Cap. 9 – Surpresa de Halloween
No domingo à tarde, Hermione arrastou os dois amigos para seu dormitório a fim de dar uma olhada em Ritinha. Todas as outras garotas ainda estavam almoçando, então o lugar estava vazio. O besouro estava voando dentro do aquário, muito serelepe, quando eles abriram a porta.
— Ela não me parece nada doente. — sentenciou Harry.
Ritinha percebeu na hora a presença deles, a tratou de pousar, muito chocha, à margem do laguinho. Mas o estrago já estava feito, e Mione olhou furiosa para ela.
— Sua sacana! Eu me matando de preocupação, e você aqui, toda animadinha, sem qual quer vestígio de mal-estar! Não tem vergonha de fazer isso comigo?
— É... Mione? — chamou Rony — Sem querer ofender, mas... Você não tem vergonha do que está fazendo com ela?
Rony tentara fazer uma gracinha, mas Mione não achou graça nenhuma. Porém, antes que ela pudesse responder, ele apressou-se em começar uma discussão.
— Ela é um ser humano, não se esqueça disso. É gente como a gente. Tem direito à liberdade e tudo o mais. Você está cometendo um crime, trancando ela aí. Não interessa muito se ela é uma tremenda babaca, isso não vai contar pontos a seu favor se você for a julgamento, nem vai fazer os dementadores terem peninha de você.
— Está tentando me tirar do sério, não é? Pois não vai conseguir — afirmou ela, se contendo — Agora, saiam do meu quarto. Os dois.
Harry e Rony estavam conversando com os gêmeos Weasley na sala comunal da Grifinória, horas depois, quando Mione apareceu correndo escada abaixo com o Profeta Diário na mão.
— Olhem só isso! Saiu no Profeta de hoje, eu estava lendo, aí vi essa noticia, achei que vocês gostariam de saber.
Ela entregou o jornal para Harry e ele começou a ler em voz alta.
Pássaro de Ouro ataca novamente
A pequena Ellie Scottsbluff, de apenas sete anos de idade, foi levada ao Hospital Saint Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos na tarde de ontem. Segundo a sra. Scottsbluff, na última vez que ela vira a filha em estado normal foi quando a bruxinha estava brincando no quintal com seu pelúcio de estimação. No momento em que saiu da cozinha para ver como ela estava, a sra. Helen Scottsbluff encontrou-a agachada no chão, rígida e completamente gelada, com o pelúcio preso em suas mãos, guinchando freneticamente. Desesperada, levou-a ao St. Mungus.
De acordo com a declaração dada ao Profeta Diário pelo medibruxo de plantão, não há qualquer sinal de violência ou ferimentos na menina. O dr. Bowling afirma que estão tendo progressos no tratamento e que logo Ellie Scottsbluff estará perfeitamente saudável e receberá alta. Há um outro caso parecido com o da pequena Ellie, trata-se do sr. Melvin Melville, que encontra-se no mesmo estado de inconsciência há vários dias e ainda não foi liberado do hospital.
Fontes seguras, porém, nos informaram que havia vestígios de um líquido dourado nas mãos da menina, o mesmo líquido encontrado no rosto do sr. Melville. Outras fontes nos asseguraram que um pássaro dourado com aproximadamente um metro de envergadura foi avistado na região próxima a Newcastle, por duas testemunhas. Segundo suspeitas dessas pessoas, o sr. Melville e a srta. Scottsbluff foram atacados pelo Pássaro de Ouro.
— O Pássaro de Ouro? — falou Rony — Ele é só uma lenda, não existe! Nunca ninguém conseguiu provar sua existência! Isso aí é uma grande piada.
— Piada ou não, isso é grave. Seja lá o que foi que aconteceu com a menina e o velho, não me parece um acidente qualquer. Provavelmente trata-se de um feitiço muito poderoso. E segundo algumas coisas que eu já li, não me parece tão certo que o Pássaro de Ouro não exista.
— É só uma lenda, eu já disse.
— Ah, maravilha! A câmara secreta também era só uma lenda, e, no entanto, você esteve lá dentro, e o basilisco que quase matou o Harry era bem real.
— Eu nunca ouvi falar nesse tal Pássaro de Ouro — informou Harry.
— É por isso que eu vim aqui falar com vocês. Estou indo à biblioteca, pesquisar mais sobre ele. Se quiserem vir comigo...
— Hermione! Hoje é domingo! Eu não vou à biblioteca! — esbravejou Rony.
— Ótimo, não vai fazer falta. Harry?
— Eu... — ele olhou para Rony. Não queria perder o domingo na biblioteca, mas estava cismado. Algo lhe dizia que havia alguma coisa nessa história. — Eu vou com você.
Quando chegaram à biblioteca, Harry e Hermione encontraram uma Madame Pince excepcionalmente irritada, com um espanador na mão, expulsando um casal de alunos da Lufa-Lufa que não tinha vindo ali exatamente para estudar. Quando olhou para os dois que acabavam de entrar, tratou de enxotá-los dali.
— O que vocês querem?
— Viemos estudar — respondeu Hermione com simplicidade.
— Pois tratem de estudar em outro lugar. Estou fazendo uma faxina agora e não quero ninguém aqui me atrapalhando.
— Precisamos de um livro que está aqui! — protestou a garota.
— Podem voltar amanhã, estou certa de que podem. Se fosse algo urgente, não teriam vindo no final da tarde de domingo. Agora, xô!
Muito a contragosto, Hermione saiu. Harry lhe disse que poderiam voltar outro dia, afinal, não era nada urgente. Mesmo assim, ela não pareceu muito satisfeita.
Passando pelo corredor da ala hospitalar, eles puderam ouvir uma pequena discussão que vinha de dentro da sala. Parecia que os apanhadores da Sonserina, o oficial e a substituta, estavam tendo uma ligeira divergência. Uma voz feminina dizia:
— Voltar para o time!? Você está brincando!...
— Não mesmo, Hawking. — era a voz de Draco — Divirta-se enquanto pode, minha vaga no time já está assegurada, assim que eu me recuperar completamente estarei...
— Não sonhe tão alto, Malfoy — ela dizia sarcasticamente — Esta manhã, Camillo veio me nomear como apanhadora oficial.
— Você está mentindo. — a voz dele tremeu ligeiramente — Ele não fez isso, ele não pode fazer isso! As minhas vassouras...
— Me pareceu, Malfoy, que eles preferem jogar com as Shooting Star's da escola e ter uma apanhadora de verdade, do que aturar você com as maravilhosas Nimbus 2001 do seu papai.
Um relance de preocupação passou pela cabeça de Harry. Se era mesmo verdade, ele teria muito mais trabalho do que esperava. Jogar contra Malfoy era uma coisa, completamente diferente de jogar contra alguém que sabia jogar de verdade. E ela sabia. "Mas eu joguei contra Cho, não joguei? E venci. E ela é muito boa. Por que eu deveria me preocupar com a sonserina?" Ele tentou varrer esses pensamentos da sua cabeça, enquanto rumava com uma frustrada Hermione para a torre da Grifinória.
Harry decidira que, se ele era o capitão do time de quadribol, tinha de honrar o título. Na segunda-feira, apanhou na biblioteca vários volumes referentes ao assunto, que iam desde livros inteiramente dedicados a um único jogador, até títulos sobre táticas e esquemas sofisticados de jogo. Quando Hermione apareceu para falar sobre o Pássaro de Ouro, Harry pediu que o deixasse em paz. Será que ela não via que ele estava ocupado com coisas mais importantes que uma lenda idiota?
No dia seguinte, ele foi espionar o treino da Corvinal. Cho treinava com uma disposição febril que ele nunca notara antes. Fazia movimentos agressivos e até perigosos, e mantinha uma expressão de fúria silenciosa no rosto. O capitão Rogério Davies parecia extremamente animado com a garra de sua apanhadora, e dava força para as manobras quase suicidas dela. Eles tinham também um novo goleiro, Donald Sands, que, Harry descobriu mais tarde, viera transferido de Beauxbaton. "Ele também não está nada mal", pensou Harry.
Quanto tentou contar a Rony e Hermione que estava preocupado com Cho, o amigo mal lhe deu atenção, muito preocupado com um dever de Poções que ele não estava conseguindo fazer. Já Hermione teve uma reação que Harry não esperava. Em vez de acalmá-lo, ela o recriminou por espionar os treinos do time adversário.
— Não há nada de antiético nisso! — argumentou Harry — O campo de quadribol está dentro dos limites do colégio, qualquer aluno pode ir até lá a hora que bem entender. Se ocorreu a coincidência de a Corvinal estar treinando naquele instante, eu não posso fazer nada.
— Não houve coincidência, Harry! Você sabe disso!
— Olha, Mione, o nosso jogo contra a Corvinal é daqui a um mês, e... Tá, OK. Eu admito. Não foi coincidência. Mas, e daí? Ou você acha que eles não espionam os nossos treinos, também?
Hermione lançou-lhe um olhar mortífero, e enfiou o nariz num livro de Aritmancia.
Mas Harry não desistiu. Dois dias depois, saiu sorrateiramente do castelo em direção ao campo de quadribol, disposto a estudar de perto o esquema de jogo da Corvinal. Essa foi a desculpa que ele deu a Rony, mas intimamente ele sabia que estava muito mais interessado em ver Cho do que qualquer outra coisa.
Mal tinha acabado de descer os degraus do saguão de entrada, quando topou com Jorge e sua namorada da Sonserina na porta do castelo.
— Harry, você não morre tão cedo. — começou Jorge, num tom maroto — Estávamos justamente falando de você.
— É mesmo? — comentou nervoso, pensando em encerrar logo a conversa e livrar-se dos dois o mais rápido possível.
— É. Eu estava dizendo a Zelda que ela pode ser uma ótima apanhadora, mas não é páreo para o astro do time da Grifinória.
Harry olhou nervoso para o relógio no pulso de Jorge. Àquela hora o treino já devia ter começado. Ele forçou-se a pensar numa desculpa qualquer para dar aos dois e poder correr para o campo de quadribol.
— E eu disse a Jorge — falou a garota — que isso nós só vamos saber quando nos enfrentarmos em cima de vassouras, correndo atrás do pomo. Você não concorda, Potter?
— É, eu acho que sim. Tenho de ir, se vocês não se importam... eu estou atrasado...
Dizendo isso, saiu em disparada pelos jardins. Só muito mais tarde foi que lhe ocorreu: fora a primeira vez que falava com Zelda.
E, na manhã seguinte, durante a aula dupla de Poções, Harry não pôde deixar de reparar em Zelda. Ela armara seu caldeirão num canto no fundo da sala, como se não quisesse ser notada. Estava completamente isolada dos outros alunos, e era a única sonserina que não recorria à ajuda de Snape. Tampouco o professor lhe oferecia auxílio, como costumava fazer com os outros alunos da sua casa. Na verdade, Snape parecia ignorar completamente a presença da aluna na classe, era como se ele não a visse. "Ou preferisse não ver", pensou Harry.
Alguns dias depois já era 31 de outubro, Dia das Bruxas. Um dia inteiro em Hogsmeade deixou todos, alunos e professores, animados para a festa de logo mais à noite. Com os bolsos estufados de doces da Dedosdemel, Hermione, Harry e Rony avistaram Fred e Jorge negociando alguns de seus produtos com bruxos turistas que passavam pela cidade.
— Esses dois — falou Rony, com a boca cheia de um sapo de chocolate que ele acabara de morder — estão fazendo um bom dinheiro com as porcarias que eles inventam.
— Mesmo sendo porcarias, parece que tem muita gente disposta a comprar — falou uma voz por trás dos três, que viraram-se para encarar um homem sorridente de fartos cabelos castanhos salpicados de fios brancos, com olheiras e rugas profundas em torno dos olhos. Remo Lupin trazia junto a uma coleira um enorme cão negro de olhos amarelados.
— Professor Lupin! — exclamou Hermione, não cabendo em si de tanta alegria.
— Sirius! — exclamou Harry, agachando-se automaticamente para afagar o cão e, como se só então se lembrasse disso, cumprimentou o ex-professor.
— Queremos saber as novidades — disse Rony aos recém-chegados — porque estamos fartos dessa falta de notícias.
— Calma, calma — respondeu Lupin — Tudo a seu tempo. Agora, que tal darmos umas voltas pelo povoado? Estou morrendo de vontade de tomar uma cerveja amanteigada.
Conversando sobre o que tinham feito nos últimos meses, Lupin não deixou escapar muito mais do que os garotos já sabiam. E, mesmo que não tivessem ido a um lugar reservado onde Sirius pudesse se transformar, este parecia muito feliz só de estar com o afilhado, e não parava de abanar o rabo. Foram todos juntos para Hogwarts, onde Sirius e Remo também passariam a noite das bruxas.
— Há dias que Almofadinhas não fala em outra coisa a não ser nesse banquete de Hogwarts. Ele diz que finalmente vai poder colocar no estômago uma comida decente, depois de tanto tempo. Vocês podem imaginar, como eu não cozinho muito bem, e ele, pior ainda.
À noite, antes de descerem para o banquete, Harry e Rony foram até os aposentos onde Sirius passaria a noite, porque o garoto queria aproveitar o tempo que tinha para conversar com o padrinho em sua forma humana.
Antes, porém, que pudessem se aproximar da porta da sala onde Sirius se encontrava, os dois amigos ouviram vozes alteradas que vinham lá de dentro.
— Não adianta fugir, Remo! Não adianta fugir e você sabe disso!
— Eu não estou fugindo — respondeu ele em tom impaciente — Não se trata disso. É apenas uma questão de que, simplesmente foram os anos mais difíceis da minha vida, e quero evitar uma cena desagradável. Sei que não posso impedí-la, mas... Droga! Seria tão mais fácil se ela desistisse!
— Ela não vai desistir. Você sabe disso. Ela vai voltar, e logo. Você sabe, você sentiu. Não há como evitar.
— Pois faria melhor se não voltasse. Já são 14 anos. Catorze! — Lupin suspirou e sua voz acalmou-se — Catorze anos que não podem ser apagados tão facilmente.
Harry e Rony entreolharam-se. Não iam ficar escutando uma discussão entre Remo e Sirius. Não mesmo.
Deram meia-volta e encaminharam-se para o Salão Principal, onde uma decoração de Fleur os esperava. As tradicionais abóboras dividiam o espaço com fadinhas fantasiadas de morcegos. Hermione estava irritadíssima, e conversava alguma coisa com Fleur; se é que se podia chamar aquilo de uma conversa amigável. Mas não chegava a ser uma discussão, tampouco.
— Já avisei à veela maluca, que se qualquer dessas fadinhas ousar se aproximar de mim, eu explodo todas elas em mil pedacinhos!
Rony sufocou uma risada. A imagem de Hermione no dia que chegaram a Hogwarts, com uma porção de fadinhas grudadas no cabelo, provavelmente ainda estava bem nítida na cabeça dele.
Não demorou muito e Lupin apareceu no Salão com um cão negro. Dumbledore os recebeu efusivamente, e não havia no rosto do ex-professor qualquer vestígio da discussão que tivera há pouco com o amigo. Para surpresa de Harry, e provavelmente, de boa parte dos que estavam presentes, Zelda saiu correndo da mesa da Sonserina e pendurou-se no pescoço de Lupin, abraçando-o como se ele fosse seu pai. Remo retribuiu a demonstração explícita de carinho, ignorando os olhares espantados que os observavam. Os dois trocaram algumas palavras, e então a garota virou-se para o enorme cão, e, com uma expressão de genuína felicidade no rosto, afagou-lhe a cabeça enquanto dizia-lhe alguma coisa.
Snape observava a cena com absoluto desagrado no rosto, e quando seu olhar encontrou o de Sirius, um brilho de ódio perpassou pelos seus olhos em resposta ao rosnado de Sirius.
Harry voltou-se para os amigos, como a perguntar se eles entenderam alguma coisa. Hermione deu de ombros, e Rony girou o dedo na altura da orelha, dizendo "Pirados".
Quando o jantar foi servido, o clima não podia estar melhor. Sirius, em sua forma canina, comia numa tigela no chão, perto da mesa dos professores, fazendo uma grande lambança. Fleur Delacour não se conformava com a presença do cachorro bagunceiro, que estava "poluind món decorraçón". Em parte, era verdade, porque ele não combinava nada com a toalha roxa de cetim que cobria a mesa a seu lado.
Minutos depois, as portas do Salão Principal se abriram, e por elas entrou uma mulher como Harry nunca vira na vida. Ela poderia muito bem ter sido tirada de uma pintura sobre a Grécia Antiga, pois usava uma túnica branca presa a um ombro só, que lhe caía até pouco abaixo dos joelhos e, de tão delicada, parecia tecida com pétalas de flores. As sandálias nos pés tinham a textura de folhas secas, com tiras que subiam pelas pernas. Assentada nos cachos azul-turquesa que lhe desciam pelas costas, havia uma guirlanda, feita de flores e folhas negras. Um par de olhos muito azuis e brilhantes completava o conjunto de beleza ímpar, daquela que era a criatura mais bela que Harry já contemplara.
Rony estava embasbacado.
— É uma ninfa! Eu nunca pensei que fosse viver para ver uma de perto!
A ninfa encaminhou-se lentamente para a mesa dos professores, a tempo de encarar Lupin antes que este se levantasse e saísse quase correndo do salão. Em seus olhos azuis profundos, era visível a decepção. Alvo Dumbledore levantou-se de sua cadeira e postou-se de frente para a ninfa. Com um brilho de emoção nos olhos que nunca ninguém naquele salão vira antes, Dumbledore beijou a testa dela e disse, com a voz transparecendo uma felicidade absoluta:
— Seja bem-vinda!
(continua...)
