian, Brecht jamais havia perdoado a OZ e seus líderes, embora o seu senso de dever o proibisse de contestar ordens superiores, como o bom soldado que era.
Maxwell Taylor - sem nenhum parentesco com Duo Maxwell - podia passar como um elegante executivo de empresa multinacional e não como um Ministro de Estado. Formado em Direito e em Sociologia, muito inteligente, prático e objetivo, tinha muitos contatos em diversos órgãos governamentais e assumiu a difícil tarefa de conduzir o processo de desarmamento e desmilitarização global, a chamada Operação "Swords to Plowshares" ("Espadas em Arados").
Durante a atual gestão, ele reduziu as forças armadas para apenas dez por cento do que eram no período da Eve Wars e mandou eliminar todas as armas pesadas, desde carros de combate, caças, artilharia até os grandes navios de guerra.
Os Mobile Suits e Mobile Dolls disponíveis foram convertidos em MS de trabalho e suas fábricas fechadas ou forçadas a se converterem para uso civil.
Somente permaneceram poucas unidades militares, e estas, apenas equipadas com armas e carros leves, servindo apenas para defesa. Cogitava-se inclusive de eliminar totalmente as armas pessoais com capacidade letal, substituindo-as por pistolas e rifles com munição paralisante.
Sob o Ministério da Defesa, ficavam subordinadas as Forças Armadas, as unidades de defesa civil, as unidades policiais e algumas unidades especializadas em proteção à natureza, defesa de florestas e repressão ao crime internacional.
Por ordem presidencial, o titular da pasta deveria ser um civil e de não comprometido com quaisquer lobbies militares.
Embora teoricamente a Agência Preventer fosse subordinada a Maxwell, na prática Lady Une agia mais por conta própria, estando subordinada apenas ao próprio Presidente. Várias das ações dos Preventers eram de caráter sigiloso e não dependiam de passar pelos intrincados caminhos da política ou da burocracia oficial, até porque lidavam com situações urgentíssimas aonde cada minuto era vital. .
Contudo, a convivência mútua entre a Agência, o Ministério e as Forças de Defesa estava longe de ser tranqüila.
Afora a animosidade pessoal entre Brecht e Une, o ressentido chefe do Estado Maior argumentava que os militares podiam dar perfeitamente conta da tarefa de prevenir o uso de armas de destruição massiva por parte de grupos radicais, bem como a repressão ao terrorismo. Ele defendia pura e simplesmente a dissolução da agência e a substituição da mesma por um órgão de inteligência militar.
O general não se conformava com o fato dos Preventers manterem uma quantidade não especificada de Mobile Suits, enquanto o Exército foi obrigado a desmobilizar todas as suas unidades, além de passar por severos cortes de pessoal e recursos.
E ele fazia de tudo que estava em sua alçada para não facilitar as coisas para o que ele chamava de "panelinha da OZ".
Embora fosse a favor da desmilitarização do globo terrestre, Brecht ainda era de opinião de que deveria haver um aparato mínimo de forças de defesa para evitar conflitos étnicos, religiosos e políticos.
Na sua concepção, deveria haver uma pequena tropa, mas de elite e altamente móvel, para intervir de forma decisiva em qualquer parte da Terra ou do Espaço, em combinação com forças policiais e territoriais para propósitos unicamente de defesa.
Pelo estado de tensão que havia ainda em várias regiões remotas da esfera terrestre, era de seu entendimento que a desmilitarização se deveria fazer de forma gradativa.
Da parte de Taylor, ele procurava se manter teoricamente neutro nas disputas entre Une e Brecht, embora ele pressionasse freqüentemente o Presidente para que entregasse o controle definitivo da Agência a ele, embora quase nada conhecesse sobre as reais funções dos Preventers.
Brecht temia secretamente que Une usasse os recursos à sua disposição para transformar os Preventers numa espécie de CIA ou KGB, acobertando todo tipo de ação suja e sórdida que tornou estas antigas agências de inteligência tristemente célebres no século XX.
Tendo nascido e vivido sua juventude na colônia L-1, Taylor sabia do que esta moça seria capaz, pois conhecia a fama de Une quando esta era Coronel da OZ.
Pacifista convicto e profundo admirador do falecido Ministro Darlian, foi sua a idéia de implementar de forma radical a Operação "Swords to Plowshares" no início do novo governo, desmobilizando todas as forças armadas existentes na Terra e colônias - sem exceção - bem como implementando a destruição geral das armas pesadas e a conversão da indústria bélica para fins civis.
Contudo, se por um lado esta medida permitiu deslocar imensos recursos financeiros para as áreas de educação, saúde, infra-estrutura e bem estar da população em geral, por outro isto permitiu que Dekim Barton atacasse facilmente a Terra com a sua Segunda Operação Meteoro.
As únicas forças que se opuseram ao golpe de estado foram justamente os Preventers - as Forças de Defesa da Terra estavam completamente inoperantes na ocasião - e os corajosos pilotos anônimos dos Gundams.
Em função disto, o Presidente, agradecido, permitiu um certo status de autonomia para a Agência, bem como concedeu permissão para que eles possuíssem um limitado efetivo de MS para lidar com situações críticas.
Em compensação, diante destes fatos, Maxwell viu-se obrigado a amenizar a sua proposta radical de desarmamento e manter um mínimo de forças para fins puramente defensivos. Mas ainda era de opinião que num futuro próximo, todas as Forças Armadas e os Preventers inclusive deveriam ser desarmados.
Quanto a Une, ela acreditava que por si só o desarmamento puro e simples não resolveria o eterno problema das guerras e conflitos.
Assim como Relena, ela acreditava que somente quando os espíritos dos humanos estivessem desarmados, seria possível chegar na desmilitarização total. Enquanto isto não ocorresse, os Preventers teriam que existir como um mal necessário.
Era o seu dever este sonho se tornar realidade. Além de ambiciosos como Dekim e de lunáticos como o General separatista Liu Tang, existia o risco de organizações terroristas, o crime organizado e grupos religiosos fanáticos aproveitarem da disposição pacifista de muitos para darem vazão aos seus instintos sádicos.
Une dispunha de relativamente pouco pessoal e recursos materiais e financeiros apertados para cumprir com as atribuições que lhe foram confiadas.
Naquele exato momento, além do conflito aberto na província de Yunan, na ex-China, havia cerca de oito movimentos radicais em todo o mundo que exigiam a sua atenção, em todos os continentes.
Embora este número de conflitos fosse apenas uma sombra do que era o mundo entre os séculos XX e XXI - aonde dezenas de guerras localizadas aconteciam em diversos pontos do planeta - ainda assim era um número exagerado para a atual realidade da Nação Unida.
Enquanto Une cuidava do aspecto de manutenção preventiva da paz, cabia à Relena fazer a parte mais difícil: Convencer não com palavras e bonitos discursos, mas com atos concretos de que a paz não apenas era possível como também desejável. Aonde houvesse qualquer situação de miséria, injustiça, opressão, corrupção e dor, lá estaria um futuro potencial foco de conflitos.
Relena Darlian procurava cuidar de tudo isto, visitando as áreas mais miseráveis e carentes do globo e das colônias, procurando se inteirar dos problemas e orientando os demais ministérios do governo a tomarem medidas concretas.
Era uma tarefa difícil e ingrata. Além do seu cargo de subsecretária de Assuntos Exteriores, ela era também a Presidente do Conselho da Fundação Darlian, uma ONG pacifista fundada em homenagem ao seu falecido pai e que visava a dar assistência a comunidades carentes por todos os cantos do globo e das colônias.
Ela havia chegado na parte da manhã, de volta a uma visita de três dias as populações carentes do Nordeste do Brasil e teria que partir amanhã para uma visita humanitária à China, justamente na área do conflito. Junto com ela, iriam equipes de médicos, dentistas, enfermeiros e assistentes sociais atender as vítimas da loucura do autoproclamado Deus da Guerra Liu Tang.
Após alguns minutos, a porta se abre e uma figura alta e elegantemente vestida entra no salão de reuniões, cumprimentando com um sorriso a todos. Era o Presidente da Nação Unida da Esfera Terrestre.
O seu nome era Bertrand Russell e era de origem anglo-saxônica, embora tivesse morado em várias partes do mundo. Ele havia sido amigo pessoal do ex-ministro Darlian e era um conhecido ativista pela paz, sendo militante militado há mais de vinte e cinco anos.
Durante o período em que a OZ esteve no poder, ele foi sucessivamente processado, preso, libertado, preso de novo, libertado e finalmente posto em prisão domiciliar. Contudo, nem as pressões, chantagens e ameaças de morte - anônimas ou declaradas - impediram dele abdicar de seus ideais.
Com o fim da OZ, ele fez parte do governo provisório de transição e foi eleito democraticamente com ampla maioria, através de sua plataforma de governo - que visava a manter a paz duramente conquistada e a promover a reconciliação entre a Terra e as Colônias.
Um de seus primeiros atos foi convidar a já conhecida Relena Peacecraft - depois adotando oficialmente o sobrenome Darlian - para participar do novo Governo. E particularmente marcante foi o seu ato de dar o indulto presidencial a todos os envolvidos no conflito, tanto do lado da Aliança, como para a OZ, a White Fang e as colônias.
A primeira prova de fogo que o novo governo civil teve que enfrentar foi a crise deflagrada pela nova Operação Meteoro, em Dezembro de 196 AC.
Apesar dos avisos de Lady Une - chefe dos Preventers - tanto o Presidente como o Ministério de Defesa subestimaram a ameaça da declaração de guerra de Mariemeia, julgando ser um blefe.
Com o desarmamento radical posto em prática pelo Ministro Maxwell, na véspera de natal de 196 AC não havia uma única força capaz de deter a invasão da Terra pelos Mobile Suits Serpents do exército de Mariemeia.
As unidades militares estavam sendo desmobilizadas e dissolvidas, e haviam perdido capacidade de prontidão. Quase todos os MS - com exceção de pouquíssimas unidades sob custódia dos Preventers - foram destruídos ou convertidos em unidades civis de trabalho.
Para piorar as coisas, Relena Darlian foi seqüestrada e mantida prisioneira dos seguidores de Mariemeia quando foi visitar uma colônia.
A Capital Provisória da Nação Unida, Bruxelas, foi atacada por quase 500 MS e o Presidente foi obrigado a se retirar do Palácio Presidencial, que foi tomado pelas tropas de Mariemeia e Dekim Barton naquela Noite de Natal.
Se não fosse a desesperada resistência de dois agentes Preventers anônimos (cujas identidades foram mantidas sob sigilo) e dos corajosos pilotos Gundans - que apareceram do nada - o golpe sido fulminante e uma nova era de guerras teria começado.
Contudo, embora pouco pudesse fazer para se opor aos rebeldes, o Presidente Russell teve uma participação crucial para o colapso do golpe, quando ele participou, juntamente com milhares de cidadãos, de uma passeata de protesto a favor da paz, logo após a cativa Relena ter transmitido um breve, mas dramático apelo aos populares pelo circuito de TV do Palácio. A sua imagem, bem como a de Relena, e dos heróicos opositores do golpe tocaram corações e mentes da Terra e do Espaço.
Protegidos pelo derradeiro Gundam em condições de operar - o de Wufei - os manifestantes cercaram o palácio, intimidando os inexperientes pilotos de MS pilotados pelos soldados de Dekim e Mariemeia - a maioria entre 16 a 18 anos de idade e que foram manipulados pelo ardiloso patriarca da Fundação Barton.
Após a morte de Dekim e o conseqüente o fim da conjuração, Russell manteve-se fiel aos seus ideais. Os seguidores de Mariemeia foram perdoados e ela teve uma pena simbólica - A suspensão de seus direitos civis até completar a maioridade legal.
Mesmo o traiçoeiro Dekim - a mais expressiva vítima fatal do malfadado golpe - teve direito a um enterro com honras militares.
Após os cumprimentos de praxe, o Presidente Russell começou a explanação dos motivos da reunião:
- Desculpem-me pelo atraso. Eu estava fazendo o discurso de abertura da Assembléia Geral embaixo e a cerimônia terminou somente agora. Esta reunião é extraordinária, como todos os senhores sabem, e temos que abordar a situação da chamada crise asiática. Com a palavra, o caro Ministro Maxwell? - Diz o Presidente em voz serena, se voltando para o jovem e bem falante Ministro.
- Boa tarde, Senhor Presidente e caros colegas. Como é do conhecimento de todos, fomos obrigados a conter o movimento separatista liderado pelo General Liu Tang após todas as tentativas diplomáticas terem falhado e ele... Ter cometido aquelas atrocidades com missionários e camponeses indefesos. Neste momento as nossas forças de vanguarda estão na fronteira da província de Yunan e cerca de dez mil soldados estão a caminho para pacificar a região... Passo os detalhes a cargo do General Brecht. - Explica Taylor, hesitando um pouco ao se referir ao incidente de Yunan, há quarenta dias atrás.
Estava claro que o Ministério havia subestimado a capacidade de Tang cometer tais atrocidades, não enviando suficiente proteção policial às aldeias ameaçadas.
- Por favor, Senhor General. - Com um gesto, o Presidente passa a palavra para o veterano oficial, olhando fixamente para ele.
- Bem, a nossa situação atual é a seguinte. Embora Tang tenha tido sucesso em tomar várias aldeias da fronteira e a estrada que liga Yunan à Nova Pequim, as nossas forças conseguiram ocupar a Represa Hidroelétrica do Rio Vermelho, que é vital para a continuidade do esforço de guerra. Bloqueando as tropas de Tang na fronteira, impediremos que ele se aposse de valiosos recursos minerais e de alimentos que permitiriam a continuidade da rebelião por um longo tempo...
Um holograma acionado pelo computador portátil do general faz aparecer no telão situado na extremidade da sala, mostrando um mapa animado da região do conflito e das posições das tropas da Nação Unida e da força oponente. Era um recurso muitíssimo mais prático do que os antigos retroprojetores e mapas de outrora.
- E qual é a situação atual? - Pergunta o Presidente com a voz pausada.
- Se conseguirmos conter Tang até a chegada dos reforços - que demorarão mais três dias, a rebelião terá os seus dias contados... Ela poderá ser debelada em duas semanas, ou três no máximo. - Conclui o General mostrando com o mapa computadorizado a posição das tropas de reforço - vindas da capital da Nova China.
- Qual a situação atual de baixas militares e civis? Pergunta Relena, visivelmente preocupada. .
Para ela importava mais em eliminar todas as possibilidades de mortes e sofrimento causadas pelo conflito que a solução militar em si. Sua próxima viagem seria à região afetada e ela queria amenizar o quanto antes o sofrimento daquele povo de camponeses e pastores oprimidos pelos delírios de um oficial megalomaníaco.
- Até o momento, houve cerca de cinqüenta mortos e feridos pelo lado de nossas tropas... As baixas civis infelizmente passam da casa de trezentos mortos - após o massacre da semana passada - e um número indefinido de feridos, desaparecidos e desabrigados... Do lado do inimigo... - O General Brecht passa uma estatística pela tela, descrevendo os números sem demonstrar qualquer traço de emoção.
- Meu Deus!... - Exclama Relena, que se importava com a vida humana, não fazendo diferença entre uma, dez, mil ou um milhão de baixas.
- Por favor, General... Todos os homens da Terra e das colônias são cidadãos da Nação Unida. Estando ou não do nosso lado. - Adverte sutilmente o Presidente, visivelmente incomodado com o termo "inimigo" usado pelo Oficial do Estado-Maior.
- A força oponente teve cerca de quatrocentas baixas desde o início dos combates. Há relatos de que Tang tenha ordenado execuções sumárias em soldados supostamente acusados de covardia ou que tenham tentado se render a nós... - Meio constrangido, Brecht faz força para evitar nova gafe e substitui o termo "inimigo" por "força oponente".
- E não tem um jeito de acabar com este conflito sem mais derramamento de sangue? - O tom de voz de Relena começa a se tornar dramático e vívido.
- Se dependêssemos da gente, sim, só que Tang não quer saber de mais nada. Está disposto a arriscar tudo pelos seus sonhos de grandeza... - "O que esta menina ingênua estaria pensando? Que a guerra é uma brincadeira?"- Pensava mentalmente Brecht ao explicar a situação à Relena.
- E o que diz a comandante dos Preventers, Senhorita Une?... - O Presidente resolve consultar a comandante da Agência de Informações, observando a sua atitude silenciosa e compenetrada.
- Sou de opinião de que quanto mais cedo acabarmos com o conflito melhor. E os Preventers farão o que estiverem ao seu alcance para...
Une começa a expor suas idéias, mas é bruscamente interrompida por um aparte de Brecht, que reage de forma meio irritada.
- Perdão por interompê-la, Senhorita Une, mas Sua Excelência, eu ainda sou de opinião de que é um exagero mandar os Preventers num conflito de pequena intensidade! Além do risco de exposição à mídia que eles correm, é um absurdo mandar MS para debelar algumas tropas armadas levemente e... - Brecht abandona a máscara de frieza e objetividade que demonstrava até então e parte para o ataque, falando com franqueza brutal.
Une escuta atentamente, mas não reage.
- Qual é a estimativa da força oponente, General Brecht? - Intervém o Ministro Taylor, tentando redirecionar a conversa.
- Nossos serviços de inteligência reportam que Tang tem à sua disposição entre no mínimo cinco mil, e no máximo sete mil e quinhentos homens, mal armados, a maioria apenas com equipamento leve... - Acionando os informes de suas tropas de reconhecimento, Brecht expõe a última estimativa disponível, que datava do início da semana. E já era Sexta-Feira..
- Perdão, senhor General, mas tenho informações de última hora... - Une sorri discretamente e ela começa a retirar de sua pasta, as informações captadas em seu computador minutos atrás.
- Mas... Como? - Tanto Taylor como Brecht ficam surpresos e irritados com esta intervenção da astuta ex-oficial da OZ, que não era nenhuma tonta.
Inteligente e perspicaz, a aristocrata sabia muito bem que não podia contar com aquele ministro politiqueiro e aquele rancoroso oficial para nada se quisesse sobreviver em seu trabalho. Ela tinha que pensar por três. .
- Estes dados que estou transmitindo foram coletados de nossos MS de reconhecimento...
Lady Une aciona um botão do seu controle remoto que levava consigo, e em seguida, o telão da sala de reuniões transmite imagens intensas e dramáticas, como se fosse um filme de guerra, mas em escala muito mais dramática, por se tratar de imagens reais.
Os presentes assistem a uma seqüência de enormes comboios de carros blindados e tanques, do mesmo modelo usado pela OZ na Eve Wars, andando pelo clima semidesértico do interior da China.
Em seguida, surgem as imagens dos dois MS Sagittarius de reconhecimento disparando rajadas de mísseis não-letais que apenas danificam os blindados sem destruí-los, paralisando seus sistemas informatizados e de comunicações.
Mas as imagens mais dramáticas iriam vir a seguir. Fortes explosões sacodem a vastidão da estepe asiática, devastando as colunas paralisadas de Tang. Em seguida, um dos satélites espiões mostra os canhões autopropulsados do general - escondidos em abrigos subterrâneos fortemente camuflados - disparando contra suas próprias tropas por terem falhado no ataque.
Outra imagem mostra dezenas de helicópteros e aeronaves V-STOL em formação de combate, poderosamente armados. E finalmente, a última imagem captada mostra a silhueta mortal de cinco Mobile Suits Leo avançando rapidamente em direção à represa, com as cores (vermelho e verde) e a insígnia de guerra do insano general chinês.
- Não, não pode ser, nossos informes apenas atestavam o uso de armas leves!... - Brecht estava incrédulo. Se Tang tinha todo aquele poder de fogo, as tropas que enviara - mesmo em maior número - podiam ser simplesmente esmagadas.
- Eu exijo explicaçòes, Une, como?... - Taylor também fica indignado e confuso. Como que os seus inspetores de armas e especialistas em desarmamento não acusaram nada nas visitas aos centros fabris e ex-arsenais da OZ?
- Infelizmente não pudemos obter estas informações até porque os Preventers foram autorizados a intervir no conflito muito recentemente... - Defende-se Une, atendo-se aos fatos. Era evidente demais que havia sido um erro - tanto do Presidente Russell como de Maxwell Taylor - terem deixado os Preventers de fora da Crise até a última hora.
- Mas como eles conseguiram acesso a armamento pesado? As inspeções... - Maxwell estava começando a ficar irritado e com o rosto pálido. A sua atuação já foi muito criticada quando Dekim atacou de surpresa e somente a insistência pessoal de Russell contra setores insatisfeitos da Assembléia Geral é que garantira sua permanência no cargo até o dia de hoje.
- Provavelmente o General Tang deve ter desviado material bélico da OZ quando era o comandante daquela área e armazenado em algum lugar a salvo dos inspetores... - Limita-se a responder Lady Une.
- Maldita OZ! Como vocês foram tão incompetentes a ponto de deixarem armas para aquele lunático do Tang? - Retruca indignado o General Brecht descarregando sua raiva para Une, alfinetando-a pelo fato dela ter sido justamente a responsável pelas Forças Especiais da extinta organização no período da guerra.
- Na época ele era um oficial de lealdade inquestionável e não fez nada que o desabonasse, nem um indício sequer. Depois, com o caos decorrente da guerra, ficou quase inviável fazermos auditorias periódicas nas bases.... - Explica Une lembrando-se das poucas informações que ela sabia sobre Tang. Infelizmente para ela, a Frente Asiática da guerra estava fora de sua jurisdição e o General responsável por ela já estava morto.
- Mas, e as inspeções de armas? Elas deviam ser infalíveis... - Incapaz de admitir o seu próprio fracasso, Maxwell tenta descarregar a culpa em Une e indiretamente na Relena, já que esta havia conduzido pessoalmente algumas inspeções.
- Não é de nossa alçada fiscalizar as atribuições do Programa de Desarmamento do Ministério da Defesa, a não ser se fôssemos solicitados... - Une responde às insinuações mantendo a sua postura profissional, mas com um tom mais firme.
- Vocês são uns incompetentes! - Brecht se exalta e quase deixa cair o seu computador pessoal da mesa.
- Por favor, contenha-se, General Brecht. Falar do passado não vai resolver nada. Temos que lidar agora com este fato, de forma pró-ativa - Russell modera o rumo da conversa, atendo-se a questão original.
- Mas se isto for verdade, as nossas forças estarão em perigo! Nós não temos condições de deter aqueles... - Brecht está simplesmente alarmado para responder e tenta ganhar tempo.
- Tomei a liberdade de enviar dois de meus melhores agentes para proteger a equipe de reconhecimento... Se necessário, outros cinco agentes Preventers estão a postos em Pequim para intervir no conflito.
- Você deveria ter me avisado deste último detalhe! - Retruca Maxwell, irritado, com a sensação de que está na corda bamba.
- A Senhorita Une já havia falado desta proposição na reunião da semana passada, Mister Taylor. E todos nós concordamos com esta medida - Lembra Russell.
- Bem, então o que a Senhorita Une pretende fazer quanto esta ameaça. Lembramos aos senhores que nossas tropas não tem sequer um tanque e nem um helicóptero armado na região, quanto mais MS... ? - Pergunta, irritado, o General Brecht, como se estivesse lançando um desafio.
- Os agentes que estão na área foram instruídos a darem apoio as tropas de terra, com os novos mísseis de contramedidas eletrônicas "Raptor", que apenas danificam veículos, sistemas de comunicações e armamentos pesados... Agora, com relação aos MS inimigos, infelizmente só vejo um jeito, combatermos fogo com fogo...
- Mas utilizar os MS de Agência num conflito destas proporções não irá trazer repercussões negativas na mídia? - Comenta Maxwell com um tom de azedume na voz.
- Bem, pelo menos é melhor do que uma estatística de mortes na casa de quatro a cinco dígitos no noticiário da tarde.- Responde Lady Une sem se alterar emocionalmente.
- Bem, Senhorita Une, está ciente das grandes responsabilidades sob sua alçada. Sinceramente não desejava que chegássemos no ponto de ressuscitarmos antigos problemas, mas infelizmente o fato de Tang dispor de um certo contingente de MS-Leo é um fato concreto... Espero que seus agentes ajam como fizeram em Bruxelas...
Embora o Presidente fosse pessoalmente contra o uso de Móbile Suits na resolução de conflitos, era obrigado a autorizar o uso deles pela força das circunstâncias.
- Bem, neste caso, eu autorizo você, Une, a mobilizar os agentes de apoio em Nova Pequim em apoio às tropas de Brecht...
- Obrigada, Senhores Presidente Russell e Ministro Taylor. .. - Sorri a experiente oficial que de boba não tinha nada. .
- Senhorita Relena, não deseja adiar a sua viagem mesmo que seja por três dias até que a ofensiva de Tang seja contida, para sua segurança?... - O ponderado político se dirige à figura da sua subsecretária e se preocupa com o a iminência dela estar indo a uma área de risco.
- Não, obrigado Senhor Presidente. Partirei amanhã à tarde mesmo. Infelizmente os civis atingidos não podem esperar... Já emiti ordens para que as equipes de médicos, enfermeiras, assistentes humanitários partissem e se reunissem em Nova Pequim. Estou ciente dos riscos, mas é preciso libertar os camponeses de Yunan não apenas de Tang, mas dos grilhões da miséria e da falta de perspectivas... - Comenta Relena, fiel a seus ideais.
- As liberações de verbas adicionais para ajuda humanitária já foram encaminhadas à Assembléia e até amanhã ao meio-dia serão aprovadas. Faça o que for preciso. - Conclui Russell, fazendo uma breve pausa para tomar o seu chá, que estava começando a se esfriar.
- Senhorita Relena, se precisar de proteção adicional, o Ministério de Defesa pode oferecer segurança VIP extra à sua visita, como desejar. - O Ministro Taylor aproveita a sua deixa para fazer um pouco de politicagem pessoal, tentando passar-se por bem intencionado.
- Bem como as minhas tropas na região já foram instruídas para cooperarem com as suas equipes e podem oferecer escolta às áreas que pretende visitar... - O General Brecht começa a adular Relena, buscando cooptá-la sutilmente para seus pontos de vista.
- Obrigada, Ministro Taylor e General Brecht, mas já disponho de um responsável pela minha segurança pessoal. Não gostaria que os camponeses de Yunan se sentissem intimidados com um forte esquema de proteção... - Sorri Relena, como que adivinhando as intenções de seus colegas de reunião.
- Mas... E se os espiões de Tang souberem de sua visita? - Tenta objetar Maxwell Taylor, assustado diante da possibilidade de Relena ser raptada.
- Podem ficar tranqüilos... Nada neste mundo é capaz de me abalar... - Limita-se a responder a jovem subsecretária.
- Estamos contando com você, Senhorita Relena. Se quiser, está dispensada. O General Brecht, o Ministro Taylor e eu teremos que tratar ainda de alguns assuntos burocráticos referentes à Defesa. - Conclui Bertrand Russell, demonstrando que confiava muito na filha do seu falecido amigo ministro Darlian.
- Não, tudo bem, a não ser que seja algo muito específico, posso acompanhar... - Embora fosse um pouco leiga em assuntos da pasta de Defesa, Relena fazia o possível para acompanhar as discussões, já que seu objetivo era o de criar uma Esfera Terrestre mais segura para todos.
Após uma breve pausa para o pessoal comer e beber alguma coisa, a reunião prossegue.
- Como queira, Senhorita. General Brecht: Pode começar a sua explanação. - Após ter tomado o seu chá, Russell prossegue a reunião.
- Bem, Senhorita Relena, Senhor Presidente e meus caros colegas: Infelizmente a Crise Asiática pegou no Calcanhar de Aquiles da nossa Força de Defesa... Entendo a preocupação geral para evitar uma nova escalada de militarismo, mas é preciso também que as forças que defendam a paz e a ordem estejam à altura de seus desafios...
- Pode ir direto ao ponto, General - Maxwell não tinha muita paciência para argumentações minuciosas.
- As Forças de Defesa precisam de meios para poder estar a altura, ainda que apenas com infantaria e armamentos leves... Eu proponho uma suplementação orçamentária para equipar nossas tropas - que já são escassas - com uma versão portátil do Raptor, bem como o avanço na pesquisa de novas blindagens antiprojéteis para veículos terrestres, navais e aéreos, sem falar na nova veste de proteção antibalística para as tropas de frente...
-
Brecht faz a sua exposição mostrando com o seu computador pessoal no telão da sala de reuniões, gráficos e mapas mostrando a instável situação mundial.
- Algum comentário, Senhor Taylor? - O Presidente franze o cenho e deseja saber a opinião do seu ministro de Defesa.
- Bem... É verdade que o orçamento na área está bem restrito, mas no segundo semestre poderemos contar com algum superávit. Das reivindicações que o General expôs, podemos garantir a melhoria na proteção pessoal das tropas, bem como dos veículos, aeronaves e navios... - Responde em tom otimista o Ministro antes de passar para as más notícias, alfinetando a sua rival - Agora, o míssil não-letal Raptor ainda está sob testes e demorará pelo menos um ou dois semestres para começar a ser produzido em escala industrial, mas pelo visto, a performance deles já foi comprovada pela equipe de Lady Une...
- Desde que os projetos na área de defesa não incorporem qualquer aumento de capacidade ofensiva ou letal não vejo problema para que sejam aprovados. - Com esta simples frase, Russell toma esta decisão..
- Obrigado, Senhor Presidente. - Agradece Brecht sentindo que pelo menos não iria sair de mãos vazias desta reunião.
- Senhor Taylor, e quanto aos programas de Defesa de sua pasta?.. - Russell prossegue, agora olhando para Maxwell.
- O cronograma da operação "Swords to Plowshares" prossegue como previsto e não necessita de grandes suplementações de verbas. Só precisamos reforçar o efetivo das forças policiais no Centro da África e no Sudeste Asiático, bem como implementar os programas de treinamento de defesa civil, já aprovados no primeiro semestre...
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Como sempre, Maxwell vai direto ao ponto como se fosse um executivo de multinacional, fazendo uma rápida exposição de gráficos e estatísticas.
- Por favor, providencie um relatório completo, com valores e especificações para a minha análise
- Como queira, Senhor Presidente. - Responde Maxwell.
Fazendo nova pausa, o Presidente Bertrand Russell suspira fundo. Ele sabia que aquele seria o assunto polêmico do dia, conhecendo o gênio dos três pilares do sistema de defesa da Esfera Terrestre que nomeara.
- E quanto a Agência Preventer, Senhorita Une? - Pergunta o Mandatário democraticamente eleito à sua algoz de outrora. .
- São dois os assuntos que tenho a tratar - Senhor Presidente e caros colegas. O primeiro diz respeito ao Plano de Manutenção Integrada... Infelizmente as verbas já aprovadas não foram liberadas e o programa sofreu grande atraso... - Une inicia sua explanação comentando sobre um assunto espinhoso envolvendo a sua área e o Ministério de Defesa.
- Mas... Não havia sido aprovado no mês passado tal Plano? - Russell fica surpreso, pois tinha uma boa memória e sabia que este projeto que visava a alocar recursos para a Agência Preventer havia passado na Assembléia Mundial.
- Eu tomei a liberdade de vetar o plano, como superior imediato de Lady Une. No meu entender, não há necessidade de investir 10 bilhões de Unidades Monetárias em manutenção de um punhado de Mobile Suits! Isto é um verdadeiro absurdo... - Tenta falar demagogicamente Maxwell mostrando de vez o seu lado politiqueiro, evocando supostas causas humanitárias.
- Mas, Mister. Taylor... - Russell tenta ainda argumentar com o seu Ministro indagando o porquê ele ter desobedecido a uma ordem direta.
- Se dependesse de mim, não haveria um único MS na face da Terra e do Universo! Eu sou totalmente contra a utilização destas máquinas de destruição e mortes nesta Nova Era para a Humanidade! - Enfatiza o politiqueiro ministro.
- Bem, senhores, estes são os relatórios da semana passada. Infelizmente, durante as inspeções de rotina, três de meus agentes sofreram acidentes, um deles sendo gravíssimo. É fato de que nos foram entregues MS modelo Leo de quase vinte anos atrás, ao invés dos modelos mais recentes que foram confiscados pelas inspeções... - Sem ficar irritada, Une decide contra-atacar fornecendo para todos, inclusive Relena, um relatório comprovando o deplorável estado dos MS à sua disposição.
- Não. Não é possível... - Murmura Relena ao ver as chocantes fotos dos agentes feridos e incapacitados após o acidente.
- Um programa de recondicionamento corretivo não seria suficiente? - Pergunta o Presidente, tentando ser conciliador.
- Infelizmente, não. Vários modelos estão no final da vida útil... A proposta do Plano de Manutenção Integrada é a de fazer um upgrade total nos modelos Leo, substituindo-se todos os componentes mecânicos e eletrônicos obsoletos por equivalentes mais modernos, bem como dotá-los com cockpit com sistema de manutenção de vida e totalmente auto-ejetáveis, para prevenir acidentes... - Conclui Une mostrando "slides" enfocando o tal plano.
- E quanto a substituição das blindagens de Titânio convencional por Neo-Titanium? Não infligiria o compromisso de criar novas máquinas de guerra, senhorita Une? - Pergunta astutamente Brecht tentando ganhar as boas graças de Maxwell.
- Não, porque a matéria - prima seria reaproveitada dos modelos Serpents que foram desativados desde a época da II Operação Meteoro... Como não se trata de um upgrade que vise o aumento de poder ofensivo não vejo objeção. - Sorri discretamente a Comandante Preventer, com um certo tom de ironia.
- Meu Deus... Estes agentes não vão mais poder trabalhar devido às injúrias que sofreram? - Relena termina de ler os laudos do acidente sofridos pelo Preventers, completamente impressionada.
- Exatamente, Senhorita Relena. - Responde Une, sentindo que ganhara uma aliada de peso em sua reivindicação.
A jovem Relena se levanta e todos prendem a respiração quando ela inicia o seu comentário.
- No meu humilde entendimento, qualquer vida humana é muito mais valiosa do que alguns milhares ou milhões de créditos... Permita-me ficar com uma cópia destes relatórios. Vou verificar a possibilidade de dar assistência médica, psicológica e previdenciária gratuita para as vítimas, bem como suas famílias. - A jovem Peacecraft não estava tão interessada nos aspectos militares do programa, mas sim na segurança que isto iria trazer aos agentes de Une, bem como suas famílias.
- Bem ou mal, os MS são ferramentas de trabalho. E não podemos deixar que os funcionários de qualquer área do governo sejam aleijados ou mesmo possam morrer por causa de cortes de verbas. Por mim, a verba está liberada. - Conclui Russell, um pouco contrariado por Maxwell ter desobedecido a uma decisão de consenso anteriormente formulada.
- Mas Senhor Presidente... - Tenta contra-argumentar o político...
- Assunto encerrado. Prossiga, Lady Une.
- Bem, senhores, até o momento temos nos preocupado com a realidade atual e os conflitos de hoje. Contudo, um novo tipo de guerra pode surgir, a ponto de ameaçar a paz duramente conquistada.. É fato notório que nossa tecnologia de informática e comunicações avançou a passos nunca vistos.nos últimos 200 anos, e devemos estar preparado para uma nova ameaça que pode surgir novamente, a Guerra Cibernética ou virtual...- Introduz o último assunto da pauta a ex-coronel da OZ, enfatizando levemente a sua voz no final.
- Explique-se Senhorita Une. - Responde Russell, algo intrigado.
- Esta nova modalidade de conflito é caracterizada pela invasão externa e sabotagem de sistemas de comunicação, da Rede Mundial de Informática, bem como de quaisquer instrumentos de mídia, podendo vir de qualquer parte da Esfera Terrestre e das Colônias. As ameaças podem variar, indo desde simples blefes para induzir os dirigentes a erro em tomadas de decisões até a invasões maciças na Rede por piratas de dados para assaltar dados confidenciais...
- Sei que existiram precedentes no passado, Senhorita Une, mas não vejo razão para discutirmos isto como prioridade... Hoje os mecanismos de defesa anti-hackers são muito mais aprimorados do que no passado e mesmo durante a Eve Wars não houve registros destas... Ameaças digitais que a senhorita está falando.
- Senhor Taylor, concordo apenas em parte com a sua argumentação, mas o fato é que temos que nos antecipar a qualquer ameaça real ou potencial que venha a surgir. E a minha preocupação atual diz a respeito do imenso banco de dados que temos à disposição das informações da Eve Wars, de ambos os lados.
- Você está se referindo ao projeto Athena de compilação de informações? - Pergunta ao presidente se referindo a um Departamento Preventer encarregado de coleta de dados por toda a Esfera Terrestre.
- Sim. É verdade que a maior parte dos dados já foram decifrados, catalogados e arquivados. Mas há uma parte que ainda está sendo descriptografada, que é a referente aos projetos secretos das Colônias, do White Fang e da Oz..
- E o que elas tem de importante, Senhorita Une?
- Tratam-se de informações referentes ao aproveitamento de novas tecnologias. Parte dela já é conhecida, como os Mobile Dolls Taurus e Virgo, o sistema Zero System do Gundam Wing e outros... Mas há evidências de que os cientistas das facções envolvidas estavam desenvolvendo projetos ainda mais arrojados que poderiam ter tido um impacto fulminante na última guerra caso tivessem sido postos em prática.
- Ora... Se este é o problema, por que não mandar deletar tudo isto para evitar que caia em mãos erradas? - Propõe ironicamente o General Brecht somente para desconcertar Une.
Une faz uma breve pausa e toma um gole de água mineral. Em seguida, pela primeira vez ela se levanta da cadeira.
- Não é tão simples assim, General Brecht. Muitos dos dados estão codificados e protegidos por códigos secretos, além de estarem embaralhados com informações inofensivas ou inúteis para nós. E depois, vários destes projetos não se referiam apenas à tecnologia bélica em si, mas em aplicações que podem muito bem ser aproveitadas para uso civil... - Argumenta Une dentro da mais estrita lógica.
- Une tem razão. Embora tenhamos decidido começar tudo de novo, não podemos agir de forma bárbara, destruindo simplesmente o passado. Bem... o que o Ministério de Defesa e a Agência Preventer tem feito para garantir a segurança dos dados? - Conclui o Presidente.
- Bem de minha parte, Senhor Presidente, o Ministério tem procurado integrar todos os procedimentos de defesa dos dados e os sistemas operantes no chamado Projeto Phoenix, que visa a defender a segurança da tecnologia de informação sem se constituir numa ameaça à privacidade do cidadão. Este sistema opera em conjunção com a Rede Mundial. E contratamos a renomada Bytedata Security Inc. para auditar e supervisionar nossos procedimentos...
O Programa Phoenix era um imenso projeto governamental que visava a proteger a imensa Rede Mundial de computadores, bem como os sistemas de informações do Governo. O seu orçamento estava na casa de trilhões de unidades de crédito e ironicamente a única área que não estava em seu controle era a Agência Preventer.
- Quanto à Agência Preventer, o Departamento de Compilação de Dados do Projeto Athena têm trabalhado dia e noite em total sigilo. Pessoalmente, sou de opinião de que a Rede de Sistemas de Defesa deve funcionar independente da Rede Mundial para minimizar riscos de ataque e que devemos desenvolver novas tecnologias de rastreamento de informações suspeitas... - Comenta Une.
- Mas a Rede Mundial é 100% segura! Ela não é como a tal da Internet que funcionou há séculos atrás! - Tenta protestar Maxwell Taylor, que era o maior defensor da integração total dos sistemas de informática.
- Pode até ser, mas segurança nunca é demais... - Comenta Une encarando friamente o politiqueiro.
- Senhorita Une, não seria interessante contratar os serviços da empresa que Taylor contactou para a Agência Preventer até para integrar os procedimentos de defesa? - Pergunta Russell, que não dominava o suficiente nesta intrincada área.
- Seria uma alternativa a se considerar, mas a nível militar, os nossos procedimentos de segurança tem que ser num nível mais elevado do que o de uma empresa privada... - Comenta a ex-oficial da OZ.
- Não sei se você sabe, Senhorita Une, mas a Bytedata é a MAIOR empresa de segurança de informações do mundo... Quase todos os softwares e hardwares ligados à prevenção de atividades hackers, roubo de dados e similares passam pela mão dela... - Continua Maxwell em sua investida, aludindo à empresa contratada pelo programa Phoenix.
- Bem... Acho que isto dá para ser discutido em outra reunião. Quanto a mim, não sei até que ponto a guerra virtual pode influir no mundo real, mas é do meu desejo que os cidadãos comuns possam sentir-se livres usando a Rede Mundial sem se sentirem ameaçados ou com a sua privacidade maculada, seja por hacker ou por entidades... Maxwell e Une, vocês tem toda a liberdade de prosseguirem em seus projetos, desde que este ponto - o dos direitos de cada cidadão livre da Esfera Terrestre - sejam respeitados. - Conclui Russell querendo acabar com aquela polêmica.
- Mas, Senhor Presidente, sou ainda de opinião de que se o ,Projeto Athena estivesse operacional, nós teríamos abortado a tentativa de Golpe de Dekim há um ano e meio atrás.... - Tenta contra-argumentar Une.
- E eu diria que se a Aliança tivesse um sistema integrado de rastreamento de dados há três ou quatro anos atrás teríamos abortado a tentativa de golpe que a camarilha de você e o General Treize fizeram, a custa de milhares de... - Reclamava Brecht, destilando todo o seu rancor.
- General Brecht... - Interrompe com um gesto o Presidente.
- Por favor, meu caro General Brecht... Entendo os seus sentimentos e os de todos os presentes, mas não adianta mais falar do passado... - Intervém Relena, com um olhar melancólico.
- Bem... Mudando de assunto, Senhor Presidente, o Ministério da Defesa vai programar na semana que vem uma demonstração do projeto Phoenix com a Bytedata, no Centro de Processamento de Dados... Todos vocês estão convidados. - Conclui Maxwell Taylor, sorrindo amarelamente.
- Confirmo a minha presença, Ministro Taylor. - Concorda Une.
- Bem. Acho que dá para participar, Sr. Ministro. - Fala Brecht olhando para o seu relógio.
- Agradeço a lembrança, caro Maxwell, mas meus compromissos me impedem de agendar esta visita... Bem... Senhoras e Senhores... São Sete e Meia da Noite e podemos parar por hoje. Daqui a uma hora e meia, terei que participar da cerimônia de encerramento da Assembléia e participar de um jantar em seguida com os representantes mundiais.... Assim que a Senhorita Relena voltar, marcaremos outra reunião. Muito obrigado a todos.
Um pouco cansado, mas tranqüilo, Russell termina a reunião e a imensa porta dupla de mogno reforçado da sala se abre. O idoso político se retira, acompanhado de seus assessores e seguranças, que o esperavam do lado de fora. Brecht, Taylor, Une e Relena saem em seguida.
Na saída, a jovem ex-coronel e a subsecretária de assuntos exteriores encontram-se com uma figura familiar.
Um rapaz de 17 para 18 anos de idade - vestido a caráter e usando óculos escuros. Apesar de sua pouca idade, ele tinha uma fisionomia bastante séria e compenetrada. E estava muito longe de ser um segurança comum.
Ele era simplesmente uma arma viva, o Soldado Perfeito.
- Heero! - Relena exclama, um pouco surpresa pelo fato do rapaz ter aparecido de surpresa.
- Boa Noite, Heero. Como tem passado? - Sorri discretamente Une, observando a reação de sua colega mais jovem do Governo.
- Boa Noite, Lady Une, Boa noite, Relena. - Responde cortesmente Heero, mas sem demonstrar muita emoção.
- Heero, por favor, poderia me esperar aqui? Eu e Lady Une iremos ao WC feminino... - Fala Relena, tocando sutilmente no ombro do rapaz com a sua mão direita.
- Para que? - O Ex-Piloto de Gundam fica desconcertado com a reação inesperada da jovem ministra.
- Ora... Conversas de mulher...
Sob o olhar de um impassível Heero, Relena e Une se dirigem ao banheiro. Mas era evidente que a jovem pacifista queria falar alguma coisa para a sua colega de governo.
- Lady Une... Queria saber uma opinião sua... - Diz Relena enquanto termina de lavar as mãos.
- Como quiser, Senhorita Relena.
- Por favor, chame-me apenas de Relena. - Sorri educadamente a filha do falecido ministro Darlian para a sua ex-inimiga.
- Tudo bem.. Em que posso ser útil?
- Na sua opinião, seria possível uma nova operação Meteoro? - A fisionomia de Relena muda e passa para um ar sério e preocupado, aludindo as dificuldades atuais do novo governo em pacificar o planeta.
- Olha, espero que não... Mas para ser sincera, a situação mundial não está melhor agora do que estava há um ano e meio atrás... - A esperta oficial compreende o que a jovem ministra quis dizer.
- Mas a guerra... As pessoas deveriam saber que não levam a nada... - Os olhos de Relena começam a ficar úmidos ao lembrar de todas as tragédias e todos os sacrifícios feitos pela paz, inclusive o de seu ex-oponente Treize.
- Realmente... Os conflitos acabaram marcando muita gente, e é imperativo que defendamos a paz, mas hoje estou convicta de que a maior ameaça não vêm do General Liu Tang ou de qualquer outro líder extremista... - Diz Une tentando explicar o que não conseguira na reunião presidencial.
- Como assim? Quer dizer que? - Os olhos de Relena ficam alarmados diante da afirmativa de sua colega.
- Pode ser que a guerra do futuro venha pela via informatizada... E mais do que territórios, riquezas e fontes de energia, os lados contendores disputem informações, conhecimento e os corações e mentes dos cidadãos.. - Comenta Une, tentando falar com expressões simples a complexa realidade da guerra virtual..
- Entendo... Queria tanto que as pessoas compreendessem... - Relena abaixa levemente a sua cabeça, em atitude melancólica.
- Infelizmente, senhorita Relena, o fato é que nem todos ficaram satisfeitos com o fim da Eve Wars e você sabe tanto quanto eu... Embora a Fundação Romefeller esteja agora mantendo uma estratégia de baixa exposição na mídia, muitos cartéis e grupos industriais estão insatisfeitos com o fim dos lucros que a venda de armas lhe ofereciam... - Une gentilmente toca o ombro de Relena em sinal de solidariedade.
- Mas isto é um absurdo... - Indigna-se a pacifista.
- A militarização do planeta tinha chegado a um ponto onde cerca de 20% da população mundial vivia direta ou indiretamente ligada ao complexo industrial-militar... E se ele não fosse detido, novas guerras iriam surgir apenas para realimentar este monstro... - Continua a jovem oficial.
- Então receio que casos como o de Tang não sejam os últimos... - Constata a jovem ministra em tom melancólico, quase amargo.
- Como você disse naquela época do golpe de Mariemeia... A paz não é algo que é outorgado do alto, mas deve ser conquistada no dia a dia... Quando as pessoas compreenderem isto, a guerra tornará se desnecessária. - Conclui sabiamente a jovem oficial de origem alemã.
- Sabe, você é uma pessoa bem inteligente... e bem informada.... - Concorda Relena, admirando a perspicácia de sua antiga inimiga.
- Mudando de assunto... Como Heero e você tem passado? - Sorri Une. Afinal, apesar de ser Chefe dos Preventers, membro do novo Governo e tudo o mais, ela ainda era e continuava sendo mulher.
- O quê? Eu... Bem... Ahn.... A gente quase não tem se encontrado e... - Helena cora como se fosse um pimentão e é visível o seu embaraço.
- Mas continuam amigos, não? - A esperta Une parece se divertir com a descoberta do ponto fraco de sua ex-rival.
- Como posso dizer?... Ele continua o mesmo de sempre... - Relena faz uma expressão de desapontamento no rosto, aludindo ao dificílimo caráter de Heero.
- Em todo caso, desejo-lhe boa sorte. Você é ainda jovem, bonita e tem uma vida pela frente... - Suspira Une, com um ar pensativo e apaixonado, provavelmente lembrando os bons momentos passados.
- Obrigada... Bem, e quanto a você?
- Olha, tenho levado a vida como posso... Mas devo admitir... que ainda não esqueci Ele... - Une se emociona um pouco ao recordar do seu antigo amor. Aquele que deveria reinar sobre a Terra.
- Apesar de nossas diferenças, ele era uma pessoa admirável... - Concorda Relena.
- Mas pelo menos estou contente pois sei que uma parte dele.... Vive, na figura da pequena Mariemeia. - Pondera Une, com os seus olhos parecendo brilhar como estrelas solitárias no céu escuro.
- E ela, como está? - Pergunta, curiosa, Relena, já que nunca mais vira a ex-títere do golpe que visava depor toda a Nação Unida da Esfera Terrestre.
- Está bem... Continua freqüentando as sessões de fisioterapia e de reabilitação motora... Ainda bem que a medicina da era AC evoluiu muito... - Comenta a jovem tutora de Mariemeia, aludindo à lenta e gradativa recuperação da menina, que havia sido baleada por Dekim quando este tentou atirar em Relena.
- Entendo...
- Venha, vamos indo, senão o seu amigo pode ficar impaciente... - Sorri maliciosamente Une, segurando delicadamente no braço de Relena. Esta faz um biquinho de protesto.
Enquanto isto, no banheiro masculino, duas outras figuras trocavam idéias e impressões enquanto lavavam as mãos:
- Aquela coronelzinha arrogante! Nunca fui com a cara dela! - Esbravejava o General Brecht ao passar o pente nos seus parcos cabelos, enquanto Maxwell terminava de enxaguar duas mãos alongadas e bem tratadas.
- Realmente não podemos dizer que a gente faz parte da mesma equipe dela... Agora entende minha situação, caro General? Embora na teoria seja o superior dela, na prática, os Preventers agem como se fosse a CIA ou a KGB do passado...
- Estes caras que lidam com espionagem são fogo... Atuam como se tivesse o rei na barriga. Eu até pagaria para ver aquela mulherzinha perder a pose nem que seja uma única vez da vida! - Fala com evidente azedume o veterano general.
- Desde quando você conhece a Senhorita Une? - Sorri discretamente o político inglês, dando mais corda para o intempestivo oficial falar mais e mais.
- Bem... Hah! Desde quando ela assumiu a Divisão de Forças Especiais da OZ, após ter sido nomeada a mais jovem coronel da Aliança.. Na minha opinião foi uma grande burrada o Exército da Aliança Terrestre ter permitido o surgimento de um estado dentro do estado... O OZ fez com ela mais ou menos o que a SS fez com o Exército Nazista e a KGB com o Exército Vermelho no século XX. Não dá para confiar nesta cambada de espiões e assassinos! - Explica Brecht com a rudeza que lhe era peculiar.
- Entendo... O Senhor era ajudante de ordens do finado General Nobenta?
- Sim... Que Deus o Tenha! Ele era uma pessoa decente, honesta e realmente queria iniciar negociações para um tratado de paz com as Colônias... Só que daí apareceu a maldita OZ e aquele bando de pivetes pilotos dos Gundam e puseram tudo a perder, dando à Terra mais alguns meses de guerra e mais mortes! - Brecht apenas se emociona ao se recordar do seu ex-superior e amigo, mas Taylor não dá a mínima para isto.
- No entanto, o nosso Senhor Presidente confia muito nela...
- Hah! Mas é claro! Ele escuta muito a tal de Relena! Até admito que ele é uma pessoa boa e bem intencionada, mas pessoalmente acho que falta nela o perfil de uma verdadeira estadista para aquela menina saída do colégio! - Explica Brecht a respeito de sua opinião pessoal com a subsecretária dos assuntos exteriores.
- Admiro os ideais pacifistas dela e do seu falecido pai... E foi por este motivo que estou no governo... Só que fiquei surpreso e desconcertado ao ver ela apoiar minha "subordinada" mais uma vez, mesmo sabendo que a Une matou o seu pai.
- É... Realmente não dá para entender direito...
- Sabe, General Brecht... Apesar de você ser um homem de armas e eu um ex-militante pacifista, acho que temos algo em comum...
- Como assim, Senhor Ministro?
- O que o Senhor acha de Agência Preventer passar para a alçada militar?
- Olhe, Mister Maxwell, isto é uma insinuação ou está pedindo para que apóie algo subversivo? Eu sou um homem de armas e não posso compactuar com...
- Eheh... Não é nada do que o senhor está pensando. Não pretendo fazer nenhum golpe como que as "Pessoas por uma Paz Perfeita" e Mariemeia tentaram há tempos atrás... Mas podemos unir o útil ao agradável e tanto você como eu sairmos bem nesta.
- Por favor, explique-se.
- Se tiver um tempo passe em meu gabinete amanhã ou depois de amanhã, após o expediente. Então falaremos com mais calma...
- Bem, se for assim...
Sorrindo, Maxwell aplica um tapinha nas costas do idoso general. Ele parecia ter algo grande... Em sua mente.
Na garagem do enorme prédio da Assembléia Geral, Lady Une se despede de Relena e Heero, que entram num veículo que estava esperando por eles.
A jovem subsecretária e o seu guarda-costas particular iriam ainda jantar e finalmente descansar num Hotel no bairro de Nova Manhattan.
Cansada, Une se dirige ao seu carro, onde estava sendo aguardada por um segurança e o seu motorista particular. Ao entrar no banco traseiro, ela coloca a sua pasta e a sua bolsa de lado e pede ao condutor que a leve para o apartamento de cobertura aonde morava.
Ao se tornar membro do governo, Une havia vendido a luxuosa residência de seus falecidos pais e se mudado para Nova York, para ficar próxima ao centro de decisões da Nação Unida.
Contudo, ainda mantinha algumas propriedades de sua família: Uma pequena fazenda de gado leiteiro, algumas fábricas e terrenos, bem como o antiqüíssimo castelo de seus ancestrais, na fronteira franco-alemã. Era um patrimônio invejável aos olhos dos cidadãos comuns, mas nada comparável com o da família de Treize ou de Dorothy Catalonia, herdeira dos Romefeller.
No entanto, fazia vários meses que ela não podia se dar ao luxo de visitar a sua terra natal.
Estava por demais atarefada com as atividades dos Preventers e férias era uma palavra desconhecida para ela. Outrora servidora fiel do falecido líder mundial Treize, agora, dedicava o melhor de sua juventude e energias para defender a segurança da Esfera Terrestre unificada, que o seu antigo amor sonhara.
- Treize-sama... Queria tanto que você estivesse aqui... - Murmura baixinho a jovem de cabelos castanho-claros antes de fechar os olhos e encostar a sua cabeça no assento de trás do carro aonde estava.
NOTAS COMPLEMENTARES:
Jihad: Guerra Santa contra os infiéis, no Islamismo.
ONG: Organização Não-Governamental, entidade não vinculada a um governo ou empresa. O Greenpeace e a Anistia Internacional são exemplos de uma ONG.
The Truth: Este jornal fictício foi inspirado nos tablóides sensacionalistas da Inglaterra.
Cherry Blosson: versão em inglês da palavra Sakura.
Wiener - Neustadt: Era uma academia famosa de oficiais que existiu de verdade e que formou os quadros de elite do exército austríaco/alemão durante a 1a e a 2a Guerras Mundiais.
Anne-Marie Une: Na realidade, durante a série, o nome verdadeiro de Lady Une nunca foi revelado. Contudo, coincidentemente, na grande maioria das fanfics, os fãs usam "Anne" ou "Anne-Marie" como o seu primeiro nome. A sua ascendência é alemã (segundo alguns) ou franco-alemã (segundo outros);
"Swords to Plowshares": Espadas em Arados. Esta expressão é de origem bíblica e alude a uma promessa de Deus de pacificar a Terra por completo. Também é o nome de uma carta do card game Magic: The Gathering.
Bertrand Russell: O Presidente da Nação Unida, mencionado neste capítulo é o mesmo que aparece na Endless Waltz e na sua adaptação em quadrinhos. Como o seu nome não é mencionado, optei por usar o de um famoso filósofo pacifista do século XX.
Coronel Treize: Nota, as hierarquias militares usadas na série Gundam NÃO tem nada a ver com as modernas, especialmente as do Exército Americano. Na realidade elas foram inspiradas no organograma militar japonês da II Guerra Mundial, no qual algumas das patentes não têm equivalente em português.
No caso particular de Treize não acredito que ele fosse coronel na época do golpe da OZ, por se tratar de um cargo baixo para a categoria que ele ocupava. Provavelmente o cargo correto dele seria o de brigadeiro-general ou tenente-general, da mesma forma que acho que Une é muito jovem demais para ocupar o cargo de coronel. Possivelmente ela deveria ser Tenente-Coronel na época da Eve Wars.
Guerra Virtual: A preocupação da Lady Une demonstrada neste capítulo não é invenção minha. Ela existe de verdade e tanto os americanos como os chineses estão estudando táticas de como combater ameaças virtuais durante uma guerra de verdade. Acredita-se que muitas das notícias falsas e boatos plantados na imprensa durante a cobertura da campanha no Afeganistão e recentemente o Iraque nada mais tenham sido parte desta estratégia militar, que visa a intimidar e confundir o inimigo.
Escrito por: Calerom
Versão Final: 09/11/2003
Myamauchi1969@yahoo.com.br
