Cap. 8 – O ataque de Hermione

Parecia que ultimamente as visitas de pessoas de fora da escola haviam se intensificado. Até mesmo Mundungus Fletcher, com seu incurável mau-humor e suas vestes velhas podia ser visto circulando pelos corredores de Hogwarts de vez em quando.

Choveu durante dias seguidos, de modo que as aulas de Trato das Criaturas Mágicas da semana foram canceladas. Mas os treinos de quadribol jamais eram cancelados, ainda que uma tempestade estivesse desabando sobre as cabeças deles, Harry insistia em continuar treinando e já colecionava discussões com Angelina e com Dino por conta disso. E foi na tarde de sexta-feira, com uma chuva pavorosa caindo lá fora, que Harry subiu para o dormitório bastante aborrecido e disposto a armar uma briga com Dino Thomas porque ele não ainda não descera para o treino. Harry abriu a porta do quarto e viu os antigos pôsteres de Dino embolados em cima da cama. Num deles, podia-se ver claramente o perfil carrancudo de Vitor Krum, enquanto no outro se avistava pares de chuteiras e uniformes do time de futebol West Ham bastante amassados.

— O que é isso? — perguntou Harry, se referindo ao pôster novo que ele estava pendurando na parede, já esquecido do motivo que o levara até ali.

— São os maiores goleiros do mundo! — exclamou ele sorridente — Está vendo esse aqui de olhos puxados? É o Chung Stenio, da seleção chinesa, mas joga pelo Montrose Magpies. Ele é simplesmente o melhor goleiro que já existiu. Uma muralha!

Harry observou os jogadores que voavam pelo pôster. Havia meia dúzia, e ele reconheceu o goleiro da seleção irlandesa.

— Estou tentando fazer um retrato dele — disse Dino, apontando para uns rascunhos em cima da cama, feitos a lápis —, mas está meio difícil. Bom, quando eu terminar, pretendo mandar para o Chung Stenio pedindo que autografe para mim. Você acha que ele assina?

— Sei lá...

— Ah, Harry, você está aí! — eram Fred e Jorge que apareceram à porta do quarto. — Cabulando treino, hein? Tss, tss... Que coisa feia de se fazer, senhor capitão!

— Eu não faltei ao treino! — protestou Harry — Na verdade, eu vim aqui justamente para chamar o Dino, e...

— Ah, Harry, dá um tempo! Olha esse chuvão lá fora, não vamos nem aproveitar o treino! Só vamos ficar encharcados, e quem sabe, pegar uma pneumonia.

— Pode ficar tranqüilo, senhor capitão — disse Fred, batendo continência — Mesmo que esse aí quisesse treinar, não ia dar, porque Katie andou alisando os cabelos e disse que nem morta pega uma chuva dessas para estragar o penteado.

— Mulheres... — disse Jorge, balançando a cabeça e dando um tapinha nas costas de Harry — Sempre vaidosas... Mas não vamos reclamar, afinal, elas querem ficar bonitas para nós.

E, piscando para Harry e Dino, os dois se retiraram.

Para desgosto de Rony, na aula de Hagrid da semana seguinte, o gigante levou as aranhas tailandesas novamente. Elas tinham crescido um bocado desde a última vez que os garotos as viram, e já estavam com mais ou menos 20 cm. A cor verde estava um pouco mais escura e elas já não pareciam tão inofensivas.

— Elas vão crescer até uns 30 cm, mas já vi algumas atingirem meio metro. Porém, só poderão ser consideradas adultas quando começarem a brilhar. Reparem bem nestas pinças: não são venenosas, mas machucam feio. Evite fazer movimentos bruscos na presença dessas criaturas, elas atacam tudo aquilo que possa parecer uma ameaça para elas. Não é à toa que são tão usadas para guardar tesouros na Tailândia. Como não podem ficar expostas à luz forte quando adultas, vamos protegê-las do sol enquanto ainda estão em fase de crescimento. Venham, vamos colocá-las nesses compartimentos.

Rony olhava as aranhas com absoluto pavor. Parecia que a idéia de se aproximar delas, por si só, já era uma tortura. Harry arrastou o amigo para perto das caixas, o que foi muito difícil porque os pés de Rony estavam grudados no chão como ventosas.

— Que é isso, Rony! Não deve ser tão difícil! — disse, embora não acreditando realmente nas próprias palavras. Ele observou que Malfoy tinha um sorriso sarcástico no rosto, enquanto cochichava alguma coisa para Crabbe e olhava maldosamente para um Rony apavorado.

— É melhor desmanchar essa cara, Rony, se não quiser ouvir piadinhas idiotas do Malfoy — disse-lhe Harry. Como o amigo não disse nada e caminhou lentamente até Hagrid, Harry fez o mesmo e calçou seu par de luvas protetoras. Pegou uma aranha particularmente fedida e levou-a até uma caixa, mas teve dificuldade em enfiá-la lá dentro porque ela não parava de se contorcer. Podemos imaginar como deve ser complicado manusear uma aranha mexendo oito pernas freneticamente.

Quando Harry virou-se para buscar outra aranha, viu que uma das menores (e menores nesse caso significa 15 cm) deslocava-se lentamente na direção de Draco, pelas costas dele. Pansy Parkinson soltou um berro:

— Aaaaah! Draco! Atrás de você!

Ele virou-se tão bruscamente que quase esmagou a aranha com o cotovelo. Não deu para ver muito bem, mas Harry teve a impressão de que Malfoy não fora picado de verdade, apesar do escândalo que ele fez. Pansy o levou até a enfermaria, e Rony demonstrou uma certa simpatia pela aranha que atacara Draco, tanto que ele se dispôs a colocá-la dentro da caixa.

Quando Harry, Rony e Hermione estavam passando pelo corredor da enfermaria em direção à sala do prof. Binns, meia hora mais tarde, viram Draco e Pansy saindo pela porta. Ele estava com um curativo no braço, e Pansy lhe dizia, com a voz preocupada:

— Madame Pomfrey disse que não foi nada, não sei como pode estar doendo tanto!

— Mas está doendo, sim — ele disse, fazendo cara de dor — Tenho certeza que aquela coisinha nojenta é venenosa. Veja, mal posso mexer meu braço.

Hermione bufava de raiva ao lado de Harry, e ele temeu a reação que a amiga poderia ter naquele momento.

— Não há nada com seu braço, Malfoy — ela gritou — Foi Madame Pomfrey quem disse. Mas se faz tanta questão de se machucar, podemos lhe fazer esse favor.

Ela sacou a varinha e murmurou alguma coisa. Apontou-a para Malfoy diversas vezes e vários hematomas surgiram, como se ele tivesse apanhado muito.

— O que está fazendo, sua maluca? — ele gritou, antes de sair correndo.

— Uau, Hermione! — exclamou Rony — Que feitiço maneiro! Ele vai ficar marcado por muito tempo?

— Vai. Marcado e dolorido. Quem sabe assim ele aprende a lição e pára de tentar prejudicar o Hagrid.

— Duvido muito — falou Harry — Ele não vai aprender nunca. E ainda por cima vai nos dedurar.

Hermione começou a morder os lábios nervosamente.

— Ai, meu Deus! — ela murmurou.

— Que foi? — perguntou Harry.

— Eu não devia ter feito isso, não devia... O que a profª Minerva vai dizer? Isso pode me custar o cargo de monitora. Eu tinha que saber me controlar, tenho que dar o exemplo, não posso sair atacando os outros alunos desse jeito...

Harry pensou que Rony fosse dizer que era muito bom que ela perdesse o cargo, mas, ao invés disso, ele passou um braço pelas costas dela e falou:

— Relaxa, Mione. Ninguém vai tirar a sua monitoria por uma bobagem como essa. Você é a melhor monitora que Hogwarts já teve. Sério!

Como já era de se esperar, Malfoy denunciou Hermione e, de quebra, aproveitou para colocar a culpa em Harry e Rony também. Ela não perdeu a monitoria, mas a profª Minerva descontou 50 pontos da Grifinória e passou um sermão na aluna dizendo o quanto ela estava decepcionada com essa atitude. Mione, é claro, ficou péssima.

— Novidades! — disse Jorge três dias depois do ocorrido com Malfoy, sentando-se ao lado de Harry na mesa do café — Warrington tentou cancelar o jogo da Sonserina no próximo sábado, você sabe, por causa do Malfoy. Acontece que ele não conseguiu, então Draco não vai jogar.

— E vão colocar um substituto no lugar dele — continuou Fred — A namorada do Jorge. Finalmente vocês vão poder vê-la jogar. Dá para imaginar como meu irmãozinho aqui está orgulhoso, não dá?

— E não é para menos — falou Jorge entusiasmado — Zelda joga muito bem. Melhor que o Malfoy, isso eu posso garantir.

— A sua namorada é da Sonserina? — perguntou Harry surpreso.

— É, sim. E você conhece ela. Está no mesmo ano que você, Harry.

Harry vasculhou sua memória, mas não lembrou de ninguém que se chamasse Zelda. As únicas sonserinas que ele conhecia por nome eram Pansy Parkinson e Emilia Bulstrode.

— Você vem com a gente ver o jogo amanhã, não vem, Harry?

— Ah, vou sim, claro.

Já passava das 11 horas da manhã seguinte quando Fred e Jorge irromperam pelo buraco da mulher gorda chamando por Harry.

— O que está fazendo aqui ainda, Harry? O jogo já começou!

— Ahn? — perguntou Harry meio sem entender, mas lembrando-se de tudo no segundo seguinte — Ah, é... O jogo da Sonserina contra Lufa-Lufa... Eu fiquei de ver a sua namorada jogar...

— Não é só por causa disso, Harry! Você, como capitão, tem o dever de assistir a todos os jogos e observar os esquemas táticos dos outros times. Senão, como é que vai bolar o nosso esquema de jogo, como é que vai conduzir os treinos?

Correndo um tanto desabalado atrás de Jorge com Fred atrás de si, Harry chegou ao campo de quadribol. Olhou para o alto, protegendo os olhos do sol com a mão e localizou a única menina vestida de verde. Não dava para ver direito, ela parecia mais um borrão verde com os cabelos presos em um rabo de cavalo. Jorge não tinha exagerado. A garota era capaz de fazer com a Nimbus 2001 que estava montando manobras que Harry acharia difíceis mesmo com a sua Firebolt. E, quando ela capturou o pomo minutos depois, numa volta arriscadíssima, Harry se viu torcendo para que Malfoy ficasse bom logo.

Na hora do jantar, Harry e Rony entraram no Salão Principal e avistaram a apanhadora da Sonserina rodeada de garotas, conversando animadamente. Cho estava entre elas. Indo em direção à mesa da Grifinória para se juntar a Hermione e os outros alunos, tiveram de passar pelas garotas, e Harry não pôde deixar de reparar na apanhadora. Ela não era exatamente bonita, mas esbanjava uma vitalidade de dar inveja. Era a primeira vez que olhava de verdade para ela. Estudavam Poções juntos há cinco anos e nunca tinha reparado. Sempre a vira como apenas mais uma aluna da Sonserina. Nunca notara os longos cabelos negros, lisos e sedosos que desciam até o meio das costas. Nem a pele levemente rosada, e o rosto que agora parecia-lhe estranhamente familiar. Tampouco os grandes olhos amarelos que ela tinha. Amarelos, como os de uma serpente. Harry não soube dizer porque, mas ao ver aqueles olhos, sentiu um arrepio subir pela espinha, como se fosse um mau pressentimento. Mas havia o sorriso, belo e carismático, que por um instante fez Harry esquecer dos olhos estranhos. É, podia-se dizer que ela tinha carisma.

— Tenho sangue de apanhador nas veias! — Harry ouviu-a dizer entusiasmada.

— Mas você nasceu trouxa... — questionou uma garotinha que devia estar no primeiro ano.

Emília Bulstrode, uma garota da Sonserina muito atarracada, cochichou alguma coisa no ouvida dela. Então a garotinha virou-se para a apanhadora e disse:

— Ah, desculpa, Zelda... Eu esqueci...

— Tudo bem... — falou a garota, com um sorriso nos lábios — Sério mesmo, não precisa se desculpar.

— Mas como é que você sabe disso? — era Cho que falava — Alguém lhe contou? Por acaso foi o...

— Remo — completou a apanhadora — É, foi ele mesmo. E sabem o que mais? Aposto que não vai demorar nadinha para Camillo vir me comunicar que agora eu serei a apanhadora oficial do time!

Camillo Warrington era o novo capitão do time de quadribol da Sonserina.

Então, vindo do outro lado salão, Harry ouviu uma voz arrastada e invejosa que ele conhecia muito bem se aproximar. Draco Malfoy, com um hematoma avermelhado ainda bem visível no rosto, se dirigiu à apanhadora.

— Você se acha o máximo, não é? Tem esse nariz empinado, mas não vale um nuque rachado ao meio.

— Eu estou tão feliz hoje, que nada do que você disser, Draco, vai conseguir estragar meu dia.

E sorrindo, a garota deu as costas a Malfoy, indo embora. Mas a voz desdenhosa de Draco a fez parar de súbito.

— Você nem sabe quem são seus pais... — esse comentário fez o rosto dela ganhar uma perigosa coloração avermelhada — Como pertence à Sonserina, é claro que você tem sangue puro. Slytherin jamais aceitaria na casa dele uma sangue-ruim.

"Então," continuou Draco, "devemos supor que você pertence a uma droga de família de bruxos, a julgar por você mesma."

A raiva ainda lampejando nos olhos amarelos, ela voltou-se para Malfoy, e falou, com a voz trêmula e visível desprezo.

— Prefiro o benefício da dúvida, a ter a certeza de que pertenço mesmo a uma droga de família de bruxos, como você, Malfoy. A sua família inteira, todos vocês, podres até a alma. Não me admira que você seja essa vergonha de bruxo.

E, dizendo isso, num rodopiar de capa ela se retirou em direção às masmorras, provavelmente para seu Salão Comunal. Cho a seguiu. Mas algo no comentário da garota lhe pareceu familiar. Os Malfoy são podres até a alma. Hagrid dissera a mesma coisa certa vez.

Harry tornou a olhar para Malfoy e o que viu foi uma cara de tacho. Ele ficara abobado com a resposta da garota e, aparentemente, sem reação. Pansy Parkinson estava indignada. "Como ela teve coragem de falar isso da sua família, Draco?"

Rony era outro que parecia espantado.

— Eu nunca pensei... Quero dizer, eu sabia que ela não gostava do Malfoy, me lembro até que certa vez, no café, ela o azarou, porque ele tinha pegado uma carta dela e saído correndo pelo Salão Principal... Mas dizer todas aquelas coisas para ele... Ofender os Malfoy... Ela comprou briga com a família inteira...

— Malfoy falou da família dela, qualquer um reagiria. Você teria dado um soco no nariz dele, Rony.

— Você não entendeu, Harry, eu não estou chocado, eu estou deliciado! Ouvir alguém falando aquelas coisas para o Malfoy, só não é melhor do que vê-lo transformado em uma doninha saltitante! Cara, nós temos que dar os parabéns a ela!

— Nós?! Você pirou, Rony? Ela é sua cunhada, eu nem conheço ela.

Assim que alcançaram a mesa da Grifinória, Harry percebeu que Hermione estava com um ar preocupado.

— O que foi, Mione? Aconteceu alguma coisa?

— É a Ritinha...

— Ah, não diga... — falou Rony, em tom debochado.

— Eu acho que ela não está nada bem... — continuou ela sem dar atenção a Rony — Anda muito quieta e... Eu acho que ela está doente...

— Eu nunca ouvi falar de besouros que ficaram doentes.

— Rony, isso é sério! E se for alguma coisa grave? Eu... Eu não quero que ela morra, que espécie de monstro você pensa que eu sou?

— Uma espécie que tranca jornalistas intrometidas em aquários e já tentou incitar os elfos domésticos contra a natureza deles.

— Tentei...? Olha, Rony, se você acha que eu já desisti do F.A.L.E., pode esperar sentado por esse dia. Eu só estou dando um tempo, preciso me organizar, é só isso. Quanto à Ritinha... Eu estava pensando... Talvez seria melhor se eu a libertasse, vocês não acham? Assim ela poderia se tratar...

— Ela pode estar fingindo, não pode? — opinou Harry — Se você veio com esse papo de libertação na frente dela, é bem capaz de ela ter tomado ânimo para seguir em frente com a farsa. Não deve ser difícil se fingir de doente...

— Você acha?... Eu... De qualquer forma, eu não sei... Talvez fosse bom que vocês a vissem, para dar uma segunda opinião. Ou terceira, porque, segundo Parvati, ela continua igual a todo dia, nojenta do mesmo jeito.

(continua...)