Cap. 7 – O "presente" de Snape
Os dias que se seguiram foram relativamente normais para Harry — ou tão normais quanto era possível em Hogwarts. Na sexta-feira, a profª McGonagall chamou-o para dizer que deviam reunir o time da Grifinória no dia seguinte no campo de quadribol, porque eles precisariam de um novo capitão e um novo goleiro. Um papel foi afixado no quadro de avisos, no qual se lia uma convocação de "todos aqueles que se considerarem aptos ou quiserem tentar a vaga de goleiro no time". Dizia para estar no campo quarta-feira às 5 da tarde.
No sábado de manhã, levemente sonolento, Harry encaminhou-se para o campo de quadribol. Katie Bell, Angelina Johnson e Alicia Spinnet já estavam esperando, e conversavam animadas. Logo depois de Harry, chegaram Fred e Jorge Weasley. Os garotos resolveram voar um pouco enquanto a profª Minerva não chegava. Apostaram corridas, tentaram derrubar uns aos outros das vassouras, e Harry sentiu-se bem disposto e animado como há muito tempo não sentia. Era incrível como voar sempre fazia ele se sentir melhor.
A professora chegou e eles desmontaram as vassouras.
— Precisamos de um novo capitão, vocês sabem disso — começou ela — E tem que ser alguém com senso de responsabilidade e capacidade de liderar o time sem provocar confusão. Alguém que esteja disposto a se dedicar de corpo e alma a esse campeonato, e que tenha condições de nos trazer a Taça desta temporada.
— Nem precisa continuar, professora — interrompeu Fred — Todos nós sabemos que não há ninguém aqui com disposição suficiente para elaborar planos complicadíssimos de jogo e esquemas táticos, que teria coragem de vir nos acordar às 6 da manhã para fazer a gente treinar...
— Esquece, Fred — interveio Angelina — Não queremos um novo Olívio, queremos apenas um novo capitão.
— Pois eu e Fred achamos que Harry seria o capitão ideal — falou Jorge — No último campeonato, ele estava quase tão fanático quanto Olívio. Mas acreditamos que ele terá o bom senso de não nos acordar de madrugada para treinar. O que vocês acham?
As garotas concordaram, e a profª McGonagall também.
— Por mim está bem, creio que o Potter dará um bom capitão. Então na próxima semana...
— Espera aí! — disse Harry — Ninguém vai perguntar o que eu acho?
Não era bem que Harry não tivesse gostado da idéia de ser capitão do time. Na verdade ele até pensara nessa possibilidade. Mas exigia responsabilidade demais, e ele não se sentia muito disposto a assumir grandes responsabilidades. Além do que ele não agüentaria as comparações que fariam entre ele e Olívio, e esse não era um pensamento nada animador. Afinal, Harry acabou sendo convencido pelas artilheiras, que nem precisaram usar tantos argumentos, e ficou acertado que ele comandaria a seleção do novo goleiro na semana seguinte.
Harry voltou para o castelo com um leve sorriso que não teimava em sair do seu rosto. Estava começando a gostar da idéia de ser capitão.
Rony ficou animado com os testes para goleiro da Grifinória.
— Vou me inscrever, quem sabe eu consigo uma vaga no time!
Mas Rony não foi o único. Na quarta-feira, quando Harry chegou ao campo de quadribol, parecia que a Grifinória em peso comparecera aos testes. E, para sua decepção, Rony não se saiu nada bem.
— Grande goleiro você é — Fred estava lhe dizendo — Dez arremessos e você deixou passar sete. Com esse desempenho espetacular, com certeza vai ser nosso novo goleiro.
— Ah, cala a boca!
Ao final dos testes, Harry pegou a tabela que Angelina fizera, e constatou que quem se saíra melhor até ali fora Dino Thomas. Nove defesas, um gol.
— Tem certeza que você nunca jogou quadribol, Dino? — dizia Harry.
— É o que eu estou falando, só fiz esse teste porque o Simas também queria fazer. Até que ele não foi tão mal, cinco defesas...
— Dino, esquece o Simas. Estamos falando de você. Só deixou passar um gol, e nunca viu uma goles de perto antes. Como isso é possível?
— Aconteceu a mesma coisa com você, Harry, já esqueceu?
Harry engoliu em seco. Era verdade. Acontecera com ele do mesmo jeito. Seu primeiro vôo de vassoura, e ele tornou-se apanhador do time.
— Vamos tentar mais algumas vezes, para ver se você é realmente bom — concluiu.
E Dino era realmente bom. Acabou admitido no time.
— Vamos treinar três vezes por semana, por enquanto. Se sentirmos que precisamos acelerar o ritmo, aumentamos o número de treinos. Segundas, quartas e sextas, às 6 da tarde. Está bom para vocês?
— OK, Harry. Agora podemos ir? – perguntou Alicia.
Já estava anoitecendo.
— Hum... certo. Estão dispensados.
Harry permaneceu no campo de quadribol, enquanto observava os outros se retirarem para o castelo. Pensou em visitar Hagrid, contar-lhe o quanto estava animado com as possibilidades da Grifinória ganhar a Taça de Quadribol. Depois pensou que talvez seria melhor dar uma volta em torno do lago. Ele sentia-se inquieto. Provavelmente era excitação por ser agora o capitão do time.
Estava caminhando na direção do lago quando sentiu uma pontada na cicatriz. Uma ardência, que se foi com a mesma rapidez com que veio, e durou tempo suficiente para um piscar de olhos. Harry tomou um susto, e olhou em volta para ver se havia algo suspeito. Tudo o que viu foi um rastro de poeira dourada, acima das árvores, na orla da floresta, caindo lentamente.
— Você tem certeza que a sua cicatriz doeu, Harry? — Rony perguntou quando ele contou o que aconteceu.
— Rony! O que é que você está pensando, que eu imaginei a dor na minha cicatriz?
— Mas se foi tão rápido...
— Olha, eu acho que você devia tomar mais cuidado, Harry — falou Hermione, em seu típico tom autoritário. Se antes ela já era mandona, depois que se tornou monitora, ficou muito mais — Isso é um sinal de perigo, todas as vezes que a sua cicatriz doeu, aconteceu alguma coisa ruim. Você pode evitar ficar circulando por aí à noite, e também evitar sair sozinh...
— Hermione, eu não preciso de babá, eu sei me cuidar sozinho!
— Você devia levar a sério a preocupação dos seus amigos com você, Harry — ela disse ligeiramente magoada — Eu me importo com os perigos que você pode estar correndo, e é assim que você reage!
Ela saiu correndo do salão comunal e subiu as escadas muito rapidamente.
— Espera aí, Mione... — Harry tentou ir atrás dela, mas Rony o deteve.
— Deixa pra lá, amanhã ela já esqueceu.
Harry há algum tempo já aprendera a dar importância aos sinais de perigo que as dores em sua cicatriz significavam. Não perdeu tempo e escreveu a Sirius. O padrinho lhe mandara outra carta, perguntando se ele realmente não vira nada suspeito naquela noite, mas tal como havia dito na carta anterior, Harry disse que não havia. Contudo, ele não sabia que a única coisa que vira de diferente era um sinal, um sinal de todo o horror que havia sido libertado.
***
A algumas centenas de quilômetros dali, um bruxo flácido e baixinho trocava os curativos da beldade loura à sua frente.
— Ai! Mais devagar, Pedro, essa poção arde!
— Precisa cicatrizar, milady. Se eu não passar a poção, essas feridas vão acabar infeccionando. A madame sabe, são ordens expressas de milorde.
— Sei — ela fez cara de tédio — E ele? Já está melhor?
— Oh, sim. Milorde está muitíssimo bem. Ele se recupera espantosamente rápido. Nunca vi coisa igual.
— Uma pena que eu não tenha a mesma sorte... Malditas aranhas!
— Elas são muito assustadoras? — perguntou o bruxo nervosamente.
— Horríveis! Se eu tivesse ido sozinha, acho que elas teriam me matado. Tenho sorte de ter um bruxo tão poderoso ao meu lado.
— Claro, milady, muita sorte. Eu também tenho sorte de poder servir a vocês dois.
***
O trimestre mal começara, e os professores já estavam enchendo os alunos de deveres de casa. Até mesmo a profª Sibila Trelawney pedira uma composição de dois rolos de pergaminho sobre as origens do jogo de tarô. As aulas mais interessantes estavam sendo, sem dúvida, as do prof. Flitwick, que resolvera ensinar com enfeitiçar vassouras e outros objetos para fazê-los voar. No outro extremo, as piores aulas eram do Snape. Ele voltara das férias de verão com disposição renovada para perseguir os alunos da Grifinória.
Harry estava cortando raízes para sua poção do sono quando um estrondo às suas costas indicou que um caldeirão explodira. Virou-se pronto para acudir Neville, e ficou surpreso quando viu que a poção do amigo estava perfeitamente normal, e que Cassandra estava coberta dos pés à cabeça por um líquido viscoso amarelo enquanto seu caldeirão cozinhava o que restara da poção.
— Srta. Poliakoff, creio que ouviu quando eu disse para não adicionar os cogumelos inteiros, e sim uma raspa do caule — sua voz era seca — São menos 15 pontos para a Grifinória por sua falta de atenção.
Pela primeira vez, os alunos da Grifinória não protestaram ou ficaram aborrecidos porque Snape descontara pontos da Casa. Estavam todos achando bem merecido e que era uma boa lição para a garota.
— E ela que dizia que era a melhor aluno do ano em Durmstrang — comentou Hermione — Imaginem só como devem ser os outros!
Harry e Rony sufocaram as risadas, para não dar a Snape pretexto para descontar mais pontos.
Draco Malfoy estava falando em voz alta:
— Ei, Longbottom, é melhor tomar cuidado, ou vai acabar perdendo o posto de Desastre Ambulante da escola para a loirinha aí!
Para surpresa de todos, Cassandra pegou seu caldeirão e arremessou-o na cabeça de Draco Malfoy, acertando também Pansy Parkinson que estava ao lado dele. Dessa vez, até os alunos da Sonserina riram, menos as duas "vítimas" e seus capangas Crabbe e Goyle. Snape descontou 50 pontos da Grifinória e mandou Cassandra em detenção.
— Até que a Cassandra não é tão má pessoa — estava dizendo Rony mais tarde.
— Você está dizendo isso só porque ela tacou o caldeirão em cima do Malfoy. — falou Hermione.
— É um bom motivo para gostarmos dela, não acha?
— Eu não acho — disse Harry — Não gostei da garota, ainda que ela tenha dado uma lição no Malfoy. Isso não faz com que ela seja menos arrogante ou menos chata.
— Pois na minha opinião, depois do que ela fez na aula do Snape, está parecendo quase simpática — concluiu Rony.
Em um mês, já era a terceira ou quarta vez que Hermione recebia uma correspondência trazida pela mesma coruja amarelada e nunca deixava os amigos verem de quem eram, apesar dos esforços de Rony para descobrir de que se tratavam as tais cartas. Ele e Harry tinham fortes motivos para desconfiar que eram de Vitor Krum.
— Vê como ela fica rindo feito boba quando lê aquela carta? — disse Rony uma vez, bastante aborrecido.
Por conta disso, Rony demonstrava a maior simpatia cada vez que via Fleur Delacour, e fazia questão de cumprimentá-la sempre. Harry achava que ele beijaria as mãos dela se ela pedisse. Foi numa noite que eles estavam conversando sobre o trabalho dela que tudo aconteceu. A maioria dos alunos ainda não tinha chegado ao salão para o jantar, e Fleur dizia que estava adorando trabalhar em Hogwarts e que o sr. Filch era muito simpático porque sempre ia ao jardim colher flores quando ela pedia.
— De outrra maneirra eu nón poderria decorrar o salón com tán belas florres. O prrofessor Dumbledorre foi muit gentil de me dar emprrego aqui.
— Mas ele não se arrependeu, afinal, você faz o seu trabalho muito bem — disse-lhe Rony, dando uma espiada em Hermione para ver se ela teria alguma reação — E até já está falando inglês direitinho.
— Eu não acho que ela esteja falando bem o inglês — falou Hermione de repente, levemente alterada — Ainda precisa melhorar muito. E se não parar com essa mania de carregar nos "rr", nunca vai conseguir falar direito.
Fleur olhou para ela espantada, mas, para não perder a pose, retrucou.
— Inglês é uma língua muito enrrolada. E nón tem a classe e o refinamant do frrancês. Sincerramant, eu nón prretendo perder mon sotaq, é muit mais charrmoso. Saiba que, se eu quisesse, estarria falando parfeitament a sua língua.
Antes que Hermione pudesse responder, Fleur virou-se e foi andando rapidamente na direção de um rapaz da Corvinal.
— Quanta pretensão! — resmungou Hermione, cortando o bife com tanta violência que um pedaço voou para fora do prato.
— Você não devia ter falado assim com ela! — disse Rony, fingindo que estava muito aborrecido, mas na verdade se controlando para não sorrir.
— Não se mete, Rony, que você já anda muito assanhado para o lado dela.
Ele calou-se e olhou para Harry com um olhar que dizia claramente: "Viu como ela está com ciúmes?"
Foi nesse instante que uma coruja castanha entrou voando e deixou cair uma caixa negra, grande o suficiente para acomodar uma bola de futebol, na mesa dos professores, bem diante de Snape. Ele olhou espantado para a caixa, e aparentemente aborrecido por ter seu jantar interrompido. Quando abriu a tampa e viu o que tinha dentro, sua expressão raivosa se desfez e transformou-se numa expressão de assombro. Ele arregalou ligeiramente os olhos, e depois tornou a fechar a caixa. A essa altura, todos no salão já tinham virado as cabeças na direção do professor, curiosos para saber que encomenda era essa que tinha de ser entregue no meio do jantar e não na hora normal do correio, pela manhã. Snape mostrou o conteúdo da caixa para Dumbledore, e então se retirou levando-a consigo. O semblante do diretor ficou sério, e ele comeu rapidamente antes de levantar-se e sair pela mesma porta que Snape, seguido pela profª Figg.
— O que será isso que o prof. Snape recebeu? — perguntou Lilá Brown, transformando em palavras a pergunta que estava na cabeça de todo mundo.
Na manhã seguinte, quando estava saindo do castelo com Rony e Hermione para a aula de Hagrid, Harry viu Valerie Sands e Péricles Fletcher se aproximando rapidamente com os rostos preocupados. Eles passaram sem sequer olhar para os lados e subiram os degraus do Saguão de Entrada.
— Esses dois... Eles não estavam na sua casa aquela noite, Rony?
— Estavam... Sands e Fletcher... Será que vieram aqui por causa daquela caixa que o Snape recebeu?
— É provável — falou Hermione — Não é qualquer coisa que assusta o Snape, e vocês viram como ele ficou quando recebeu a caixa. Além disso, Dumbledore ficou muito preocupado, deu para perceber, não deu? Deve ter acontecido alguma coisa muito grave...
Hagrid levara para a aula filhotes de aranhas tailandesas, que eram verde-clarinhas e tinham 5 cm de diâmetro de uma pata a outra, mas, segundo ele, quando atingissem a fase adulta elas ficariam 6 vezes maior.
— Eu nunca tive uma aula tão horrível em toda a minha vida! — disse Rony, ainda tremendo, enquanto Hermione tentava convencê-lo a almoçar — O que foi que deu no Hagrid? Trazer aquelas coisas horrorosas para mostrar para a gente!
— Ah, Rony, relaxa! — disse Harry — As aranhas eram tão pequenininhas, e nem eram tão feias assim...
Rony lançou-lhe um olhar chocado.
— Não eram tão feias!? Eram horríveis, isso sim! E peludas, e... verdes! E vão crescer, e aquelas pinças assassinas vão ficar enormes e mais pavorosas ainda!...
— Mas o que é isso, Rony? — gritou Hermione de repente — Chega de frescura! Afinal, você é um homem ou um rato? Francamente!... Com medo daquelas aranhazinhas de nada!...
Ela saiu muito brava deixando um Rony encolhido na cadeira, bastante pálido.
— Ora, ora, Weasley! Eu ouvi direito? Você está com medo das aranhinhas daquele bobalhão do Hagrid? — era Draco, ladeado por Crabbe e Goyle, que se aproximara da mesa da Grifinória.
— É melhor você dar o fora, Malfoy — falou Harry entre os dentes.
— Eu esperava que você fosse mais corajoso — continuou ele sem dar atenção a Harry — O melhor amigo do grande, valente e perfeito Potter. Que decepção, Weasley! — ele riu e Crabbe e Goyle o acompanharam.
— Eu disse para você sair, Malfoy. Agora! — Harry sacou a varinha, mas a profª McGonagall apareceu atrás dele.
— Algum problema, garotos? — perguntou ela. Malfoy sorriu cinicamente.
— Nenhum, professora. Vamos — disse, fazendo sinal para Crabbe e Goyle o acompanharem.
A professora olhou para Harry astutamente.
— Fique longe de confusões, está bem, Potter? Não quero você metido em encrencas. Não se esqueça que agora você é o capitão do time da Casa, e precisa se concentrar neste campeonato. Não desperdice suas energias em picuinhas com seus colegas.
NOTA DA AUTORA: Este capítulo eu dedico à Angela Miguel, que escreveu Harry Potter e a Herdeira de Hogwarts, pela gentileza de ter me cedido uma passagem da fanfic dela, cuja trama começa a se desenrolar neste capítulo, assim que o Snape recebeu a caixa preta.
(continua...)
