Cap. 14 – 30 de novembro
Ao anoitecer do dia 30 de novembro começou a marcha. O Lord reuniu seus servos mais aterrorizantes, e dentre eles escolheu cem, os cem mais famintos e sedentos de vidas alheias. Aquela centena de criaturas marchou por quilômetros noite adentro, e por volta das 11h da noite, chegou aos portões da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Um grito apavorado cortou o silêncio na enfermaria da escola.
— O que aconteceu, Najla? — perguntou Dumbledore, que acordara com o grito dela.
— Eles... eles chegaram... eles estão aqui... — respondeu a ninfa, pálida e tremendo, com a respiração entrecortada — Os dementadores... estão... aqui...
O velho diretor levantou-se de um salto da cama, mas foi empurrado de volta por Najla, que ordenou com firmeza:
— Não ouse se levantar desta cama! O senhor vai ficar aqui, porque está fraco e está doente. Precisa de repouso absoluto, se sair lá fora vai morrer nas mãos daqueles horrores.
— Tem idéia do que está dizendo, filha? Está me pedindo para ficar trancado na enfermaria enquanto dementadores arrasam com Hogwarts? Está me pedindo para ficar aqui e abandonar à própria sorte a escola que é a razão da minha vida?
— Estou — respondeu ela. Quem visse a cena se espantaria com a audácia e a autoridade com que a ninfa se dirigia a Dumbledore — O senhor vai ficar aqui. Não vai sair deste quarto. Temos bruxos poderosos o suficiente para dar conta dos dementadores. E não estamos sozinhos.
Dumbledore olhou para a ninfa levemente surpreso. Era como se a estivesse vendo por um ângulo completamente novo, como se ela estivesse revelando um lado que até então ele não conhecia. Ela sorriu nervosamente, e murmurou:
— O senhor me prometeu, lembra? Prometeu que eu não ficaria órfã pelo menos até completar cem anos. O senhor tem de cumprir essa promessa.
Os alunos foram todos reunidos no salão principal. Cada diretor de sua casa cuidara para que nenhum aluno permanecesse isolado dos outros, seja nas torres, nas masmorras, nos corredores, nos banheiros. Foram conjurados sacos de dormir que forraram todo o chão do salão, mas ninguém queria realmente dormir. Estavam apavorados demais para isso. As professoras Sprout e McGonagall, além de Hagrid e Filch, faziam a vigília dos alunos, cuidando para que nenhum deles ficasse longe de suas vistas. Severo Snape, Arabella Figg, Remo Lupin e o prof. Flitwick atravessaram o saguão de entrada e saíram para o exterior do castelo, sendo seguidos por um enorme cão que trazia uma varinha na boca.
Os cinco bruxos, agora que Sirius estava transformado em homem, observaram os invasores. Uma centena de dementadores avançava pelos jardins como uma grande massa de frio e infelicidade, coberta de capas negras com capuzes, deslizando silenciosamente e exalando horror, sugando com um ruído gélido todo o ar que estava à sua volta.
Os bruxos estavam prontos. Dariam a vida por Hogwarts, mas não deixariam a escola se entregar. Não permitiriam que Hogwarts fosse violada por aquelas criaturas.
Harry olhou em volta os alunos todos apavorados com o fato de que dementadores cruéis e famintos estavam tão próximos deles. Mas não era isso que preocupava ele. O que Harry mais temia era que os dementadores destruíssem Hogwarts, e que Hogwarts deixasse de existir. Ele não podia suportar a idéia de que a escola poderia simplesmente ser destruída, sem que ele nada fizesse em relação a isso. Harry já sentira isso outras vezes, a horrível sensação de impotência. Mas naquele momento, nada o impedia de fazer algo pela escola, pensou Harry. Ela sabia conjurar um Patrono, e um Patrono poderoso. Por que não estava lá fora, lutando?
Ele viu quando o goleiro da Corvinal saiu sorrateiro pela porta do saguão. Olhou em volta. Ninguém mais vira. "Provavelmente em Beauxbatons eles aprendem a lidar com dementadores", pensou. O garoto tinha saído, iria lutar. Harry tomou uma decisão. Levantou-se e encaminhou-se para a porta. Não iria permitir que aquelas criaturas monstruosas atingissem Hogwarts.
Harry estava a menos de um metro da porta de duas folhas que dava para os jardins quando ouviu um soluço baixinho que vinha das sombras da escada de mármore. Hesitou, antes de voltar e ver quem estava chorando. Era Gina.
Ela estava gelada e tremia incontrolavelmente, soluçava baixinho, e Harry sentiu um aperto no peito ao vê-la tão vulnerável e desprotegida. Aproximou-se lentamente da garota e se agachou para ficar com os olhos na altura dos dela. Gina levantou a cabeça e murmurou:
— Harry...
Sem nem saber porque, num impulso, talvez um instinto protetor, Harry abraçou-a, e sentiu quando as lágrimas quentes começaram a umedecer sua nuca, quando a respiração dela pareceu tomar um ritmo mais regular e os soluços se acalmaram. Depois do que pareceu não mais que alguns segundos, Gina afastou-se e olhou nos olhos de Harry, um olhar apavorado característico daqueles que eram atingidos pela presença sufocante dos dementadores.
— Eles vieram acabar com nossas vidas... — murmurou, delirante — Vão levar nossas almas... Vieram nos lembrar que o Lord das Trevas é poderoso e nos quer mortos... Ele vai me matar, Harry... Tom vai me matar... Eu sei...
Sem tirar os olhos dos de Gina, Harry falou:
— Não, não vai. Ele não vai matar ninguém, Gina, não vamos deixar que ele faça isso. Os dementadores ainda estão longe, vão ser vencidos antes de alcançarem a escola. Não vamos deixar que eles façam mal a ninguém.
E assim dizendo, Harry levantou-se e seguiu para a porta, mas Gina chamou por ele.
— Aonde você vai, Harry? Você não pode ir lá fora! São muitos deles, são horríveis, você não pode ir até lá!
— É por isso mesmo que eu tenho que ir, Gina. Eu sei como enfrentá-los, preciso defender a escola.
— Não vai, Harry, não vai. Eles vão matar você, vão sugar sua vida, sua alma...! Não vai lá fora...
— Eu sei me defender, eles não vão me atingir. Eu já fiz isso antes. Não posso ficar aqui sem fazer nada, eu sei como ajudar e por isso eu vou ajudar.
— Não me deixa aqui sozinha — pediu Gina, um fio de voz — Não me deixa...
Harry hesitou. Precisava defender Hogwarts. Mas não podia deixar Gina sozinha. Não naquele estado. Vulnerável. Desprotegida. Deu um passo atrás e voltou ao pé da escada de mármore.
***
Remo Lupin nunca antes vira dementadores tão famintos e com tanto poder de destruição. Eles deslizavam numa massa compacta, o farfalhar das capas ecoando arrepiante pela escuridão. Numa breve discussão, os bruxos calcularam que havia mais ou menos uma centena deles. Bastaria que cada bruxo lançasse Patronos capazes de conter vinte dementadores cada um. Parecia simples. Não podia ser tão difícil. O problema era que nenhum dos bruxos ali presentes estivera antes frente a frente com dementadores como aqueles. Provavelmente trancafiados em algum lugar isolado durante quase um mês, desde o abandono de Azkaban, que continuava guarnecida por aurores, eles deviam não ter tido contato com seres humanos durante todo esse tempo. Ficaram famintos, sedentos de alegria humana, sedentos de vida humana, sedentos de almas humanas. Implacáveis. Terríveis.
Patronos começaram a pipocar pela escuridão do jardim. Um enorme gato prateado investiu contra a massa de dementadores. Uma ninfa pequenina, com gigantescas asas de borboleta, fez o mesmo. Uma serpente imponente deslizou com agilidade até eles. O cachorro grande e prateado também. Remo concentrou-se na sua lembrança mais feliz. Por um instante, lembrou-se da discussão horrível do dia anterior. Depois afastou a briga de sua mente e lançou o Patrono. Um lobo prateado, brilhante e feroz, saltou sobre os dementadores. Era irônico que ele precisasse pensar em Najla para lançar seu Patrono. Depois de tantos anos...
***
Hermione pensou em todos os momentos felizes que passara em Hogwarts, em tudo o que vivera desde que descobrira que era uma bruxa. Não lhe parecia justo que tudo isso acabasse. Não daquele jeito. Nem de nenhum outro. Ela olhou para Rony ao seu lado. Ele estava com uma cara estranha. Por um instante, ela perguntou-se em que ele estaria pensando.
Rony, por sua vez, estava pensando em tudo que não vivera ainda. Ele era tão jovem... não conhecia nada da vida... Pensou que não era justo que sua vida acabasse assim. Ainda mantinha esperanças, que diminuíam a cada segundo, que Hogwarts fosse sobreviver àquele ataque. À medida que diminuía sua esperança, aumentava seu medo. Não medo de morrer. Mas medo de morrer sem ter feito o que ele queria fazer. Então tomou uma decisão. Nem que fosse a última coisa que ele fizesse na sua vida, mas ele tinha que fazer.
— Mione... — ela voltou-se para ele — Eu... quero fazer uma coisa... Eu não quero morrer... sem ter feito isso...
Ela não perguntou o que era. Apenas ficou olhando no fundo dos olhos dele. No fundo ela sabia. Mas não pode deixar de se sentir surpresa quando Rony a beijou. Um beijo cheio de amor, cheio de sentimento. É como se tivessem fome, sede, necessidade um do outro. Como se tivessem vivido suas vidas inteiras até ali esperando por aquele beijo. Foi um pouco desajeitado no começo, é verdade, pela inexperiência, logo superada. Mas também foi mágico, foi terno. Eles pararam de se beijar e ficaram olhando nos olhos um do outro. Rony pensou que, agora sim, ele podia morrer feliz. Mione não pensou, beijou-o novamente. E enquanto os outros alunos estavam amedrontados, enquanto alguns bruxos lutavam contra as criaturas das trevas lá fora, eles estavam lá dentro, alheios a tudo isso, alheios a todos, perdidos nos braços um do outro.
***
Os primeiros Patronos lançados contra a horda de dementadores não duraram muito tempo. Retardaram a aproximação das criaturas, mas não as impediram de continuar; logo foram dissolvidos e desapareceram na escuridão. Mais Patronos foram lançados. Mas aqueles dementadores eram tão fortes que quase não eram afetados. Eles começaram a cercar os bruxos que, acuados, mal tinham forças para continuar lutando. Arabella Figg começou a distribuir os chocolates; pelo menos alguém se lembrara disso. Com energias renovadas, novos patronos surgiram. Eles impediam os dementadores de se aproximar mais, mas não os expulsavam dali. Formando um círculo em torno dos bruxos, eles sentiam sua felicidade sendo sugada. O frio os invadiu, com uma onda de pavor. Eles tinham fracassado. Hogwarts não sobreviveria.
Foi quando uma luz prateada os envolveu, galopando e abrindo distância entre os bruxos e os dementadores. Remo abriu os olhos. Era um cervo. "Harry" ele pensou, deixando um leve sorriso crispar sua boca. Podia sentir-se orgulhoso. Ele ensinara Harry, e o jovem bruxo aprendera direitinho. Com esforço, levantou a cabeça do chão e virou-se para ver Harry. Mas não foi Harry que ele viu. Foi o garoto da Corvinal, parado a uma pequena distância deles. "O filho de Valerie?!", admirou-se o bruxo interiormente. Não era possível. E, no entanto, era o que estava acontecendo, o impossível.
O Patrono lançado pelo rapaz protegia os outros bruxos, mas não protegia a ele mesmo. Provavelmente por ter percebido que ele estava desprotegido, uma meia dúzia de dementadores desligou-se do grande grupo e avançou na direção oposta. Quando o garoto percebeu o que estava acontecendo, já era tarde demais. Um dementador ergueu-o pelo pescoço com uma das mãos, e Donald sentiu que o ar lhe faltava, que o sangue concentrara-se todo na sua garganta. O dementador ia abaixar o capuz, ia aplicar-lhe o beijo... não, não... ele ia matá-lo antes disso, estrangulado...
Com o rosto enterrado na grama úmida, Remo pensou na conversa que tivera com Zelda antes de sair do castelo. A menina aproximara-se dele com os olhos marejados de uma preocupação exagerada, e abraçara-o como se nunca mais fosse tornar a vê-lo. Depois de soltá-lo, ela havia pedido, contrariando as expectativas dele e fazendo-o sorrir: "Promete que vai me ensinar a executar esse feitiço?" "Por que está me pedindo isso, Zelda?" "Porque da próxima vez, eu quero estar com você, lutando."
Harry apareceu na porta do castelo. Convencera Gina de que precisavam dele lá fora, e com muito esforço, levou-a para perto de Hagrid e saiu. O gigante nem percebera que ele se afastara e saíra do castelo.
E quando parou na porta do castelo, com a varinha em punho, e viu a cena de horror que se apresentava à sua frente, nem parou para pensar. Gritou "Expecto Patronum" e um cervo prateado saiu da ponta de sua varinha, derrubando o dementador que sustentava o goleiro da Corvinal pela garganta, e afastando os outros. Depois, o cervo investiu contra a massa de dementadores que cercavam os outros bruxos, abrindo caminho até eles, caídos no meio da massa, deixando aparecer o outro cervo que os protegia lá no meio. Foi com grande surpresa que Harry constatou que os dois Patronos se uniram num só, e um cervo gigantesco, ainda mais brilhante, afastou os dementadores, que começaram a recuar. Deslizando em direção aos portões dos terrenos da escola, eles voltavam, estavam indo embora, como uma gigantesca massa de horror que se afasta. O Patrono os empurrava para longe do castelo, para longe de Hogwarts.
Mas antes que pudessem se afastar muito, os dementadores começaram a ser atingidos por flechas de prata, vindas da floresta. Assim que atingiam um dementador, as flechas se dissolviam, e junto com elas o dementador atingido, restando apenas uma capa vazia caída no chão. Dezenas de dementadores haviam sido abatidos, quando seus atacantes apareceram. Na orla da floresta surgiram, irados e imponentes, centauros. Uma dúzia deles, armados com arcos e flechas prateadas. Investindo contra as terríveis criaturas das trevas, eles abateram todos, um a um, e logo não restou um único dementador nos terrenos de Hogwarts. Apenas capas caídas, uma centena de capuzes negros, jogados ao chão.
Um dos centauros, o mais imponente de todos, e que parecia ser o líder, trotou até onde estavam as capas, e cuspiu sobre elas. Com fúria na expressão, ele falou, e sua voz ecoou na madrugada.
— Malditos sejam! Nossos inimigos mortais, e ainda tiveram a audácia de entrar em nossos domínios! Enquanto estiveram aqui para a segurança dos alunos, aceitamos de bom grado sua presença. Entretanto, desta vez ousaram atacar a escola. Criaturas malditas! Deviam saber que não permitiríamos um sacrilégio deste! Pisar no solo sagrado de nosso ancestral, corromper nosso território. Deviam saber que não sairiam vivos daqui.
Virando-se para os bruxos que estavam observando a cena, ainda muito fracos, o centauro falou:
— Esta noite, vocês demonstraram uma bravura e uma nobreza que raras vezes eu vi em seres humanos. Provaram que merecem ocupar este solo, o solo que pertenceu ao nosso ancestral. Provaram que são dignos das terras de Hogwarts. Nossos descendentes lembrarão de vocês como os bruxos que se dispuseram a dar as vidas pelas terras de Hogwarts. Benditos sejam.
E dizendo isso, afastou-se, e rumou para a floresta, seguido pelos outros centauros.
Provavelmente por estar muitíssimo aliviada, Arabella Figg fez uma coisa que Harry nunca tinha visto antes, embora soubesse que as pessoas às vezes faziam coisas assim. Ela ajoelhou-se na grama, abaixou a cabeça até chão e beijou-o. Ficou tempos assim, prostrada, chorando lágrimas de alívio, até que Snape aproximou-se dela, ajudando-a a se levantar.
— Venha, professora, vamos entrar. O diretor provavelmente vai querer nos ver agora, vai querer saber de tudo.
Remo Lupin o apoiou:
— Severo está certo, professora. Dumbledore há de querer comemorar, vamos dar a ele um bom motivo para deixar madame Pomfrey bastante irritada.
A profª Figg balançou a cabeça em sinal afirmativo e deixou-se conduzir por Snape e Flitwick até o castelo. Remo e Sirius, no entanto, permaneceram do lado de fora. Sirius estava visivelmente abatido, exausto. Dementadores o deixavam assim, conviver treze anos com tais criaturas não o tornara resistente a eles. Remo também estava fraco, mas havia uma luz no seu olhar, e Harry logo entendeu porquê.
— Estou muito orgulhoso de você, Harry — começou ele — Já tinha ouvido falar o quanto seu Patrono era poderoso, mas agora eu tive a oportunidade de vê-lo pessoalmente e comprovar. Posso me orgulhar, eu acho, por ter lhe ensinado como fazer isso.
Harry concordou. Depois, voltando-se para Donald Sands, que estava parado ao lado de Harry, ele continuou:
— E você, Don. Sua mãe vai ficar muito orgulhosa quando souber o que você fez hoje.
— Ela não precisa se sentir orgulhosa — respondeu ele educadamente — Ela não esperaria coisa diferente de mim.
— Mesmo assim — respondeu o ex-professor sorrindo — ela vai ficar muito feliz. Eu tenho certeza disso.
E voltando para Sirius, ele falou:
— Eu vou entrar agora. Você...?
— Também estou indo. Só gostaria de dizer algumas palavras para o Harry — e dirigindo-se ao afilhado, falou — Eu sabia que você viria, Harry. Que não ia conseguir ficar lá dentro. Você é bem filho do seu pai.
Sirius sorriu. Harry sorriu de volta. Seu padrinho e seu ex-professor rumaram para o castelo, deixando Harry e Donald no jardim. Os dois garotos se entreolharam.
— Você sabe o que foi aquilo? — perguntou ele a Harry.
Os Patronos. Iguais. Unidos.
— Não faço a menor idéia — respondeu Harry com sinceridade. — E você?
— Passaram muitas idéias mirabolantes pela minha cabeça até agora. Nenhuma que eu vá dar crédito. — concluiu, com um suspiro.
Sirius e Remo ainda estavam atravessando o jardim, quando o primeiro dirigiu-se curioso ao amigo:
— Você disse ao rapaz que a mãe dele ficaria muito orgulhosa. Quem é essa mulher? Parece estranho, mas estou com a nítida sensação de que eu a conheço, o rapaz me lembra muito alguém, eu só não consigo lembrar quem.
— Você tem realmente uma bela memória, Almofadinhas — zombou Remo — Vou refrescá-la. O nome Sands te diz alguma coisa?
— O quê?! — espantou-se Sirius, parando abruptamente — Valerie? Ele é filho da Valerie? — Remo confirmou — Eu não imaginava que ela tivesse um filho dessa idade... Mas, peraí! Como assim "o nome Sands"? Ela manteve o nome de solteira?
— Ela nunca se casou.
— Mas e o filho?... Aluado, quem é o pai do filho da Valerie?
— Ela nunca me contou. Talvez você consiga que ela fale alguma coisa. Vocês nunca tiveram segredos, certo?
— Isso foi há muitos anos... — disse Sirius desanimado — Mesmo antes de eu parar em Azkaban... Desde que... bem, você sabe... nós mal tivemos contato... Algumas cartas... nada mais... Nós nunca mais nos vimos.
— Então agora vocês têm uma ótima oportunidade de retomar a amizade. Como nos velhos tempos. Ela também faz parte da Ordem.
Com o pensamento perdido em velhas lembranças, Sirius transformou-se em cão e continuou caminhando, e junto com o amigo, entrou no castelo e seguiu para a ala hospitalar.
Depois de muito protestar, madame Pomfrey permitiu que Snape, Flitwick e Figg entrassem na enfermaria.
— Eu não disse? — falou Najla para Dumbledore, o tom de voz aliviado — Que eles conseguiriam? Mesmo que isso doa para o senhor, Hogwarts pode, sim, sobreviver sem você.
Dumbledore concordou, sem qualquer expressão no rosto. Hogwarts sobrevivera. Ele deveria estar feliz. Mas era triste constatar que Hogwarts sobrevivera sem ele. Ele não sobreviveria sem Hogwarts, mas Hogwarts sobreviveria sem ele.
A porta se abriu novamente. Remo e Snuffles entraram. O coração de Najla deu um salto, e ela pensou que ele fosse sair pela boca. A ninfa sentiu que doía ainda mais constatar que ele ignorara sua presença ali, e sequer dirigia o olhar a ela. Seu coração acalmou-se, porém, quando Sirius voltou à sua forma humana e foi falar com ela.
— Ainda precisamos ter aquela conversa — disse o bruxo.
— Por favor, Sirius, hoje não. Estou péssima, não estou em condições de conversar sobre isso agora. Amanhã, venha falar comigo amanhã, eu prometo que vamos conversar.
— É bom que cumpra essa promessa. Não podemos mais adiar.
— Eu sei. — respondeu ela com tristeza — Mas hoje eu realmente não estou em condições.
— Posso imaginar. Não é difícil entender porque eles estavam tão fortes. Se alimentaram de você.
— E isso me deixa pior ainda. Quem sabe eu deveria ter voado para longe daqui, esperado tudo isso acabar e então voltar. Mas eu não podia deixá-lo sozinho — ela indicou Dumbledore com o queixo — Ele teria saído lá fora, e não quero nem pensar no que teria acontecido a ele, enfrentando os dementadores neste estado.
— Obrigado pelo gato — falou Sirius, mudando bruscamente de assunto, com um sorriso no rosto — Você a protegeu muito bem por todos esses anos. Eu não julguei que alguém conseguisse encontrá-la.
Najla sorriu também.
— Era o meu dever. E você devia saber que não podia escondê-la de mim. Ela foi colocada sob a minha proteção.
Draco Malfoy estava isolado num canto, com os braços cruzados em torno dos joelhos. Ouvia apenas vagamente a algazarra que um grupinho de alunos da Lufa-Lufa fazia ali perto. Ele estava com o olhar fixo num ponto do chão de mármore à sua frente. Mas não estava enxergando o chão. Diante dos seus olhos faiscava a palavra "fracasso". Fracasso, fracasso, fracasso. Derrota. Humilhação. Era isso o que o aguardava quando ele também se juntasse aos Comensais? Eles tinham tudo para destruir aquela porcaria de escola de uma vez, mas tinham sido impedidos por menos de meia dúzia de bruxos. Cem dementadores! Estraçalhados por um lobisomem, uma velha, um duende e um traidor. Era certo que o "traidor" era um grande bruxo. Draco sabia disso, e nunca conhecera um bruxo maior que Severo Snape. Havia o Lord das Trevas, mas ele nunca vira o Lord pessoalmente. E todos os dias, perguntava-se a mesma coisa. Por quê? Por que Snape abandonara o Lord, quando poderia ter se tornado o maior dos bruxos ao lado dele? Ao invés disso, preferira viver como um professorzinho, aturando os desmandos de Alvo Caduco Dumbledore. Draco sabia que haveria de ser grande um dia, e que não faria a escolha errada, como seu professor fizera um dia. Ele não abandonaria o Lord para submeter-se a uma vida medíocre.
Quando Harry e Donald entraram no castelo, viram que a maioria das pessoas sequer tentara dormir. Os sacos de dormir estavam todos espalhados, mas pouquíssimos eram os que estavam dentro deles. Os alunos cochichavam excitados, e Fred, Jorge e Lino Jordan falavam em invadir as cozinhas para comemorar. Logo amanheceria, e o próprio Harry não se sentia disposto a dormir; estava completamente acordado. Ele localizou Rony e Hermione num canto e foi até eles. Os dois estavam com expressões esquisitas.
Realmente, aquela fora uma noite inesquecível. Em todos os sentidos.
(continua...)
