Cap. 10 – Sobre o Pássaro de Ouro
A ninfa sorriu para Dumbledore. O sorriso mais lindo que Harry já vira. Não, ele não estava enfeitiçado, como ficou quando viu veelas pela primeira vez. A ninfa era bela, mas não de beleza estonteante como a das veelas, era de uma beleza quase virginal. A sensação que ele tinha ao olhá-la era a sensação que se tem quando se contempla uma obra de arte, porque era isso o que ela parecia: uma obra de arte.
Dumbledore conjurou uma cadeira com a varinha e ofereceu para a ninfa sentar-se. As reações à presença dela foram as mais diversas. As profªs Figg e McGonagall pareciam satisfeitas; Flitwick ficou alvoroçado, balançando as perninhas na cadeira; Fleur Delacour decididamente torceu o nariz para ela, no que foi correspondida; e Sirius, discretamente, empurrou com a pata sua tigela para longe da mesa, olhando para trás de vez em quando para espiá-la. A ninfa pareceu estar se divertindo com a reação do cachorro.
— Mas o que é que ela está fazendo em Hogwarts...? — perguntou Hermione, num sussurro, mais para si mesma do que esperando obter uma resposta.
— O que eu gostaria de saber — comentou Harry — é por que o Lupin saiu do salão daquele jeito...
— Provavelmente lobisomens têm algum tipo de indisposição com as ninfas... — arriscou Rony — Vocês sabem, ninfas se indispõem com boa parte das criaturas mágicas...
— O prof. Lupin não é uma criatura! — indignou-se Hermione.
— Foi só uma maneira de falar, ah, você entendeu!
Murmúrios excitados espalharam-se pelo salão, todos estavam curiosos em saber o que uma ninfa viera fazer no castelo.
— É mesmo uma ninfa?
— Como ela tem coragem de andar no meio dos bruxos?
— Será que veio promover uma vingança maligna? Talvez ela esteja mancomunada com o prof. Flitwick...
— Não seja imbecil, ninfas não promovem vinganças malignas! E duendes não têm mais nenhum motivo para se revoltarem, eles têm tudo o que podem querer...
— Vai ver ela veio se inscrever no fale, vai ajudar os elfos domésticos a se revoltarem também... — comentou Fred com ar inocente, olhando de viés para Hermione.
Ela nem se deu ao trabalho de corrigi-lo, então, do nada, surgiu em seu rosto aquela expressão que ela sempre tinha quando conseguia resolver algo que considerava um enigma genial. Lembrou a Harry o dia que ela falara sobre a animagia ilegal de Rita Skeeter.
— Pois eu tenho um palpite muito melhor sobre o que ela veio fazer aqui...
— E não vai nos contar, acertei? — concluiu Rony.
Hermione olhou para o amigo com uma expressão severa.
— Pois você deveria ler mais, sabia? Me pouparia o trabalhão de ficar te explicando tudo o que eu descubro e ainda por cima ocuparia sua mente com coisas mais úteis que comida e quadribol.
— E o que poderia ser mais útil que comida? Saco vazio não pára em pé, você não conseguiria nem estudar se não comesse decentemente...
Mione ficou ainda mais aborrecida e arremessou uma fadinha sobre Rony, que recolheu-a desmaiada e deixou cair no chão como se fosse um mosquito. Num sussurro quase inaudível, ele acrescentou para Harry.
— Ela esqueceu de uma coisa muito mais útil e interessante do que comida e quadribol: garotas.
Os dois caíram na gargalhada.
Depois do banquete, Rony, Hermione e Harry tentaram falar com Sirius, e o encontraram muito inquieto na sala vazia do corredor do quarto andar.
— O que deu em você, Sirius?
— Nós... não vamos poder ficar por mais dias, como tínhamos planejado... Se fosse depender da vontade de Remo, já estaríamos bem longe daqui... Mas Dumbledore falou com ele, e vamos passar a noite... Amanhã bem cedo iremos embora...
— Por quê?
— Não posso explicar agora, mas... Bom, mais tarde vocês poderão entender, tenho certeza... É que surgiram alguns problemas de última hora e... E temos que ir.
— Que problemas? — era Harry, que já estava começando a ficar nervoso.
Sirius deu um longo suspiro e olhou bem fundo nos olhos do afilhado.
— Já disse que não posso explicar. Não agora. E, na verdade, acho que não sou a pessoa mais indicada para fazer isso. Creio que Dumbledore ou... bem... Acho que não vai demorar muito para você ficar sabendo.
— Mas Sirius, eu...
— Não insista. Há diversas coisas que precisam ser esclarecidas e não sou eu que tenho de fazê-lo.
Harry percebeu que era inútil tentar argumentar com Sirius, e saiu um tanto desanimado para a torre da Grifinória.
Foi difícil dormir aquela noite. E quando finalmente conseguiu, sonhou com um grande altar de pedras, coberto de folhas, e dois grandes olhos esculpidos. Vultos que ele não conseguia distinguir recitavam numa língua estranha, e dos olhos surgiu uma luz intensa e branca que o envolveu. Harry teve certeza que aquilo era real, e que acontecera, mas quando acordou pela manhã, não se lembrou que tinha sonhado.
Manhã que, por sinal, estava bastante movimentada. Remo e Sirius já tinham partido quando Harry foi procurá-los, e o garoto quase caiu para trás quando viu Hermione conversando com a ninfa.
— Não vou contar o que era — disse Mione, taxativa, quando Harry e Rony a interrogaram sobre a conversa que ela tivera com a ninfa, vários minutos depois, a caminho da aula de transformação.
— Vá, Mione, não seja cruel! Estamos mortos de curiosidade, você não pode fazer isso com a gente!
— Não adianta insistir, não vou contar! Vocês dois são ocupados demais, não se interessam por lendas idiotas.
Hermione afastou-se rapidamente, apertando o passo para a aula da profª McGonagall, deixando Harry e Rony abobados para trás.
— Ela não estava falando sério... estava? — perguntou Rony, e Harry não soube o que responder.
Os três não puderam conversar na aula da profª Minerva, que era muito severa, mas assim que tiveram um intervalo, os dois amigos desataram a interrogar Hermione.
— Olha Mione, é só você dizer "sim" ou "não": isso tem alguma coisa a ver com o Pássaro de Ouro?
— Por que você está tão interessado, Rony? O Pássaro de Ouro é só uma lenda, ele não existe, é fruto da imaginação de bruxos antigos que não tinham mais o que fazer.
— Quer falar direito comigo?! — explodiu Rony, nervosíssimo, puxando a amiga pelo braço.
Mione encarou-o calmamente e falou:
— Se não corrermos vamos nos atrasar e o prof. Flitwick não vai gostar nada disso.
Como a aula de Feitiços era uma tremenda bagunça (bolas de borracha voadoras povoavam a sala), Harry e Rony não desistiram de arrancar informações da garota.
— Você quer que eu peça desculpas, não é? Pois bem eu peço desculpas, Mione, me desculpe por ter dito que o Pássaro de Ouro era uma lenda sem fundamento quando você veio nos mostrar aquela notícia, por não ter te acompanhado nas suas idas à biblioteca, e também por todas as vezes que eu te chamei de cdf.
— Puxa, Rony, você deve estar se mordendo de curiosidade, para ter coragem de me pedir desculpas por tudo isso...
— Chega, Hermione, vamos falar a sério — disse Harry, largando uma bola voando em círculos sobre a carteira e virando-se para encarar a amiga — Se isso realmente tem alguma coisa a ver com o Pássaro de Ouro, você deveria nos contar, porque é muito sério. Eu não conheço essa lenda, nem sei direito o que é esse tal Pássaro, mas ele deve ser perigoso, para ter deixado duas pessoas inconscientes e internadas no St. Mungus...
— Duas não, cinco. Saiu na edição de hoje, houve mais um ataque a semana passada e dois casos antigos, de mais de um mês atrás, foram descobertos. Uma das vítimas já estava morta.
— Morta?! — assustou-se Rony, errando o feitiço e fazendo uma bola disparar direto na cara de Neville — Foi mal, Neville! Mas me diz, Mione, você tem certeza que já houve mortes?
— Eu não tenho certeza de nada, se quer saber! Isso saiu no jornal, eu vou mostrar para você, depois, se não acredita!
— Eu não estou duvidando de você. É que simplesmente, tudo isso é muito absurdo.
— E o que é que a ninfa tem a ver com tudo isso? — indagou Harry.
— A lenda diz, bem... eu não perguntei para ela se a lenda é verdadeira mas, se ela está aqui e confirmou as minhas suspeitas, vamos supor que seja ao menos em parte verdade. — ela tomou fôlego e prosseguiu — Todos sabem que ninfas e veelas nunca se deram bem, e ainda teve aquele episódio do banimento e, bem, isso foi a gota d'água para explodir de vez o ódio e aumentar a rivalidade entre essas duas raças. E, não se sabe ao certo o motivo, aliás, o motivo desse crime já deu origens a uma porção de lendas por aí. Bom, voltando ao que interessa, o fato é que uma ninfa foi assassinada por uma veela, de uma maneira brutal, sabe, houve luta e uma matou a outra com as próprias mãos. Não se sabe exatamente o local onde isso ocorreu, mas os historiadores supõem que tenha sido nas proximidades de uma mina de extração de ouro, porque o sangue da ninfa, os cabelos da veela, pó de ouro, neve, e alguma coisa mais se uniram e deram origem ao Pássaro de Ouro.
— E o que era esse algo mais? — perguntou Harry.
— Aí é que está. Ninguém sabe. Vários bruxos tentaram criar um novo Pássaro, houve uma perseguição feia a ninfas e veelas durante muito tempo, em busca das essências que poderiam recriá-lo. Isso porque o Pássaro de Ouro é um servo fiel a quem lhe possui, e é muito, muito poderoso, além de ser imortal. Que bruxo não gostaria de possuir uma criatura assim em seu poder?
— Pois eu sei muito bem quem gostaria — murmurou Harry.
Hermione encarou-o com preocupação nos olhos e acrescentou:
— Eu também acho que quem está por trás de tudo isso é o Você-Sabe-Quem. Não que ele precise do Pássaro de Ouro para executar seus inimigos, há um bando de Comensais da Morte para fazer isso. Mas digamos que nunca é demais ter uma arma a mais para ajudar a espalhar o pânico entre a comunidade mágica.
— É... — comentou Rony — Eu posso até imaginar o que ele anda dizendo por aí... "Renda-se ou eu mando o Pássaro de Ouro congelar você" — disse, numa voz baixa e teatral — Deve ser tão fácil ameaçar as pessoas desse jeito, até porque não há muitos meios de se defender do Pássaro, o único modo seria evitá-lo, mas uma vez que ele resolve te perseguir, você praticamente não tem como escapar.
Harry ficou pensando no que acabara de ouvir... Voldemort tinha uma arma... Uma arma imortal... Outra pessoa morrera... Foi despertado de seus devaneios pela sineta que tocou anunciando o fim da aula, e deu de cara com Rony e Hermione olhando para ele com as feições preocupadas.
— Não se preocupem comigo — pediu Harry.
Rony fingiu não ter ouvido.
— Você não está pensando que ele vai colocar o Pássaro atrás de você, está? Presta atenção, Harry: se ele quisesse fazer isso, já teria feito, ok? Não há nada em Hogwarts que impeça o Pássaro de atacar, ou, pelo menos, não havia até ontem, quando a ninfa chegou.
— Como assim "não há nada que impeça"? Você quer me dizer que Hogwarts não é segura?
Hermione foi arrastando-o para o corredor enquanto dizia:
— Magia poderosíssima, Harry. O Pássaro de Ouro não é uma criatura qualquer, aliás, ele nem mesmo é uma criatura. Ele não nasceu, ele simplesmente surgiu, não é vivo. Acredito que só uma ninfa ou veela possa controlá-lo, e é por isso que Najla está aqui.
— Quem? — perguntou Rony.
— Najla. É o nome da ninfa, ela me falou. Bom, ela não disse exatamente "estou aqui para controlar o Pássaro", mas quando eu perguntei se tinha a ver com o Pássaro de Ouro, ela confirmou.
— Só uma ninfa ou uma veela pode? Então, você quer dizer que Voldemort não pode comandar o Pássaro?
Hermione olhou para Harry mais preocupada ainda diante da menção daquele nome, e acrescentou com a voz contida:
— É por isso... que eu acho que... que tem alguém ajudando ele... Você-Sabe-Quem não poderia controlar o Pássaro sozinho. É claro que eu posso estar enganada, ele domina magia negra, pode conhecer outros métodos eficazes de controlá-lo, mas, para um bruxo comum, teoricamente essa é uma tarefa impossível.
Foi com certa dificuldade que Harry engoliu o almoço naquele dia. Do canto da mesa da Grifinória, ele podia ver Najla, a ninfa, na mesa dos professores, comendo um prato gigantesco. Lembrou-se do que lera num livro da biblioteca no ano anterior, "ninfas são espíritos da natureza". "Ela não come como um espírito da natureza", pensou Harry. Ela virou a cabeça e seu olhar encontrou o de Harry. Ficaram se olhando nos olhos por alguns segundos, até que o garoto viu formar-se nos lábios dela um leve sorriso. Ele lembrou-se de gigantescos olhos esculpidos em pedra, e não entendeu como aquela imagem viera de repente a sua cabeça.
Logo depois do almoço Harry teve uma entediante aula de Adivinhação, e saiu da sala no fim da aula com mais uma dúzia de insinuações feitas pela libélula cintilante sobre sua morte. A profª Sibila também previra um grande desastre nos próximos dias na vida de Cassandra Poliakoff e ela, ao contrário de Harry, parecia muitíssimo preocupada com isso. Estava sentada, desolada, no meio da escada do sexto andar, e Rony cochichou a Harry que ia conversar com ela. Ele andava tratando-a bem desde o incidente que a garota tivera com Malfoy na aula de Poções, quando arremessara um caldeirão em cima dele. Harry, porém, ainda não engolira Cassandra, e disse ao amigo que, se ele quisesse, que fosse conversar com ela sozinho. Assim sendo, Harry desceu as escadas e largou Rony consolando a loirinha sardenta.
Estava dobrando o corredor que levava até à escada para a torre da Grifinória, quando quase topou de frente com a ninfa. Parou, meio sem jeito. De perto ela era ainda mais bonita. Continuava usando aquela túnica de um ombro só, e ele perguntou-se como ela não sentia frio.
— Podemos conversar, Harry?
Ele espantou-se por ela saber o nome dele; acreditava que sua fama de herói não havia chegado ao ouvido de criaturas que vinham de tão longe, e sentiu-se mal por constatar que estava enganado. Harry não conseguiu dizer nada, e apenas assentiu com a cabeça, sendo então conduzido pela ninfa até a sala mais próxima.
(continua...)
