Cap. 16 – Convites
Todo o aposento estava na penumbra, e a pouca luz que havia era proveniente dos raios de sol que conseguiam transpor as tábuas mal pregadas de uma das janelas. O bruxo mantinha os punhos cerrados, enquanto esbravejava contra seus mais recentes inimigos. Aqueles ares do sul lhe irritavam, e só não o faziam mais do que uma batalha perdida para Hogwarts, como se não bastasse todas as outras que ele tivera ao longo dos anos.
— Malditos! Malditos centauros! Que apodreçam naquela maldita floresta! Que afundem com Hogwarts e com todas aquelas malditas crianças!
— Milorde... — chamou a veela com a voz baixa, temendo que ele descarregasse sobre ela sua frustração. Tentava, de alguma maneira, acalmá-lo, mas o Lord não lhe deu atenção.
— Que agonizem, todos eles! Eu os amaldiçôo! E um dia... Eu juro que um dia eles hão de curvar-se a mim, hão de dobrar aquelas malditas patas e abaixar aquelas cabeças arrogantes, em reverência à Lord Voldemort. E hão de implorar por suas vidas.
— Milorde, temos o Pássaro...
— Sim, temos o Pássaro — repetiu o bruxo num tom que pareceu automático, tal foi a rapidez com que se esvaiu de sua voz o ódio que a impregnava segundos antes. Ele continuou de costas para a mulher, sem dizer palavra, encarando o vazio, por segundos intermináveis. Finalmente, sem mexer-se um milímetro sequer, anunciou, com frieza impressionante na voz, e uma calma que causaria calafrios em um qualquer outra pessoa, mas que a deixou absolutamente aliviada — Cuide para que ele faça um grande estrago. Faça com que aqueles desgraçados se arrependam dolorosamente de terem ousado me enfrentar. Coloque-os em desespero, e eles questionarão se vale a pena continuar dando o sangue por Hogwarts.
— Sim, milorde, como quiser — ela respondeu, quase sorrindo. — Farei com que os centauros lamentem profundamente o dia que ousaram se colocar no caminho de milorde.
— Os dedicados guardiões de Hogwarts — disse o Lord das Trevas com escárnio, pronunciando pausadamente e degustando cada palavra com um sorriso maníaco — Leais até a alma àquelas terras... Vamos ver quanto tempo mais dura toda essa lealdade.
***
Começaram as aulas práticas anti-dementadores na segunda-feira seguinte. As pessoas ainda olhavam para Harry com certo receio, mas ele não estava se importando com isso, e nem ligou quando a professora chamou-o à frente da sala para demonstrar como se conjura um Patrono. Talvez fosse algum efeito colateral do feitiço, mas o fato é que, diante do cervo que iluminou a sala de Defesa Contra as Artes das Trevas, a resistência dos colegas pareceu diminuir, ao fim da aula estavam todos bem menos tensos e sem receio de falar com Harry. Estavam animados, e ficaram ainda mais quando a professora anunciou que na próxima aula os outros alunos começariam a praticar também.
Os treinos de quadribol ainda não haviam sido retomados, de modo que, terminados os deveres habituais, Harry não tinha mais nada para fazer no fim da tarde. Rony e Hermione estavam absortos revisando os tópicos sobre Patronos, e toda vez que se olhavam ou falavam, pareciam extremamente constrangidos. Harry desejou que isso não acontecesse com ele quando beijasse uma garota.
Harry estava atirando bolinhas de papel na lareira enquanto se esquentava, quando Fred, Jorge e Lino entraram no salão comunal. Tomando uma decisão, Harry caminhou até eles e murmurou um "oi" constrangido.
Os gêmeos lançaram-lhe um olhar indecifrável, e Lino Jordan sorriu para ele.
— E aí, Harry, como é que você está? Mais calminho?
— É, estou. Justamente sobre isso, eu queria... humm... que vocês me...
— Ah, que é isso, Harry! — exclamou Fred, abrindo um largo sorriso e conduzindo Harry pelo ombro até a lareira — Se veio pedir desculpas, não perca seu tempo! Não estamos bravos com você, é sério. Você botou um pouco de medo, é verdade, com aquele olhar assassino. Mas não foi nada de mais, compreendemos perfeitamente o quanto você estava... nervoso.
— É — acrescentou Lino — , você sabe, dementadores na escola... Não é todo dia que se vê coisas assim... Isso deixa as pessoas perturbadas...
Mais leve com a declaração dos dois, ele olhou para Jorge, que continuava com a cara fechada.
— Jorge?
— Ahn? Ah, tudo bem, Harry.
E continuou com a cara aborrecida.
— Tudo bem mesmo? — Jorge fez que sim com a cabeça — Algum... problema?
— Não é nada com você Harry — interveio Lino Jordan — Jorge está assim porque brigou com a namorada.
— Correção: — falou Fred — Zelda é que brigou com ele.
— Vocês vão espalhar isso para todo mundo? — disse Jorge zangado.
— Harry não todo mundo.
— Ah, claro! Harry não é todo mundo, Angelina não é todo mundo, Neville não é todo mundo, Cho não é todo mundo — Harry subitamente ergueu a cabeça — Basílio não é todo mundo, Justin não é todo mundo, Gina não é todo mundo, a profª Figg não é todo mundo...
— Tudo bem, mano! Já entendemos. — Fred não conseguia refrear um sorriso debochado — Todo mundo ia saber mesmo... — Jorge lançou ao irmão um olhar nada amigável — Esquece isso. Por que não vamos... não vamos à biblioteca ajudar Katie com aquele dever de Feitiços?
Aqui o olhar de Jorge ficou realmente assustador. Harry achou que ele fosse soltar fogo pelos olhos. Mas, em vez disso, agarrou o irmão pelo colarinho e deu-lhe um soco com muita vontade. Fred caiu sobre a poltrona, com o nariz sangrando, meio assustado. Antes que Jorge saísse do salão comunal, Fred conseguiu lhe dizer:
— Você precisa aprender a ser mais espirituoso, sabe?
— É, Fred... — falou Lino Jordan, enquanto ajudava o amigo a se levantar — Jorge ficou mesmo muito mal com isso. Vê se maneira da próxima vez, se não quiser colecionar cicatrizes.
— Acha que meu nariz vai ficar deslocado?
— Não vai se você for ver Madame Pomfrey imediatamente — era Hermione, em seu tom autoritário — Você tem que ir à enfermaria agora.
— Hermione! Foi só um soco, eu não preciso ir à enfermaria.
— Ah, precisa, sim. Ou seu nariz vai ficar deslocado. E quanto ao Jorge... — ela soltou um suspiro reprovador — vai sofrer uma detenção, claro. E vou ter que comunicar o incidente à profª McGonagall. Uma coisa dessas acontecendo na Grifinória, que vergonha...
— Ah, o que nós temos aqui... Uma nova McGonagall! Você pretende ser diretora da Grifinória um dia, Hermione?
Sem encarar Fred, ela ergueu a cabeça com muita dignidade, e saiu empurrando o garoto até a ala hospitalar.
As primeiras aulas da manhã seguinte foram de Trato das Criaturas Mágicas. Nevara a noite inteira, de maneira que todo o jardim e as calçadas de pedra estavam cobertos por uma camada de duas polegadas de neve. Mas aquela aula poderia ser chamada não de Trato das Criaturas Mágicas, e sim Trato dos Pinheiros Mágicos, já que Hagrid levara-os até a orla da floresta e incumbira-os de escolher os pinheiros que parecessem mais vistosos para enfeitar o banquete que haveria antes das férias, visto que, pela primeira vez, não haveria Natal em Hogwarts.
— Está em Hogwarts: Uma História. O banquete de Natal de Hogwarts é tradicionalíssimo, e nunca deixou de ser celebrado, nem mesmo em meio às guerras mais sangrentas ou às revoltas dos duendes.
— Essa é realmente é uma informação que vai mudar minha vida. — comentou Rony com cara de tédio.
— Ei, Harry — chamou Hagrid — Venha até aqui, sim? Grande Merlin!, ainda não pude falar com você desde que Dumbledore contou sobre sua ajuda com os dementadores. Estou muito orgulhoso de você, sabe? Foi muita coragem da sua parte. Você está se tornando um grande bruxo, se quer saber. Não é todo mundo que dá conta de tantos dementadores juntos.
— Eu não fiz tudo sozinho, sabe...
— É, eu sei disso. O que não diminui seu mérito, Harry. — a barba de Hagrid se encrespou, o que significava um largo sorriso — Seu pai era muito bom com esse tipo de feitiço. Ele gostava de sair praticando pelos jardins, a gente podia ver, às vezes, de noite, um cervo prateado passeando pela superfície lago.
Foi a vez de Harry sorrir.
— Dementadores... — resmungou o gigante, agora num tom pesaroso — Tem idéia de como as fadas estão depois daquele ataque? Histéricas, eu diria. É certo que isso não chega a ser um problema, mas se as fadas estão assim, eu posso imaginar como Najla não deve estar...
— Eu quase não a tenho visto estes dias — informou Harry.
— Ela está fragilizada. Não quer falar sobre o assunto, mas a gente nota, só pelo olhar dela.
Quando se juntou aos colegas, perto do fim da aula, Harry ouviu um comentário nada agradável, acompanhado de uma voz também nada agradável, pertencentes a uma pessoa igualmente pouco agradável.
— Escolher pinheiros, francamente! Agora eles foram elevados à categoria de animais? Selecionar as árvores é tarefa do guarda-caças, e não de alunos. Isso não vai servir para nada, e é tão terrivelmente maçante quanto alimentar vermes. Imagine o que o meu pai vai dizer quando souber que eu venho à escola para apontar pinheiros...
Harry simplesmente olhou para Malfoy. Ele era tão patético que, naquele momento, Harry sequer conseguiu sentir raiva dele. Pela expressão de Rony, ele deduziu que o amigo pensava o mesmo, para alívio de Hermione, que ultimamente andava com fobia de confusões.
Cassandra era outra que parecia terrivelmente entediada com a aula. Ela estava com uma cara de nojo, o nariz empinado e torcido, quando a sineta tocou e ela, mais que rapidamente, disparou na direção do castelo. Antes de alcançar a escada de mármore, porém, foi interceptada por Malfoy.
— Podemos conversar?
Cassandra mirou-o de alto a baixo e, com a voz aborrecida, respondeu:
— Creio que não temos nada para conversar, Malfoy.
— Temos, sim. Venha comigo, e depois de ouvir o que eu tenho para dizer, você pode ir embora, se quiser.
Ela concordou e seguiu por um corredor de pedra fria que levava às masmorras. Não andaram muito, porém. Logo Draco abriu a porta de uma sala e eles entraram.
— O que é que você tem de tão importante para me dizer?
— É uma questão pessoal, na verdade.
— Hã?
— Primeiro me responda: você já tem um par para ir ao Baile de Inverno em janeiro?
— Por que está me perguntando isso?
— Porque eu gostaria que você fosse comigo, Cassandra.
— Desculpe mas, acho que não te dei intimidade para me chamar pelo primeiro nome.
Draco sorriu nervosamente.
— Eu pensei que...
— Você não pensou nada, Malfoy. O que aconteceu? Aquele caldeirão acertou com tanta força a sua cabeça que seu cérebro ficou permanentemente danificado?
— Eu não me importei realmente com aquilo, entendo que você só fez aquilo porque estava num momento de raiva...
— E faria novamente, se você me provocasse outra vez. E faria com qualquer pessoa que duvidasse da minha competência.
— Exatamente por isso eu não tomei como uma questão contra mim. Você arremessaria o caldeirão em qualquer pessoa que te aborrecesse, como eu fiz aquele dia. Entendo que não foi uma questão pessoal, e sim uma reação ao meu comentário inconveniente.
Ela fitou-o intrigada.
— Por que está me convidando, Malfoy?
— Se quer mesmo saber, é porque procurei muito uma pessoa com berço, beleza e inteligência suficientes para mim, e só consegui encontrar você.
O que não era verdade, diga-se de passagem. Cassandra era sangue-puro, mas de uma família há muito decadente, que conservara a fortuna e perdera a influência. Quanto à beleza, ela tinha os cabelos crespíssimos e o rosto muito sardento, além do nariz exageradamente arrebitado. E não era exatamente um gênio, a julgar pelas poções "medíocres e desastrosas" que preparava, contudo...
— Mas se você não está interessada, Cassandra, tudo bem. Vou ter que procurar mais um pouco.
E deu as costas a ela, saindo pela porta. Cassandra mordeu os lábios, e chamou, mesmo um pouco contrariada:
— Espera, Malfoy! — ela não era mulher de recusar um elogio.
Draco parou abruptamente, com um sorrisinho vitorioso.
— Não foi bem isso, Malfoy. Eu não disse que não aceitava.
— Então?
— Eu aceito ir com você. Não encontrei ninguém melhor nessa escola, mesmo. Mas, me responda: por que convidou uma grifinória? Não é segredo para ninguém o quanto você nos detesta.
— Simples. Eu nunca antes encontrei uma grifinória que detestasse tanto a Grifinória quanto eu. Ah, e pode me chamar pelo primeiro nome. Eu permito.
E saiu, deixando uma Cassandra rindo tolamente na sala vazia.
A quinta-feira seguinte foi recheada de surpresas. Começou na aula da profª Figg. Testando a capacidade e a força de cada aluno para produzir um Patrono, ela teve uma agradável surpresa com Neville. O garoto tinha um talento natural. Ou talvez fosse felicidade acumulada, Harry não soube definir ao certo. O fato é que ele foi o único a conseguir produzir com a varinha umas nesgas de luz prateada. Não era bem um Patrono, é verdade, mas era alguma coisa. Neville ficou absolutamente feliz com os elogios da professora e de Hermione. Sentiu-se orgulhoso de saber que, afinal, Herbologia não era seu único talento. Ele também era capaz de executar feitiços complexos.
Na saída da aula, que era a última da manhã, Harry e Rony encontraram Zelda no fim do corredor.
— Ahn... oi! É... Tudo bem com vocês?
— Humhum, tudo.
— Eu acho que... ainda não tive oportunidade de te parabenizar pelo jogo contra a Corvinal, não é mesmo, Harry? Não vou dizer que você jogou muito bem, deve estar cansado de ouvir isso. Mas posso dizer que você é um ótimo capitão.
— Eu... obrigado.
— E tem também o que aconteceu, aquela noite, com os dementadores. Você foi muito... corajoso. E parece ter muita facilidade com esse tipo de feitiço. Além de um grande amor pela escola. Sabe, eu também teria ajudado, se soubesse como fazer isso — ela riu — Mas agora, com as aulas da profª Figg, quem sabe da próxima vez...
— Espero que não haja uma próxima vez.
— É... eu também não... de qualquer forma... Humm, Rony? Eu... posso falar com você um minuto?
Percebendo que o assunto era particular, Harry se despediu e seguiu para a torre da Grifinória deixando-os sozinhos.
— Rony, você... você sabe se o Fred tem companhia para o Baile?
— Fred?! Mas e o Jorge... eu pensei que...
— Esqueça o que você pensou. Então, o Fred já tem com quem ir?
— Ele vai com Angelina.
— Aiai...! Tem certeza? E agora? Será que... Ei! Espera aí! Eu tive uma idéia! Você! Você já tem com quem ir?
— Hã? Não está pensando em...
— Quer ir comigo?
— Por que isso agora?
— Por favor, Rony! Você não... não convidou ninguém ainda, convidou?
— Ainda não, mas... Olha, por que é que você e o Jorge brigaram?
— Ah... Não é nada que te diga respeito...
— Agora me diz respeito. Se eu vou com você e arranjar uma briga com meu irmão por causa disso, tenho que pelo menos saber o porquê.
— Isso é um "sim"?
— Isso é um "talvez".
— Ah!, eu sabia que você não ia me deixar na mão, Rony!
— Eu ainda não...
— Eu tenho também outra coisa para te perguntar. É sobre o seu amigo.
— O Harry?
— É... escuta...
NOTA DA AUTORA: Desculpem pela demora na atualização, é que eu tive um problema sério com betas — ou a falta deles. Isso, felizmente, já foi resolvido.
(continua...)
