Cap. 12 – Amargo Novembro
Àquela declaração seguiu-se um silêncio angustiado.
— Tome um copo d'água, minha filha — disse Dumbledore, oferecendo não um copo, mas praticamente uma jarra cheia de água, que a ninfa bebeu inteira.
— Já esperávamos por isso — murmurou Arabella Figg — Eu só não imaginava que fosse ser tão cedo... Isso é praticamente uma declaração de guerra, o ministério vai ter que admitir que Voldemort ressurgiu...
— Não conte com isso, professora — afirmou Snape, a voz controlada — O ministro vai arranjar milhões de desculpas para a fuga dos dementadores... Dizer que enlouqueceram... Não vai dar o braço a torcer... Ele prefere fechar os olhos para os problemas... Teremos que dar conta deles sozinhos...
Todas as cabeças na sala voltaram-se para Dumbledore.
— Alguém avise Mr. Buzz — disse, calmamente.
Naquele mesmo dia, à noite, uma reunião secreta ocorreu na sala de Dumbledore.
— As pessoas esperam que nós façamos alguma coisa — afirmou Mundungus Fletcher, entre uma baforada e outra de seu cachimbo sabor limão.
— As pessoas esperando ou não alguma coisa da nossa parte, nós teremos de fazer, não é mesmo, Fletcher? — alfinetou Snape, seus olhos apertados num sinal de impaciência.
— Fudge me destacou, a mim e à minha equipe, de zelar pela segurança de Azkaban, 24 horas por dia, todos os dias, enquanto ele não arranja outras criaturas assustadoras para povoar o lugar — comunicou Valerie Sands, sem ânimo, ajeitando os óculos com a ponta do dedo.
— E você...? — inquiriu Mundungus.
— É claro que não vou perder meu tempo lá! — exclamou a bruxa, exasperada — Fudge pensa que eu não tenho mais nada a fazer?! Um bom punhado de feitiços isolantes deve bastar por enquanto. Estaremos muito ocupados com os dementadores para nos preocuparmos com Azkaban.
— Se continuar desobedecendo as ordens de Fudge, vai acabar sendo demitida do ministério — afirmou Moody com convicção.
— Sei disso, mestre — respondeu Valerie — Mas realmente não me importo. Perco meu tempo cumprindo ordens tolas enquanto poderia estar fazendo algo mais útil. E quer saber? Não faço falta nenhuma dentro do ministério, Arthur Weasley está conduzindo maravilhosamente bem as coisas por lá, quase metade dos funcionários coopera com ele em segredo.
— Arthur Weasley não pertence à Ordem — rosnou Moody — É um homem importante para nós, mas não é um de nós.
— Valerie — chamou Dumbledore, dirigindo-se a ela bondosamente — sua função é coordenar os aurores, dentro e fora do ministério. Nosso grande homem — ele indicou Moody — não pode fazer isso, mas você pode. Se provocar sua demissão agora, ficamos sem ninguém para cumprir essa tarefa.
— Não preciso trabalhar no ministério para recrutar aurores eficientes. Posso fazer isso sem...
— Lembre-se de que a maioria deles precisa de um emprego e um salário — advertiu Olho-Tonto — Nem todos os aurores herdaram fortunas familiares.
Aquilo pareceu convencê-la. Logo em seguida, ouviu-se o barulho de uma porta abrindo, e uma figura de cabelos azul turquesa e vestes brancas adentrou o aposento.
— Aquelas coisas horrendas não são nossa maior preocupação. Lembrem-se que ainda há o Pássaro de Ouro — falou a criatura, sem nem mesmo antes cumprimentar os bruxos presentes.
Moody ficou absolutamente surpreso com a chegada da ninfa, e muito lentamente, seu rosto entortou-se todo em um sorriso.
— Najla — ele constatou — Julguei que nunca mais fosse vê-la.
Os dias que se seguiram foram absolutamente tensos. O sumiço dos dementadores foi manchete de primeira página do Profeta Diário no dia seguinte ao ocorrido, sendo logo substituídas por manchetes sobre ataques e intimidações dessas criaturas por todo o território.
— Dóris Crockford teve a alma sugada, Harriet Havestraw teve sua creche invadida, a concentração do Wigtown Wanderers também foi atacada — lia Hermione nas páginas do jornal, sua voz sumindo aos poucos — Meu Deus, que criaturas horríveis são esses dementadores!
Harry nada disse. Não havia o que dizer.
Mas os ataques de dementadores não foram a única conseqüência do abandono de Azkaban no fatídico dia de 02 de novembro. Sem guardas, vários prisioneiros escaparam da fortaleza, apesar dos feitiços isolantes que envolvem a ilha. Ladrões, assassinos, bruxos das trevas, comensais da morte. Mais do que os dementadores, a possibilidade de topar na rua com qualquer um desses "elementos perigosos" era o que assustava a sempre assustada população mágica.
Harry não soube dizer como sobreviveu a esse mês de novembro, com a ameaça dos dementadores pairando sobre sua cabeça, mas o fato foi que sem que ele sentisse, chegou o dia 25 de novembro e, com ele, o primeiro jogo de quadribol da Grifinória na temporada.
— Entrando pelo lado direito do campo o imbatível time da Grifinória, e, pelo lado esquerdo, o time da Corvinal. Ambos os times não fizeram grandes mudanças nas equipes, as únicas novidades são os novos goleiros: Thomas pela Grifinória, Sands pela Corvinal.
Harry olhou para Cho. Ela parecia definitivamente feroz. Um pensamento desagradável lhe ocorreu: o de que ela era uma pessoa muito mais agradável e sorridente quando Cedrico ainda estava vivo. "Pare de pensar bobagens", censurou-se, "não é com pensamentos assim na cabeça que você espera ganhar esse jogo, é?"
Não foi um jogo fácil. Dino era realmente muito bom, mas não era páreo para o goleiro da Corvinal. O placar estava 80 a 20 para a equipe de Cho quando o pomo foi capturado. A garota bem que tentou, fez voltas arriscadas, concentrou todas as suas energias na partida, mas não foi rápida o suficiente. Harry chegou primeiro e, com um placar de 170 a 80, a Grifinória ganhou a partida.
— Foi uma partida difícil, mas conseguimos! — falou Harry para o time, quando a torcida se dispersou e eles conseguiram desmontar das vassouras. Jorge fora arrastado para fora do campo pela namorada que pulou no pescoço dele, Fred carregou Angelina para longe das vistas do resto do time, e Katie e Alicia tentavam consolar Dino, que estava desolado.
— Eu não merecia ter entrado para o time, Olívio nunca deu um vexame desses! — dizia ele, totalmente desanimado apesar da vitória do time.
— Não diz besteira, cara! — animou-o Harry — Nós vencemos! Você foi muito bem, e não queira se comparar com Olívio. Olha pra mim, tem idéia do esforço que eu fiz esses últimos meses para não me comparar com nosso antigo capitão? Desencana, vai. Você é o melhor que temos na Grifinória, não vai querer desistir agora, vai?
— Harry — chamou uma voz nas costas dele. Harry virou-se. Era Cho. Ela não estava com uma cara muito feliz. O garoto sentiu suas mãos suarem quando respondeu.
— Ahn... Oi, Cho. Como é que você está?
— Normal. Não vou morrer por causa disso. Foi só uma partida de quadribol — Harry assustou-se um pouco com a atitude dela, mas sentiu seu rosto corar quando ela acrescentou — Você é um ótimo capitão. Acho que treinou bem o seu time. E continua um apanhador perfeito. Acho que eu realmente nunca vou conseguir vencer você.
— Que é isso, Cho... Foi sorte. Você também joga muito bem. Eu só tenho uma vassoura mais veloz que...
— Uma vassoura?! Tá brincando?! Você tem talento nato, já nasceu sabendo voar. Suspeito que teria ganhado essa partida mesmo montado numa Shooting Star.
Harry sentiu que ficara absolutamente vermelho. Não sabia direito porque, mas um elogio daquele vindo de Cho fazia seu estômago dar cambalhotas. Pensou em agradecer, mas achou que ficaria pedante demais soltar um "muito obrigado" naquele momento; pior ainda seria continuar dizendo "não, o que é isso, você está exagerando", ficaria parecendo uma ceninha boba de falsa modéstia. Ele simplesmente não sabia o que dizer, e foi com certo alívio e frustração que ouviu Cho falar:
— Então, Harry, a gente se vê por aí. Até mais.
— Até.
Ele observou-a encaminhar-se para o vestiário, viu quando ela parou para trocar umas palavras com o goleiro do time, e depois quando a namorada do Jorge, apanhadora da Sonserina, arrastou-a para fora do campo, às gargalhadas.
Alguém deu um cutucão nas costas de Harry, e ele virou-se para dar de cara com um rosto sardento envolto por cabelos loiros bem crespos.
— Então, capitão — falou Cassandra — Satisfeito com a vitória?
Harry não entendeu se aquilo era uma demonstração de apoio ou um comentário irônico. Apenas limitou-se a responder:
— É, estou satisfeitíssimo. O time estava entrosado, jogamos com garra e... vencemos.
— Isso foi só porque você é um excelente apanhador e conseguiu ganhar o pomo na corrida com aquela chinesinha. Se você não reparou, a Grifinória estava perdendo, por oitenta a vinte.
— Onde você quer chegar com essa conversa, Poliakoff?
— Já que perguntou... Meu irmão costuma dizer que eu sou uma ótima goleira.
— Não estamos interessados, obrigado. Se você não reparou, já temos um goleiro. Aliás, um excelente goleiro.
— Excelente? Bom, se você diz... Não vou ficar insistindo, o meu recado já está dado. Tchau.
"Já vai tarde", acrescentou Harry mentalmente.
Harry aproveitou por aquela noite todos os benefícios que uma vitória no quadribol era capaz de lhe proporcionar: riu, brincou, jogou conversa fora, comeu até não agüentar mais, se animou a provar uma Gemialidade, se dispôs a jogar xadrez com Rony e perder espetacularmente, e dormiu o sono dos justos. Dementadores foram varridos de sua vida por aquela noite.
E pelo dia seguinte, também. Era domingo, e dia de visita a Hogsmeade. A população do povoado estava visivelmente mais precavida, a segurança havia sido reforçada, via-se "projetos de aurores" fazendo a patrulha do local por todos os lados. Segundo Rony, eram só "projetos", porque aurores de verdade tinham mais o que fazer e não se envolviam em questões mínimas como patrulhar uma cidade. Harry, Rony e Hermione estavam prestes a entrar no Três Vassouras para se esquentar com saborosas canecas de cerveja amanteigada quando quase toparam com Draco Malfoy. Não, não era Draco Malfoy. Ou melhor, era um Draco Malfoy de uns 25 anos de idade. É claro que não podia ser ele, era provavelmente um primo, ou, o que parecia mais provável, um irmão mais velho, porque a semelhança era enorme. Harry olhou para os dois amigos, momentaneamente sem fala. Foi Hermione que falou primeiro.
— Eu não sabia que Malfoy tinha um irmão — murmurou a garota.
— E não tem! — exclamou Rony, meio baratinado — Pelo menos, não que eu saiba. Quero dizer, se ele tivesse, a gente saberia.
Harry lançou um olhar para o estranho que já ia longe descendo a rua, e sequer olhara para os três garotos ao passar por eles. O primo — ou seja lá o que for — de Draco tinha uma expressão esquisita no rosto, um sorriso de excitação, que Harry não conseguiu definir, e saiu esfregando as mãos como se tivesse acabado de ganhar na loteria. Chutando o tal Malfoy de seus pensamentos, eles entraram no pub. Rony e Hermione foram até o fundo do bar ocupar a única mesa que parecia disponível, enquanto Harry foi buscar três canecas de cerveja amanteigada no balcão. Chegando até a mesa, ele notou que os dois observavam Fred e Jorge Weasley e Lino Jordan sentados numa mesa próxima, contando uma pilha de moedas, com os olhos brilhando de excitação.
— Eu não entendo como eles conseguem tanto dinheiro — comentou Rony, lançando um olhar invejoso para a pilha de galeões.
— Eles estão fazendo muitos clientes com os logros que inventam — começou Mione — Hogwarts inteira consome aquelas coisas, e não é de se estranhar que estejam nadando em ouro.
— Eu gostaria muito que o negócio deles fosse para frente — disse Harry — Quem sabe eu não poderia comprar uns biscoitos para o Duda.
Ele e Rony se entreolharam e caíram na gargalhada. Era definitivamente impossível esquecer de como Percy ficou quando comeu um biscoito de Fred e Jorge; a imagem dele cacarejando não sairia mais da cabeça de Harry, e imaginar Duda na mesma situação era cômico. Mione não entendeu, mas eles nem se deram ao trabalho de explicar, deixando-a um tanto irritada.
Sair do ambiente aquecido do Três Vassouras e andar pela neve gelada que caía em flocos na rua não era uma sensação das mais agradáveis, mas os três amigos estavam bastante aquecidos com a cerveja amanteigada em seus estômagos. Começaram a caminhar pela estradinha em direção à escola, e viram — Harry tirou os óculos e esfregou-os nas vestes a fim de limpá-los e ter certeza do que estava vendo — viram os irmãos mais velhos de Crabbe e Goyle?! Réplicas mais velhas de Gregório Goyle e Vincent Crabbe subiam a ladeira em direção à rua principal do povoado com sorrisos idiotas idênticos nos rostos.
— Isso é real ou estou tendo uma alucinação? — perguntou Rony, um tanto abobado.
— Só se for uma alucinação coletiva — constatou Harry — porque eu também estou vendo.
— É definitivamente estranho — começou Hermione, franzindo as sobrancelhas — Primeiro Malfoy e agora Crabbe e Goyle. O que é isso? Um congresso familiar?
Rony deu de ombros.
— Se você não entende, Mione, quanto mais eu.
Ainda meio atordoados, os três continuaram seguindo para Hogwarts. Estava anoitecendo e o jantar logo foi servido. Dumbledore não apareceu, e Harry reparou que desde o dia anterior não via o diretor na escola.
— Não acredito que Dumbledore tenha se ausentado de Hogwarts — falou Hermione, assim que engoliu a colherada cheia de pudim e creme — Ele não faria isso. Ou, se fizesse, pelo menos teria avisado.
— Onde você acha que ele está, então? Trancado na sala dele lendo um exemplar de Hogwarts, Uma História? — falou Rony.
Engolindo a raiva e reunindo toda a dignidade que tinha, Hermione retrucou:
— É bem provável que esteja.
— Talvez a gente deva perguntar à profª Minerva — arriscou Harry.
— Você não precisa se preocupar tanto — aconselhou Mione — Tenho certeza que não aconteceu nada e que o diretor está na escola. Sabe, Harry, você está ficando muito paranóico.
Ele olhou para a amiga com uma expressão idiota de quem não estava entendendo nada. Hermione chamando alguém de paranóico?! A tão preocupada e sempre sensata Hermione Granger dizendo que Harry estava exagerando?! Definitivamente...
Contudo, Harry tinha a cada dia mais certeza de que havia alguma coisa errada. Dumbledore não deu sinal de vida no dia seguinte, e nem no próximo. E na quarta-feira, Remo Lupin e Sirius Black apareceram em Hogwarts. Harry, Rony e Mione estavam passeando com o cão pelo jardim, quando entraram no castelo e perceberam que uma coisa muito estranha estava acontecendo. Uma ventania varria todo o salão principal, as toalhas de mesa esvoaçavam e era difícil caminhar. Os garotos não entenderam o que estava acontecendo, mas Sirius parecia saber. Ele abriu caminho em meio à pequena multidão que estava se formando ao pé da escada de mármore, e investiu furiosamente contra o que quer se encontrasse ali no meio da bagunça.
Com muita dificuldade, Harry, Rony e Hermione conseguiram alcançar o centro da confusão, depois de distribuir um bom número de cotoveladas e empurrões. E a cena que eles viram foi absolutamente espantosa: Najla, bela e furiosa, discutindo com um Remo completamente fora de si, como eles nunca tinham visto na vida. Um redemoinho de vento cercava os dois e abafava a maior parte do que diziam, ou melhor, gritavam um contra o outro. Tentando se aproximar do redemoinho, estava Sirius, latindo desesperadamente.
(continua...)
