THUD.
Ororo acordou no meio da madrugada com o som de um corpo, ou alguma coisa pesada caindo no chão. Corpo. Que estranho. Porque a primeira palavra que veio à sua mente foi "corpo"? Ela se lembrou segundos depois; e deu um suspiro pesado e algumas lágrimas escorreram por sua pele morena. Ela olhou em volta e viu o relógio marcando 3 e meia da manhã. Preocupada, vestiu um robe leve por cima da camisola e saiu apressada pelos corredores da mansão. Uma porta aberta, luzes acesas e vozes discutindo a levaram direto até um dos quartos que as estudantes dividiam.
_ Meu deus, esse cara é louco!!
_ Logan, por favor. Dá pra você sair?
_ Me deixa terminar.
_ Você não pode simplesmente entrar aqui, asustar a gente e me fazer cair da cama e...
_ Não são nem 4 da manhã! Que direito você tem...
_ Logan, Kitty e Jubileu, posso saber o que é que está acontecendo aqui?
_ Aah agora ele sai!
_ Logan, o que você está fazendo aqui a essa hora?
Jubileu, ainda caída no chão, apontou o homem mexendo no armário delas, cheio de roupas e livros nas mãos.
_ Ele tá roubando as coisas dela.
_ Não tô roubando, jubileu. calaboca.
_ Logan, o que significa isso?
Ele, com a cara enfiada dentro do armário terminando de separar as coisas, não respondeu. Pegou mais umas peças de roupas, olhou em volta estreitando os olhos, murmurou um "acho que agora foi tudo" pra si mesmo e saiu pela porta do quarto carregando as coisas.
_ Já é a terceira vez que ele faz isso, Ororo.
_ Eu vou resolver isso. Voltem a dormir.
Ela apagou a luz do quarto, fechou a porta e foi atrás dele. Encontrou Logan terminando de colocar as coisas em cima da cama. Estava tudo lá: as roupas dela, os livros, os discos, os bichos de pelúcia. Como ele tinha descoberto tudo ela não sabia mas imaginava que pelo cheiro. Ele pegava em tudo cuidadosamente, como se tocasse a dona deles... Tempestade sentiu um aperto no coração. Sua voz saiu suave, bem diferente do tom que ela tinha pensado em usar uns minutos atrás.
_ Logan, por que isso?
Ainda de costas, ele suspirou depois limpou a garganta.
_ Eu... vou tomar conta das coisas dela até ela... eu vou tomar conta das coisas dela.
Ororo disfarçou umas lágrimas. Ela nem sabia se era certo ou não o que ele estava fazendo, não sabia o que dizer, que decisão tomar. Então ela só fez que sim com a cabeça.
_ Eu... tenho certeza de que é isso que ela queria... que ela quer que você faça.
"Pela deusa. Pobre Logan. Me parte o coração cada vez que olho pra ele. Eu sei que ele odiaria se me visse sentindo pena, mas... não posso evitar. Tanto sinto pena que estou evitando tocar nesse assunto com ele. Pobre Logan"
Finalmente sozinho, ele começou a arrumar as coisas, a se cercar dela novamente. Ele mesmo não tinha tanta roupa ou sapato assim e seu armário era meio vazio. Ia ter muito espaço pras coisas dela. Ele separou primeiro as roupas íntimas, as peças mais finas, as luvas e echarpes e colocou tudo na gaveta de cima da cômoda, dobrando e alisando com cuidado, sentindo como eram macias as luvas. Ele não resistiu e passou de leve uma echarpe pelo rosto e era como se fosse a pele dela. Logan fechou os olhos e deixou a imaginação livre... tudo sempre voltava, todos os pensamentos com ela, em como seria fazer amor com ela ou mesmo um simples passeio à noite, debaixo do luar. Porque ele não tinha se aberto de uma vez com ela? vencido seus próprios medos e fantasmas? Ela merecia aquilo... e tempo não faltou. e ele... a fúria ameaçou aparecer.
"Não."
Ele abriu os olhos. Ele se lembrava dessa echarpe...
"Queria não me lembrar daquele dia... ontem? Parece que faz séculos... no bar. Tu tava mais irresistível do que nunca, e eu... um cara tão... egoísta, tão irracional... eu não sei se te mereço, baby. De qualquer forma, sempre foi mais forte que eu e eu não conseguia tirar os olhos de você naquele dia... eu tava a ponto de ceder... faltava pouco, muito pouco... e eu estraguei tudo."
Todas as lembranças e a culpa doíam demais... ele resolveu agir pra não pensar. Foi até a cama à procura de mais coisas pra arrumar.
"Droga. Cabides... preciso de cabides... a roupa dela não pode ficar amassada"
Logan tirou suas roupas dos cabides e jogou num canto do armário, voltou até a cama, colocou um cd dela no cdplayer dela pra tocar baixinho e começou a arrumar devagar as roupas, com um cuidado que ele não teria com as próprias roupas. A voz que saía do cd player era torturada; mas fazia bem pra sua alma, se encaixava perfeitamente com o que ele sentia. Eram sons estranhos e gelados... como a neve que... "não". Ele se interrompeu; não ia ficar se lembrando porque nada tinha acontecido. Mas ele não tirou o cd, talvez para se torturar.
Depois de alisar cada peça de roupa e pendurar os cabides, ele começou a guardar os sapatos dela, as botas, os tênis, do lado dos seus.
Logan suspirou e continuou seu trabalho. Colocou o chinelo debaixo da cama. A escova de dentes num copo na bancada do banheiro. Os shampoos dentro do box; e meio sem pensar abriu um dos frascos pra sentir o cheiro. E seu coração deu um salto no peito.
iEla vinha caminhando do meio das sombras escuras do corredor, meio distraída, cantarolando alguma coisa. "Doce como sempre," ele pensou, "mas tem alguma coisa mais... segura e até mesmo... fatal sobre ela... o jeito que ela anda... Hm. Acho que daqui a pouco não vai dar mais pra chamar ela de 'guria'...".
E ele não pensou muito mais nisso, e nas consequências trágicas dessas mudanças, porque era algo que não interessava exatamente agora ( ele era um homem "do momento", que não pensava muito no depois ); e porque ela virou o rosto em sua direção, arregalou os olhos e no instante seguinte estava aninhada nos braços dele, enlaçando seu pescoço.
_ Logan! Você voltou...
Ele sentiu os lábios dela se movendo através da gola de sua camisa molhada, deixou a mala escorregar pro chão e a abraçou, um abraço apertado, mergulhando meio sem querer o rosto no meio dos cabelos dela. Ele aspirou o perfume de olhos fechados, e só então ele percebeu o quanto ele tinha sentido falta dela, falta do cheiro dela, e do quanto tudo isso era muito melhor ao vivo do que nas suas lembranças ocasionais. E ele se sentiu estranhamente frustrado por aquela sensação boa ir embora de repente quando ela afrouxou o abraço e recostou a cabeça no peito dele, os olhos fechados, com os braços ainda envolvendo seu pescoço.
_ Aah que é isso, guria. Tô te estranhando... que sentimentalismo é esse? Sei que tu não sente a minha falta...
Ela ergueu os olhos e sorriu.
_ Não sinto mesmo. É só que...
Ela se interrompeu, e ele ergueu a sobrancelha esquerda.
_ Só que...?
Ela mordeu o lábio de baixo e franziu a testa, procurando as palavras pra continuar aquela velha provocaçãozinha inocente, o ritual de reencontro dos dois. E então ela olhou pra ele e sorriu de novo, timidamente.
_ Tá bom. Eu senti sua falta.
Ele sorriu vendo que ela finalmente admitia. Claro, ele sabia, e ela também, o quanto um era importante pro outro, mas era hábito nunca conversar muito sobre isso. E ele resolveu ceder também.
_ Também senti tua falta...
Ela suspirou e voltou a se aconchegar nos braços molhados dele.
_ ... e por incrível que pareça... senti falta desses freaks todos, e até dessa utopia do Chuck.
Ela tentou sorrir, mas seu rosto ficou sombrio.
_ Que bom, logan... que bom que você tá aqui. Porque não tá sendo fácil...
_ Não, não tá. Nem pra mim, nem pra vocês, nem pra ninguém.
Jean. Morta. Ele só foi perceber a intensidade dessa perda nos dias seguintes, e era tudo tão incômodo, o cheiro dela ainda vivo por ali, as vozes veladas, as lembranças, os " e se...", que logan tinha que se afastar. Ele pegou a estrada com a intenção de ficar longe por vários meses, quem sabe pra sempre. Mas menos de duas semanas depois ali estava ele outra vez. Chegando durante uma tempestade, encharcado, abraçando uma garota no hall de entrada e passando a mão de leve pelos cabelos sedosos dela.
_ Mas a gente vai superar, de um jeito ou de outro.
E por causa desses pensamentos ele tinha voltado. A vida continuava, e alguma coisa no instituto o chamava de volta. Talvez ele finalmente tivesse sido tocado pelo sonho de Xavier... ele deixou sua mente voar um pouco, pra quem sabe entender de uma vez por todas porque tinha voltado. Mas mais uma vez não conseguiu, e percebeu que Marie agora estava quase tão encharcada quanto ele.
_ Hey, Marie... eu tou todo molhado.
Ela se afastou rápida dele, uma expressão de espanto falso em seu rosto.
_ Você é mesmo mau, Logan... se aproveitando do meu momento sentimental pra me encharcar desse jeito...
E ela se começou a andar, sorrindo por cima do ombro, e subiu correndo as escadas, deixando o cheiro do shampoo impregnado em sua roupa molhada. E ele sentiu seu coração se aquecendo. Estava em casa, finalmente. /i
Ele queria chorar mas não tinha mais lágrimas. Então se concentrou no trabalho, tentando esvaziar a mente. Todas as "coisas de garotas", perfumes, maquiagem, cremes, esmaltes, foram pra outra gaveta da cômoda. Esmaltes. Ele suspirou e parou por alguns segundos, mais uma lembrança tentando invadir sua mente. E por fim ele colocou os ursos, os livros e os cds dentro do armário. "Pra não pegar poeira."
Tudo terminado, ele se sentou na cama e olhou em volta satisfeito. O dia estava amanhecendo e depois de duas noites em claro seu corpo pedia pra descansar. Mas ele não queria. Ele ia ficar esperando. Mas suas pálpebras pesavam demais, e ele as fechou por alguns segundos.
iEle sabia que era ela, sem sequer se virar. O som dos passos, e principalmente o cheiro, eram inconfundíveis.
Mas ele não estava em um de seus melhores dias, então apenas esperou, e não se virou até que ela estivesse ao seu lado. Ela olhou pra ele e logan sentiu aqueles olhos castanhos e quentes pregados nos seus e derretendo um pouco seus pensamentos negros sobre a morte de Jean Grey, enquanto apagava o charuto.
_ Tô atrapalhando?
_ Nah.
Ela cruzou os braços e ficou de pé ao lado dele, debaixo das árvores douradas, assistindo ao pôr-do-sol triste daquela tarde de outono. O inverno não demoraria a chegar e um vento frio soprava, e Vampira ergueu a gola do casaco pra se proteger.
_ Só não tou num dia muito bom pra conversa, guria.
Ela olhou de novo pra ele, e franziu a testa, pensativa, um dedo tamborilando de leve os lábios entreabertos. E por fim se resolveu.
_ Você tá precisando de um abraço.
_ Abraço?
_ Abraço.
Ela sorriu, e mesmo se sentindo péssimo por dentro ele sorriu também.
_ Não sou um cara de abraços.
_ Eu sei. Mas todo mundo precisa de um, de vez em quando... e você não é tão diferente assim de todo mundo, por mais que possa pensar o contrário.
Ela se aproximou.
_ Posso?
Talvez fosse o calor nos olhos e na voz dela, o ar decidido e ao mesmo tempo carinhoso no seu rosto, ou o perfume dela. Não importava muito; o fato é que ele fez um movimento imperceptível com a cabeça, e logo em seguida sentiu os braços dela envolvendo seu pescoço. E abaixou a cabeça mergulhando outra vez o rosto nos cabelos dela, dessa vez por vontade própria. Era mesmo muito bom sentir aquele cheiro, sentir como os fios eram macios e o envolviam numa carícia e desfaziam quase toda a sua raiva do mundo naquele dia; e por uns instantes chegou a pensar em parar de fumar pra que pudesse sentir o cheiro dela na sua forma mais pura. Logan fechou os olhos e a abraçou também, passando os braços pela cintura dela, e sentiu seus corpos ficarem muito próximos por alguns segundos, antes de se separarem.
_ Viu? Não doeu.
Ele deslizou as mãos pelo corpo dela e segurou as mãos enluvadas nas suas, e as apertou de leve, agradecendo silenciosamente. E ela sorriu enquanto o vento bagunçava seus cabelos./i ele fechou os olhos outra vez.
"Abraço... preciso tanto de um abraço teu agora, Marie..."
E não poder ter esse abraço o fazia sangrar por dentro... meio que instintivamente ele pegou uma echarpe dela na gaveta da cômoda e levou pra cama. Dormiu envolvido pelo cheiro dela e a certeza de que, quando abrisse os olhos de novo, a vida teria voltado ao normal e tudo não teria passado de um pesadelo, de alguma alucinação, de uma piada de mau gosto.
---
*era o ok computer, do radiohead. mas como ele não liga pra títulos não deu importância pra isso.
Ororo acordou no meio da madrugada com o som de um corpo, ou alguma coisa pesada caindo no chão. Corpo. Que estranho. Porque a primeira palavra que veio à sua mente foi "corpo"? Ela se lembrou segundos depois; e deu um suspiro pesado e algumas lágrimas escorreram por sua pele morena. Ela olhou em volta e viu o relógio marcando 3 e meia da manhã. Preocupada, vestiu um robe leve por cima da camisola e saiu apressada pelos corredores da mansão. Uma porta aberta, luzes acesas e vozes discutindo a levaram direto até um dos quartos que as estudantes dividiam.
_ Meu deus, esse cara é louco!!
_ Logan, por favor. Dá pra você sair?
_ Me deixa terminar.
_ Você não pode simplesmente entrar aqui, asustar a gente e me fazer cair da cama e...
_ Não são nem 4 da manhã! Que direito você tem...
_ Logan, Kitty e Jubileu, posso saber o que é que está acontecendo aqui?
_ Aah agora ele sai!
_ Logan, o que você está fazendo aqui a essa hora?
Jubileu, ainda caída no chão, apontou o homem mexendo no armário delas, cheio de roupas e livros nas mãos.
_ Ele tá roubando as coisas dela.
_ Não tô roubando, jubileu. calaboca.
_ Logan, o que significa isso?
Ele, com a cara enfiada dentro do armário terminando de separar as coisas, não respondeu. Pegou mais umas peças de roupas, olhou em volta estreitando os olhos, murmurou um "acho que agora foi tudo" pra si mesmo e saiu pela porta do quarto carregando as coisas.
_ Já é a terceira vez que ele faz isso, Ororo.
_ Eu vou resolver isso. Voltem a dormir.
Ela apagou a luz do quarto, fechou a porta e foi atrás dele. Encontrou Logan terminando de colocar as coisas em cima da cama. Estava tudo lá: as roupas dela, os livros, os discos, os bichos de pelúcia. Como ele tinha descoberto tudo ela não sabia mas imaginava que pelo cheiro. Ele pegava em tudo cuidadosamente, como se tocasse a dona deles... Tempestade sentiu um aperto no coração. Sua voz saiu suave, bem diferente do tom que ela tinha pensado em usar uns minutos atrás.
_ Logan, por que isso?
Ainda de costas, ele suspirou depois limpou a garganta.
_ Eu... vou tomar conta das coisas dela até ela... eu vou tomar conta das coisas dela.
Ororo disfarçou umas lágrimas. Ela nem sabia se era certo ou não o que ele estava fazendo, não sabia o que dizer, que decisão tomar. Então ela só fez que sim com a cabeça.
_ Eu... tenho certeza de que é isso que ela queria... que ela quer que você faça.
"Pela deusa. Pobre Logan. Me parte o coração cada vez que olho pra ele. Eu sei que ele odiaria se me visse sentindo pena, mas... não posso evitar. Tanto sinto pena que estou evitando tocar nesse assunto com ele. Pobre Logan"
Finalmente sozinho, ele começou a arrumar as coisas, a se cercar dela novamente. Ele mesmo não tinha tanta roupa ou sapato assim e seu armário era meio vazio. Ia ter muito espaço pras coisas dela. Ele separou primeiro as roupas íntimas, as peças mais finas, as luvas e echarpes e colocou tudo na gaveta de cima da cômoda, dobrando e alisando com cuidado, sentindo como eram macias as luvas. Ele não resistiu e passou de leve uma echarpe pelo rosto e era como se fosse a pele dela. Logan fechou os olhos e deixou a imaginação livre... tudo sempre voltava, todos os pensamentos com ela, em como seria fazer amor com ela ou mesmo um simples passeio à noite, debaixo do luar. Porque ele não tinha se aberto de uma vez com ela? vencido seus próprios medos e fantasmas? Ela merecia aquilo... e tempo não faltou. e ele... a fúria ameaçou aparecer.
"Não."
Ele abriu os olhos. Ele se lembrava dessa echarpe...
"Queria não me lembrar daquele dia... ontem? Parece que faz séculos... no bar. Tu tava mais irresistível do que nunca, e eu... um cara tão... egoísta, tão irracional... eu não sei se te mereço, baby. De qualquer forma, sempre foi mais forte que eu e eu não conseguia tirar os olhos de você naquele dia... eu tava a ponto de ceder... faltava pouco, muito pouco... e eu estraguei tudo."
Todas as lembranças e a culpa doíam demais... ele resolveu agir pra não pensar. Foi até a cama à procura de mais coisas pra arrumar.
"Droga. Cabides... preciso de cabides... a roupa dela não pode ficar amassada"
Logan tirou suas roupas dos cabides e jogou num canto do armário, voltou até a cama, colocou um cd dela no cdplayer dela pra tocar baixinho e começou a arrumar devagar as roupas, com um cuidado que ele não teria com as próprias roupas. A voz que saía do cd player era torturada; mas fazia bem pra sua alma, se encaixava perfeitamente com o que ele sentia. Eram sons estranhos e gelados... como a neve que... "não". Ele se interrompeu; não ia ficar se lembrando porque nada tinha acontecido. Mas ele não tirou o cd, talvez para se torturar.
Depois de alisar cada peça de roupa e pendurar os cabides, ele começou a guardar os sapatos dela, as botas, os tênis, do lado dos seus.
Logan suspirou e continuou seu trabalho. Colocou o chinelo debaixo da cama. A escova de dentes num copo na bancada do banheiro. Os shampoos dentro do box; e meio sem pensar abriu um dos frascos pra sentir o cheiro. E seu coração deu um salto no peito.
iEla vinha caminhando do meio das sombras escuras do corredor, meio distraída, cantarolando alguma coisa. "Doce como sempre," ele pensou, "mas tem alguma coisa mais... segura e até mesmo... fatal sobre ela... o jeito que ela anda... Hm. Acho que daqui a pouco não vai dar mais pra chamar ela de 'guria'...".
E ele não pensou muito mais nisso, e nas consequências trágicas dessas mudanças, porque era algo que não interessava exatamente agora ( ele era um homem "do momento", que não pensava muito no depois ); e porque ela virou o rosto em sua direção, arregalou os olhos e no instante seguinte estava aninhada nos braços dele, enlaçando seu pescoço.
_ Logan! Você voltou...
Ele sentiu os lábios dela se movendo através da gola de sua camisa molhada, deixou a mala escorregar pro chão e a abraçou, um abraço apertado, mergulhando meio sem querer o rosto no meio dos cabelos dela. Ele aspirou o perfume de olhos fechados, e só então ele percebeu o quanto ele tinha sentido falta dela, falta do cheiro dela, e do quanto tudo isso era muito melhor ao vivo do que nas suas lembranças ocasionais. E ele se sentiu estranhamente frustrado por aquela sensação boa ir embora de repente quando ela afrouxou o abraço e recostou a cabeça no peito dele, os olhos fechados, com os braços ainda envolvendo seu pescoço.
_ Aah que é isso, guria. Tô te estranhando... que sentimentalismo é esse? Sei que tu não sente a minha falta...
Ela ergueu os olhos e sorriu.
_ Não sinto mesmo. É só que...
Ela se interrompeu, e ele ergueu a sobrancelha esquerda.
_ Só que...?
Ela mordeu o lábio de baixo e franziu a testa, procurando as palavras pra continuar aquela velha provocaçãozinha inocente, o ritual de reencontro dos dois. E então ela olhou pra ele e sorriu de novo, timidamente.
_ Tá bom. Eu senti sua falta.
Ele sorriu vendo que ela finalmente admitia. Claro, ele sabia, e ela também, o quanto um era importante pro outro, mas era hábito nunca conversar muito sobre isso. E ele resolveu ceder também.
_ Também senti tua falta...
Ela suspirou e voltou a se aconchegar nos braços molhados dele.
_ ... e por incrível que pareça... senti falta desses freaks todos, e até dessa utopia do Chuck.
Ela tentou sorrir, mas seu rosto ficou sombrio.
_ Que bom, logan... que bom que você tá aqui. Porque não tá sendo fácil...
_ Não, não tá. Nem pra mim, nem pra vocês, nem pra ninguém.
Jean. Morta. Ele só foi perceber a intensidade dessa perda nos dias seguintes, e era tudo tão incômodo, o cheiro dela ainda vivo por ali, as vozes veladas, as lembranças, os " e se...", que logan tinha que se afastar. Ele pegou a estrada com a intenção de ficar longe por vários meses, quem sabe pra sempre. Mas menos de duas semanas depois ali estava ele outra vez. Chegando durante uma tempestade, encharcado, abraçando uma garota no hall de entrada e passando a mão de leve pelos cabelos sedosos dela.
_ Mas a gente vai superar, de um jeito ou de outro.
E por causa desses pensamentos ele tinha voltado. A vida continuava, e alguma coisa no instituto o chamava de volta. Talvez ele finalmente tivesse sido tocado pelo sonho de Xavier... ele deixou sua mente voar um pouco, pra quem sabe entender de uma vez por todas porque tinha voltado. Mas mais uma vez não conseguiu, e percebeu que Marie agora estava quase tão encharcada quanto ele.
_ Hey, Marie... eu tou todo molhado.
Ela se afastou rápida dele, uma expressão de espanto falso em seu rosto.
_ Você é mesmo mau, Logan... se aproveitando do meu momento sentimental pra me encharcar desse jeito...
E ela se começou a andar, sorrindo por cima do ombro, e subiu correndo as escadas, deixando o cheiro do shampoo impregnado em sua roupa molhada. E ele sentiu seu coração se aquecendo. Estava em casa, finalmente. /i
Ele queria chorar mas não tinha mais lágrimas. Então se concentrou no trabalho, tentando esvaziar a mente. Todas as "coisas de garotas", perfumes, maquiagem, cremes, esmaltes, foram pra outra gaveta da cômoda. Esmaltes. Ele suspirou e parou por alguns segundos, mais uma lembrança tentando invadir sua mente. E por fim ele colocou os ursos, os livros e os cds dentro do armário. "Pra não pegar poeira."
Tudo terminado, ele se sentou na cama e olhou em volta satisfeito. O dia estava amanhecendo e depois de duas noites em claro seu corpo pedia pra descansar. Mas ele não queria. Ele ia ficar esperando. Mas suas pálpebras pesavam demais, e ele as fechou por alguns segundos.
iEle sabia que era ela, sem sequer se virar. O som dos passos, e principalmente o cheiro, eram inconfundíveis.
Mas ele não estava em um de seus melhores dias, então apenas esperou, e não se virou até que ela estivesse ao seu lado. Ela olhou pra ele e logan sentiu aqueles olhos castanhos e quentes pregados nos seus e derretendo um pouco seus pensamentos negros sobre a morte de Jean Grey, enquanto apagava o charuto.
_ Tô atrapalhando?
_ Nah.
Ela cruzou os braços e ficou de pé ao lado dele, debaixo das árvores douradas, assistindo ao pôr-do-sol triste daquela tarde de outono. O inverno não demoraria a chegar e um vento frio soprava, e Vampira ergueu a gola do casaco pra se proteger.
_ Só não tou num dia muito bom pra conversa, guria.
Ela olhou de novo pra ele, e franziu a testa, pensativa, um dedo tamborilando de leve os lábios entreabertos. E por fim se resolveu.
_ Você tá precisando de um abraço.
_ Abraço?
_ Abraço.
Ela sorriu, e mesmo se sentindo péssimo por dentro ele sorriu também.
_ Não sou um cara de abraços.
_ Eu sei. Mas todo mundo precisa de um, de vez em quando... e você não é tão diferente assim de todo mundo, por mais que possa pensar o contrário.
Ela se aproximou.
_ Posso?
Talvez fosse o calor nos olhos e na voz dela, o ar decidido e ao mesmo tempo carinhoso no seu rosto, ou o perfume dela. Não importava muito; o fato é que ele fez um movimento imperceptível com a cabeça, e logo em seguida sentiu os braços dela envolvendo seu pescoço. E abaixou a cabeça mergulhando outra vez o rosto nos cabelos dela, dessa vez por vontade própria. Era mesmo muito bom sentir aquele cheiro, sentir como os fios eram macios e o envolviam numa carícia e desfaziam quase toda a sua raiva do mundo naquele dia; e por uns instantes chegou a pensar em parar de fumar pra que pudesse sentir o cheiro dela na sua forma mais pura. Logan fechou os olhos e a abraçou também, passando os braços pela cintura dela, e sentiu seus corpos ficarem muito próximos por alguns segundos, antes de se separarem.
_ Viu? Não doeu.
Ele deslizou as mãos pelo corpo dela e segurou as mãos enluvadas nas suas, e as apertou de leve, agradecendo silenciosamente. E ela sorriu enquanto o vento bagunçava seus cabelos./i ele fechou os olhos outra vez.
"Abraço... preciso tanto de um abraço teu agora, Marie..."
E não poder ter esse abraço o fazia sangrar por dentro... meio que instintivamente ele pegou uma echarpe dela na gaveta da cômoda e levou pra cama. Dormiu envolvido pelo cheiro dela e a certeza de que, quando abrisse os olhos de novo, a vida teria voltado ao normal e tudo não teria passado de um pesadelo, de alguma alucinação, de uma piada de mau gosto.
---
*era o ok computer, do radiohead. mas como ele não liga pra títulos não deu importância pra isso.
