Cap. 2 – O Tapete Voador
Os meninos sorriam acenando animadamente para ele. O sr. Weasley parecia muito preocupado.
— Ahn... Olá, Harry. Você está bem? — balbuciou o sr. Weasley. Harry fez que sim com a cabeça, mas ainda não conseguia fechar a boca — Então, suba.
Harry continuou parado. Ele esperava absolutamente tudo, qualquer coisa, menos aquilo. Um carro do Ministério, o Nôitibus Andante, outro carro voador, talvez uma moto voadora, pó-de-flu, até vassouras, mas nunca um tapete voador.
E, no entanto, era fantástico!
Jorge pulou do tapete para ajudar Harry com o malão.
— Ei! Fecha a boca, ou vai acabar destroncando seu queixo! — exclamou ele, zombeteiro, enquanto jogava o malão em cima do tapete.
Harry fechou a boca, ainda maravilhado, pegou a gaiola vazia de Edwiges, e subiu no tapete.
— Eu nunca andei de tapete voador, sabem...
— Nós também não! — disse Rony, animado — É a primeira vez, papai comprou este na semana passada!
O sr. Weasley se virou para conferir se todos estavam confortáveis. Então, deu um tapinha no tapete e disse: "Vamos!" A parte da frente do tapete se curvou, como um gancho, e ficou parecendo um trenó para deslizar na neve. Acelerou e...
Saiu zunindo, como uma bala ou um carro de corrida, sempre subindo. Harry achou que fosse cair, mas, estranhamente, ele estava bem seguro no tapete, como se estivesse grudado nele. Estavam a uma velocidade incrível, então, quando o tapete já tinha subido o bastante, se endireitou e perdeu o ângulo inclinado, e, seguindo em frente, ainda com a ponta curvada, sua velocidade se multiplicou, e Harry percebeu que nunca antes andara em algo tão rápido. Exceto por, é claro, o vagonete que descia pelos túneis subterrâneos do Gringotes.
Ventava muito àquela altura e àquela velocidade, os cabelos de Harry, naturalmente bagunçados, agora voavam para trás. Ele inspirou profundamente, sentindo-se embriagado pela velocidade. "Então é assim que se sentem" pensou Harry, "os trouxas que saem por aí a 200km por hora num conversível atropelando as velhinhas na rua."
— Então, — falou Fred — você fez brotar uma árvore na cabeça do seu primo?
— Não chegou a ser árvore... Apenas alguns galhos...
Todos estavam rindo.
— Eu daria tudo para ter visto essa cena, Harry! — disse Rony — Ele ainda está de dieta? — Harry respondeu que não, que tinham desistido porque tia Petúnia ficou com dó de deixar seu pobre filhinho mal alimentado e resolvera, ela mesma, costurar calças novas para seu anjinho — Ah, que pena!... Pelo menos ele poderia produzir seu próprio alimento. Você sabe, sentiu fome, estende a mão e pega uma maçã na cabeça!
Harry gargalhava, estava tão alegre que até se esquecera que estava para ser expulso de Hogwarts.
— Você não devia ter feito isso, Harry. — começou o sr. Weasley — Os trouxas também merecem respeito, e, além disso, ele é seu primo, vocês pertencem à mesma família, não devia ficar com briguinhas bobas.
— Ah, pai, corta essa! — interrompeu Fred — Aquele trouxa chato bem que mereceu, não mereceu, Harry? Fica implicando com Harry o tempo todo, e fala mal dos bruxos...
— E mandou me bater! Olha, sr. Weasley, sinceramente, eu concordo com o senhor que devemos respeitar os trouxas, mas não me peça para aplicar isso ao Duda também. Ele é insuportável! Pagou a dois malucos para acabarem comigo, eu não podia deixar barato! Eu tinha de me vingar!
— Ele não fez isso, Harry... — balbuciou o sr. Weasley, incrédulo — eu não posso acreditar que seu primo tenha feito isso...
— Fez sim! Mas nunca mais vai fazer, tenho certeza! Aqueles galhos devem ser bastante incômodos...
— Ah, mas a essa altura o Ministério já resolveu toda a situação e...
— Ahn... Sr. Weasley!... — interrompeu-o Harry, lembrando-se subitamente da notificação que o Ministério mandaria para Hogwarts — Eu não vou ser expulso, vou?
O sr. Weasley sorriu, o que deixou Harry muito aliviado.
— Quanto a isso não se preocupe, já conversei com a Mafalda, ela não vai notificar Hogwarts sobre seu deslize, Harry. Eu a convenci de que foi só uma travessura de criança, sem maiores conseqüências, e que ninguém havia visto, não ia ser difícil consertar tudo, e que isso não vai mais se repetir. E, além disso, você é Harry Potter. Afinal, acho que foi só por causa disso que ela deixou passar.
Harry nunca gostou muito do fato de que era famoso, isso causava um certo constrangimento. Mas, às vezes, tinha lá suas vantagens. Não ser expulso de Hogwarts, mesmo fazendo brotar uma árvore na cabeça do primo, era uma dessas vantagens.
Era maravilhosa a sensação de estar ali em cima, sentindo o vento no rosto, longe dos problemas, dos perigos, a uma velocidade que ele nem se atrevia a imaginar qual seria. Por alguns instantes, se esquecera dos Dursley, de Draco, de Voldemort. Harry tinha pesadelos com Voldemort quase todas as noites, desde a final do Torneio Tribruxo. Sonhava com ele emergindo do caldeirão, sonhava com a morte de Cedrico, sonhava com a "reunião" dos Comensais da Morte, sonhava com a Marca Negra, sonhava com o braço prateado de Rabicho, sonhava com os ecos de seus pais, sonhava que Voldemort os estava matando novamente, sonhava que Voldemort matava seu Patrono, e, o mais horrível de todos, por duas vezes, Harry sonhara que ele matava Dumbledore. Depois da segunda noite que sonhara com a morte de Dumbledore, Harry acordou assustado e mandou uma carta a Sirius. Precisava desabafar com alguém. E, ainda que a resposta não tivesse chegado, Harry se sentia melhor, e não mais tivera pesadelos.
Ele inclinou a cabeça para tentar observar alguma coisa lá embaixo. Tudo o que conseguiu ver foi um imenso borrão verde com pintinhas coloridas e, volta e meia, uns riscos cinzas, azuis e cor de terra. Supôs que fossem as casinhas no meio das plantações, cortadas por rios e estradas.
— Estamos quase chegando! — anunciou o sr. Weasley, apontando o dedo para uma colina que ainda estava muito longe. A Toca ficava atrás dela.
Harry estava realmente muito feliz de poder estar ali, com seu melhor amigo e a família de bruxos que ele mais gostava no mundo. Era perfeito, terminar as férias assim.
O tapete começou a reduzir sua velocidade, se inclinou para frente e para baixo e foi perdendo altura. Então parou, a uns cinco metros da porta da frente da Toca, flutuando a 40 cm do chão, já com a ponta reta.
O sr. Weasley, Fred, Jorge, Rony e Harry desceram do tapete. Harry com o malão na mão, e Rony com a gaiola vazia de Edwiges. Fazia uma noite linda, o céu estava cheio de estrelas e soprava uma brisa fresca. Eles se encaminhavam para a porta da frente, quando Harry, do nada, se lembrou de algo.
— Sr. Weasley?
Ele virou-se.
— Sim, Harry?
— Tapetes voadores não são... ilegais? — perguntou Harry, hesitante.
Antes que o sr. Weasley pudesse responder qualquer coisa, Jorge falou, com os olhos brilhando:
— É claro que são ilegais! Ou o que você acha, que Fred e eu toparíamos fazer alguma coisa que fosse absolutamente dentro dos padrões? Francamente, até parece que você não conhece a gente!!
— Não ligue para ele, Harry! — falou o sr. Weasley, rindo-se do comentário do filho — Não são mais ilegais. Há um mês, mais ou menos, o Ministério acabou concordando em liberar seu uso, desde que mantenham certa discrição, é claro. Não podemos sair por aí sobrevoando as cidades dos trouxas, eles provavelmente veriam, e o trabalho que isso daria ao Ministério... É certo que tapetes chamam muito mais a atenção do que vassouras, mas havia uma deficiência de veículos familiares na Grã-Bretanha. Crianças muito pequenas não se dão bem com vassouras, é perigoso, sabe. Além disso, vassouras não são rápidas o suficiente, precisávamos de algo mais veloz. Bom, demorou um bocado, mas o velho Ali Bashir conseguiu me convencer, e eu diria que ele está certo, por um lado... É bem verdade que ele tem um lucro fabuloso exportando para cá, por enquanto é o único fornecedor atuando na Grã-Bretanha, mas eu não me arrisco ao dizer que muito em breve ele terá concorrência. Amin Sharif está pleiteando uma licença junto ao Departamento de Regul...
— Harry, querido! — a sra. Weasley apareceu na porta da casa, e estava vindo na direção dele — Eu fiquei tão preocupada! Como você pôde fazer isso, menino? Isso lá é coisa que se faça, sair enfeitiçando seu primo?... Arthur e eu ficamos tão preocupados com você!... Você podia ter sido expulso! Se não fosse a boa vontade da Mafalda, ah, eu não sei o que seria...
E a sra. Weasley abraçou Harry tão forte que ele até deixou o malão cair, fazendo um estrondo.
— Esteve se alimentando bem? — ela continuou, depois de soltar Harry, agora segurando os ombros dele — Não estavam te maltratando, estavam? Foi por isso que você fez aquilo com seu primo?
— Nã... não, não estavam me maltratando, os Dursley, foi só um probleminha com Duda, nada de mais... Eu...
— Ah! — ela suspirou aliviada, agora tentando ajeitar os cabelos de Harry com as mãos — Isso me deixa bem mais tranqüila, saber que você está bem... Com todas as coisas que estão acontecendo por aí... Pelo menos você estava seguro... Mas, vamos, entrem, o que estamos fazendo aqui fora ainda?!...
E, um a um, todos entraram na Toca. Fazia um ano desde a última vez que Harry estivera lá. Ele estava tão feliz naquela época... Sem o retorno de Voldemort a lhe preocupar, sem a morte de Cedrico a lhe pesar na consciência... Ainda que todos tivessem dito que Harry não tinha culpa, ele sabia que podia ter evitado, que se não fosse tão teimoso e tivesse tocado na Taça sozinho, se não tivesse bancado o garoto generoso que divide o prêmio, Cedrico ainda estaria vivo...
Todos esses pensamentos que estavam perdidos durante a viagem no tapete, voltaram velozes para sua cabeça assim que ele entrou na casa. Talvez pela visão de um Percy debruçado sobre pilhas e pilhas de papéis numa mesa no canto da cozinha, com profundas olheiras, trabalhando em relatórios quilométricos. Ou talvez porque simplesmente era inevitável que eles voltassem, mais cedo ou mais tarde.
A sra. Weasley serviu chá ("Para vocês todos relaxarem") e depois mandou os garotos para a cama, enquanto ela permaneceu na cozinha com o sr. Weasley e Percy, que não parou nem por um instante de trabalhar nos papéis e sequer ergueu a cabeça enquanto todos estavam ali. Parecia nem ter notado que havia mais alguém na cozinha.
— Percy está estranho... — falou Harry, enquanto subiam os lances de escada em direção ao quarto de Rony.
— Ah, não ligue para ele! — disse Fred — Está assim há várias semanas, analisando papéis e mais papéis. Isso quando não está despachando corujas. Além de usar o Hermes, ele alugou mais três corujas no criadouro do sr. Gray. Sinceramente, acho que o Percy está pirando de vez...
— O que, claro, é maravilhoso! — completou Jorge — Ele mal tem tempo para pegar no nosso pé, e nem reclamar de nada. Aliás, ele não tem tempo nem para dormir, virou praticamente um zumbi!
Rony lançou um olhar de censura aos dois irmãos, que se dobravam em risadinhas abafadas.
— Eu não sei como mamãe permite uma coisa dessas! Ela está visivelmente preocupada com o Percy, mas não fala nada, ela diz que ele está fazendo a coisa certa e dando tudo de si, e quisera Deus que todos fossem como ele. E, para falar a verdade... bom, eu nunca pensei que fosse dizer uma coisa dessas, mas... eu também estou preocupado com ele... Tenho certeza que tudo isso é por causa da volta do Você-Sabe-Quem, e eu também queria poder fazer alguma coisa, mas mamãe não deixa! Diz que eu sou muito jovem para poder fazer qualquer coisa. Então eu tento pelo menos não atrapalhar, mas esses dois aí — e apontou a cabeça na direção de Fred e Jorge, lançando um olhar de reprovação que Harry nunca imaginou que Rony um dia pudesse ter — só ficam provocando explosões e fazendo chover sapos o dia todo.
— Que é isso, Roniquinho! — zombou Fred — Deixa disso, volta ao normal enquanto ainda dá tempo! Sabe, você fica péssimo nessa panca de bom garoto e responsável. Não é porque o Percy não está mais em condições de nos encher que você vai fazer isso por ele, né?
— E sabe o que mais? — interrompeu Jorge — Se você não tomar cuidado, Rony, vai ficar igualzinho ao Percy!
— Babacas!... — murmurou Rony — Eu não vou ficar igual ao Percy, eu não sou igual a ele! Vamos Harry, que essa conversa já me encheu.
E puxou Harry para dentro do quarto, batendo a porta na cara de Fred e Jorge que gargalhavam no corredor.
Rony estava com uma cara muito aborrecida. Colocou o malão de Harry ao pé de uma das duas camas que havia no quarto, enquanto resmungava coisas do tipo: "Igual ao Percy, francamente!... Eles não enxergam?..." ou "De onde tiraram essas idéias absurdas?... Eu não vou ficar igual ao Percy!..."
Harry não falou nada, porque não queria aborrecer o amigo, mas não pôde deixar de concordar intimamente com o que os gêmeos disseram. Se Rony não tomasse cuidado, acabaria como o Percy.
— Você viu, Harry, como Fred e Jorge estão? Pior do que nunca, não conseguem nem levar a sério a volta do Você-Sabe-Quem! E ficam fazendo piadinhas idiotas o tempo inteiro! Já está na hora de eles criarem um pouco de juízo, ao invés de ficarem me enchendo com essas comparações absurdas, dizendo que eu sou o Percy 2!...
Harry fez força para sufocar uma risada. Percy 2 era realmente engraçado, embora ele achasse que os gêmeos estavam exagerando um pouco. Mesmo passando sermão nos irmãos, Rony estava muito longe de se parecer com um novo Percy.
— Bom, — começou Harry — você tem que concordar que é estranho ver você dizendo aquelas coisas para os seus irmãos, dando lição de moral... Definitivamente, Rony, não é sem motivo que eles fazem essas comparações... Mas você não parece um novo Percy — Harry apressou-se em dizer, ao ver que o queixo de Rony caíra — Ainda está longe disso, você ainda é o Rony que eu conheci, só parece um pouquinho mais... consciente.
Visivelmente decepcionado, Rony resmungou.
— Até você, Harry! Pensei que pelo menos você fosse me dar razão, depois de tudo o que aconteceu na final daquele Torneio... Você sabe como ele é perigoso, como tudo vai ficar mais difícil agora que ele voltou... Você sabe do que ele é capaz, você viu... Eu não esperava que você fosse dar razão a Fred e Jorge, ao invés de concordar comigo...
Harry amarrou a cara para Rony, enquanto puxava a colcha alaranjada para se deitar na cama.
— Não precisava ficar me lembrando disso agora.
— Ah, claro que não! Eu me sinto tão confortável sendo chamado de Percy 2 quanto você tendo que lembrar de Cedrico e todas aquelas coisas.
Harry sentiu que estava ficando quente. Rony estava passando dos limites. Como ele podia querer comparar um apelido idiota que os irmãos colocaram nele com tudo o que ele passara na final do Torneio Tribuxo? Então ele achava que ser chamado de Percy 2 era tão horrível quanto ver Voldemort ressurgindo, e ser torturado por ele?
Mas ele não queria brigar com Rony, em vez disso deitou na cama e puxou as cobertas, dizendo:
— Estou com sono, e se você não se importa eu gostaria de dormir.
Rony soltou um último resmungo, e apagando a lamparina, também foi se deitar.
Harry logo caiu no sono, e teve uma noite sem sonhos.
(continua...)
