Cap. 4 – Uma reunião agitada

Ao anoitecer, a sra. Weasley anunciou que eles deveriam jantar mais cedo e subir logo para os quartos, porque ela e o sr. Weasley teriam uma reunião importante dentro de algumas horas.

— Outra?! — exclamou Fred — Quando é que vocês vão enjoar dessas reuniões?

— Quando elas não forem mais necessárias — respondeu uma aborrecida sra. Weasley — Agora tratem de jantar.

Obedientemente, foram todos para a mesa e engoliram o jantar. Não foi nenhum sacrifício, é verdade, mas Fred e Jorge nem deram atenção à comida, muito ocupados arquitetando um meio de "animar" a reunião de logo mais.

— Bombas de bosta não, estaria muito na cara... Precisamos de algo mais sutil...

— Poderíamos colocar alguns biscoitinhos especiais no meio daqueles que mamãe vai servir...

— Genial, Fred!...

Gina se balançava na cadeira, tentando conter as risadas.

— Vocês não tomam jeito! Imagino o que mamãe não vai fazer com vocês se algum dos membros da Ordem de repente ficar com as orelhas inchadas como as de um mamute galês.

— Como você é boba, Gina — retorquiu Fred — Acredita mesmo que algum dos membros da Ordem viria até nossa casa? Eles têm coisas mais importantes a fazer!

— Então você acha que nós não somos suficientemente importantes para recebermos a visita de alguém da Ordem? — disse Rony indignado.

— É isso mesmo, Roniquinho. Eles não se ocupariam de vir até nossa casa para uma reuniãozinha à toa do papai, não com gente como os malucos do Olho-Tonto Moody e do Dédalo Diggle participando dela.

— Que Ordem é essa? Do que vocês estão falando? — quis saber Harry, já sem conseguir conter sua curiosidade.

— A Ordem da Fênix, Harry! — explicou Rony — Pessoas especiais, escolhidas a dedo para lutarem contra o Você-Sabe-Quem. Um grupo de elite, entende? Só que ninguém sabe quem eles são, e é bem provável que até já tenha vindo algum deles numa dessas reuniões que papai tem feito o verão todo. Só que a gente não sabe.   

— Rony e Gina, por que vocês não param de se iludir? — perguntou Fred — Nós somos pobretões e o papai é um funcionário subalterno do Ministério da Magia...

— Já arranjei uns biscoitos! — anunciou Jorge, entrando pela porta da cozinha. Harry nem viu quando ele saíra para buscá-los.

— Vocês não vão fazer isso! — exasperou-se Rony.

— Ah, é?! Pois então, espere para ver!

Fred e Jorge cumpriram a palavra. A sra. Weasley guardara os biscoitos num pote colorido no alto do armário, e eles colocaram seus "biscoitos especiais" junto com aqueles. Quem olhasse nem perceberia a diferença, pois pareciam todos iguais. Rony estava planejando dar um sumiço no pote sem que os gêmeos percebessem, mas não teve oportunidade porque logo a sra. Weasley entrou pela porta da cozinha e eles tiveram de subir.

— Vamos usar a sua capa de invisibilidade, Harry. Descemos até a cozinha e pegamos o pote com os biscoitos sem que mamãe veja. É só colocar debaixo da capa que ele também vai ficar invisível. Depois, é só jogar fora. Ela não vai se preocupar com isso, simplesmente vai providenciar outra coisa para servir.

Sem opção, e também porque não tinha nada para fazer, Harry concordou e eles colocaram a capa. Quando começaram a descer as escadas, ele notou que já havia algumas pessoas na sala, conversando animadamente com o sr. Weasley. Um deles era bastante velho e tinha o nariz de batata, usava umas roupas fora de moda e um chapéu cônico de couro marrom bastante surrado, além de exalar um extraordinário mau-humor. Outro homem, mais jovem, de uns trinta e poucos anos, tinha as feições parecidas com as do velho, mas, ao contrário dele, parecia animado e muito falante, além de usar umas vestes mais coerentes. E o último, Harry já conhecia. Chamava-se Dédalo Diggle, e haviam sido apresentados na primeira vez que Harry fora ao Caldeirão Furado, com Hagrid. Era bem velho, mas tinha os olhos de uma criança, que brilharam de exaltação nas poucas vezes que ele falou com o garoto. Estava usando um chapéu cônico roxo estampado com estrelas amarelas e uma capa roxa.

Harry e Rony já estavam na metade da escada quando alguém bateu na porta. A sra. Weasley foi atender, e entrou uma mulher toda vestida de preto, que tinha os cabelos castanhos bem curtos, pouco abaixo das orelhas, e usava óculos de um finíssimo aro prateado.

— Valerie, querida! — exclamou a sra. Weasley, antes de abraçar a mulher e dar-lhe um beijo na bochecha — Que prazer revê-la!

— O prazer é todo meu, Molly. — ela respondeu sorrindo, e depois, voltando-se para os presentes, acrescentou — Parece que cheguei bem na hora!

— E chegou mesmo, Valerie — disse Dédalo Diggle animado — Vem, venha sentar-se conosco! Estávamos no meio de uma reuniãozinha, se é que você me entende.

— Deveria ter nos avisado que viria, Sands — interveio o velho de nariz de batata, bastante mal-humorado — Não esperávamos por você.

— Nem eu planejava vir, Fletcher — ela respondeu — Acabei de chegar, e resolvi passar por aqui para cumprimentar, mas pelo visto dei sorte e encontrei vocês.

Tentando acalmar os ânimos dos dois antes que se exaltassem, o sr. Weasley interveio.

— Ora, o que é isso, Mundungus? Valerie já é de casa, não precisa dessas formalidades, e é sempre muito bem-vinda às nossas reuniões.

— Obrigada, Arthur — respondeu Valerie, acomodando-se numa cadeira.

O homem mais jovem, que tinha o nariz igual ao de Mundungus Fletcher, dirigiu-se a Valerie.

— E então, como foi a viagem? Soube que esteve na América, não foi?

— Oh, sim. É um lugar lindo, o Triângulo das Bermudas. Ficamos na ilha de Ola-Ola, hospedados na pousada do sr. Aloha. Foi um campeonato interessante, o de quadribol aquático. Donald adorou.

— Há décadas que eu não vejo uma partida de quadribol aquático — comentou Dédalo Diggle — Eu deveria ter ido com vocês. Mas acho que posso esperar pelo próximo verão. Que acha de me acompanhar, Péricles?

— Por que não? — respondeu o jovem de nariz meio grande — Contanto que isso não atrapalhe meu trabalho...

Só então foi que Harry se deu conta de que ainda estavam parados no meio da escada.

Vem — sibilou Rony, e eles desceram os degraus que faltavam o mais silenciosamente possível. Mas Valerie parecia estar olhando na direção deles, o que foi uma sensação bastante incômoda. Por um momento delirante, Harry pensou que ela podia ver através de capas de invisibilidade, mas então lhe ocorreu que isso era impossível, a menos que ela tivesse um olho especial como o de Moody.

Assim que entraram no corredor que dava para a cozinha, a sra. Weasley passou por eles segurando o pote com biscoitos e o levou para a sala.

Droga! — resmungou Rony — Não deu tempo! Ela já levou para a sala, e eu não quero nem pensar no que vai acontecer quando alguém comer um dos biscoitos de Fred e Jorge — ele suspirou, desconsolado — Devíamos ter vindo logo, ao invés de ficar parados no meio da escada.

— E se demorarmos aqui embaixo, você nem vai precisar pensar no que vai acontecer, porque você vai ver.

— Ai,ai — Rony balançou a cabeça — A única coisa a fazer é torcer para ninguém comer um daqueles biscoitos. Se bem que se o chato do Mundungus Fletcher comê-los não vai ser uma grande perda... — ele completou, fazendo uma careta.

Então Mundungus Fletcher apanhou um biscoito e comeu. Rony apertou o braço de Harry com força, mas eles viram que nada aconteceu.

— Ufa! — suspirou Rony.

— Ué... Pensei que você não se importasse se ele comesse um dos biscoitos...

Logo todos estavam comendo biscoitos e servindo-se de suco de abóbora enquanto conversavam amenidades. Por enquanto não tinha acontecido nada, e ocorreu a Harry que talvez Fred e Jorge não tivessem realmente enfeitiçado os biscoitos. Mas a todo instante Valerie lançava um olhar para o lugar onde eles estavam, perto da porta da cozinha, e Harry começou a se perguntar se ela podia vê-los, mas como ela nada fez, ele chegou à conclusão de que estava fantasiando.

Percy irrompeu pela porta da frente, parecendo muito cansado mas tentando imprimir um tom animado à sua voz.

— 'noite, senhores!

— Ora, ora, se não é o jovem Weasley! — exclamou Valerie, sorrindo.

— Como vai, sra. Sands? — ele cumprimentou — Sr. Diggle, srs. Fletcher...

— Estamos ótimos! — respondeu Dédalo Diggle — Esperávamos por você, meu rapaz, para dar início à reunião.

— Quer um suco de abóbora, meu filho? — ofereceu a sra. Weasley, servindo um copo.

— Obrigado, mamãe — ele disse, tomando o suco e pegando um biscoito.

— Temos novas medidas de segurança a serem postas em ação — começou Mundungus Fletcher, entregando um punhado de papéis ao sr. Weasley — Soube do ataque da noite passada na Bulgária? Pois é, o ministro de lá resolveu colaborar, e se ofereceu para tentar dissuadir o Fudge — ele fez um ruído de engasgo — É claro que não vai conseguir, e eu o convenci a desistir dessa idéia. Por fim, ele concordou que o melhor é continuar trabalhando em segredo.

— Hum... — dizia o sr. Weasley enquanto analisava os papéis — Ele mandará uma comissão de aurores para cá... Vão precisar de instruções... Creio que você possa cuidar disso, não, Valerie?

— Claro — ela respondeu.

— Reforço na segurança da plataforma 9 e meia durante o embarque para Hogwarts... — continuou ele, lendo.

— Temos que cuidar do jovem Potter — explicou Mundungus Fletcher — Longe de Dumbledore ou da casa dos tios ele fica muito vulnerável.

— Está vendo só isso, Harry? — cochichou Rony.

Harry fez um sinal para Rony ficar quieto. Ele não se sentia bem escutando uma conversa assim, escondido, mas já fora vencido pela curiosidade e, afinal, estavam falando dele e ele precisava saber o que era.

— Ah, claro, claro — concordou o sr. Weasley — Bem, acho que vocês ainda não sabem, mas ele está aqui em casa...

— Harry Potter está aqui?! — exclamou Valerie — Mas que imprudência, Arthur! Trazer Harry Potter para sua casa, francamente!

— Ele teve uns problemas em casa... — o sr. Weasley tentava explicar-se — Sabem... eu tive que trazê-lo...

— Não se preocupem quanto a isso — interveio a sra. Weasley — Harry está seguro aqui conosco, e falta pouco mais de uma semana para ele embarcar para Hogwarts. Não vai lhe acontecer nada, fiquem tranqüilos...

— Dumbledore não vai gostar disso... — resmungou Mundungus Fletcher.

— Ele já sabe, Mundungus — informou a sra. Weasley.

— Bem, se Alvo concordou, então não há problemas! — concluiu Dédalo Diggle — Me passa os biscoitos, por favor, Percy.

Mas Percy parecia sem ar, estava engasgando e tossia de uma maneira definitivamente estranha.

— Ah, não! — exclamou Rony, sem saber se ria ou se desesperava — Percy comeu um biscoito enfeitiçado! Por Merlin! Ele... Ele está... cacarejando?!?

O sr. Weasley estava dando tapinhas nas costas do filho, tentando desengasgá-lo, enquanto a cada tossida sua ouvia-se um sonoro "cócócó".

— Vamos subir, Harry, antes que sobre para nós — falou Rony, puxando Harry pelo braço.

Eles subiram rapidamente as escadas, e Harry olhou para trás a tempo de ver que Valerie os seguia com os olhos, com uma expressão desconfiada no rosto.

— Acho que ela pode nos ver — cochichou a Rony.

— Ver?! Está se referindo a Valerie Sands? Não, não, ela não pode nos ver. — então Rony fez uma careta de preocupação — Mas pode ter ouvido alguma coisa. Ela é auror, sabe. Tem treinamento para descobrir pessoas invisíveis.

Harry e Rony entraram no quarto e, fechando a porta, largaram-se cada um em sua cama.

— Quer saber de uma coisa, Harry? Aqueles papéis que o Mundungus Fletcher entregou ao papai... Acho que eram instruções da Ordem! Ah, como eu gostaria de poder esfregar isso na cara do Fred!...

Mas alguma coisa estava incomodando Harry, e ele tentou dizer isso para o amigo.

— Acho que estão exagerando, não estão? Quer dizer, aumentar a segurança na plataforma do Expresso de Hogwarts, só por minha causa... É meio estranho, todo mundo querendo me proteger... E você viu como aquela mulher reagiu quando seu pai disse que eu estava aqui?

— Ah, Harry, você está reclamando de barriga cheia! Todo mundo está preocupado com você e você ainda acha ruim! Ora, por favor...

Harry desistiu de tentar argumentar com Rony, sabia que não ia adiantar nada, simplesmente porque o amigo adorava ser o centro das atenções nas poucas vezes que isso aconteceu, e tinha até um certo ressentimento de Harry porque ele sempre recebia mais atenção, mas isso não tinha tanta importância assim, afinal.

— Tem outra coisa, também...

— O que, Harry?

— O velho, o Mundungus Fletcher, ele disse... ele disse que longe de Dumbledore ou da casa dos meus tios eu fico muito vulnerável... O que será que ele quis dizer? Quero dizer... o que é que meus tios têm a ver com tudo isso?... Eles não podem me proteger de Voldemort, podem?

Harry! Não fala o nome dele! E, além do mais, eu não tenho a menor idéia de como é que aqueles trouxas chatos podem te proteger. Bom... Deve haver algum feitiço envolvendo a casa, ou alguma coisa assim.

É, fazia sentido. Então Harry decidiu deixar para se preocupar com isso outra hora, e logo ele e Rony estavam absorvidos numa animada conversa sobre o desempenho do Chudley Cannons na última temporada.

(continua...)