Cap. 6 – Ritinha

Rony pareceu não gostar muito da idéia de sua melhor amiga agora ser monitora. Hermione pareceu um pouco magoada, pois obviamente não esperava essa reação. Talvez ela contasse que receberia um parabéns dos amigos ao invés do "Onde fomos parar?!" que Rony soltou. Harry tentou animá-la, dizendo que ela, mais do que qualquer outro aluno da Grifinória, merecia a monitoria, e que isso ia acabar acontecendo qualquer hora já que ela era a melhor aluna da escola. "Pelo menos você me compreende, Harry", foi tudo o que ela conseguiu dizer, embora, digamos, isso não tenha sido tão animador assim.

Eles haviam chegado a Hogwarts numa sexta-feira, logo, não teve aula na manhã seguinte, já que era final de semana. Mas eles receberam o horário no café da manhã, e Harry ficou animado de ver que teriam uma aula de Defesa Contra as Artes das Trevas já na segunda-feira à tarde. Desde a noite anterior, ele andava querendo, mais do que tudo, uma oportunidade de ter com a sra. Figg. Uma curiosidade absolutamente natural, se levarmos em conta que ele conheceu a velhinha a vida inteira e nem ao menos desconfiou que havia alguma coisa diferente nela. Para Harry, ela nunca passou de uma velha maluca. Agora, ela era uma bruxa velha e maluca que daria aulas para ele.

Depois do café, Harry, Rony e Hermione foram dar uma volta pela propriedade, e decidiram visitar Hagrid. Harry reparou que a amiga andava com o peito levemente estufado, de modo que seu recém-adquirido distintivo de monitora ficasse bastante aparente. Rony, por sua vez, não parava de lançar olhares venenosos para o objeto.

Os garotos foram recebidos por um excepcionalmente animado Canino, que encharcou suas vestes de baba e parecia tão feliz como nunca. Eles tomaram chá de urtigas e recusaram educadamente os bolinhos que Hagrid ofereceu. Harry tentou arrancar do amigo qualquer coisa sobre a missão secreta que Dumbledore encarregara ele e Madame Maxime de executarem durante o verão, mas Hagrid não deixou escapar nada.

— Tudo o que eu posso dizer é que Olímpia e eu fomos bem-sucedidos na nossa tarefa. E que estamos prontos para enfrentar tudo o que estiver por vir.

— Pelo menos — ponderou Hermione mais tarde — Hagrid está confiante, e isso é um bom sinal. Se deu tudo certo mesmo, como ele diz...

Foi um final de semana animado, apesar da chuva horrorosa que caiu no domingo o dia inteiro e os impediu de ir ao campo de quadribol voar na Firebolt, como Harry prometera a Rony. O clima não estava tão tenso como Harry esperava que estivesse diante das notícias veiculadas no Profeta Diário de que havia uma "movimentação anormal de bruxos supostamente ligados ao Partido das Trevas".

Ele e Rony estavam no Salão Comunal jogando xadrez de bruxo há uma hora e aquela era a terceira partida seguida que Harry perdia.

— Isso já não tem a menor graça, Harry!! Estou precisando de adversários de verdade, ganhar sempre e tão facilmente de você já está ficando monótono!...

— Ei, não precisa ofender! Eu não sou tão ruim assim!...

Foi então que uma faísca de Fogo Filibusteiro "alterado" pelos gêmeos Weasley e seu amigo Lino Jordan caiu sobre o tabuleiro de xadrez de Rony e este pegou fogo, destruindo-se instantaneamente. Ele não foi rápido o suficiente para salvá-lo, de modo que pegou as cinzas do que antes era um tabuleiro de xadrez e, arremessando-as na cara dos irmãos, berrou:

— VOCÊS... AINDA... ME PAGAM!!!

— Esquenta não, maninho! A gente compra um novo para você! — berrou Fred, enquanto Rony subia as escadas raivoso, com Harry atrás dele.

— Ah, aí estão vocês! — exclamou Hermione animada, quando os encontrou no corredor. E, arrastando-os por um outro corredor, ela disse — Tem uma coisa que eu quero mostrar a vocês.

— Espera aí! — disse Harry, brecando na porta de madeira escura que Mione acabara de abrir. — Isso aqui é o dormitório das garotas!

— Exatamente, Harry, é o meu dormitório, e tem algo aqui dentro que eu quero mostrar a vocês dois. Entrem.

Hesitantes, Harry e Rony entraram e depararam-se com um dormitório bem maior e mais luxuoso que o deles. Havia quatro camas de colunas cobertas com colchas de cetim dourado, as cortinas nas janelas em arco eram douradas também, além de quatro cômodas de madeira escura com espelhos e cheias de objetos que meninas adoram, como perfumes, pentes e maquiagem. A cômoda que Hermione indicou estava atulhada de livros e pergaminhos, e só um pequeno espaço era destinado às suas coisas pessoais. Havia na ponta um aquário seco, retangular, com um pouco de terra, um laguinho mínimo e algumas plantinhas. Harry calculou mentalmente que o aquário devia ter uns três palmos de comprimento, dois de altura e um palmo de profundidade. Havia um besouro gordo dormindo sobre as folhas de uma plantinha esquisita.

— Então, — perguntou Mione — o que vocês estão achando da Ritinha?

Isso — disse Rony apontando para o besouro — se chama Ritinha?!

— É, e é o meu novo bichinho de estimação. Então, o que vocês acham? — seu tom de voz era animado.

Harry achou que o bicho era, de alguma forma, familiar. Rony ainda apontava para o besouro, incrédulo, quando falou, e antes que ele dissesse qualquer coisa, Harry entendeu.

— Mione... — balbuciou — Isso aí... Isso aí não é a Rita Skeeter... é?

A garota assentiu e Rony quase teve um treco.

— Você pirou? Ficar com essa mulher aqui... Você não disse que ia soltar ela em Londres?

— Se me deixar explicar, Rony, talvez você consiga entender. E não chame ela de mulher, Ritinha é um besouro.

Rony deixou-se largar em uma cadeira estofada de veludo mostarda, e estava inconformado.

— Definitivamente, você pirou...

— Não, não pirei. Skeeter descumpriu nosso acordo, andou escrevendo uma matéria cabeluda sobre o Karkaroff, e ao que tudo indica, queria se vingar de mim, porque eu a peguei no jardim da casa do Vitor. Então a prendi num vidrinho e prometi a ela que nunca mais a libertaria. E depois que eu a coloquei nesse aquário lacrado, descobri que besouros podem ser ótimos bichinhos de estimação. Não dão trabalho nenhum, e apesar das meninas implicarem com ela e o Bichento também, eu não me arrependo de ter trazido Ritinha comigo.

— Mas, Mione — questionou Harry — Ninguém vai dar pela falta dela? Como é que você vai explicar o desaparecimento de uma jornalista famosa?

— Isso não é problema meu, Harry. Ninguém pode ligar o desaparecimento da Skeeter a mim. Não sou eu que tenho que dar explicações, e sim as pessoas mais próximas dela. Ninguém nunca vai saber que ela está aqui comigo.

— Isso é seqüestro, sabia? — interrompeu Rony — Alguém vai levar a culpa pelo desaparecimento dessa mulher, e você vai precisar de muita sorte para não ser descoberta...

Mas, de repente, seu olhar iluminou-se e ele exclamou:

— Karkaroff!

— O que você disse? O que tem o Karka...

— Você ainda não entendeu, Mione? Vão culpar o Karkaroff por isso! Ela escreveu sobre ele, não? Dizendo que ele era um Comensal da Morte, e que era um covardão, esse tipo de coisa, não foi?

— Foi, mas...

— Então! Você não percebe? O trapaceiro do Karkaroff vai levar toda a culpa, e ninguém nunca vai desconfiar da gente!

— Da gente?...

— É. Me deixa ver melhor a Ritinha.

O sorriso de Hermione se iluminou.

Na segunda-feira, as primeiras aulas de Harry foram absolutamente normais, a não ser pelo pequeno discurso da profª McGonagall dizendo que eles estavam em ano de N.O.M.s e que deviam dedicar-se aos estudos muito mais do que estivessem planejando se dedicar. Ele ouviu Cassandra Poliakoff comentar qualquer coisa sobre como seriam fáceis os N.O.M.s se comparados aos exames que ela costumava prestar em Durmstrang.

Mas a aula que ele estava mais ansioso em assistir era a de Defesa Contra as Artes das Trevas, e quando a sra. Figg entrou na classe, usando vestes amarelas com estampas de joaninhas, e cantarolando uma canção infantil de bruxos que falava sobre as emoções da primeira vassoura, ele não pôde reprimir o pensamento de que ela seria uma professora tão competente quanto Lockhart.

A sra. Figg começou a aula fazendo a chamada, e parando em cada nome para memorizar os rostos dos alunos. Depois, abriu um enorme sorriso e falou para a classe.

— Vocês nem podem imaginar o quanto estou feliz em estar de volta a esta escola. Já fui professora de Hogwarts, há muitos anos, mas nunca lecionei Defesa Contra as Artes das Trevas. Na verdade a minha especialidade é outra, mas, como vocês estão precisando de um professor desta matéria, resolvi aceitar o convite do diretor para dar aulas.

"Andei pesquisando com seus últimos professores e sei que vocês já estudaram algumas criaturas das trevas mais comuns, além de defesas contra maldições poderosíssimas. Creio que este ano podemos aprofundar um pouco mais, estudar sobre criaturas mais poderosas a aprender a lidar com azarações e contra-azarações.

"Mas, antes, gostaria de fazer uma revisão rápida. O que é que vocês podem me dizer sobre hinkypunks?"

Ela passou o resto da aula fazendo perguntas e esclarecendo dúvidas dos alunos a respeito de matérias passadas pelos professores Lupin e Moody — ou melhor, Crouch, o falso Moody. E, quando a sineta tocou anunciando o fim da aula, ela pediu uma redação sobre o que tinham discutido em sala. Harry já estava saindo com Rony e Hermione pela porta, quando ela chamou.

— Potter! Fique, por favor, quero falar com você.

— É que... ahn... professora, eu tenho aula de História da Magia agora...

— Vocês dois, Weasley e Granger, avisem ao prof. Binns que se Potter se atrasar é porque está aqui comigo.

Eles assentiram e saíram, mas ainda foi possível ouvir Rony resmungando: "Como se ele fosse ouvir o que a gente diz..." Harry pensou que até que não seria ruim perder uma chatíssima aula de História da Magia, mas ele não tinha a menor idéia do que a velha estaria querendo com ele, e não gostou nada disso. Desejou que ao menos ela não perguntasse como estavam os Dursley.

— Então, Harry — ela sorriu — Tem algo para me perguntar?

O garoto não acreditou no que ouvira.

— A senhora quer dizer... sobre a aula de hoje?

— Não, Harry. Não é nada em relação às aulas. Eu apenas gostaria de saber se há algo que você deseja me perguntar.

É claro que ele tinha muitas coisas para perguntar, e a primeira era por que ela nunca contara a ele que era uma bruxa. Mas Harry nunca tivera muita intimidade com a sra. Figg, de modo que apenas balançou a cabeça, dizendo:

— Não, senhora. Não tenho nada para perguntar.

— Não há nada que você queira saber, queira entender? — insistiu ela.

"Que mal faria perguntar", pensou ele "se ela quer tanto me explicar?"

— É... bom, a senhora me conhece da vida inteira... Por que nunca me contou nada? Por que nunca me contou que eu era um bruxo? Que os meus pais não morreram num acidente de carro? E mesmo depois, quando eu já sabia quem era, por que não me contou quem a senhora era?

Ele não tivera a intenção de parecer tão rude, mas as palavras foram saindo de repente, sem que ele pudesse controlar, e quando viu, já tinha falado. Ela sorriu simplesmente (essa mania de estar sempre sorrindo começou a irritar Harry) e falou calmamente:

— Se eu nunca lhe contei que você era um bruxo, creio que você já saiba o porque. Alvo não permitiu, proibiu-me de contar-lhe, e essa é a razão pela qual você não teve qualquer contato com o mundo da magia até os 11 anos. Quanto ao fato se eu ser uma bruxa, responda-me: que diferença faria se você soubesse?

— Pelo menos eu teria alguém com quem conversar... Não me sentiria tão isolado deste mundo... A senhora não tem idéia de como é horrível passar semanas inteiras tendo só os Dursley como companhia...

— É claro que eu sei. Eu via como aqueles trouxas idiotas sempre te trataram. Achavam que podiam sufocar a magia que existia em você... Quanta ignorância!... Mas, pense bem Harry, você acha mesmo que os seus tios não desconfiariam se de repente você começasse a gostar da minha companhia? Eles achariam estranho, não é mesmo? — ela suspirou — Talvez você não saiba, Harry, mas não é mera coincidência o fato de eu morar perto da casa dos seus tios.

— Ahn?... Não é...?

— Não. Foi Alvo quem me pediu que ficasse por perto e...

A sineta tocou.

— Vá, Harry. É melhor você ir, vai começar sua aula.

— Mas...

— Vá.

Seu tom de voz indicava que ela não continuaria a conversa por mais que Harry insistisse. Então ele resolveu que poderia terminar esse assunto mais tarde, e saiu para a aula de História da Magia.

Quando relatou para Rony e Hermione a conversa que tivera com a sra. Figg, a garota murmurou:

— Devíamos saber, não é?, que Dumbledore não deixaria Harry desprotegido. É só parar para pensar, Vocês-Sabem-Quem podia voltar a qualquer momento, antes mesmo de você vir para Hogwarts. E se ele resolvesse ir atrás de você lá na casa dos seus tios? — com um suspiro, ela concluiu — Ele pensa em tudo, o Dumbledore.

Hermione tinha razão. E era reconfortante pensar que Dumbledore sempre estava preparado para tudo.

(continua...)