CAPÍTULO 3: Algo maior (Revisto)


Calmo... Calmo...

Dava até para bocejar de tão calmo. Sereno. Tranqüilo...

Então: passos... Gavetas se abrindo e fechando. A água do filtro caindo nos copos de plástico. Dava para tirar um cochilo... Depois de bocejar, muitas e muitas vezes...

Calmo... Calmo... Cal—

Aika: 'Aperta o Enter!!'

Sakura: 'Eu tô apertando!'

Aika: 'Será que emperrou!?'

Sakura: 'Será?! Claro que emperrou!!'

Aika: 'Não precisa gritar... Por acaso EU gritei com você?'

Sakura: 'Quer mesmo que eu responda isso?'

Aika: 'Foi só um palpite... Mas...'

Sakura: 'Aika, ninguém mandou você chutar a máquina! E foi só por raiva que eu sei!'

Aika: 'Sabe como é, né? Tecnologia sempre tem erro...'

Sakura: 'Quer morrer hoje à tarde ou amanhã tá bom?'

Aika (dando risinhos): 'Eu já volto... Vou chamar o atendente... Hehe!'

Ambas estavam na sala 212 da Casa das Fraternidades, a sala dos computadores de registros. Para variar, com aquele seu jeito apimentado e impaciente, Aika deu para quebrar a máquina. Como iriam registrar os moradores agora?

Aika (trazendo um rapaz consigo): 'Haha... Ah! É essa maluca aí (apontou para Sakura) que quebrou... Tem muita gente descuidada por aí, viu?'

Sakura levantou uma sobrancelha.

Sakura (mal abrindo a boca para falar): 'É mesmo?'

Aika: 'Hahaha... Como ela é engraçada, né Dankko?'

Dankko: 'Então... Com licença, deixe-me ver o problema...'

Enquanto o Dankko ficava em frente aquele computador, Aika encostou-se na parede e resolveu lixar suas unhas. Já Sakura que queria ver aquilo resolvido o quanto antes ficou ao lado do homem, de costas para Aika e tentando ajudá-lo a resolver o problema.

Dankko: 'Claro... Você resolveu apertar Delete ao invés de Insert.'

Sakura: 'Ah. Se eu apertar Backspace será que anularia o Insert?'

Aika, ao ouvir aquela barbaridade não se conteve

Aika (fazendo um gesto circular do lado da cabeça e mexendo a boca como quem diz): 'Ela é louca.'

Dankko, que viu, começou a rir. Sakura não estava entendendo nada, também nem podia, já é distraída e nem estava vendo Aika.

Aika parou de lixar suas unhas e viu o nome no crachá de Dankko...

Dankko: 'Bom, agora que os problemas já estão resolvidos eu vou voltar ao meu posto.'

Aika: 'Péra aí!'

Sakura (como já conhecia a amiga): 'Aika, deixa o homem.'

Aika: 'Não sabia que seu nome era Nirro Marotto Dankko.'

Dankko: 'Sim, sou eu.'

Sakura (coçando a cabeça): 'Aonde eu já ouvi falar nesse nome...?'

Aika: 'Sakura?! Não conhece as empresas Marotto?'

Sakura: 'Ah! Então é dali? Nossa, Aika, você é uma daquelas que fica lendo todos os detalhes da produção na caixa de leite?'

Aika: 'Não, querida. É jornal mesmo.'

Sakura: 'Enfim... Obrigadinha, Dankko.'

Dankko: 'Às ordens.'

Aika: 'Mas não sabia que você trabalhava aqui. Aliás, nem precisa trabalhar, você come lixo e arrota ouro.'

Sakura: 'AIKA!'

Aika: 'Quero dizer. Por que trabalhar se pode se sustentar com toda a fortuna que tem?'

Sakura: 'AIKA!!!'

Aika: 'Sakura, perguntar não mata.'

Sakura: 'É. Mas a amiga que tem bom-senso mata a outra mais tarde.'

Dankko: 'Não se preocupem, sempre me fazem esse tipo de pergunta. Digamos que eu apenas não fui um bom filho.'

Sakura e Aika permaneceram com aquela cara de "ainda não respondeu o que queremos saber".

Dankko: 'Olha, eu tenho que ir...'

Aika puxou o braço de Dankko fazendo seus corpos se chocarem, mas foi nesse impacto que Aika aproximou sua boca da orelha de Nirro e falou o que queria.

Dankko: 'Tá bom. Até lá.'

Aika e Sakura preencheram o que faltava do cadastro e despediram-se. Logo em seguida saíram pelo corredor, mas Sakura teve que arrastar Aika que persistia em andar de costas para simplesmente olhar Dankko andando na direção contrária.

Sakura: 'Sua interesseira!'

Aika: 'Você que é mal-amada.'

Sakura: 'Não mude o assunto.'

Aika: 'Olha, por que a gente não vai logo pro hospital e pegamos as duas?'

Sakura: 'Tá bom. Mas antes eu tenho aquela entrevista para o trabalho.'

Aika: 'Tá. Então eu vou ficar aqui e depois te encontro lá no café. Às 14:00, tá bem?'

Sakura: 'Tá.'

Aika começou a andar, na realidade, correr, na direção oposta.

Sakura: 'Mas juízo, viu!? Ficar aqui não significa se jogar em cima do Dankko!!'

Aika (cobrindo a cara): 'Eu não conheço essa louca, gente.'


Mey Ling: 'Tomoyo… Já estou pronta.'

Tomoyo: 'Pode sair.'

Tomoyo estava esperando Mey Ling se arrumar, afinal seria hoje o grande dia que elas iriam se mudar para a fraternidade.

Mey Ling estava linda ao sair do banheiro (ela tinha insistido em se trocar lá, pois não queria que a amiga visse o corpo dela com alguns hematomas restantes). Usava um vestido vermelho que combinava com seus olhos e as fitas que prendiam o cabelo do mesmo jeito que sempre também tinham um tom quente.

Tomoyo: 'Nossa!'

Mey Ling: 'Que foi?'

Tomoyo: 'Você está linda!'

Mey Ling: 'Mesmo?'

Tomoyo: 'É.'

Mey Ling: 'Nossa, segura teu queixo, viu Tomoyo?'

Tomoyo: 'Elogiar é bom, envaidece, mas modéstia nunca é pouca!'

Mey Ling: 'Tá bom. Só estava com saudade de fazer brincadeiras...'

Tomoyo: 'Sorte que o médico te deu alta hoje de manhã, justo no dia que elas nos registraram.'

Mey Ling (colocando os brincos em frente à penteadeira do quarto de hospital): 'É…'

Tomoyo: 'Mas eu ainda não entendi uma coisa. Como você recebeu alta num dia sendo que no anterior ele disse que você teria de repousar por dois meses?'

Mey Ling (colocando os brincos): 'Shaoran deve ter alguma coisa com isso.'

Tomoyo: 'É, mas pelo menos você tá recebendo alta podendo recebê-la.'

Mey Ling: 'É! Mas eu tô forte, não estou fraca, afinal foi só um...'

Tomoyo mudou sua feição. Sua cara de compaixão era inegável. Mas Mey Ling não gostava disso. Havia sido criada em uma cultura na qual as mulheres eram fortes emocionalmente, assim como os homens eram na batalha.

Mey Ling (olhando a amiga pelo espelho): '...acidente!'

Tomoyo sorriu e compreendeu.

Mey ling (completando): 'Mamãe me ensinou "devemos digerir o passado assim como o bote de uma cobra, de modo rápido e frio".'(ela virou-se para Tomoyo) 'Como estou!?'

Tomoyo deu um sorriso amigo e carinhoso e disse:

Tomoyo: 'Muito bonita.'

Sakura irrompeu pela porta que nem uma desvairada. Logo Aika alcançou-a, correndo igual!

Tomoyo: 'O que foi!?'

Mey Ling: 'Querem nos matar de susto!?'

Sakura fechou a porta com força e deu um sorriso sem graça.

Sakura: 'Sabe o que que é?'

Mey Ling: 'Estávamos esperando que você nos contasse.'

Sakura (buscando fôlego): 'Então... Seguinte...'

Tomoyo: 'Sem rodeios, Sakura.'

Sakura (ainda arfando): 'Tá bom... Vou ser direta. É... Bem... Não dá para eu falar agora...'

Aika: 'Deixa que eu falo então. Surgiram umas gosmas lá fora, parecem umas gelatinas ambulantes.'

Tomoyo e Mey Ling fizeram uma cara de nojo tão grande que chegava a ser contagiosa.

Aika (virada para Sakura): 'Viu! Elas tiveram a mesma reação que eu! Só você que parece não achar isso esquisito, Sakura.'

Sakura (piscando para Tomoyo): 'Tomoyo! Eu vou lá fora falar com a segurança enquanto você fica aqui com elas, tá?!!'

Tomoyo: 'Tá.'

Aika: 'Sakura, todas nós vimos você piscando, do jeito que você é discreta até um cego viria! O que você vai fazer? Vai namorar aquele enfermeiro bonitinho, né?'

Mey Ling: 'Eu sabia! Está tendo um caso!! E nem para contar para as amigas mais próximas... Eu hein!'

Sakura: 'Não é nada disso!'

Aika: 'Então o que você vai fazer lá fora? Brincar de trocar saliva?'

Mey Ling riu, para consolo de Aika, já que as outras duas lhe lançavam olhares repreensivos!

Sakura: 'Boa sorte com essas duas, Tomoyo.'

Tomoyo: 'Tomara que tenha!'

Sakura saiu do quarto e em dois passos materializou seu báculo. O hospital estava deserto, a não ser, é claro, pelas "gelatinas ambulantes". Sakura perguntou-se onde estriam os outros pacientes, os enfermeiros e os médicos.

Mas não deu para dar muita atenção aos pensamentos, logo que virou o corredor se deparou não só com uma "gelatina ambulante", mas três! Elas eram nojentas, que nem Aika havia descrito, possuíam um corpo verde semi-transparente. Os olhos boiavam dentro da massa gosmenta, o que podia ser chamado de corpo. Não se sabia ao certo que parte era a "boca" ou lugar de ingestão, mas eles pareciam comer tudo que tocavam, seu rastro era ácido e corroia o chão formando irregularidades em todo o corredor do hospital.

Sakura: 'Vocês vão ver o que é bom para a tosse.'

Os três se viraram para ela e começaram a rastejar. Para a decepção de Sakura eles eram muito lentos, o que a fez cair no chão de frustração.

Sakura: 'Bom, como vocês são poderosos, né?'

Gosmas: '...'

Sakura: 'Tímidos também, que coisa.'

Ela lançou um segundo olhar ao redor e viu outras duas gosmas se aproximando.

Sakura: 'Ai ai... Ai que nojooo!'

Percebendo que elas se aproximavam cadê vez mais "rápido". Sakura resolveu agir e alcançou uma de suas cartas no bolso preso à cintura.

Sakura: 'Ok... Fogo!'

As chamas que saiam da criatura, a qual acabava de aparecer da carta, fizeram um estrago e tanto. Era fogo para todos os lados, inclusive o que estavam as "gelatinas ambulantes". Mas para a surpresa de Sakura, as gosmas não só desapareceram, elas explodiram! Causaram tamanha explosão que Sakura foi jogada para trás.

Voz: 'Não pode usar fogo contra elas.'

Sakura se apoiou nos cotovelos e olhou a figura de Shaoran parada ao seu lado.

Sakura (levantando-se): 'E quem te fez o sabichão?'

Li: 'Sakura, sabichão nunca fui. Não consegui prever que você me rejeitaria, né?'

Sakura (contrariada): 'Não precisa ficar jogando na minha cara!'

Li: 'Dá para a gente derrotar eles logo?'

Sakura (bufando de raiva): 'Tá! Espada!!'

Li: 'Não!'

Sakura golpeou o ar fazendo com que as "gelatinas ambulantes" se partissem em dois ou três pedaços.

Li: 'Por que fez isso!?!'

Sakura: 'Não queria destruí-las?'

Li: 'Agora elas se separaram em milhões!'

Sakura (sorrindo sem-graça): 'Oops...'

Realmente, Shaoran estava certo. As três "gelatinas ambulantes" se separaram em outras tantas. Elas se espalharam por tudo quanto é canto, parede e teto!

Sakura: 'Vamos embora! Meu Escudo é forte, mas elas iriam nos rodear completamente.'

Li: 'Não podemos deixar essa bagunça.'

Sakura: 'Não vamos deixá-la, só vamos repensar a estratégia.'

Li: 'Sakura!'

Sakura (segurando na manga da camiseta de Li): 'Elas são nojentas.'

Li: 'Eu não acredito! Você está recuando!?'

Não houve mais tempo, Sakura o puxou pelo punho resistente e forte até o quarto onde estavam as meninas. Por mais que Shaoran pudesse resistir, ele não quis. Se submeter à Sakura ainda era seu principal desejo.


Tomoyo estava sentada na cama enquanto Mey Ling recostava-se no sofá. Aika encostou-se na parede e lá ficou.

O descanso não deu mole para as três: Sakura (novamente) entrou brutalmente pela porta, mas dessa vez puxando Shaoran.

Mey Ling: 'O que foi!?'

Sakura: 'As "gelatinas ambulantes" estão... Er... Se multiplicando.'

Aika (se escondendo atrás de Tomoyo): 'Aaaahhhhhhh!!'

Tomoyo: 'O que foi Aika?'

Aika: 'Cuidado! Ele tem uma espada!!!'

Tomoyo deu um risinho.

Aika: 'Sakura? O que faz com um bastão tão bonitinho? É o bastão das líderes de torcida da faculdade? Você foi pegar e nem me avisou, né!?'

Li: 'Não contou para ela?'

Sakura (sussurrando): 'Eu não queria colocá-la em risco, porque... Bem, você sabe! Não podemos negar que Mey Ling e Tomoyo sempre estiverem em perigo.'

Shaoran: 'Sim.'

Aika: 'Pára tudo!! Não me contaram o quê?!'

Sakura: 'Meu Deus, que ouvidos!'

Shaoran: 'Vai mesmo contar para ela?'

Sakura: 'Não tem como voltar atrás agora, né!?'

Mey Ling (pegando Aika nos ombros): 'Aika, Sakura e Shaoran são...'

Tomoyo: 'Não quer dar o prazer de contar a verdadeira identidade para os verdadeiros heróis, Mey Ling?'

Mey Ling (com um olhar fulminante para Tomoyo): 'Tomoyo, dá próxima vez que falar alguma coisa lembre-se que eu não estou mais doente.'

Aika (virando-se para os dois na porta): 'Vocês são o que?'

Sakura: 'Nós, desde pequenos, somos...'

Aika: 'Parem! Não me contem!'

Aika foi até a janela e levou uma mão à testa.

Aika: 'Eu sabia!'

Sakura: 'Sabia?'

Aika (virando-se para eles novamente): 'Eu já esperava, desde sempre notei que a Sakura era diferente. Mas ser "um deles"... Eu não esperava.'

Sakura: 'Um deles? Como assim?!'

Aika: 'E o Shaoran? Tadinha de mim!! Justo um homem tão bonito e cá entre nós, bom partido... Ele não merece.'

Mey Ling: 'A gente tá vendo o mesmo filme?'

Aika retornou a olhar para o céu. Aproximou-se da janela e levantou a persiana completamente. Apoiou suas mãos no parapeito metálico da janela de vidro e baixou a cabeça.

Mey Ling (cochichando com Tomoyo): 'Já tentaram levá-la a algum hospício?'

Tomoyo: 'Estou tão surpresa quanto você.'

Aika (sacudindo o pulso no ar): 'POR QUE NÃO ABDUZIRAM OUTRA PESSOA SEUS MALDITOS VERDINHOS!!??'

Sakura: 'O queêêêêêêêêêêêêêêê???????!!'

Mey Ling: 'Ninguém disse que eles eram ETs, sua louca!'

Sakura: 'E-eu...'

Aika: 'Não diga mais nada! Eu entendo porque não me contou... Temeu que eu não aceitasse e ligasse para alguma organização secreta, não é mesmo?'

Sakura: 'Aika! E-eu-e-eu... Não...'

Aika: 'Não sabia que eu sabia, não é? Mas sempre notei que você...Você era esquisita... E-eu nunca contaria Sakura, você sabe disso. E além do mais eu...'

Aika foi interrompida por Shaoran que lançou um trovão no lustre fazendo-o cair, junto com Aika, que levou um baita susto.

Shaoran: 'Nós não somos ETs! Nós somos bruxos! E dos bons!'

Aika (perplexa): 'Como fez aquilo?!'

Shaoran: 'Vamos logo Sakura. Temos que destruir uns demônios impertinentes.'

Shaoran abriu a porta e saiu puxando Sakura pelo braço.

Sakura (com a cabeça ainda dentro do quarto): 'Depois você vai me explicar essa história de me achar "esquisita"!'

Aika ainda estava caída no chão. Enquanto Tomoyo ajudava-a a se levantar, Mey Ling decidiu ir ajudar os bruxos a derrotar as gosmas.

Tomoyo: 'Você ainda está fraca Mey Ling! Volte!'


O corredor estava estranhamente calmo. Sakura respirava tão alto que dava para ouvir. Na verdade não se sabia se era ela que respirava alto ou se tudo que estava muito quieto. Ela andava e andava, passos curtos, e com aquele sapato de boneca. Shaoran vinha logo atrás. Já haviam, e muito, se afastado do quarto onde estava Mey Ling, como pensavam. Mas de repente naquela calma toda uma mão tocou o ombro de Sakura.

Sakura: 'AAAAHHHHHHHH!!!!!'

Li: 'Calma, sou eu.'

Sakura: 'Que susto que você me deu! Deveria saber!'

Li: 'Então eu te assusto?'

Sakura: 'Não me provoque! Aliás, como raios você ficou para trás!?'

Li: 'Você é mesmo distraída...'

Sakura: 'Pare de dar uma de gostosão!'

Li: 'Ai ai...' Li voltou os olhos para Sakura e fixou-os nos dela. 'Sakura? Agora que estamos a sós, pode me explicar por que fugiu de mim?'

Sakura: 'Olha, eu estou muito brava com você!'

Li: 'Por quê?'

Sakura: 'Você não vê que sua prima estava muito doente, está tudo uma bagunça e logo vem querer me beijar!'

Li: 'É isso mesmo?'

Sakura: 'Shaoran!'

Li: 'Com licença, mas se for mentir para mim é melhor que nem fale nada!'

Shaoran se afastou e entrou em um corredor vazio e escuro.

Sakura: 'Shaoran! Não me deixe aqui sozinha! Ai... Que droga! Era só o que me faltava!'

Sakura temia dizer a verdade? Nem ela sabia por que havia fugido. Ela tinha cumprido a promessa feita há 5 anos. Ele também. Pelo menos era o que ele dizia.

Por que Sakura temia ficar com Shaoran, que era o que sempre desejou, sonhou e estimou em todos os anos que permaneceram afastados. A garota não sabia. Só sabia que não podia ficar assim, não tinham motivos para brigar. Ela dirigiu-se ao corredor que ele tinha entrado, bem devagar, pé ante pé. As luzes que passavam pelas persianas semi-fechadas iluminavam o lugar. Já anoitecia. Shaoran estava encostado no chão, atrás de uma maca.

Li: 'O que quer?!'

Sakura: 'Eu só vim conversar.'

Li: 'Mentir?!'

Sakura: 'Shaoran... Você acha que isso é fácil para mim!?'

Li: 'Você nunca mentiu Sakura. Não para mim.'

Sakura contornou a maca e se ajoelhou em frente a Shaoran.

Sakura: 'Eu não sei por que mas alguma coisa me diz que não devemos ficar juntos, não agora!'

Li (abrindo os olhos e fixando-os nos de Sakura): 'Então por que não vai embora?'

Sakura sentiu aquilo perfurando seu corpo. Tudo que não podia ouvir, ouviu. A rejeição de Shaoran era tão dolorosa e inesperada que a garota não controlou a lágrima que havia se formado nos olhos. Mal sabia ela que tinha feito o mesmo, naquele instante, para Shaoran.

Sakura: 'S-Shaoran?'

Li: 'Está se sentindo rejeitada, Sakura?'

Sakura não falava, nem ao menos conseguia balbuciar... Ela mexia os lábios como quem queria dizer algo mas nenhum som saía de sua boca.

Li: 'Você está chorando! Chore! É tudo que faz. Machuca os outros mas quando é machucada, só chora!'

Sakura não podia acreditar que estava ouvindo aquelas palavras do seu eterno amor. Como podia!? Ela engoliu o choro, limpou as lágrimas e ficou decidida que iria reagir!

Sakura: 'Shaoran! Choro por você! Choro porque quem me magoou é você! Só você consegue me magoar o suficiente para eu desistir de viver, desistir de lutar, desistir de todos! Mas eu nunca eu desisti de você!'

Li: 'Então por que não me beijou!?'

Sakura: 'Já disse!'

Li: 'Sempre tem que seguir tua intuição?!'

Sakura: 'Está bem Shaoran! Você mesmo disse que nunca menti para você. Pois bem! Não estou mentindo, não podemos ficar juntos.'

Sakura se levantou e começou a dar a volta na maca vazia se dirigindo à porta. Shaoran sentiu alguma coisa, uma intuição. Mesmo se contradizendo... Resolveu acolhê-la.

Levantou em um pulo e engoliu o orgulho. Ele pegou Sakura pela cintura enlaçando o corpo delicado da garota encostando-o na parede.

Sakura: 'Shaoran?'

Shaoran não deu tempo ou fôlego para Sakura replicar. Ele aproximou seu rosto do dela e ambos puderam sentir as respirações ofegantes se misturando, o calor do corpo deles emanava de tanto que era.

Li não perdeu tempo e inclinou a cabeça virando-a levemente. Encostou seu lábio vigoroso no de Sakura. Pode sentir o mel dos lábios da garota pela qual havia se apaixonado. Sentiu o calor e a maciez que Sakura transmitia. Ela, por sua vez, sentiu a força e o amor que Shaoran sentia, sentiu que aquele beijo era único e perfeito, um real primeiro beijo. Ela abriu os lábios dando a permissão que Shaoran pedia para aprofundar sua língua. Ambos se beijavam muito apaixonadamente. Esqueceram-se de tudo! Esqueceram que havia "gelatinas ambulantes" pelo hospital, esqueceram que Aika sabia que eles eram bruxos, esqueceram que Mey Ling estava um pouco machucada, esqueceram até de respirar.

Shaoran levantou Sakura do chão e ainda sem descolar seus lábios dos dela deitou-a na maca, que para uma de hospital até que se mostrou macia. Sakura enlaçou o pescoço do rapaz fazendo sua mão percorrer a nuca e os cabelos despenteados e rebeldes de Shaoran. Ele segurava firmemente a cintura da garota enquanto a outra mão se apoiava na maca para que não desabasse sobre o corpo de Sakura.

Ela sabia que não deveria estar fazendo isso. Não depois do que ele havia dito, pela sua intuição. Tudo estava contra, mas quando se tratava de Shaoran, a questão fugia à razão.

Os dois estavam tão apaixonados que esqueceram completamente a noção das coisas, do mundo lá fora. Shaoran levantou seu corpo permanecendo ajoelhado na cama. Foi desabotoando a camisa azul que usava e revelou o peitoral definido e o abdômen bem trabalhado, mas logo voltou a beijar carinhosamente Sakura.

Ela também estava apaixonada e envolvida o suficiente para se aprofundar nas carícias. Foi desabotoando lentamente camiseta branca que usava mostrando seu colo, mas nada ainda muito ousado pois afinal as roupas íntimas escondiam.

Enquanto desabotoava o segundo botão, beijava Shaoran, mas também escutava alguém ali perto brigando. Como ela e Shaoran não estavam ligando para nada, nem escutaram direito. Mas podiam ter certeza de que alguém xingava...

Voz: 'Toma aqui seu baixinho!'

A voz persistia mas de repente cessou. Sakura estava no quarto botão mas foi interrompida. Os passos aumentaram... De repente a luz acendeu e ouviu-se coisas caindo no chão. Sakura sentou na maca com o susto e Shaoran ficou ajoelhado na sua frente, porém olhando para a extremidade do corredor. Algumas macas caídas e lençóis pousando suavemente no chão embaralhavam a vista deles. Porém era possível ouvir alguém gemendo. Havia uma pessoa debaixo de tudo aquilo.

Shaoran levantou-se e foi até a menina que estava deitada sob os lençóis de algodão. Sorte que a maca havia caído um pouco mais adiante e não machucou a garota.

Mey Ling: 'Shaoran?'

Li: 'Está machucada?'

Mey Ling: 'Não…'

Mey Ling levantou e limpou a poeira da roupa.

Mey Ling: 'Está com a camisa aberta.' (ela olhou para a maca atrás dele e viu Sakura com a blusa semi-aberta) 'Ah... Entendi.'

Mey Ling fechou o sorriso. Ela não podia contrariar seus sentimentos. Por mais que tivesse cedido Shaoran para Sakura, ainda a incomodava ver que eram eles que estavam predestinados e não ela e o primo.

Sakura abotoou a blusa e saiu atrás da amiga que já partia correndo. Ao cruzar com Shaoran, ele agarrou seu braço e deu um último beijo.

Sakura: 'É por isso que não podemos ficar juntos.'

Ela se desvencilhou do braço de Li e começou a andar.


Sakura: 'Mey Ling!'

Mey Ling: 'Que foi?'

Sakura: 'Quer parar!?'

Mey Ling: 'Por quê?'

Sakura não pôde responder pois viu que o corredor em que elas estavam, estava cheio e completamente rodeado de "gelatinas ambulantes".

Sakura: 'Eu vou por esse lado e você vai por aquele está bem?'

Mey Ling: 'Quem disse que manda em mim agora?!'

Sakura: 'Mey Ling, sei que está irritada por causa do que viu... Mas--'

Mey Ling: 'Irritada? Por que ficaria irritada? Vocês são livres, não é mesmo?! E eu já desisti dele!'

Sakura: 'Estamos em perigo, temos que trabalhar juntas!'

Mey Ling: 'Eu não vou--'

Mey Ling foi cortada por uma das "gelatinas ambulantes" que pulou em cima de seu corpo e corroia seu vestido.

Sakura foi se preparar para chutar aquela bola gosmenta mas Mey Ling a impediu.

Mey Ling: 'Foi assim que fui arremessada pelos ares. Eles são muito flexíveis, e explodem! Não vai funcionar chutar, partir ou queimar.'

Sakura pensou e pensou, mas nada lhe ocorria.

Mey Ling: 'Vai tirar essa gosma de cima de mim ou vai deixar ela estragar meu vestido inteiro?'

Sakura: 'Já sei! Vamos apagá-las!'

Mey Ling: 'Sakura... Que parte de "vestido" você não entendeu?!'

Sakura: 'Apague todos essas... Coisas! Borracha!'

Antes que a figura da borracha se formasse direito uma outra voz foi ouvida.

Aika (pegando uma cadeira): 'Toma, seu chiclete mastigado!'

Ela bateu com tudo na gosma que estava sobre Mey Ling. Como esperado, Aika foi arremessada e acabou derrubando algumas macas, mas teve a sorte de cair apoiada nos joelhos e mãos.

Sakura (ajudando Aika): 'Cuidado!'

Mey Ling: 'VES-TI-DO!'

Aika: 'Coisa desgraçada!'

Sakura: 'Vamos arrebentar. Vai Borracha!'

A criatura com a roupa xadrez foi voando pelos corredores do hospital abanando o pano e apagando todas as gosmas que encontrava. Porém uma das gosmas não conseguiu apagar. E esta parecia ser diferente, não só era esguia, mole, maleável, flexível, mas também esperta. Ela desviava dos movimentos da carta com muita rapidez. Além do mais, sua coloração era diferente, não possuía aquela tonalidade verde nojo, mas um vermelho sangue.

Shaoran: 'Deve ser o chefe.'

Mey Ling: 'Mate-o Sakura!'

Sakura: 'Matá-lo?'

Aika: 'É num está vendo que apagar num dá!'

Sakura: 'Mas como?'

Li: 'Ele tem que ter um ponto fraco.'

Aika: 'Olha! Tem um ponto brilhante dentro do seu corpo. Será que é aquilo?'

Mey Ling: 'Tente acertá-lo!'

Sakura: 'Mas e se ele se partir em mil pedaços, vai ser muito mais difícil matar.'

Mey Ling: 'Você tem outra opção?'

Sakura: 'Não...' (Sakura arrancou uma carta de seu bolso e...) 'Disparo!'

A criatura foi tão rápida que nada nem ninguém poderia desviar, a não ser a Corrida. O tiro foi certeiro e em cheio atingiu a luz que brilhava e andava dentro daquela gosma vermelha, que explodiu. Mas não se despedaçou. Só se partiu desintegrando-se no ar. A luz, que antes brilhava nele, foi se intensificando cada vez mais até que nada mais podia ser visto a não ser o seu brilho ofuscante.

Repentinamente ela parou. Apagou-se. Foi como um flash de câmera fotográfica. Todos demoraram a voltar a enxergar normalmente. Mas para surpresa de Sakura, a primeira que conseguiu ver novamente com clareza, um livro estava no lugar da criatura. Um livro com uma capa de pano, um tecido velho e rasgado. Largo e grosso, possuía páginas grossas e onduladas, parecia que havia sido molhado e depois secado. Ela aproximou-se e pegou o livro abrindo-o. Mey ling e Aika se aproximaram. Li resolveu que era hora de se retirar, precisava pensar muito no que havia acontecido com elas, e com ele. Tomoyo preferiu usar a tecnologia e somente aproximou o zoom da câmera para alcançar as páginas do livro.

Este livro era antigo, o que podia ser constatado pelas letras que estavam escritas. Era um dialeto japonês muito antigo. Sakura não sabia ler, nem ao menos Mey Ling, que se virava com o pouco que conhecia do japonês. Tomoyo não estava mais prestando atenção no livro e sim filmando a face surpresa de Sakura.

Aika: 'Ah! Isso é heshin!'

Mey Ling e Sakura: 'HESHIN?!'

Mey Ling: 'O que é heshin?'

Aika: 'É um dialeto japonês antigo. Eu estudei ele em história japonesa na minha escola lá em Hokkaido.' Completando para Mey Ling 'Morei três anos lá. É fácil!'

Tomoyo (finalmente desligando a câmera e se aproximando): 'Eu já ouvi falar em heshin.'

Mey Ling: 'Sabe ler isso, Aika?'

Aika: 'Sim.'

Sakura: 'Então leia!'

Aika: 'Perdi a prática, mas vamos lá...'

Aika se concentrava e tentava captar todas as palavras de uma frase antes de falá-las em voz alta.

Aika: 'É um manual de demônios.' (terminando a frase com uma grande interrogação na cara)

Sakura: 'Como assim?'

Aika: 'Olha o que está escrito: ... Manual de criaturas mágicas, monstros e demônios.'

Mey Ling: 'Vire a página, Sakura.'

Sakura virou.

Aika: '"Demônios". É como se fosse um subtítulo, vire de novo.'

Sakura virou e nela estava a figura da gosma. Ao seu lado uma pequena descrição de como era, como atacar e seus poderes.

Aika: 'O nome do chiclete mastigado é...'

Tomoyo: 'Não era gosma ambulante?'

Aika: 'Não, virou chiclete, mas na verdade é... Kun-hai. É um demônio do tipo fogo, muito fraco e o jeito de derrotá-los é os desintegrando.'

Mey Ling: 'Como é o primeiro do livro, deve ser o mais fraco. Olha naquela página, tem outro demônio.'

Aika: 'Sim. É o...Can Cay. É uma espécie de gato. Seus poderes são...' (Fazendo uma expressão de intelectual e pensativa) 'Hmm... Ele pode lançar bolas de fogo e seu aspecto felino lhe confere a habilidade e rapidez nos movimentos. O modo de destruí-lo é... Que engraçado. Não tem.'

Tomoyo: 'É como se não existisse.'

Mey Ling: 'Mas se ele está logo depois do Kun-hai, deve ser fraco também. Olha o tanto de páginas, até chegar no forte leva uma eternidade...'

Sakura: 'Quem disse que está nessa ordem?'

Mey Ling: 'Gente, façam-me o favor... Era uma gosma!'

Tomoyo: 'Pode ser... Mas eu sei que nunca vi esse gato antes.'

Mey Ling: 'É tão bonitinho, né!?'

Sakura: 'Eu já vi. Aqui no hospital, ou melhor, no beco, atrás dele.'

Mey Ling: 'Quando isso!?'

Sakura: 'Esses dias antes --'

Aika (completando a amiga, olhando-a como cúmplice): '...de você ir embora.'

Mey Ling: 'Hmm... Já sei! Não existe o modo de destruí-lo pois ainda não descobrimos! Tudo se encaixa perfeitamente!'

Tomoyo: 'É como se soubessem que existem pessoas que vão matá-los. É como se soubessem que existem pessoas...'

Sakura: '...que os banirão esse mundo.'


Continua...

Nota do autor: Uf... Está difícil revisar com toda essas férias aqui, mas espero que valha a pena. Eu sei que ninguém deve estarlendo isso... Mas enfim.

Muitos beijos e até mais contatos!

Qualquer sugestão, crítica, comentário ou simples palavras é só mandar um review ou me mandar um e-mail.

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