Jean encontrou ele no mesmo lugar quase uma hora depois. As lágrimas já tinham ido embora há muito tempo, substituídas por uma expressão completamente vazia.

_ Logan...

Ele não respondeu. Ela chamou de novo, se aproximou dele ajoelhado ali no chão, tocou o ombro dele por trás, suavemente. E nada. O que tinha acontecido com aquele fogo que havia entre os dois, aquele clima de provocação, aquela tensão sexual tão enorme, aquela atração tão grande que não dava pra disfarçar?

_ Logan... ficar assim não vai resolver. Por favor.

_ Grf.

Logan voltou a afundar a cara na cama dela, no meio dos lençóis ainda desfeitos, das rosas brancas amassadas e do urso que ela abraçava quando dormia. Jean pensou um pouco, não ia ser fácil tirá-lo dali, fazer ele ir lá pra fora, pra... cerimônia. Droga. Não estava sendo fácil pra ela... como ela esperaria que estivesse sendo pra ele? Tão ligado a Rogue, muito mais do que ele jamais admitiria pra ninguém. Ela sentia a dor, a culpa e o desespero se projetando dele em ondas, e atingindo com força, como facas, sua mente já enfraquecida e dolorida. Ela queria parar mas não podia, logan projetava esse sentimentos de um jeito tão descontrolado que por mais que ela quisesse, por mais que erguesse barreiras mentais, ela não conseguia deixar de sentir o que ele sentia, com uma intensidade que assustava. Ela chegou a temer pela vida dele, pelo que ele faria quando não desse mais pra negar, quando não desse mais pra esconder...

_ Logan. Por favor. A cerimônia já vai começar. Vamos? Por favor. Ela... Gostaria que você estivesse lá fora, no meio das árvores, não aqui dentro.

Ele suspirou."Jeannie, não tenta arrancar minha última esperança" ele não queria ir, não queria descer, não queria ver que era verdade, não queria que nenhum padre dos infernos ficasse lendo palavras bonitas e falsas nas quais ele não acreditava. Não queria que o professor ou jean tentassem enfiar na sua mente a verdade deles. Não queria que scott ou ororo tentassem lhe abrir os olhos, não queria. Ele queria continuar acreditando que era um pesadelo, que... que ele não tinha visto nada daquilo, não tinha ouvido nenhumas últimas palavras, nenhuma declaração de amor e... mas a verdade teimava em aparecer e aprofundar ainda mais os machucados e era nos únicos lugares onde o fator de cura não conseguia agir: nas memórias, na consciência e no coração.

"Marie, me ajuda. Me abraça."

_ Logan... É a despedida dela. Vamos?

_ Grf.

_ Vamos? É sua última chance de...

_ Não diz isso, Jean! Nunca mais!

Ela se assustou com a violência na voz dele, muito mais do que ela estava acostumada, muito mais do que qualquer tipo de coisa que ele já tinha dirigido a ela. Ela se afastou uns passos pra trás, instintivamente. queria gritar com ele que não estava sendo fácil pra ela também, muito menos com toda a culpa dele emanando e deixando ela ainda pior e mais fora de si.

"Você pensa que é o único que está sofrendo, Logan. Mas não é. Como você acha que eu me sinto? Era eu quem estava coordenando a equipe mentalmente e... oh deus. O que foi que eu fiz? Foi tudo culpa minha. Tudo... Logan deve estar me odiando por causa disso. Ele... ele realmente amava ela. Mesmo que nunca tenha admitido pra ninguém, nem sequer pra si mesmo. É o que eu sinto, agora. É o que eu sempre senti; mesmo que eu nem fosse telepata, sempre foi tão óbvio. Tão claro pra mim. Eu sempre fui uma distração, uma desculpa talvez. Não que eu quisesse mais. O homem que eu amo não é esse, largado quase morto por dentro aqui na minha frente. Não. Eu... eu me pergunto se eu perdesse o Scott... será que eu estaria melhor que o Logan está agora? Tenho certeza que não. Eu não posso julgar ninguém."

_ Logan?

_ Não tem essa história de última chance, Jeannie. Não tem. Okey?

_ Tudo bem, Logan _ ela respondeu naquela voz suave e baixinha, trazendo Logan um pouco de volta a si, mas ainda era tudo muito surreal _ vamos então... fazer uma homenagem pra ela, okey? Pra grande garota que ela fo... que ela é, que ela sempre foi. Tudo bem?

_ Grf.

Jean ouviu o som de uma correntinha se chocando com a fivela do cinto dele e logo ele estava de pé, com o terno todo amassado, as rosas amassadas, a cara amassada. Um resto de gente. Os olhos dele injetados, transbordando ódio de si mesmo, culpa, muita culpa... ele era um ser feito de culpa agora, se afundando cada vez mais num pântano negro de culpa. Se movendo devagar porque a consciência pesava.

"Preciso tentar... pelo menos uma vez... não posso desapontar minha garota. Pelo menos da últ... dessa vez"

Jean notou o ar de dor muito intensa no rosto dele aparecendo de repente e sumindo logo depois, substituído pelo vazio de novo. Era como se ele estivesse lutando contra um monte de fantasmas dentro de si mesmo. Ela não disse nada, só tocou o ombro dele de novo, e, como ele não protestou, foi guiando Logan pra fora do quarto. Ainda com as rosas e a tag na mão. Tudo nessas últimas quinze horas tinha passado de um jeito estranho, ele não se lembrava de muita coisa, era tudo um retalho de visões, de cheiros, de cenas, de dor, de mentiras e ilusão. Quando Logan percebeu, já estava lá fora no jardim. Vários rostos, alguns surpresos, outros compreensivos, alguns poucos acusadores, se viraram pra encará-lo. "Encarar o culpado, o cretino, o arrogante, o egoísta, o covarde. Apontar o dedo pra mim, jogar na minha cara tudo o que eu fiz, e o que eu não fiz. Isso, façam isso. Me ajudem a me matar lentamente, eu não mereço uma morte rápida. Só a tortura pode me purificar e me aproximar... me aproximar..."

Logan afastou rudemente a mão de jean do seu ombro, se afastou do pequeno grupo todo vestido de branco e foi pra um canto isolado, era cada vez mais difícil segurar os soluços e as lágrimas e ele era, "oficialmente", o cara que não chorava.

"Mas talvez eu devesse chorar em público agora, subir no púlpito e soluçar na frente de todo mundo, me humilhar, deixar todo mundo saber quem eu realmente sou. Saber que, mesmo que seja... tarde demais, eu ainda consigo reconhecer"

Ele foi escorregando devagar encostado na parede até cair sentado no chão, e enterrou a cabeça nas mãos, a dor era tanta que ele não sentia mais nada, já estava anestesiado. Ele se perdeu ali, nas lágrimas quentes escorrendo por entre os dedos e encharcando a camisa, as rosas já quase sem pétalas "nem nessa hora eu sou capaz de dar alguma coisa decente pra ela..." sozinho num canto debaixo das árvores, verdes como o casaco dela naquele primeiro dia, ele chorou até não ter mais lágrimas, até seus olhos estarem secos como seu coração. O vento levou embora as últimas partículas de lágrimas e bagunçava de leve seu cabelo, só então ele olhou em volta e era uma tarde linda de primavera, o jardim do instituto coalhado de árvores floridas, todo roxo e rosa e branco, muito branco, o pôr-do-sol tingindo o céu de vermelho-sangue, os passarinhos cantando o último canto antes de se recolher.

"Mariemariemarie"

Logan se abraçou, fechou os olhos, queria não ter a super-audição pra não ouvir mais nada, queria que o vento não trouxesse mais as frases de despedida que vinham lá de longe, queria não estar cercado de gente tentando desfazer seus sonhos, seus desejos... o padre, um velho conhecido do professor, tinha terminado o pequeno ato em memória de Rogue. A sequência lógica agora seria todo mundo se dirigir até o caixão, e então até a sepultura. mas não tinha sepultura nem caixão, não tinha um corpo, um cadáver, nem restos mortais. Só a certeza da morte.

"Eu vi... e não pude fazer nada... Marie..."

Charles se adiantou, a cadeira de rodas balançando de leve quando passava em cima de algum montinho na grama impecavelmente aparada, o vento balançando o terno claro enquanto ele parava ao lado do púlpito.

_ Meus queridos. É com enorme, indescritível tristeza que nos reunimos aqui hoje...

"Calaboca, Chuck. Essas palavras tão erradas. Tá tudo errado, ninguém consegue ver a verdade"

_ ... nossa pequena Rogue...

"Marie, meu... meu... amor."

_ ... entrou em nossas vidas como uma bênção...

"Entrou na minha como um anjo, como um raio de luz no meio de um monte de escuridão..."

_ ... se apagou essa noite.

*suspiro*

"Não, não se apagou. As estrelas nunca se apagam, muito menos ela, a mais linda de todas..."

_ ... então, meus caros, é em meio a muita dor que nos encontramos...

"Não, Chuck. Tu não tá vendo? Ela ainda tá aqui... tá aqui, comigo, na minha frente, sorrindo mesmo triste..."

_ ... essa pequena cerimônia...

"Cerimônia... no jardim. Rosas brancas, vestidos brancos. Casamento. Quer casar comigo, Marie? Eu sei que tu quer... aqui no jardim. A gente já tá aqui mesmo, tá todo mundo aqui e eu te amo. Porque não? Casa comigo, baby."

_ ... mas por maior que fosse, seria incapaz de simbolizar tudo o que nossa pequena Rogue simbolizou pra todos nós.

"Marie... eu nunca, nunca vou ser capaz de te fazer nem um décimo tão feliz como você me fez. Mesmo que os momentos que a gente passou junto tenham sido tão poucos e cada vez mais frustrantes, mais ameaçadores... mesmo que o que tenha me confortado naquelas noites frias tenha sido muito mais a tua lembrança do que a tua presença. Nunca."

Charles terminou seu pequeno discurso e pegou um enorme buquê de flores brancas das mãos de ororo. Jean levou a cadeira dele, flutuando uns centímetros sobre o solo, até a pequena lápide no alto de um morrinho, debaixo de uma velha árvore, com as folhas muito verdes e pequenas flores pálidas caindo em cachos sobre as pessoas ali embaixo. O pequeno grupo dos x-men tinha se dirigido todo até lá, menos Logan. Um a um, o Professor primeiro, depois Ororo, Jean, Scott, Kitty, Kurt, Piotr, todos eles colocaram flores brancas ao lado da lápide. Ficaram em silêncio uns minutos e então, ainda sem dizer uma palavra, só um ou outro soluço de Kitty, entraram na mansão.

Logan ficou o tempo todo encolhido num canto afastado, sentado numa raiz de árvore, se abraçando, sem coragem de olhar pro pequeno grupo lá longe no alto do morro. Só quando todas as vozes se calaram, quando o sol terminou de se esconder, quando o frio, a escuridão e o silêncio dominavam tudo, só então ele ergueu a cabeça. Olhou pra rosas desfeitas na sua mão, ele ainda não tinha coragem de ir até... lá. Não tinha. as primeiras estrelas já tinham começado a brilhar, e o vento voltou a soprar forte secando de novo as lágrimas que voltaram a cair pelo rosto dele no minuto em que ele ousou pensar se tudo realmente tinha acontecido.