Capítulo XIII – Um Homem Chamado Seo Arakáejeaipo – Parte 4 - Desilusões

Dias de um Passado(quase) Esquecido

por Lexas

Joaotjr@hotmail.com

Setembro/2002

- Hunf ! O que foi que eu fiz ? Baka .

- Eu vou dizer o que você fez, Seo ...

- O que faz aqui, Sumire ? Foi Maki quem te avisou  ?

- Por um acaso está se esquecendo de que eu posso saber aonde todas as crianças estão, Seo ? Não se esqueça de que isso também vale para você . Mas sim, ele me ligou, só que não sabia aonde você estava .

- E o que você quer ?

- De você, nada . Não me interessa ficar ao lado de um velho rabugento .

- Velho ? Rabugento ? Olha só quem fala !

- Sou uma jovem senhora e muito bonita, ao contrário de você . Sabia que eu tenho muitos pretendentes ? Fora, claro, meus admiradores secretos .

- Desde quando você aceita as investidas de seus alunos, Sumire ? – ele olha para o lado, encarando aquela bela mulher . Com exceção do brilho dos olhos, os quais denotavam grande experiência na vida, nada diria que aquela mulher tinha mais do que quarenta anos . E embora os tivesse, outros diriam que ela estava na casa dos trinta . Era bela, mas não uma beleza jovial, e sim uma beleza madura . Seus olhos prateados simplesmente combinavam com seus cabelos, tomados por uma tonalidade de cinza tão clara quanto a neve . Seu nariz não era empinado, pelo contrário seguia o padrão da maioria das mulheres, enquanto que um sorriso amargo cobria seu rosto naquele momento .

- Desde que eu aprendi a viver, meu caro . É o que você devia fazer . Ou melhor, deveria tornar a fazer, como fazia antes disso tudo começar .

- Viver ... é uma pena, mas eu perdi tal direito há muito tempo, minha cara . Viver é um direito que já não me pertence mais . Para tal pessoa a única coisa que resta é desaparecer para o nada .

- Isso não vai trazê-los de volta .

- Não estou pensando nisso .

- Sim, está . Não tente esconder isso de mim, velho tolo .

- Um tolo reconhece outro .

- É por isso mesmo que você me reconhece . Seo ... o que pensa que está fazendo ?

- Cumprindo com minhas obrigações ... e meus deveres morais .

- Morais ? Sei . Seo, abra os olhos ! Ninguém irá te condenar pelo que estamos fazendo ! Por que esse desejo de punição ?

- A aura negra daquela mulher já parou de agir, mas no entanto você ainda mantém tal atitude fria e impessoal . Por que ?

- NÃO _ FALE _ COMIGO_DESSA_MANEIRA ! Eu te conheço a muito mais tempo do que todas essas crianças ! Muito mais do que Maki ! Não pense que esse papo depressivo me afeta, Seo !

- Depressivo ? E quem é você para me dizer isso ? Vamos, diga . Não sou a pessoa mais indicada para isso, nunca fui . Não tenho treino ou preparo algum para tal coisa, sequer sou um guerreiro ! Cada um deles tinha um dom especial, qualquer um poderia ter exercido a função que exerço ! Sou apenas um incapaz que ficou de braços cruzados enquanto os mesmos morriam ! Será que você não compreende isso ? Eu os matei, Sumire . EU os matei !

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

Aquilo havia sido real . Muito real . Extremamente real .

Então, era verdade . Tal criatura realmente era verdadeira .

Sonhara com ela diversas vezes, passava noites em claro só pensando nela ... apenas para comprovar suas dúvidas, naquela noite em especial .

Mas como aquilo foi decepcionante .

Tal guerreira parecia mais uma colegial recém formada na escola de superheróis, uma vez que resumiu boa parte de seus atos a chorar e gritar por socorro . E se a decepção ainda fosse pequena, o homem de fraque e mascará que havia atirado uma rosa para salvar a garota completava a cena .

Foi isso que tomou sua tranqüilidade nas últimas noites ? Então, a tal da Sailor V resumia-se a isso, uma adolescente histérica acompanhada de um homem de fraque  ? Francamente, Preferia seus pesadelos ao invés disso .

Mas, havia algo ... diferente . A roupa, a saia, a fita ... aquela não era a Sailor V . Aliás, em pouco lembrava-a, uma vez que o uniforme da Sailor V lembrava mas um uniforme colegial adaptado . Esse uniforme também era, mas o padrão era totalmente novo, diferente do que havia visto anteriormente . Em outras palavras, aquela não era a Sailor V . Então, quem era ?

Como se estivesse em condições de responder . Aonde estava ? Era uma exposição de quadros ou de jóias ? Nem disso conseguia lembrar direito, somente o fato de que o local havia sido atacado a pouco pela organizadora do evento, a qual, explicando de maneira simplista, deixou-o totalmente esgotado só encostando a mão nele . Como ela havia feito tal coisa, era um mistério .

Havia ouvido um nome para satisfazer sua curiosidade e sua inércia : Sailor Moon . Interessante como, mesmo caído no chão e desprovido de todas as suas forças, ainda assim conseguia ouvir perfeitamente . Se bem que, como já havia percebido, todas as outras pessoas estavam desacordadas, sendo que só ele estava atento .

Uma guerreira que luta pelo amor e pela justiça, e que punirá o mal em nome da lua ...

Foi mesmo essa tal de Sailor Moon que andou lhe causando pesadelos ? Se não ficasse perdendo seu tempo lendo ocasionalmente alguns tablóides, não teria ouvido falar da tal de Sailor V, embora as noticias também tenham saído em grandes jornais do exterior .

Onde já se viu isso, um professor universitário sonhando com uma colegial em trajes diminutos ? Pedofilia, basicamente .

Com muito esforço, consegue erguer um pouco a cabeça, observando uma das cenas mais bizarras que poderia imaginar : um gato estava gritando algo para a tal de Sailor Moon ... um gato ! Agora sim tinha certeza de que estava sonhando ! E que estranha marca era aquela na testa do gato ?

A lua .

Não demorou muito para aquilo acabar . Havia subestimado aquela garota fantasiada, ela parecia ser mais poderosa do que imaginava, visto que destruiu a criatura com uma ... tiara !

Era só o que lhe faltava ...

E agora ?

Estava caído . Estava esgotado . Aquela criatura havia, de alguma forma, sugado todas as suas forças . Era um milagre estar consciente .

E agora, o que viria ? Sailor Moon havia ido embora, o que iria acontecer agora ? A criatura aparentemente havia sido destruída, mas o que impedia de algo mais acontecer ? E se não acontecesse, quanto tempo esperaria ali ? Afinal, se a própria dona da exposição estava desmaiada, a verdadeira, eles poderiam ficar ali por dias . Talvez a policia investigasse o desaparecimento de tantas pessoas ... mas e até lá ? O que faria ?

- O que você sempre fez . Lutar pelos seus ideais .

Ele tenta erguer sua cabeça, falhando . Teria ouvido uma voz ? Mas de quem teria sido ? Por acaso alguém conseguiu se esconder do ataque da criatura ?

- Desde quando tua mente está tão fechado para a verdade ?

Agora ele se assustou . Seja quem fosse, parecia estar respondendo a coisas que ele só pensara .

- Você se sente impossibilitado, não é mesmo  ?

- Não é bem assim . Digamos que a sensação de estar imaginando coisas acordado não é saudável .

- Imaginando ? E o que você define por imaginar ?

- Eu poderia formular diversas teorias a respeito, mas achar que uma coisa está acontecendo quando na verdade não está acontecendo é uma boa resposta .

- Parece ser seu destino, Seo . Conhecer .

- Com licença, mas ... seja de quem for tal voz, poderia fazer o favor de se identificar ?

- Seo ... não reconhece minha voz ?

- Eu realmente gostaria . Há muitas pessoas aqui precisando de ajuda, e não duvido que alguns estejam mortos . Perdão pelo meu mal-humor, mas a situação é séria demais para ser ignorada .

- Você apenas adia o inevitável .

- Não, não estou adiando ! É depressivo achar que só por que todos morrerão um dia, não importa se morrerão agora ou amanhã ! E não acredito que tal comentário tenha vindo de minha própria mente !

- Tal coisa não veio de tua mente, Seo . Mas é a verdade, você apenas adia o inevitável .

- Eu me recuso a acreditar nisso !

- Tu és um homem sábio . Talvez tenha sido o destino que repetiu tal feito em ti . E, como tal, sabes muito bem no final, a morte é o fim da linha para todos os seres . E não diga que não é verdade, pois é .

- Mesmo que seja ... aonde quer chegar ?

- Tal criatura que se apresentou diante de ti está noite ...

- Sailor Moon ? Ridícula . Apenas uma garota fantasiada querendo se divertir .

- Seo ... é possível que alguém com teu nível intelectual não consiga enxergar a verdade ? Tu vistes o que tal garota é capaz de fazer, e mesmo assim a despreza ?

- E eu não deveria ? Sou um professor, caso não saiba . Meu compromisso é com o desenvolvimento e a aprendizagem dos meus alunos, não com garotas fantasiadas !

- Seu compromisso ... Seo, quando foi que teve uma noite de sono em paz ? Quando ? Há quanto tempo teus estranhos sonhos o perturbam ?

Ele não responde . Há meses não dormia direito devido aos seus pesadelos . Já havia consultado especialistas e colegas de profissão, mas de nada adiantou .

Como se pudessem ser de alguma utilidade . Como eles poderiam explicar o significado daquilo ? Ele mesmo já havia se exposto suficientemente ao ridículo, não queria ter que passar por aquilo de novo . Afinal, quem acreditaria em um professor que, de uma hora pra outra, sonha com uma guerra que não aconteceu ?

- Você ... você sabe dos meus sonhos ?

- Eu sei perfeitamente sobre cada um deles, Seo . Cada detalhe, cada pessoa, cada acontecimento ...

- Está dizendo que ... que pode me explicar o significado dos mesmos ? Que tem a solução para esse pesadelo ?

- Pesadelo não, Seo . Sonhos . Sonhos maravilhosos, os quais você falhou em interpretar . Tais sonhos são seus e apenas seus, e não pertencem a ninguém mais .

- Parece uma proposta interessante ... mas o que você ganha com isso ?

- Nada .

- Nada ?

- Nada . Meu prêmio, se houver, será dado de livre e expontânea vontade .

- E o que seria tal prêmio ?

- Gostaria de descobrir ?

Era o fim da picada . Estava conversando com uma estranha voz que vinha de lugar algum e ecoava em sua cabeça, a qual acabara de lhe fazer uma proposta acerca de seus pesadelos . O que deveria fazer ? Aceitar ? Recusar ? Consultar um analista para descobrir qual era o seu problema ?

Mas ... o que ele tinha a perder com isso ? Afinal, era uma voz . Na melhor das hipóteses sua mente estava gerando tal voz, na pior das hipóteses, o chifrudo estava lhe propondo a solução para seus problemas em troca de sua alma ...

Mas uma coisa era verdade :  ele queria saber. Estava cansado, irritado , desesperançoso . Estava começando a achar que sua sanidade estava se esvaindo por entre seus dedos, visto que não conseguia exercer mais sua profissão por causa daquilo . Aqueles sonhos, sonhos estranhos, relacionados em sua maioria com uma guerra que, se não aconteceu, também não haviam indícios de que aconteceria .

Mas a grande verdade era que, mesmo que fosse uma mentira ... ele gostaria de obter alguma resposta .

- Eu ... eu aceito . Aceito sua proposta . Dá-me a resposta para tais sonhos ... por favor .

Nos próximos segundos, ele se arrependeria de ter concordado com tal coisa . Não sabia como nem por que, mas sua cabeça começa a doer de uma hora pra outra  e, como seu corpo estava exausto depois de ter sua energia absorvida, não conseguia se mover . Apenas seus gritos ecoavam pelos corredores daquele prédio, para os poucos transeuntes da madrugada ouvirem-no .

Tais gritos representavam não somente a dor, mas a agonia pela qual ele passava . A agonia que ele sofrera por toda a sua vida, não referente aos seus sonhos, mas a algo muito maior do que isso . Algo muito maior mesmo , maior do que seus sonhos, suas conquistas, suas realizações, decepções ... a grande dor de saber que tudo isso não passou de um aperitivo . Tudo o que passou, toda a sua vida ... tudo aquilo que o levou ao seu patamar não passava de um aperitivo comparado com o que realmente estava por vir . 

Os gritos cessam . O que quer que tenha sido, agora não era mais . Ou melhor, ainda era, só que muito melhor , pois agora contava com tudo o que lhe era necessário.

- Finalmente – ele se ergue, arrumando seu terno e tirando a poeira, enquanto refletia sobre o ocorrido – aconteceu .

- E tu ? Estás a par do que deves fazer ?

- Perfeitamente, Meijin . Mas tenho que convir que tal função exige mais do que eu disponho . Apesar dos recursos que me foram oferecidos, creio que não tenho capacidade para agir .

- Seo, tu és o mais hábil de todos os meus sacerdotes . É o último deles, o único que pode cumprir com tal coisa . Se não fores por ti, não será por ninguém .

- Compreendo perfeitamente tua vontade, Meijin, assim como gostaria de reforçar o voto de lealdade feito por mim em tempos passados ... mas não creio estar apto . Desde que entendi quem sou, pude finalmente retomar o controle do que eu sei, e começo a perceber todos os perigos de tal época . Em épocas longínquas tais perigos seriam facilmente derrotados, mas agora as coisas mudaram . Metallia esta por aqui, escondida em algum lugar apenas esperando para ressurgir, assim como há um grande e devastador mal se aproximando .

- O Silêncio .

- O SILÊNCIO  ?!?!? Meijin, eu ...

- Escuta-me, Seo . Desde quando preciso temer um ser tão inferior quanto Metallia, ou algo irracional como O Silêncio ?

- Em momento algum duvido de suas capacidades, Meijin, mas para tanto eu necessito de tempo, e isso é algo que eu não disponho no momento . Para começar, eu necessito do canalizador, e não faço a menor idéia de onde ele está .

- Ele surgirá .

- Isso se eu sobreviver até lá . Com todo o respeito, mas eu temo que estejamos fadados a destruição .

- Seo, meu leal remanescente, por que pensas assim ? O que fiz de mal para que duvides de mim ? Por acaso não permiti que visse meu esplendor ?

- Em nada duvido de tua capacidade, pelo contrário, meu antecessor me transmitiu as maravilhas de tua era . No entanto ...

- No entanto, ainda assim duvidas do que posso fazer, em vista da atual situação, não é mesmo ? Por acaso depois de tanto tempo, é isso o que eu encontro ? É esse o legado que me cabe ?

- Infelizmente, sim .

- Engana-se, Seo . E eu te direi o porque . Lembra-te da promessa que lhe foi feita, quando assumiste o manto de sumo-sacerdote ? A promessa de que teríamos nosso belo e amado reino de volta, aonde as maquinações de uma louca não tornariam a nos afetar ? Lembra-se disso ? Tu me aguardaste por uma vida inteira e mais além, recuso-me a acreditar que tamanha lealdade tenha desaparecido .

- Minha lealdade pertence a ti, Meijin, ontem, hoje e sempre . Em meus esforços anteriores lutei por ti e mantive tua chama acesa . Enquanto este servo existir, assim o será, apenas peço que compreenda tal situação .

- Eu compreendo, Seo . Compreendo teu verdadeiro medo . Teme que mais uma vez seus esforços sejam em vão, de que no último momento tudo seja perdido, não é mesmo ? Pois então, permita que eu renove tuas esperanças, meu servo . É de seu conhecimento que Adamá ressurgirá algum dia e, para tanto, tomou providências .

- Está ... está dizendo que ...

- Exatamente . Adamá plantou a mácula em seu povo, como precaução . E se Adamá fez tal coisa, é por que tem certeza de que cumprirá seus objetivos . Siga em frente com sua missão, até que o momento esperado chegue . Embora seja deprimente dizer isso, a mácula se encarregará de garantir que este planeta não seja destruído em momento algum .

- Fascinante . Então, a guerra mudou de terreno . Seu humilde servo gostaria de renovar o antigo voto, Meijin .

- Pois o faça, Tis ...

- Por favor, pare . Detenha sua pronuncia, por que este humilde servo não deseja ouvir o que Meijin irá pronunciar . Eu, Seo, reitero o voto de lealdade feito a ti . Em momento algum fraquejarei, sempre permanecerei firme e forte, em momento algum desistirei de minha missão . E, se por ventura eu fraquejar, teus objetivos serão cumpridos, mesmo que outro tenha que seguir em frente . Mas tal juramento é feito por Seo, e não por quem eu tenha sido . Aquele homem não existe mais, Somente Seo está aqui, e é este que te serve .

- Eu aceito teu juramento, Seo . E para tanto, digo-lhe que não estará sozinho nisto, pois também não é de meu agrado que meu mais leal servo pereça no cumprimento de seu dever . Para tanto, terás apoio, uma vez que seus subalternos também estão aqui .

- Todos eles ? Então, isso significa ...

- Não, nem todos . Apenas os que estavam presentes no local de seu último encontro . Todos eles tem uma marca em seu espirito, de forma que poderás reconhece-los . E se isso ainda não for o suficiente, saibas que há muitos outros, os quais não serviam a nossa causa, mas diante de um homem com tal nível de cultura e determinação como ti, poderão ser convertidos em valorosos aliados .

- Outros ... – ele consegue, com um esforço hercúleo, segurar uma lágrima que ameaçava escorrer .

- Tuas esperanças foram renovadas, meu servo ?

- Totalmente, Meijin . Ainda mais sabendo que não estou sozinho .

- Tu nunca estarás sozinho, Seo . Consumi o pouco que restava de mim para lhe transmitir tal mensagem, mas saiba que não estas sozinho . O sonho que você vislumbrou, as maravilhas que foram prometidas, tais coisas finalmente serão alcançadas . E não somente para você, mas para todo esse povo . Não desista, Seo, e tua recompensa será enorme .

Tão logo quanto surgiu, aquela doce e bela voz desaparece, deixando-o ali, sozinho .

- Já é uma recompensa saber que luto para mudar o mundo, Meijin .

- Caramba ! Os caras disseram que aquela porra ia me deixar doido, mas não pensei que fosse tanto assim !

- Vejo que ouviste tudo o que foi dito, meu tolo e impaciente amigo .

- Se ouvi ? Putz, então eu não fui o único a ouvir isso, cara ! Que viagem, mermão ! Bem que você falou que eu iria ficar impressionado com essa exposição, mas não achei que fosse tanto ! Eí, por que está me olhando desse jeito ?

Fascinante, ele pensava . É, realmente não estava sozinho nessa jornada . Teria companhia, teria apoio, pra variar . E o simples fato dele estar enxergando uma marca bem peculiar na testa daquele garoto lhe dava a satisfação de saber que seus subalternos estavam mais próximos do que imaginava ...

- Diga-me, meu jovem ... já te disseram que algumas pessoas nascem com um destino maior do que o das outras ?

- Cara, que papo mais estranho é esse ?

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

- Hi ! Hi ! Hi ! Deixa eu só me lembrar disso direito ... por um acaso aquele garoto era Maki ?

- Exatamente .

- Que virada de destino, Seo ! Com tantas crianças por ai, o primeiro tinha que ser justamente Maki ?

- Não foi tão ruim assim, tampouco foi agradável . Ele pensou o tempo todo que havia cheirado cola-de-sapateiro, até que eu o despertei para a verdade . Maki era um menino de rua, e como você sabe, eu apenas estava tentando ajudá-lo .

- Ainda bem que ele tomou rumo na vida, não acha ? E tudo por causa de você .

- Não adianta tentar me consolar, Sumire . Isso não muda o que eu fiz .

- O que você fez ? Baka ! Você deu a eles tudo o que eles tem, Seo ! Família, amigos, dignidade ... você lhes deu um lar, e eles naturalmente o chamavam de otousan por causa disso !

- Se você entende, por que me perturba ? Eu sou o otousan de todos eles, no entanto os enviei para a morte . Sabia muito bem do perigo que havia no templo, mas no entanto os enviei para lá . E tudo para comprovar um palpite que tive .

- Isso não importa, Seo ! Será que é tão difícil aceitar que você lhes deu uma vida, e não a morte ?

- Só por que lhes dei uma vida, não significa que tinha o direito de presentea-los com a morte .

- Por acaso está duvidando de sua lealdade, Seo ?

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- Tudo bem com você, Sumire ?

- Hã ? Seo, o que houve ? Eu ... eu desmaiei ?

- Na verdade, você apagou por exaustão .

- Devo estar muito cansada . Podia jurar que a dona da exposição tinha se transformado em um monstro horrendo e nos aprisionado .

- Não foi sonho . Foi real .

- Muito real, mesmo . Esse troço ainda tá confuso na minha cabeça., mas eu me acostumo . Seo, ela é uma de nós ?

- Sutil como um rinoceronte, Maki . Mas tais respostas estão expostas a olho nu .

Ele estava certo . Não precisava de muito esforço, o simples fato de que olhar para Sumire revelava sua marca, aquela marca especial que brilhava em sua testa . Havia encontrado mais um .

Ele toca na testa da mesma, alegre pela recém descoberta, no entanto ...

- Seo ... o que vai fazer ?

- Sumire ...não gostaria de ter uma chance de tentar tudo de novo ? De dar o seu melhor por um mundo melhor ?

- Seo ... do que está falando ?

- Nós podemos dar o nosso melhor para construir uma sociedade livre de toda dor e hipocrisia que nos cercam, Sumire .

- Eu ... eu não estou entendendo o que você quer dizer, mas ... sim, eu gostaria de dar o meu melhor por um mundo melhor . Como podemos fazer isso ?

- É só você abrir seus olhos para a verdade .

- Qual verdade ?

- Aquela que esteve diante de seus olhos durante toda a sua vida, mas não conseguiu enxergar . Aceita ?

- Eu ... – ela pensa na proposta, com um pouco de receio na mesma – sim, aceito .

Ele fecha seus olhos, analisando a situação . Havia funcionado com Maki, e provavelmente funcionaria com Sumire .

Lentamente, sua magia adentrava na mente da mesma, eliminando rapidamente todas as barreiras impostas anteriormente . Toda a dor, todo o sofrimento, toda a mentira ... simplesmente eliminados e deixados para trás, fazendo renascer das cinzas aquela doce e bela mulher, a qual o acompanhara em um passeio com aquele jovem impulsivo .

Ela abre os olhos, sorrindo . Estava satisfeita . Estava muito satisfeita . Finalmente, havia desperto para a verdade .

- Olá, Tis .

- Olá, Sumire . É um prazer recebe-la . Mas eu não atendo por tal nome, e sim por Seo .

- Seo ? O que houve com o orgulho do sumo-sacerdote de ...

- Ele não está mais aqui, Sumire . Em seu lugar, assume Seo .

- Se prefere assim, então não ouse me chamar de Ayla . Seo ... o que nós estamos fazendo aqui ?

- Continuando com a missão, obviamente .

- Missão ? Mas ela está ... está ... com todo o respeito, eu acho que ...

- Ela fez contato comigo, Sumire .

- Fez ? E ... como ela está ?

- Fraca . Fraca e esgotada, aguardando que tomemos uma posição . Posso contar com você ?

- Sabe que sim, Tis, digo, Seo . Mas eu me pergunto se conseguiremos . E este, quem é ?

- É Maki . Eu o despertei, mas não tirei suas memórias . Sumire, não se lembra do garoto esquentado ?

- Eí !

- É claro que eu me lembro, Seo . O que desejo saber é quem ele realmente é .

- Sinceramente ... eu não sei . Somos apenas três, e você sabe o que precisamos fazer nessa altura do campeonato .

- Sei disso perfeitamente, assim como você . A pergunta é como conseguiremos o canalizador .

- Ele surgirá no momento apropriado .

- Não confio nisso . Não gosto da idéia de contar com o destino . Sabe muito bem o

que aconteceu da última vez em que esperamos pelo canalizador .

- Ele surgiu, se me lembro bem .

- E foi tarde demais, se me lembro . Muito tarde mesmo . Perdemos muitos dos nossos com isso .

- Não fomos os únicos .

- Como se a quantidades deles representasse algo diante do perigo maior . E nós ainda estamos em desvantagem, lembra-se ?

- Ao que se refere ?

- Vi no jornal que uma tal de Sailor V tem agido em Londres . O que isso te diz ?

- Sumire ... Sailor Moon acabou de agir diante de meus olhos .

- Sailor ... MOON ?!?!?!?!?!? MAS ISSO É ...

- Apenas aconteceu .

- Eu ... não ... acredito ... é o nosso fim . Seremos exterminados novamente .

- O que houve com sua esperança, Sumire ? Por acaso não confia que, desta vez, possamos conseguir o que queremos ? confie em mim . Eu não falharei desta vez . Nunca .

- Confio em você, Seo ... mas a situação atual não é favorável . Da última vez ...

- Dá ultima vez ... já faz bastante tempo desde a última vez . E desta vez, não falharemos, pelo contrário, todos nós viveremos o suficiente para colhermos nossas recompensas .

- Viver o suficiente ... da última vez que ouvi tais palavras, as ouvi de alguém que viveu muito simplesmente por causa dessa promessa, e no entanto ...

- No entanto, agora nós temos a certeza . E o melhor de tudo, finalmente Meijin está conosco !

As palavras ecoavam em seus tímpanos e expandiam-se em seus ouvidos . Seo disse Meijin ... mas então, isso significava que ...

- Dá licença, velho ... mas cadê esse sujeito ?

- Como ? – questionava Sumire, voltando sua atenção para o rapaz .

- Esse tal de Meijin que você disse que tava com a gente . Cadê ele ?

Sumire coloca a mão na boca, segurando uma risada . Pelo visto, Maki não havia compreendido exatamente o sentido da frase de Seo, e fez uma conclusão precipitada .

- Maki ... Meijin não está aqui com a gente .

- Mas você disse que ele estava conosco .

- Ela está conosco ... mas não no sentido de estar fisicamente ao nosso lado e ... do que está rindo ?

- Ai, Seo ... você é professor universitário há tanto tempo que parece que esqueceu dos erros mais básicos que os alunos do ginásio costumam ter !

- Eu não tenho culpa se ele não terminou o ginásio !

- Eu terminei o ginásio sim, velho !

- Quem está chamando de velho , garoto ?

- Você, senhor sabe-tudo-nunca-erra !

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

- Não ria, Sumire .

- Como eu não vou rir, Seo ? Sempre que eu me lembro de como tudo começou, não consigo evitar de rir . E que belo começo tivemos, uma bela de uma briga entre você e Maki por causa de erros de interpretação !

- Pelo menos ele voltou a estudar e se formou . Mas aquele dom que ele possui sempre nos causou problemas, e você sabe muito bem disso .

- Você sabe como são os garotos, sempre gostam de uma boa briga .

- Se pelo menos ele não utilizasse aquele dom nas brigas, tudo estaria ótimo, mas ...

- Mas você é a pessoa menos indicada para dizer isso, Seo . Ou estarei errada ?

- Ao que se refere desta vez ?

- Não finja desentendimento . Sabe melhor do que ninguém daquele feitiço que conjurou sobre a universidade .

- Aquilo foi necessário .

- Para a missão ? Duvido ! Você fez aquilo por motivos pessoais !

- Não é por que eu tenho assuntos pendentes que eu vou deixar de lado tudo o que eu conquistei, Sumire . E além do mais ... desde que me tornei reitor, a Universidade de Tóquio tem passado pela melhor administração que tem há anos . Nada de furtos, nada de depredações, alunos se drogando, funcionário roubando materiais ...

- Você está falando isso para mim ? Por acaso se esqueceu de que eu sou uma das únicas pessoas daquele local que sabe sobre o feitiço que você colocou, o qual ter permite saber sobre tudo o que acontece naquele lugar ?

- Por que você disse o que o feitiço faz, se eu sei o que ele faz ?

- Só pra você aprender a parar de ficar se exibindo . Mas de qualquer forma, você evitou muitos conflitos, resolveu problemas entre os professores, puniu justamente alunos que se drogavam e outros que depredavam o patrimônio ... tudo isso por causa daquele feitiço . Bom trabalho .

- Posso garantir que a cultura e o conhecimento não sejam perdidos, e no entanto não posso trazer as crianças de volta .

- Ninguém é bom em tudo .

- Sumire – ele vira o rosto para a mesma, num misto de fúria e ódio, mas os mesmos desaparecem, quando ele percebe o que iria dizer – eu não fui capaz de salvar o seu ... não fui capaz de salvar o nosso próprio filho !

Ela nem ao menos vira o rosto para o mesmo, continuando em sua posição . Entendia perfeitamente  a agonia de Seo . Mais do que ninguém, entendia a agonia que ele sentia no sentido total da palavra .

- Quando é que você vai entender que o que houve entre nós ... acabou ? Foram doces momentos, foi um sonho doce e maravilhoso ... mas com o fim da noite, ele acabou .

- Mulher, como pode ser tão insensível a ponto de dizer tais coisas ?

- Muito simples, matar centenas de pessoas fez com que eu passasse a enxergar as coisas de uma maneira diferente ...

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

- Curioso ...

- Também acho, Seo . Não era isso o que eu estava esperando . Não era mesmo . Onde está Maki ?

- Não tenho a menor idéia .

- Que ótimo ! Era realmente a notícia que eu estava esperando !

As coisas realmente estavam sendo difíceis, pensava . Depois daquela noite, nunca mais havia tido noticias de Meijin . Sonhos, comunicações, feitiços ... nada . Era como se ela simplesmente tivesse desaparecido, como se nunca estivesse existido .

Porém, aquilo não o afetava . Pelo contrário, ampliava suas forças para continuar . O que não era o caso de Sumire .

Já haviam se passado meses e meses depois daquele encontro, e até agora, nenhum sinal daqueles que procuravam . Até agora, somente ele, Sumire e Maki . E, pra piorar a situação, Sailor Moon não estava desacompanhada . Era como se, a cada momento, novas aliadas surgissem ao lado da mesma para que a agonia dele aumentasse .

Mas ele se recusava a desistir . Não passou pelo inferno e retornou apenas para desistir . Iria fazer valer seu voto de lealdade, custe o que custar .

Quanto a Sumire, a mesma estava perdendo lentamente as esperanças . Estava achando que era um causa perdida, e que seria melhor desistirem .

Jamais !

E aquela cena em particular havia lhe chamado bastante atenção . Estava na rua, quando alguém esbarrou nele . No entanto, havia passado a maior parte de sua vida na cidade, de forma que era bem atento a esses detalhes, ainda mais quando descobre que sua carteira não estava mais no lugar . Seus olhos percorreram rapidamente a área, encontrando o ladrão, correndo de uma distância respeitável . Mas ele não tinha tempo para isso, pelo contrário, estava aproveitando aquele tempo de folga para encontrar algo que valesse a pena, e mesmo sua carteira não se comparava com a necessidade que sentia .

Que se dane, ele pensava . Não era por que tinha mais o que fazer, que iria se desligar por completo do mundo . Não senhor, não iria bancar o otário dessa vez, não .

Estava correndo, esbarrando em uma dezena de pessoas, mas continuava correndo . E o assaltante não ficava muito atrás, corria com igual desespero, desviando-se facilmente das pessoas e correndo como se fizesse aquilo diariamente, o que não deixava de ser verdade .

Mas que diabos, que tipo de sujeito era aquele ? Por acaso ele não teria que parar para descansar mais cedo ou mais tarde ? Correr desse jeito cansava, embora imaginasse que a prática o deixasse mais resistente . Em poucos instantes ele começa a perder terreno, ao passo que sua esperança vai se esvaindo ...

No entanto, a esperança é a última que morre, e pôde comprovar tal fato quando Sumire deu uma ombrada no assaltante, derrubando-o . Tinha que se lembrar de agradecé-la por isso . E de onde foi que ela surgiu ?

Ah, claro . Ela estava do seu lado, e o mesmo a havia deixado-a para trás quando começou a correr . Mas, ao contrário dele, ela usou seu cérebro, cortando caminho por ruas menos movimentadas e atingindo o alvo com maior facilidade .

Aquela mulher valia ouro .

Ainda mais quando ela começou a interrogar o assaltante . Depois de alguns segundos finalmente havia alcançado-os, tendo o maior choque de sua vida . Sumire estava segurando-o em uma chave de braço, impedindo seus movimentos . A principio parecia estranho um homem não conseguir se livrar , afinal de contas Sumire nunca foi um exemplo de força . Não era necessariamente fraca, mas não era conhecida pela sua força bruta . Foi quando ele percebeu um detalhe : não era um homem . E era justamente este o motivo dele ter conseguido se mover pela rua movimentada com extrema facilidade . Era uma criança . Não havia percebido isso antes, mas agora havia ficado claro . Só havia prestado atenção em seu cabelo ruivo, mas isso agora era facilmente ignorável, ainda que o mesmo o encarasse desesperadamente com seus olhos castanhos .

Havia devolvido o olhar . Mais do que isso, um olhar de surpresa .  Ainda mais a de Sumire, quando o mesmo havia erguido os braços desta, libertando o garoto para que este fugisse .

Ela, claro, o xingou de palavras que ele sequer imaginava existir, mas isso durou apenas pouco tempo .

Algum tempo depois, ambos estava caminhando novamente pelas ruas de Tóquio, e Sumire tornava a lhe perguntar para onde estavam indo . Aquilo lhe tirou alguns sorrisos, já que a mesma realmente não havia percebido

"Para onde estamos indo", ela perguntou diversas vezes, enquanto o ambiente mudava . Suas perguntas cessaram quando ambos se aproximaram de uma ponte . Sem que a mesma entendesse, ela desceu pelo barranco e, quando estava bem próximo do rio, virou e foi para debaixo do ponte .

O que ele viu fora exatamente o que ele esperava .

Algumas roupas jogadas, caixas de papelão guardando comida, cobertores rasgados empilhados próximos ao pilar da ponte, fora outras coisas, como panelas amassadas, e algo que parecia ser um fogão de gás improvisado .

Alguém morava ali .

E não precisou procurar muito para encontrar . Lá estava ele, encostado no canto do pilar, encolhido, como se estivesse se escondendo dele .

Sumire, no entanto, não estava entendendo o que estava acontecendo . Por que Seo estava perdendo tempo ali, por que ? Era apenas um menino de rua, não poderia fazer nada para ajudá-lo .

- Seo ...

- só um instante, eu ...

- Não existe nada que possamos fazer, Seo . É apenas um menino de rua, tem milhares como ele espalhados por ai .

Seo se aproxima do mesmo e, quando faz isso, ele percebe que tinha visitas .

Não demora muito para o garoto pegar um pedaço de pau e se erguer, ameaçando Seo com este . E pra piorar, haviam pregos no mesmo, os quais pareciam estar tão enferrujados que matariam alguém só com um arranhão .

- Seo, vamos embora daqui ! Deixa ele pra lá ! Sua carteira não vale a pena !

- Ele vale a pena, Sumire . Ele vale . Garoto, qual é o seu nome ?

- N-não interessa ! Sai daqui, senão eu te mato ! Sai ! SAI ! SAI !

Sumire esta um pouco atrás de Seo, preparada para puxar o mesmo e sair dali . Afinal, o que foi que deu nele ? Não estava nos seus planos ter que enfrentar um moleque armado com um pedaço de pau !

Um moleque ?

Com um pedaço de pau ?

Foi ai que ela percebeu . O moleque ... ele era ... era ... um garoto . Apenas um garoto . Embora ameaçasse matar Seo ... ainda assim era uma criança , e parecia bem assustada . Estava muito assustada . Deveria ter no máximo dez anos, e não duvidava que seus últimos anos tenham sido uma "maravilha" .

Muito nobre da parte de Seo, pensava . Na hora em que ela segurou o garoto, ele deve ter percebido o estado das roupas do mesmo, sujas e rasgadas, e imaginado que ele estava muito necessitado mesmo .

- Por favor, eu só quero ajudá-lo ...

- SAI DAQUI ! SAI DAQUI, CARA ! EU NÃO PRECISO DA SUA AJUDA ! SAI ! SAI ! TOMA A SUA CARTEIRA E SAI DAQUI AGORA ! SAI ! SAI ! SAI !!!

Seo nem ao menos se dá ao trabalho de se abaixar para pegar sua posse, apenas encarando-o ;

- Uandare titurikaret nicereha titutikaret  moogle ... dandali gozitadale sotonela sonti !

- SAI DAQUI, CARA ! EU JÁ MANDEI VOCÊ ...

Sem a menor chance de reagir, ele sente seu corpo vibrar, de modo que não consegue mais segurar o pedaço de madeira . E, no exato momento em que a madeira cai, ele sente uma dor enorme no corpo, até que atinge o chão .

- Ai ! Mas o que que é isso ? Ai ! Por que eu não consigo me mover ?

Era inútil, pensava Sumire . Aquele garoto havia perdido por completo a capacidade de se mover, justamente por causa do ataque de Seo .

Interessante . Pelo visto ele não ficou os últimos meses apenas ocupado com a missão, deve ter   praticado um pouco . Mas ainda assim estava confusa com o que ele planejava . Se era para fazer tal coisa, por que não fizera antes ? Teve a chance de tomar sua carteira de volta anteriormente, mas não o fez . Então  ... ?

- Seo, o que você está fazendo ai em ... !!!

Ele se aproxima mais das colunas, passando pelos amontoados de papelão e adentrando no lar do garoto .

- EÍ ! NÃO ENTRE AÍ ! NÃO ENTRE AÍ, SEU FILHO DA P*** ! NÃO ENTRE AÍ !

- Que linguajar tem seu novo amigo, Seo . Por acaso tem alguma coisa que não quer me contar ? Seo ?

Ela passa pelo rapaz caído e se aproxima de Seo, o qual  havia se agachado para entrar na casa de papelão . Sem alternativa a não ser segui-lo, ela se agacha, sujando sua roupa na lama e se arrastando pelo local .

- É melhor que isso realmente valha a pena, senão ...

- Shhh !!!

- Não me mande calar a boca, Seo . Não estou de bom hum ...

- Silêncio, Sumire . Do contrário, irá acordá-la .

- Acordá-la  ? Quem ?

Sumire se aproxima, vislumbrando com seus próprios olhos . Estava ali, diante dela, deitada entre os papelões e coberta com um fino pedaço de pano, encolhida e tremendo .

- Seo ...

- Shhh !

Ele toca na testa da pequena, e a mesma encolhe mais o corpo, sem no entanto abrir os olhos . Ele coloca mão debaixo do pescoço da mesma, e ela treme mais ainda .

- Está com febre .

- Febre ? Ora, então vamos levá-la ao hospital !

- Pensei que só se importasse com a missão .

- Não sou um monstro, Seo . Não a ponto de ver uma criança sofrendo e ficar de braços cruzados . – Ela toca na testa e no pescoço da pequena, comprovando o mesmo que Seo – Céus, ela está queimando de febre ! Garoto, há quanto tempo ela está assim ?

- TIRA A MÃO DA MINHA IRMÃ !!!

- Garoto – Seo erguia sua voz, sem no entanto mostrar que estava começando a ficar irritado – eu só quero ajudar a sua irmã . A febre dela está muito alta e ela pode até morrer por causa disso . Não vim até aqui para pegar minha carteira, pode ficar com ela se quiser . Mas vamos precisar da sua ajuda para podermos ajudar sua irmã .

Ele se cala durante alguns instantes, aguardando a resposta do pequenino . E ele demorava para responder, pois se ocupava em tentar mover o corpo, falhando em todas as tentativas . Ele chega a considerar a hipótese de liberta-lo para que o mesmo pudesse confiar nele, mas acabou sendo desnecessário .

- Ela ... ela está assim há dias – sua voz começa baixa, e vai aumentando – eu pensei ... eu pensei que fosse fome, mas ela não comia nada . Engraxei sapatos e ajudei uns moços pra conseguir um dinheiro e comprei uma comida melhor pra ela, mas ela continuou assim – o mesmo já estava quase gritando, enquanto que algumas lágrimas recém formadas escorriam por entre seus olhos – ai eu ... eu levei ela no hospital ... mas ninguém me ouviu ! Eu ... eu pedi pros  médico cuidar dela, mas eles jogaram nós dois na rua ! Eu queria ... eu queria que ela ficasse boa, então comecei a arranjar dinheiro pra comprar remédio, mas não adiantou ! Ai ... ai ... ai eu ... eu peguei dinheiro das pessoas pra ... pra comprar remédio pra ela ... mas ela continua ... continua assim ...

Ao fim do relato, o garoto já estava em prantos, derramando-se pelo chão . Sua tristeza, misturada com sua inocência, era digna de pena, capaz de comover até o mais insensível . Mas era a realidade . A dura e fria realidade .

- Dias ... Seo, nós temos que ...

- Não vai adiantar . E com o tempo frio que fez nos últimos dias, a febre já deve ter virado uma pneumonia . Se ela já fosse adulta, isso não seria um grande problema, mas é uma criança, no máximo deve ter 8 anos . Acho que não podemos fazer nada por ela .

Sumire se vira, fitando os olhos do garoto : agonizantes . Desesperados . Sofridos .

Pobre criança . Era uma realidade dura, mas era a realidade . Deve ter passado toda a sua vida nas ruas, e aquela ponte era o seu lar . Quantas vezes passou fome, sentiu frio, roubou e esteve a mercê do destino que as ruas lhe entregavam ?

Seu físico era uma prova disso . Pela sua face, diria que ele deveria ter algo em torno de nove anos, mas era o máximo que daria para ele . Suas roupas sujas e rasgadas não contribuíam muito com sua aparência, a qual era um tanto quanto deplorável de se ver em uma criança . Seu torço não podia ser visto, mas suas pernas, magras e seus bracinhos, esqueléticos, davam uma idéia do resto do corpo .

- Vamos embora, Seo . Não podemos fazer nada por eles . Não podemos fazer nada por nenhum deles . Tais infelizes estão condenados, abandonados à própria sorte, os quais sofrem as conseqüências dos atos de outras pess ... Seo ?

- Goziladanti Katirestireti Dotinate Orgareti Mandali Sota Mari Gota mile mile sota melu chipre .

- "Agonia que vara a noite, semblante que sofre durante a manhã, libertem este recipiente e reunam-se em outro lugar" – ela para de traduzir tais palavras, lembrando-se do que elas significavam – Seo, se você fizer isso, vai acabar se ...

A palma da mão de Seo brilha, atingindo a pequenina . Não era uma simples luz, era uma luz diferente, uma luz ... quente . Quente e revigorante .

Havia se passado muito tempo . Mais do que sua cabecinha poderia compreender . Demorou muito, mas finalmente ela abriu os olhos .

Aqueles olhos trêmulos e assustados, chamaram sua atenção . Sua e de Sumire . Ela ainda tremia, mas não estava encolhida .

O que houve em seguida surpreendeu a Seo . Sua mão ainda emanava aquela luz quente que banhava a pequenina, e a mesma tentava, com todas as suas forças, esticar seu pequeno braço em direção ao mesmo . Ela o toca, e o mesmo fica parado enquanto que aquela mão fina acariciava seu rosto .

- Q-quente – suas primeira palavras em dias, as quais imploravam para serem libertas – seu rosto ... é quente .

A pequena desmaia, totalmente exaurida pelo esforço . A luz que saia da mão de Seo cessa, e o mesmo fecha o punho em seguida .

- Tudo bem com você, Seo ?

- Eu vou ficar melhor . Mas ela precisa de cuidados, Sumire . Precisa de um lugar pra se proteger deste frio . Vamos para a sua casa .

- Minha casa ? Seo, lá não tem espaço para ... para ... – ela se assusta ao pegar a menina no colo, comprovando seu estado : a temperatura desta, que ante estava altíssima, agora havia abaixado drasticamente . A febre e o que mais sentia de errado na garota pareciam ter sumido, como se ela nunca tivesse contraído tal doença . Teria sua suposta pneumonia desaparecido ? Se fosse assim, então ...

- Urg .... cof ! Cof !

- Seo  !

- Eu – ele coloca a mão sobre o peito e o aperta, comprimindo sua dor – eu estou bem, só preciso ... só preciso de um tempo para me recuperar . A garota ... a garota já não corre mais perigo . Nós temos ... cof, cof ... que arrumar um lugar para ela .

- MINHA IRMÃ !!! – Sumire se assusta quando o garoto, o qual outrora estava caído, agora estava ao seu lado, tomando bruscamente a menina de suas mãos – maninha, maninha ! Tudo bem com você ? Maninha ?

- Ni... ni ... niichan ... c-cadê você, niichan ?

- Aqui, Miki ! Eu tô aqui ! Eu não vou te deixar ! Prometo !

- Niichan, eu me sinto ... eu me sinto melhor, eu ... – ela fecha os olhos, apagando .

- MIKI !!!

- Ela está cansada, garoto . Agora ela precisa de bastante repouso, do contrário sua situação poderá piorar . Venha conosco . Se vocês ficarem aqui na rua, ela vai acabar adoecendo novamente e voltará a correr risco de vida . Este homem aqui a ajudou, e creio que ele não poderá fazer tal coisa por um bom tempo .

Ele se aproxima de Seo, ainda com a garota no colo, encarando .

- Você ... você ajudou minha irmã ?

- Sim, eu ... eu a curei . Ela está melhor agora .

- Como o senhor fez isso ?

- É um truque especial, garoto . Mas eu não posso fazê-lo a todo momento .Venha

conosco, se ficar aqui, sua irmã irá passar mal novamente, e eu não poderei ajudá-la .Venha conosco . Prometo que não farei nada de mal a ela .

No principio ele achou que perdeu seu tempo, que o garoto nunca o ouviria . Se enganou . Ainda carregando a menina no colo, ele maneia a cabeça, sinalizando para Seo . Sumire levanta-o, apoiando-o em seu ombro para que o mesmo se mantenha de pé . Minutos depois, dois adultos seguiam pelas ruas de Tóquio, acompanhados de duas crianças, sendo que uma estava sendo carregada por outro .

- Só uma pergunta, garoto – ele aumentava o tom de voz para que o mesmo o ouvisse, chamando assim sua atenção – qual é o seu nome ?

- Shoten – respondia ele, sem ao menos mudar sua expressão – meu nome é Shoten . Essa aqui é a minha irmãzinha, Miki .

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

- Shoten e Miki ... os primeiros que encontramos .

- Na verdade, Maki foi o primeiro, Seo .

- Não ... aqueles dois foram especiais . Shoten era especial, disso eu tinha certeza . Mas eu nunca imaginei que teria outras surpresas com ele . Quando você o agarrou pela primeira vez, durante alguns instantes eu vi uma marca nele ... não era como a nossa, mas era uma marca . Não foi difícil encontrá-lo, mas nunca imaginei que ele estivesse acompanhado de um dos nossos . Quando eu curei Miki, tudo havia ficado claro .

- Curou ? Se bem me lembro, aquela magia que utilizou tirava a dor de uma pessoa e a colocava em outra .

- Mas pelo menos funcionou . Eu retirei a pneumonia dela e a joguei em mim, mas pelo menos eu tinha chances maiores de sobreviver .

- Muito nobre, Seo – ela se lembra daqueles momentos . Dias depois ele havia passado mal, estava queimando de febre e vomitando – estúpido, mas nobre .

- Foi a única coisa que me veio à mente naquele momento . Mas valeu a pena  - um curto sorriso nascia em sua face – quando eu fiz aquilo, durante aqueles poucos instantes em que ela estava consciente, eu pude ver a marca que ela possuía, brilhando em sua testa . E como era bonita . A garotinha tinha a nossa marca, e minhas esperanças explodiram até o infinito .

- Demorou um pouco para a marca de Shoten tornar a aparecer, lembra ?

- Ele não confiava em mim, Sumire . Ficava dia e noite ao lado da irmã . Ele passou a maior parte de sua vida nas ruas, era natural seu comportamento . Eu precisei fazê-lo confiar em mim para que a marca tornasse a surgir . Mas ela havia surgido antes, sim . Quando ele correu para abraçar a irmã, não percebeu algo ? Lembra-se de que ele não controlava seu próprio corpo ? 

- Eu entendo . Embora não fosse um dos nossos, também passou por muitas coisas traumatizantes . Normalmente você não seria capaz de ver a marca de alguém que não fosse um de nós, mas aquilo foi diferente . Ele confiava em você, e instintivamente revelou quem realmente era, assim como todos os outros que vieram depois, como Yuji, Kléb, Shimizu, Aruma ...

- Isso ainda não me convenceu, Sumire . Não me convenceu mesmo . Nada do que eu fiz livra da minha culpa .

- O que está fazendo, seu idiota ?

- Hm ?

- Perguntei o que está fazendo, seu idiota – seus olhos lacrimejavam, enquanto que ela batia nos peitos de Seo, sendo logo segurada pelo mesmo – o que pensa que está fazendo, seu idiota ?!?!?

- Sumire .... eu ... eu sou culpado disso tudo, e nada muda isso . Nada .

- E acha que eu não sei ? Acha que não convivo com isso a cada dia ? Yosho era meu filho, Seo . Muito mais do que nossas crianças, ele foi gerado em meu ventre ! Como acha que eu me sinto ?

- Perdida . – ele responde quase que secamente, soltando-a .

- Perdida ... é esse o melhor que pode fazer, Seo ? Isso é tudo o que tem para me dizer ? Olhe pra mim quando eu falo com você, desgraçado ! Yosho era meu filho ... filho do meu ventre ! Acha ... acha que eu não sinto por ele  ? Que eu sou tão cruel e desalmada a ponto de não ligar para ele, acha ? Você é que está se iludindo, Seo . Se iludindo ! Ele passou os últimos anos de sua vida na farra, jogado na sarjeta e aproveitando os prazeres da vida, e por que ? Talvez por que ele não aceitava que seus pais fossem loucos com aquela história de "mudar o mundo", ou se recusava a seguir um destino que não o dele . Não importa . Não importa mesmo ! Ele fez suas decisões, assim como você . Seus bons modos foram desaparecendo, seu orgulho também . Quem o visse diria que ele era mais velho do que aparentava, ainda mais com aquela barba e aquelas roupas sujas . Mas ele fez sua escolha, Seo, e nós também, lembra ? Aquele dia ... aquele momento durante a nossa juventude, quando nos amamos ... aquele momento passou, Seo . Mas deixou frutos, os quais embora tenham sido doces, não foram o suficiente para manter nosso relacionamento como amantes, mas permitiu que fossemos amigos ! E não estou conversando com o amigo que eu apoiei nos últimos anos, e sim com um covarde que no ápice de seu grande triunfo se arrepende dos atos do passado ! Você é uma vergonha, Seo . Todos os seus filhos que morreram o fizeram por nada !

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

Uma tarde . Apenas uma tarde . Poucas horas, um pôr de sol, o tocar de um sinal ... apenas uma tarde . Uma parte do dia, uma fração da semana .

Apenas uma tarde .

Um momento único e sem par, o qual ficaria gravado em sua memória até o fim dos tempos, se sobrevivesse para tanto . Seria considerado como um dos primeiros pontos que no fim definiriam seu caráter, que o diferenciaria das demais pessoas . Seria a sua cerimônia da inocência, da qual ele começaria a entender, a duras penas, o que é deixar de ser criança .

Há quanto tempo ele estava ali ? Dez minutos ? Uma hora ? Duas ? Três ? O tempo que fosse, seria uma eternidade independente do quanto permanecesse ali .

Pela décima-sétima vez ele abre sua mão, encarando-a . Tinha vontade de chorar . Tinha vontade de gritar pelos sete ventos sua raiva e indignação . Tantas coisas surgidas em sua mente, oriundas de sua ira ... e no entanto, continuava ali, sentado naquele balanço, de cabeça baixa e orgulho ferido .

Qualquer um que passasse por ali diria que era mais uma criança . Em parte estaria certa, a não ser em dizer que era apenas uma criança . Não era . Era muito mais do que isso, mais do que qualquer análise cientifica pudesse indicar .

- Tudo bem com você ? – a voz subitamente o tira de suas divagações, sem no entanto fazer com que o mesmo erguesse sua cabeça . – Com licença ?

- Sim ? – uma voz bem fraca respondia, ao contrário do que o exterior demonstrava .

- Garoto, tudo bem com você ?

- Sim .

- Você está assim já faz um bom tempo ... por acaso se perdeu da sua okaasan ?

- Não ... não estou perdido .

- Então por que está assim, cabisbaixo ? Um rapazinho bonito como você não devia ficar assim por muito tempo, ou melhor, não deveria ficar  assim .

- Eu tô bem, brigado .

- Jura ?

- .....

- Jura ?

- .... 

- Garoto, estou falando com você . Está passando bem ?

- Tô .

- Então por que não me respondeu antes, hein ? Garoto ? garoto ?

- QUIÉ ?!?!?!?!?

- Nossa ! Estamos furiosos, não ? Há alguma motivo especial pra toda essa raiva, ou você é assim mesmo ?

Ele se levanta, afastando-se rapidamente do local, praticamente correndo dali, deixando seu "interrogador" um tanto quanto curioso, a ponto do mesmo segui-lo , preocupado com o que ele faria .

Dois minutos depois, a pessoa para de se mover . Estava quase que no meio do parque, dali poderia enxergar o garoto em qualquer ponto . Mas ele simplesmente havia sumido ! Lá, cá, acolá ... simplesmente ...

- Ah – um breve suspiro, seguido de um alivio no peito – lá está ele .

Caminhando lentamente, aproxima-se do mesmo . Lá estava ele, parado em frente ao lago, sentado e ainda cabisbaixo .

- Tudo bem com você, mocinho ?

Uma resposta nem sequer é ouvida . Ele permanece ali, calado, jogando coisas no lago ... jogando ?

Após alguns instantes observando aquele rapazinho, havia prestado atenção em um detalhe no mínimo curioso : embora estivesse emburrado e agachado, ele estava ora pegando pedras, ora fazendo bolinhas de terra e atirando-as no lago, e as mesmas na maioria das vezes quase atingiam o outro lado da margem . Não que o lago fosse excepcionalmente grande, mas o fato do garotinho não estar fazendo o menor esforço para tanto era algo que espantaria qualquer um, apesar da sua pouca idade .

- Belo arremesso – tentava puxar conversa com o mesmo, percebendo que ele nem se dava ao trabalho de retornar o elogio .- muito prazer, meu nome é Kim . E você, como se chama ?

Ele vira o rosto para olhar a pessoa com mais atenção, voltando a sua posição inicial em seguida . Kim . Não tinha a menor idéia de quem ela seria, mas também não estava interessando . Sabia que era uma mulher, pois embora nem sequer tivesse se dado ao trabalho de olhar para ela quando estava no balanço, a voz a denunciava claramente . Só não entendia o por que dela estar lhe incomodando .

Ela se senta ao seu lado, observando-o . Ainda estava atirando bolinhas de terra no lago . E continuava . E continuava .

 - Eí, rapaz , o que houve com você ? Por que está triste .

- Eu não estou triste – limitava-se a responder secamente .

- Então por que não me responde quando eu te pergunto alguma coisa ?

- Okaasan sempre disse para eu não ficar falando com estranhos, e você é uma estranha . – tornava a responder . O que a deixou intrigada foi justamente isso . Ele estava ... estava sério demais ! Não demostrava raiva, alegria, não aumentava o seu tom de voz, como crianças da sua idade costumavam fazer quando estavam irritadas ... nada . A única coisa que denunciava sua tristeza era seu rosto, o qual carregava uma expressão séria demais para alguém tão jovem .

- Vejo que aprendeu a lição . E a sua okaasan, onde ela está ?

- Não é da sua conta .

- Eí ! Mais respeito, garoto ! Lembre-se de que eu sou mais ve ... aham, "experiente" do que você !

- A senhora não pode exigir respeito se não sabe respeitar as pessoas .- continuava com seu tom impessoal de voz .

- Está dizendo que eu o desrespeitei ? Quando foi que eu fiz isso ? Vamos, diga , que agora eu fiquei curiosa !

- Me deixa em paz, por favor – ela percebeu uma rápida mudança na entonação de voz dele, quase como um choro – nem sozinho eu posso ficar ?

- Hmmm ... mas você está bem chateado, hein ! Como é que um garotinho lindo como você pode estar tão triste ? Não pode ! Olha para esse lugar ! Os pássaros, as arvores, o lago ... não tem lugar melhor para se ficar alegre ! Ou será que você não recebeu sua dose diária de carinho ? – ela passa a mão no seu cabelo, bagunçando-o por completo, mas o mesmo sequer emite um único som, apenas dá um tapa na mão da mesma, afastando-a .

Ela retrai seu braço, observando-o . Que força que o garoto tinha ! Se não fosse uma criança, podia jurar que um adulto havia dado um soco na sua mão ! Só podia ser sua imaginação ...

- Acho que alguém não tem senso de humor . Mas afinal, o que foi que houve ? Por que está assim ?

- Me deixa sozinho, por favor ... eu ... eu ... não quero ... não quero ...

Mais um pouco . Apenas mais um pouco, e ela diria que o garoto iria chorar . Seja qual for o problema, deveria ser alguma coisa grave que o originou . Mas sua curiosidade falava mais rápido . Já havia visto aquela criança outras vezes no parque, sozinha e acompanhada, e a mesma nunca estivera assim . Nunca mesmo . Seja o que fosse, o deixou tremendamente abalado, embora nem sequer imaginava o que seria . Não devia ser um problema comum, como briga de escola, surra da mãe ou perda de parentes, não mesmo . Se o fosse, ele no mínimo estaria chorando, gritando ou chutando tudo o que encontrasse pelo caminho, mas com certeza não estaria assim, em frente ao lado, como se estivesse divagando sobre o sentido da vida . Não senhor, não estaria mesmo .

- Garotinho ...

-  NÃO ME CHAMA DE GAROTINHO POR QUE EU NÃO SOU UM GAROTINHO !

- Desculpe ... o que foi que houve pra você ficar assim ? Alguém te fez alguma coisa pra você ficar desse jeito, hein ? Tive uma idéia – ela bate  mão uma na outra – o que acha de irmos até o seu Jimmy comer uma pipoca doce, daí você me conta o que está te deixando nervoso ?

- Seu Jimmy ?

- Aquele moço ali – ela aponta para um carrinho de pipoca, aonde um senhor de cabelos grisalhos sorria . Nesta hora ele retornou o olhar e olhou diretamente pra Kim pela primeira vez : uma senhora . Seu rosto denunciava alguém na casa dos quarenta, e seus cabelos negros, com alguns fios brancos, deixavam isso bem claro .

- Não, obrigado – disse, virando o rosto e tornando a atirar pedras no lago . Aquilo não seria fácil, pensava .

Ela se afasta, seguindo em direção a barraquinha de pipoca, com um misto de sorriso e preocupação para o vendedor .

- Boa tarde, dona Kim .

- Bom tarde, seu Jimmy . Duas pipocas, por favor .

- É para o seu novo amigo ?

- Talvez .

- Outro revoltado com a vida, com os amigos e com alguém que lhe deu uma surra ?

- Eu espero sinceramente que seja isso, por que esse garoto não está muito bem .

- Hmmm ... ele não me é estranho ... já o vi por aqui antes .

- Eu também e, se não me falha a memória, ele vinha acompanhado de uma mulher alta, na maioria das vezes .

- Acho que já o vi acompanhado de uma loira junto de outro garoto ...

Ela se aproxima novamente, sentando ao seu lado . Ele, no entanto, continuava ali, sentado com a cabeça entre os ombros .

- Eí, quer um pouco de pipoca ?

Nenhuma resposta .

- Anda, garoto . Aceita logo . Não se preocupe, não vou te seqüestrar .

Sem resposta .

- Hunf ! Você não é nada cooperativo, hein ! Sua mãe não lhe deu educação ? Ela não te ensinou que é falta de educação o que você está fazendo ? Não te explicou que quando alguém se importa com o que você está sentindo, o mínimo que deveria fazer é dizer alguma coisa ?

Responder ? Responder ? O que ela queria ? Que ele se virasse para ela e a abraçasse ? Era isso que queria ? E depois, o que viria ? Ele contaria todos os seus problemas para ela, e tudo voltaria ao normal ? Se fosse assim, ele contaria . Desabafaria todos os seus problemas .

Mas .... mas .... não era isso que iria acontecer . Ele sabia que não .

Por que ela fez aquilo, por que ? Por que ? Fez tudo direitinho, exatamente como ela o havia ensinado . Salvou sua amiga, derrotou alguns vilões, enfrentou um inimigo poderoso – é verdade que perdeu  a luta, mas não deixa de ter seu mérito – e o que ela lhe fez ? Um abraço dizendo que ele foi corajoso ? Um beijo, um sorriso ? Nunca pensou nessas coisas, mas não seria má idéia recebe-las . Mas não foi o que ela fez . Não mesmo . Ela ... ela lhe bateu . E forte . Mas doeu mais na alma do que no corpo .

Por ela . Única e exclusivamente por ela, e somente por ela que ele fez tudo aquilo . Era verdade que ele queria que sua amiga não morresse, mas ele fez tudo aquilo por ela, para mostrar-lhe o que ele podia fazer, para deixá-la orgulhosa do mesmo .

Ela nem ligou . Repreendeu-o duramente e o castigou por ter agido por conta própria . E se ainda não fosse suficiente, ela o humilhou na frente de todas : tia Rei, Tia Amy, Shin e Minako-sensei ... foi sorte Megumi estar dormindo e não ter visto aquilo . Na frente de todas ! Podia aceitar a idéia de ser considerado um imprestável, mas não diante de todas elas ! De todas ! Do que foi mesmo que ela o chamou ? "Merda Fresca". MERDA FRESCA !!!!!!

Por que ... por que ela fez isso ? Por que o tratou assim, por que ? Não merecia tal coisa . Não merecia ser tratado assim . Sempre fora responsável com suas obrigações, sempre acordou cedo e nunca chegou atrasado na escola, e ainda acompanhava Megumi até em casa no caminho de volta . Não era um gênio, mas sempre se esforçou para tirar boas notas no colégio, e quando não as tirava, estudava em dobro para compensar isso . Se brigava na escola, assumia na hora a responsabilidade do que fez . Se numa brincadeira de rua acabava por machucar alguém, ajudava a vitima . Se quebrava uma vidraça alheia, se desculpava com o dono e procurava uma maneira de repor o estrago causado . Sempre foi um bom filho – pelo menos, na sua opinião – e sempre se preocupou em não lhe causar problemas : arrumava a casa, ajudava-a nas compras, preparava a comida, era educado com as visitas e se esforçava tanto quanto seus outros alunos, até mais .

Ela toca no seu ombro quando escuta algo . Não podia ser o que ela estava ...

- Garoto, tudo bem com voc ...

Ela não chega a tomar um susto, mas fica um pouco surpresa . Ela encara o seu rosto, deprimido e abatido ... e encharcado de lágrimas, as quais não paravam de cair  . De alguma forma, ele estava se corroendo rapidamente, sofrendo com alguma coisa .

- Por que ?

- O que foi ?

- Por que ? – ele chorava ainda mais .

- Por que o que, garoto  ?

- Por que ela fez isso comigo ? – ela mal tem tempo de reagir quando ele pula encima dela, chorando mais ainda . Muito mesmo . Estava desabando todas as suas lágrimas, toda sua tristeza e desesperança naquele choro .

A mesma fica um tanto quanto ... surpresa, embora entendesse o que se passava . Dor . Muita dor . Não podia ser uma simples discussão na escola culminando com uma briga, tampouco uma surra que levou da mãe  . Podia até ser um dos dois, ou ambos, mas o grande problema, esse já tinha ficado bem claro .

Desilusão .

Com certeza possuía tristeza, mágoa, um pouco de ira , rancor, fúria ....

Mas aqueles olhos, aquele choro ...

Criança alguma choraria assim, se não tivesse um bom motivo . Geralmente seu choro era passageiro, sem grandes mágoas, de modo que após algumas horas a maioria das crianças era capaz de perdoar com tremenda facilidade o causador do seu mal .

Mas aquilo ....

Ele estaria chorando um pouco, chutando tudo o que encontrava pelo caminho ... mas não daquela forma . Não senhor, uma criança tão nova não agiria assim . Talvez um adolescente furioso, mas alguém tão novo não agiria assim .

Correto ?

- Garoto  ? – ela nada podia fazer, a não ser abraça-lo enquanto o mesmo molhava sua roupa com suas lágrimas – o que foi que houve ? Quer me contar ?

- Por que, por que ? Por que ela me bateu ? Por que ? Eu ... eu fiz tudo o que ela faz, tudo o que ela me ensinou, tudo ! Por que ela ficou chateada comigo ? Por que ?

- Quem – ela fica um pouco receosa de perguntar, mas mesmo assim pergunta – quem te bateu ?

- O-o-okaasan ... ela ... ela disse que eu ... que eu ... que eu só atrapalho, que ... que ela tem muito trabalho pra cuidar de mim e ... e ...disse que eu ... sou ... uma vergonha pra ela !

Triste . Desiludido .

Tremendamente abalado .

De alguma maneira, de alguma forma, por algum motivo, aquele garoto acabara de ter a primeira grande desilusão da sua vida . Sua mãe, provavelmente a pessoa que ele mais admirava, cometeu algum erro, ou então fez algo que a mente do mesmo não era capaz de conceber .

O herói invencível, o grande gigante, tal herói havia caído do seu pedestal, e seu mais fiel seguidor estava embaixo quando isso aconteceu .

Estava confusa, sem reação . Não sabia o que dizer .

Na verdade, sabia sim . Sabia o que dizer e o que fazer . Aquele garoto não era o primeiro a receber tal tratamento, e não seria o último . Não era a primeira vez que uma criança sofria maus tratos ou recebia uma tremenda bronca do seu responsável .

- Calma . Ela só estava um pouco nervosa, só isso . Não queria dizer algo tão duro pra você, tenho certeza .

- Ela ... ela me chamou de ... de tonto ... me chamou de moleque ... e de ... de ...

- Ela não queria fazer isso contigo . Não queria mesmo . Só estava pensando no seu bem .

- ... de merda fresca . – ele a agarra mais ainda, sufocando-a um pouco .

Merda ... fresca ? Mas que tipo de mãe diz isso para o próprio filho ? Em verdade algumas crianças precisam ouvir algumas verdades para se comportarem melhor, mas daí xingar o pobrezinho daquela maneira . Podia supor um milhão de malcriações que ele poderia ter feito, mas nada que justificasse tal tratamento .

E ele chorava, chorava, chorava e chorava, desabando sua tristeza encima dela .Não sabia quem era ele, e ele também não a conhecia, mas no momento parecia não se importar isso, apenas queria ter alguém para apertar, para abraçar, para ficar na sua frente e cobrir com  suas lágrimas, só isso . Apenas isso . Alguém que o ouvisse e se compadecesse dele, que não lhe batesse por ter feito algo que julgava certo, que não o repreendesse injustamente .

Apenas isso .

Ele fica ali, apertando-a por longos minutos . Quanto tempo permaneceu ali ? Dez ? Vinte ? Trinta minutos ? O tempo parecia perder sua importância, apenas o momento atual era contado, e nada mais .

Ele se afasta, enxugando as lágrimas . Seu rosto estava todo vermelho, e seus olhos também . Lembrava-se dele muito bem . Era um garotinho que vivia correndo pelo parque com sua mãe, e as vezes vinha com alguns amigos .

- Você está bem ?

- Eu ... tô . – dizia, ainda segurando um pouco o choro .

- Bom, muito bom . As vezes chorar faz bem, refresca o corpo e limpa a alma . – ela toca em seus olhos, retirando uma lágrimas furtiva – bem, você tem um nome, ou eu posso te chamar apenas de chorão ?

- Meu nome não é chorão – ele balança o braço, detendo por completo o choro – eu me chamo Akira !

- Então, muito prazer, Akira . Meu nome é Kim . Masaki Kim . Eu posso te ajudar ?

- Não, eu ... eu tô bem . O-obrigado .

- Tudo bem ! Mas se por acaso você tiver vontade de conversar com alguém sobre qualquer coisa, você pode me encontrar na estufa do parque, ok ?

- Tá .

Como imaginou . Ele não queria se abrir com ninguém . Esse seria difícil de se entregar .

Ela se afasta, enquanto que ele permanece ali sentado, atirando pedras no lago . Não podia continuar assim , tinha que fazer alguma coisa . Sua okaasan ... ela não tinha esse direito . Não tinha . Foi muito injusta fazendo tal coisa .

Pensando bem ... o que ele sabia ? Até onde se lembrava, a mesma nunca fora injusta com ele, nunca . Sempre lhe deu uma certa liberdade e se preocupou em explicar para o mesmo o por que de certas proibições .

Como agora .

Não, era diferente . Ele se arriscou para salvar sua amiga e para deter aquela youma, ele ...

Será mesmo que estava certa ? Sua mãe sempre jogou limpo com ele, sempre .

Dúvidas, dúvidas .... ele simplesmente não sabia o que fazer  . Não sabia mesmo . Tinha que sair dali e tomar uma decisão, do contrário aquilo o devoraria por completo .

Ele se ergue, pronto para voltar para casa, quando algo no chão lhe chama a atenção : um saquinho de pipocas ...

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

(Sumire) – Um verdadeiro fracasso .

(Seo) – Um fracassado que cumpriu sua missão .

(Sumire)  - Tolo ... e seus filhos ? E nossos filhos ?

(Seo) – Com o mundo que será criado, eu não farei a menor falta . E no mais, eles tem a você, e a Maki também, apesar da personalidade do mesmo .

(Sumire) – É isso o que você quer, não é ? Se matar, jogar tudo para o alto, se martirizar . Pois bem, que assim seja – ela abre sua bolsa e retira da mesma uma pequena pistola, encostando-a no queixo de Seo . Ele a olha surpreso, não imaginando que a mesma poderia fazer algo do tipo, nem que tomaria tal atitude .

Ele apenas fica parado , sem responder .

- Vá em frente . Acabe com isso de uma vez .

- E por que eu deveria ? Você é o nosso único conhecedor do oculto, sem você tudo vai por água abaixo, e os planos de Meijin não poderão ser realizados .

- Há outro conhecedor do oculto, você sabe muito bem disso, e embora ele não seja muito habilidoso, poderia tomar meu lugar .

- Ele não tem experiência nem conhecimento para realizar o ritual, Seo . Sabe muito bem disso por que tal ritual é passado como aprendizado final de aluno para mestre, e você nunca quis que ele fosse seu sucessor, não é mesmo ?

- Ele poderia ser, se fosse mais esforçado .

- Quer parar com essa conversa fiada ? – ela empurra mais o cano da arma no rosto dele – Você acha que é o único que está sofrendo pelas mortes de Shoten, Miki, Kléb, Aruma e os outros ? Acha ? Acha que é o único que tem vontade de se matar por causa disso ? Não seja egoísta, Seo . Eu encontrei cada um deles junto de você . Cada um deles . Nós os criamos, os educamos, lhe demos novas perspectivas de vidas, ensinamos a cada um a controlar e conviver com seus dons ... não são apenas seus filhos, Seo . São meus também . São nossos filhos, todos eles, cada um deles . Sofri como você a cada dificuldade, e me alegrei a cada nova surpresa . Preocupei-me, assim como você, em preparar para o futuro não apenas soldados, mas cidadãos melhores . E agora vários deles morreram de uma hora pra outra, boa parte dos primeiros que encontramos ... mas há outros, Seo . Alguns mais novos, outros mais velhos, mas eles foram encontrados assim como os primeiros . E os mesmos precisam de mim, Seo. Precisam de você . Eles ... eles não tinham uma família, um lar . A maioria vivia nas ruas, outros em orfanatos, alguns em lares que não os compreendiam e os tratavam como aberrações ... mas nós acreditamos neles, Seo . Nós dedicamos nossas vidas aos mesmos, e quando a tão esperada hora chegou, eles não pensaram duas vezes antes de irem retribuir o que nós fizemos . Não vacilaram em agradecer pela vida que lhe demos . Morreram ? Sim . Estou triste ? Como uma mãe que perdeu o único filho . Mas eles não foram obrigados a nada, Seo . Em verdade o contato com aquela mulher os deixou mais frios e agressivos, mas eles podiam escolher para onde iriam guiar seus atos, e o fizeram por nós . E você os trai com tal atitude . Eles não se importam de morrerem por sua causa, pois acham que você é o único que tem o direito de tirar algo que eles receberam pelas suas próprias mãos, mas sua atitude traí a memória de cada um, até mesmo a de Naru .

- Ela ... ela está ...

- Viva, eu sei, mas o que acha que ela tinha na cabeça quando foi dar cobertura para aquela mulher ? O que acha que Maki tinha na cabeça ao salvá-la ? Ambos estavam preparados para perderem suas vidas por você,  e somente por você . E agora você me prova que eles estavam errados em seu julgamento .

- Está enganada, eles fizeram isso por Meijin .

- Errado, Seo . Não fizeram por Meijin, fizeram por você . Única e exclusivamente por você . Você tem sua crença, sua devoção, e eles acreditam no que você acredita . Se fosse sua obrigação construir um carro, eles seriam os voluntários para ajudá-lo . Se precisasse invadir um pais, seriam seus soldados . Se fosse cozinheiro, seriam seus ajudantes . Eles entendem o que Meijin deseja, mas fazem isso mais por você do que por ela .

- Não deixa de ser um erro . E se eu me for, para onde irá a lealdade e obrigações de todos ? Para o primeiro que erguer uma bandeira, é isso ?

- Ainda não percebeu, Seo ? Muitos deles não eram dos nossos, mas se tornaram a nossa família . E por que ? Por que você deu a eles novas esperanças . Deu a eles expectativas de vidas . Você compartilhou com eles o seu sonho . E agora cada um está disposto a dar sua vida por ele, sejam os mais velhos, quanto os mais novos . Vivo ou morto, o seu sonho continua, mas não duvide do fato deles preferirem que você viva , Seo . Sei que está tremendamente amargurado pela morte deles, mas nós precisamos de você, Seo – ela retira a arma do seu rosto – mais do que nunca, precisamos de você . Assuma teu posto como sumo-sacerdote de Meijin ... e guie-nos através do seu sonho .

- Não ... não é apenas isso que me incomoda . Não é apenas por causa disso que eu estou preocupado . Mas eu sei muito bem qual é o problema, e a solução deste . Não se preocupe, realizarei o ritual, se é o que quer saber e ...

- Otousan ! Otousan !

Um garotinho de cabelos verdes se aproxima, pulando no colo de Seo, para a sua surpresa .

(Seo) – Chipre ! O que faz aqui ?

(Sumire) – Eu o trouxe, Seo . Deixei ele no carro enquanto conversamos, mas parece que nada o segura, não é mesmo ? E antes que diga algo, não planejei o que está imaginando, eu estava passando por perto quando Maki me ligou .

(Seo) – Mas não deixa de ser jogo sujo, Sumire . Por acaso imaginou que eu iria desistir do nosso ideal ?

(Sumire) – Você ? Justamente você ? Não, Seo, não você ... mas suas atitudes afetam os demais . Todos os demais que nos cercam . Todos os filhos de Seo .

- Filhos ... de ... Seo ? Que nome é esse ?

- Não foi minha a idéia . Embora nunca o tenham feito, acharam que se por acaso tivessem que se apresentar para alguém, utilizariam esse nome .

- E por que não filhos de Sumire ?

- A idéia partiu de Shimizu, e os outros gostaram . Mas não é essa a questão, Seo . Eles ainda não perceberam alguns detalhes, mas eu sim . Estou muito preocupada com você . Demais . Sei o que o aflige, e quero te ajudar com isso .

- Ninguém pode me ajudar, Sumire . Ninguém . Tudo o que eu fiz, direta ou indiretamente, foi por Meijin, e por ninguém mais . Ninguém, entendeu ?

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

- Hã ... com licença, moço .

- Hmm ? – ele retorna o olhar para o garotinho de cabelos castanhos e espetados que estava na sua frente . O mesmo parecia encarar de forma inquisitora aquele senhor de cabelos grisalhos "dirigindo" seu carrinho de pipoca .

- Sim  ? Em que posso ajudá-lo, meu rapaz ?

- Hã .... bem ... uma senhora deixou isso comigo, ela é assim – ele abre os braços – assim – ele ergue um dos braços numa altura maior do que a cabeça – e assim – ele estica a boca com ambas as mãos, tentando passar para o vendedor como seria a mulher que conversou com ele há pouco .

Com muito esforço ele segura uma risada, a qual demoraria longos e prazerosos minutos para terminar, o que acarretaria no distanciamento da criança .

- Vejamos .... não seria a mulher elástica ?

- Não, era uma mulher vel ... digo, idosa ! Ela estava ali no lago comigo e deixou essa pipoca, então eu queria agradece-la por isso . O senhor a viu por aqui ?

- Bem, de acordo com a sua "detalhada" descrição, tudo me leva a crer que a pessoa que você procura acaba de entrar naquele lugar – ele aponta para o lado, e Akira segue o dedo do homem, o qual apontava para uma estranha casa no meio do parque . Já havia visto aquela casa antes, mas nunca se importou muito com aquele local .

Gozado, só agora se lembrou de que estava justamente na parte em que ele costumava passear com Shin, Megumi e Minako-sensei . Os balanços, as árvores que eles usavam como referencia para apostar corrida, o lago em que ela atirava pedras com ele ...

-Ei, garoto ! – ele puxa Akira de seu mundo de sonhos, o qual desperta bastante assustado, quase dando um salto para trás – ela não vai ficar lá o tempo todo, anda !

- Brigado ! – ele se afasta correndo, segurando o saco de pipocas como se fosse uma jóia rara, mas subitamente para, olhando para trás – como o senhor se chama ?

- As pessoas me chamam de Jimmy .

- Jimmy ? Jimmy de que ?

- Só Jimmy, garotinho . E você, como se chama ?

- Eu ... meu nome é Akira . Kino Akira . Muito prazer – ele dobra o corpo para frente, cumprimentando o senhor e continuando sua corrida . Menos de um minuto depois, estava em frente a "casa" . Eis que ele se aproxima, observando algo que já tinha prestado atenção em outras ocasiões : era de vidro aquela casa . Totalmente de vidro . Ele se aproxima ainda mais, tocando no vidro e observando o anterior . Depois de alguns minutos, ele localiza uma pessoa dentro da casa, e pela silhueta, só podia ser aquela mulher .

Correndo o máximo que pode, ele dá a volta e atravessa a porta da  casa, adentrando no lugar sem nem prestar atenção ao que o cercava . Ele vai correndo, procurando a senhora, procurando, até que é obrigado a parar . Um cheiro enorme e extremamente doce vinha até suas narinas, confortando-o e transmitindo-lhe uma sensação tremendamente agradável .

Akira para o que estava fazendo, arregalando os olhos o máximo que podia e prestando atenção novamente no local . Ele ... ele havia entrando tão depressa que sequer havia prestado atenção aonde estava . Havia se preocupado tanto em achar a bendita senhora que sequer percebeu aonde havia entrado . A casa de vidro, o odor delicioso ...

Ele havia entrado em uma estufa, e só agora se dera conta disso .

- Uau ...

Ele fica maravilhado com aquilo . Era algo tão ... tão ... belo . Não sabia explicar, não tinha palavras para descrever aquele ambiente . De uma hora pra outra havia se esquecido de todas as suas frustrações, e estava apenas admirando aquela estufa e as belezas que o cercavam . Lírios, margaridas, rosas ... era um local absolutamente lindo em todos os aspectos . Faltavam-lhe palavras para descrever o que sentia, ainda mais que sua mente ainda em desenvolvimento não tinha uma gama de palavras grande o suficiente para expressar o que aquele local merecia ouvir .

Estava hipnotizado, enebriado pelo aroma e beleza daquele local, preso em uma armadilha da qual não conseguia escapar .

- Com licença . Deseja alguma coisa ?

Ele é praticamente puxado de seu mundo de sonhos , pulando para trás devido ao susto .

- Hã ... eu ... eu ... eu ... eu ... eu ...

- Sim ? Deseja alguma coisa, Akira ?

Ela sabia seu nome ? Mas é claro, que desatento ele era ! Estava diante da mulher que estava procurando, e ficava assustado a ponto de não prestar atenção em mais nada !

- Eu ... eu queria agradecer pela pipoca ! – ele junta toda a coragem que tinha disponível, praticamente gritando no ouvido dela – muito obrigado !

- De nada – ela aperta sua mão, apenas se afastando, deixando-o sozinho ali – tudo bem com você ? Sente-se melhor ?

- Acho que sim .

- Como ?

- Eu ... eu tô legal .

- Bem ... já que está aqui, pode me dar uma ajuda ? Poderia pegar esse cesto que esta ai do seu lado, por favor ?

Ele se vira, pegando um cesto que estava em uma mesinha, carregando-o sem a menor dificuldade . Quando já se aproximava da mesma, percebe o que havia dentro do cesto : sementes .

- Agradeço pela sua ajuda, Akira .

- De nada ... hã ....

- Kim .

- De nada, Kim-san . E ... e obrigado pela pipoca, mais uma vez . UAU ! É a senhora quem cuida desse lugar ?

- Sou eu, sim . Nunca prestou atenção ?

- Bem ... não . Não costumo passear muito por aqui, sabe .

- Pois deveria . Do jeito que parecia querer descarregar sua raiva no lago, um passeio por aqui te faria um bem danado !

- Como assim ?

- Olhe ao seu redor, Akira . Não veja apenas, mas sinta o aroma , veja a beleza de cada flor que aqui habita .

- Estou vendo .

- Não dessa forma ! -  ela leva as mãos até a cintura e o encara com uma expressão séria – não veja apenas com os olhos, veja com todo o seu corpo, com todos os sentidos, sinta esse lugar, o aroma que exala dele, a harmonia que transmite e ... mas que diabos eu estou falando ? Você tem apenas dez anos, que burra que eu sou ! Desculpe, é que as vezes eu me empolgo  e ... você está prestando atenção no que eu estou dizendo ?

- Estou .

- Está, é ? – ela cruza os braços, olhando-o curiosamente com um dos olhos fechados – o que houve, rapazinho ? Você me parecia mais alegre nos outros dias !

- Hã ... nada, não . Não é nada . Eu ... eu estou bem . Juro .

- Akira ... por acaso se esqueceu de que há pouco você estava chorando no meu ombro ? Já se passaram alguns minutos, mas até mesmo alguém com sua idade consegue se lembrar disso . O que foi ?

- Eu ... eu ... – ele estava com os braços juntos e para trás, dando lentos passos em direção a saída, de costas – eu não queria ... não queria fazer aquilo, eu ... eu só estava um pouquinho triste, isso .

- Então por que esse  nervosismo, garoto ? Eu ouvi cada palavra que você disse , e tenho certeza de cada coisa que você falou e chorou . Que tal me contar o que houve ?

- É que ... é que ... – ele fica parado, tentando pensar em algo, mas não consegue .

- Akira ... você quer conversar com alguém sobre isso, não é mesmo ?

- Não, eu não quero !

- Então por que veio até aqui ? Para agradecer pela pipoca ? Acho que podia fazer isso outra hora .

- Mas eu queria só agradecer, juro !

- E ficou aqui para me ajudar, sabendo que eu iria perguntar sobre o que houve .

- Mas eu ...

- Olha ... você não precisa me contar nada, nem ao menos precisa conversar comigo, mas é melhor colocar  toda essa tristeza para fora de uma vez do que ficar se remoendo aos poucos . O que foi ? Sua mãe te bateu sem motivo ?

- N-não ... ela ... ela ... ela tinha razão . Completa de razão .

- Então o problema é com você mesmo . Ou por acaso está achando que o castigo dela foi grande demais ?

- Não .... não foi . Eu fiz uma ... uma bagunça muito grande e ... e eu a desobedeci e ai ... ai ... ai ela ficou brava comigo e me bateu .

- Braba, Akira . Braba . Eu não conheço sua mãe, tampouco te conheço direito, mas se quer uma opinião sobre o assunto, se sua mãe te bateu por um motivo justo e você reconhece que ela estava certa e você errado, então o melhor a fazer é ir até ela e pedir desculpas . Eu faria isso .

- Eu sei, mas ... mas ...

- Mas o que ?

- Mas é que ... é que ...

- O que, Akira ? Falta alguma coisa ? Você mesmo estava aos prantos se culpando dizendo que fez tudo errado, que era a raiz do problema . Se admite, por que não vai falar com ela ? E se por acaso fugiu, não vai adiantar ficar aqui, o melhor é evitar que ela se desespere por sua causa .

- Okaasan ? Preocupada ? Por mim ?

- Akira – ela se aproxima e se abaixa, ficando na mesma altura que ele – sei que você é pequeno, mas tem coisas que todo mundo precisa aprender um dia . Não conheço sua mãe, mas tem uma coisa que eu posso dizer sobre você : ela te ama . Pelo menos, o suficiente para fazer o que fez .

- Mas eu ... eu ... eu não concordo que ela esteja totalmente certa !

- E por acaso alguém disse que ela estava ? Vou te ensinar uma coisa : ninguém é perfeito, ninguém, ouviu ? NINGUÉM ! Nem eu, nem você, nem sua mãe, nem seus amigos ... pode esquecer qualquer sonho relacionado a isso . Todos erram, e errar faz parte do aprendizado, do crescimento e do amadurecimento de cada um . Você mesmo vai errar bastante em sua jornada, digo isso por experiência própria . Talvez sua mãe tenha errado em te bater, isso é possível, mas tem uma coisa que você não percebeu ainda : ela te ama o suficiente para querer te corrigir e evitar problemas futuros . Talvez ela não tenha percebido que podia corrigi-lo de outras formas, mas na medida do possível e de sua experiência, ela tentou corrigi-lo . E ela não faria tal coisa se não se importasse com você . Você disse que ela te xingou de coisas desagradáveis . Diga-me, em outras situações ela o chamaria assim ? Duvido que sim . Duvido mesmo .

- Mas ... ela ...

- Dê uma folga para ela, Akira . Por que você não tenta falar com ela agora ? Tenho certeza de que agora ela está mais calma do que deveria estar quando te bateu . E você pode aproveitar para contar a ela o que pensa, se acha que ela foi injusta ou não .

- Ela ainda está furiosa . Deve estar .

- Deve, é ? Tem medo de encará-la, mas não teve medo de fazer o que quer que tenha feito ?

- Claro que não ! Não sou medroso ! Mas ela não vai querer me ouvir e ...

- E por que não te ouviria ?

- Por que eu fiz besteira ... eu a desobedeci e ...

- Se você for até ela e disser o mesmo que está me dizendo, ela te ouviria ?

- Eu ... eu ...

- O que foi, Akira ? Tem tanto medo assim da sua mãe ?

- Não, é que ... é que ela ... ela se dedica tanto , ela se esforça tanto para cuidar de mim, e eu ainda faço uma idiotice dessas . Okaasan passa por tantos problemas, mas sempre tem um tempo para brincar comigo, e eu ... eu ...

- Então vá falar com ela, Akira . Vá ! Ficar aqui se lamentando não vai adiantar de nada .

- Eu vou ! – ele se vira e sai correndo dali, passando que nem um furacão pela porta .

- Akira ! Espere um pouco !

- Hmm ? O que foi ? A senhora quer me dizer mais alguma coisa ?

- Dizer, não .... na verdade, eu quero te dar uma coisa ....

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

- Eu sei, Seo . Eu sei . Você ... você está ... receoso ?

- Tenho meus motivos, Sumire . Você os entende, mas não sabe o que eu sinto no meu intimo .

- Seo ... lembra-se de Yosho, não é ?

- A cada dia da minha vida .

- Ele ... ele não ficou desesperado ao descobrir sobre a origem de seus poderes, como alguns disseram .

- Sei disso .

- Tudo o que ele fez, o que se tornou, tudo isso foi fruto de suas próprias decisões . Tornar-se um alcoólatra foi decisão do mesmo . Ninguém o obrigou a ingerir sua primeira quantidade de álcool . Ninguém o obrigou a morar nas ruas . Devo lembra-lo de que tanto eu quanto você por diversas vezes tentamos tirá-lo dessa vida, mas o mesmo sempre retornava . Era um vicio que ele tinha, não queria largar a bebida de maneira alguma . Aquilo me doeu . Doeu demais, muito mais do que tudo . Ele ... ele era nosso filho, Seo . O primeiro e único gerado em meu ventre . Eu o criei, eduquei, ensinei-lhe a andar, a falar, a respeitar as pessoas ... tudo,  Seo . E você também . Mesmo quando nos separamos, você sempre foi um pai presente para o mesmo , e sabe o quanto eu senti ao vê-lo destruir sua própria vida daquele jeito . Não, ele não morreu pouco antes de termos encontrado os restos dele naquele beco ... ele morreu muito antes, muito antes mesmo . Eu sinto medo, Seo . Medo de não estar fazendo o melhor pelas nossas crianças . Medo de que nossos atos os condenem, assim como condenaram os que morreram e que sabemos que não poderão descansar em paz .

- Death ...

- Também sinto nojo pelo que ela faz, mas foi algo necessário . Foi necessário, Seo . E se não fosse pela mesma, não estaríamos prestes a cumprir nossos objetivos . E ainda por cima eu ... Chipre, poderia voltar para o carro, por favor ?

- Hi, Okaasan ! – o menininho de cabelos verdes desce do colo de Seo, correndo para perto do carro .

- Como eu dizia, Seo .... isso não nos leva a nada . Não mesmo .

- E o que nos levaria ? Admitir abertamente meus medos , o que , a propósito, eu já estou fazendo ?

- Não . Não seus medos, mas seus reais objetivos .

- Meus objetivos são os mesmos que os seus .

- Acha mesmo que são ?

- Eles o são .

- Não é o que parece . Não é o que seus atos revelam . Por enquanto, só eu e Maki sabemos sobre suas dúvidas, mas os outros estão atentos a isso . Ao olharem para você e sentirem sua dúvida, seu fraquejar, questionam nossos objetivos . Temem fazer alguma coisa que deixa até mesmo a pessoa que mais admiram assustada .

- Eu sei, Sumire . Eu sei .

Pois é, Seo . Espero que saiba mesmo . Espero sinceramente que saiba . Eu sei quais são os meus, mas não me culpo por pensar assim . Mas ... e você ? Pretende mesmo ficar se culpando eternamente pelos que partiram ... ou vai tomar uma providência ?

*             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *             *

A vida às vezes revelava surpresas para cada um, independente do quanto a pessoa em questão já estivesse acostumada com as surpresas da mesma .

Seus dedos percorrem furiosamente cada tecla, digitando com uma ira e velocidade antes inexistentes . Tinha que chegar a uma conclusão, a um resultado, a qualquer coisa . Já estava bastante irritada com a dor-de-cabeça dos últimos dias, e ainda tinha que suportar a "lentidão" da sua máquina .

Seus dedos batiam ferozmente na mesa enquanto aguardava pela resposta . O equipamento em si não era exatamente um "XT-Sauro", apenas não estava sendo compatível com a urgência que a mesma tinha .

Passou os últimos dias e noites em claro a procura de resultados, sem conseguir muita coisa . Os testes haviam sido feitos dezenas de vezes, sem que apresentassem o resultado esperado . E seu equipamento enviava-lhe mais um sinal, retornando como resultado o mesmo que ela havia recebido nos últimos dias .

Nada .

Nada de especial , nenhuma mudança, nenhuma anomalia na estrutura genética ... simplesmente nada . As amostras que havia conseguido em nada eram diferente das outras que tinha comparado . Mas aquilo em si era algo impossível de acontecer . Talvez fosse em uma ocasião normal, mas considerando o que a mesma observou, algum resultado diferente deveria ter sido conseguido .

Ela joga totalmente seu corpo para trás, apoiando-se na cadeira, enquanto que a cafeteira apitava . Embora ainda fosse cedo, trabalhar por horas e horas na maioria das vezes era algo cansativo, ainda mais quando não se conseguia nenhum resultado .

Ela pega a cafeteira e derrama o liquido negro em uma caneta branca, e em instantes a leva até seus lábios  . Levemente se lembrava de que o café não estava adoçado, mas depois de tantas doses, isso parecia não importar mais .

Um suspiro . Sentia-se derrotada . Esgotada e derrotada . Parecia estar no fim da linha, no limiar de suas forças . Não era possível que não tivesse conseguido nada , ainda mais depois de todo o seu esforço .

Horas, dias ... o tempo parecia ter perdido seu real significado, sentia como se o mesmo tivesse se tornado um mero estado de espirito .

Estado esse que a estava derrotando lentamente .

Simplesmente não entendia qual fora o seu erro . Sequer o imaginava . Analisou todas as pistas, verificou cada opção e estudou detalhadamente as possibilidades ... e nada . Não entendia o que estava acontecendo de errado . Fez tudo o que podia, usou todo o seu conhecimento, e sequer conseguiu algo que lhe satisfazesse .

Isso apenas contribuía mais e mais para a sua irritação, e ficar irritada em um momento como aquele não era uma boa alternativa .

A jovem marciana escapou da morte por um triz, e o aprendiz de Senshi, também . Na verdade , haviam acreditado que a mesma estivesse morta, e mesmo não estando, foi o suficiente para causar estragos enormes nelas . Rei ficou desaparecida por dias, fazendo sabe-se lá o que, muito provavelmente devia ter entrado em um estado de depressão profunda . Makoto foi outra que sumiu sem dar satisfações, e de uma hora pra outra surge na casa de Minako em estado critico . Por sinal, a mesma continuava estranha . Tinha certeza de Makoto sabia o que estava acontecendo, e a mesma apenas comprovou isso ao se omitir .

E as crianças, então ? Como ficariam nessa situação toda ? Pelo que ouviu, Makoto lutou em frente a escola – sua antiga escola , lembrava-se – chamando a atenção de todos . Megumi, Akira ... eles já estavam envolvidos nisso, e tinha suas dúvidas se conseguiriam afastá-los . Shin, pelo visto, acabou não entendendo o que se passava, ainda mais com a sugestão mental de Rei . Bom, menos um para se preocuparem .

E ainda tinha seus próprios problemas pessoais . Tinha um vida para cuidar, filhos para criar e um marido para amar . E coisas para revelar para o mesmo, também . Se ele não ficasse surpreso com a revelação de quem ela realmente era, não iria ficar muito surpreso ao descobrir o que seus filhos já são capazes de fazer .

Nem ela ficou muito quando descobriu do que aquelas crianças eram capazes, na verdade, ficou um pouco assustada . E receosa, também . Não queria que os mesmos passassem pelo mesmo que ela passou, que sofressem os mesmos problemas que ela teve que encarar na sua juventude . Ambos tinham um potencial enorme, e com certeza podiam fazer muito mais do que já faziam ... mas ela tinha medo . Muito medo, mesmo . Não queria que eles se tornassem solitários como ela se tornou durante um triste período de tempo, até conhecer Usagi . Por mais que soubesse se controlar, por mais que tivesse sido capaz de se dedicar totalmente aos seus objetivos, ignorando por completo as opiniões alheias a respeito da CDF da turma, da esquisitona, da nerd e antisocial, e por mais que soubesse que suas jóias fossem capazes de passar por tudo o que ela passou e serem pessoas normais, mesmo assim não era essa a vida que queria para eles . Não mesmo . Queria que fossem crianças normais, cheias de vida, de amigos, de sonhos e esperanças . Com sua capacidade, ambos poderiam ser atualmente verdadeiros gênios, ou melhor, já o eram, de forma que seriam tratados com prodígios . Inevitavelmente isso acarretaria, mais cedo ou mais tarde, em um isolamento por parte de ambos e, embora soubesse que um sempre teria o outro na pior das situações, não era isso que desejava para ambos . Queria que eles, acima de tudo, não fossem crianças isoladas, que fossem pura e simplesmente crianças normais, sem preocupações maiores do que saber aonde estava seu brinquedo favorito, quem conseguia dar um abraço no Otousan primeiro, qual deles conseguia jantar mais rápido ...

Ela detém seus pensamentos . Embora não se arrependesse de ter parado por alguns instantes durante os últimos dias para refletir a respeito de sua família, sabia que não era o momento mais apropriado para isso . De alguma forma, sentia que não tinha muito tempo . Talvez por experiência, talvez por instinto, mas tinha que correr para conseguir seus resultados, os quais teimavam em não aparecer .

E mais uma vez seu computador terminava uma bateria de testes com as amostras coletadas, sem sequer apresentar nada de diferente .

Não entendia . Analisou todos os fatores . Os genes, cromossomos ... tudo ! E até então, nada de especial foi revelado .

O que mais a deixou surpresa foram as amostras que recolheu de Makoto e Akira . Aparentemente nenhuma mudança em comparação a uma pessoa comum, ao contrário do que esperava . A não ser, claro, uma leve mudança na formação genética de Akira, mas a diferença era tão insignificante que não representava uma real mudança . Pelo menos, não algo que ela precisasse se preocupar a principio . Mas era um fato de que houveram mudanças com o mesmo desde a última vez em que retirou uma amostra deste .

Mas ... e quanto aos outros ? por que não conseguiu nenhum resultado diferente ? Maki, aquele mendigo, o rapaz que Rei transformou em um vegetal ... por algum acaso era tão difícil assim determinar o fator que dava a esses novos inimigos as habilidades especiais que demonstraram ? Aquele mendigo estava explodindo tudo pelo caminho, a ruiva elétrica fritou o coitadinho do Akira – ele subitamente dirige sues pensamentos para o mesmo . Onde ele estaria agora ? - e aquele tal de Maki ... ele sem dúvida era muito estranho . Não entendia direito quais eram suas habilidades, mas já estava convencida de que ele poderia causar grandes problemas . A começar com o fato dele ter derrubado Rei em um beco . Mesmo destransformada a mesma ainda tinha ótimas habilidades combativas . Se bem que aparentemente ele a pegou de surpresa . Mas ainda tinha que considerar o súbito tornado que ele gerou em frente a escola . Seriam seus poderes baseados em vento ?

Tinha que conversar seriamente com Rei a respeito disso, assim que a encontrasse . Ou então, teria que localizar Akira, coisa que não seria tão difícil assim com seu visor . O mesmo poderia lhe explicar mais detalhadamente acerca dos invasores do templo, já que Rei os reduziu a cinzas ...

Se é que haviam muitos . Tinha certeza de que sim, já que seu visor detectara uma quantidade acima do normal de energia, mas a mesma não se preocupou em analisar quantas eram, e Rei providenciou para que ela nunca soubesse .

E outro teste que falhava .

- Mas que merda ! – ela dá um tapa na xícara, derrubando o café na mesa ao passo que a mesma vai rolando até atingir o chão e se partir em vários pedaços, sujando o chão com o que restava de seu conteúdo .

Ela coloca a mão sobre a face, tentando se acalmar . Realmente não estava sendo um dia bom, não estava mesmo .

Cinco segundos depois, ela retira seu jaleco do cabide e coloca entre o liquido na mesa e os aparelhos e documentos que seriam avariados se fossem atingidos . Ela sai do laboratório, a procura de algo para limpar o chão . Exausta, para no meio do caminho, sentando-se no sofá da sala, tentando clarear as idéias .

Por que as coisas tinham que ser assim ? Por que sempre tinham que ser assim ? Será que nunca poderiam antever um plano do inimigo ? Era uma maldição serem pegas de surpresa ? Tantas vezes que passaram por tantos problemas ... se tivessem agido antes do inimigo dar sua cartada final, talvez tivessem impedido muitas coisas .

O passado era uma prova disso . Talvez, se tivessem invadido o covil de Beryl antes da mesma chegar a pensar em despertar Metallia, muita coisa tivesse sido evitada . Talvez, se tivessem atacado os Caçadores da morte antes, muitas pessoas que estavam sendo manipuladas poderiam estar vivas . Talvez, se tivessem agido rapidamente contra os enviados de Nehelenia, outras pessoas não tivessem sofrido tanto . E talvez, se tivessem enfrentado Galáxia antes da mesma ter assassinado a princesa das Starlights, antes das suas próprias Senis terem sido mortas, antes da cidade pagar pelo desejo da mesma ... talvez muita dor pudesse ter sido evitada .

Talvez .

- Hunf ! É, talvez ... talvez passe no noticiário o quartel-general dos nossos novos inimigos – ela pega o controle e liga a TV . Nada de novo, poucas coisas novas ou interessantes .E pelo visto, ainda estavam verificando o templo Hikawa e seus arredores, em busca de vestígios do incêndio, de algo que comprovasse a teoria de que fora um incêndio criminoso . Eles simplesmente não conseguiam outra explicação para um incêndio de tamanha magnitude, afinal de contas, os estragos não poderiam ter sido feitos apenas por acidente . Como explicar o lago que evaporou por completo, ou a floresta que havia ao redor do templo, totalmente destruída, reduzida a cinzas ?

Nunca encontrariam provas . Nem hoje, nem amanhã ... nem nunca . Talvez ... talvez no futuro, quando surgir a tão sonhada Cristal Tokyo, isso seja possível . Segundo a Senshi do tempo, uma utopia . Por vezes imaginou como a mesma seria . Cogitou a hipótese de uma sociedade em que não houvessem cercas limitando as casas, em que cada um teria sua plantação de verduras e dividiria com os vizinhos igualmente, você sairia na rua e seu vizinho riria para você a todo instante, e teriam quarenta e cinco canais de TV cultura ...

Claro, foi um pensamento inocente . Engraçado, até .

Por mais que fosse uma idéia interessante, nem a mesma gostaria de viver em um lugar assim . Tal lugar, se fosse desse modo, não seria uma utopia, ou melhor seria sim ... uma utopia segundo a visão de uma única pessoa .

Uma utopia seria muito mais do que isso, um local aonde as pessoas se respeitariam mutuamente, aonde se houvesse ainda o crime, a sociedade soubesse reagir melhor a eles ; Não haveriam a pobreza nem a riqueza, e sim a igualdade entre as pessoas ; nada de privilégios para poucos, todos seriam tratados igualmente perante as leis, independente da classe social, isso se a mesma existisse . A função dos governantes seria realmente a de agir da melhor forma possível para com o povo, e não suga-los, como nos dias de hoje . Mães e filhos se sentiriam mais a vontade para conversarem a respeito de assuntos que hoje são verdadeiros tabus, o conceito de propriedade seria relativo, isso se ainda existisse, não haveria dificuldades para alguém adquirir algo, eliminando por completo o que nos dias de hoje chamavam de "apenas para alguns"  . Os bairros ricos e pobre seriam extintos, pois se todos são iguais, para que sua existência ? Bordéis, boates e outros locais "proibidos para menores de idade" inevitavelmente sumiriam, afinal de contas, em uma sociedade mais liberal, aonde coisas discutidas e/ou feitas apenas entre as quatro paredes de um quarto poderiam ser tratadas abertamente à luz do dia, entre amigos e talvez até desconhecidos, tal estabelecimentos não resistiriam muito tempo, ou então mudariam seus conceitos .

Claro que ela não concordava com alguns pontos dessa sociedade utópica que estava para vir, ainda mais no conceito liberal ... mas com certeza se as pessoas ficassem restringidas em algum ponto de forma que lhes causasse um desconforto e/ou limite de liberdade, não seria mesmo uma utopia .

Nota mental, se houverem seres no futuro que ... se os dados que obteve ao analisar Akira estiverem certos, então seria bom que fossem criadas leis no futuro para regulamentar seres "especiais" . Ou melhor, especiais não, já que tal termo não se aplicaria em uma utopia . "Diferentes" ou "com habilidades adicionais" seria algo mais adequado .

Realmente ... deveriam haver, ou melhor, esperava que houvessem no futuro utópico leis que impedissem, ou pelo menos punissem atitudes como a de Rei . E se ela estivesse em uma área amplamente movimentada ? E se tudo aquilo tivesse ocorrido no centro da cidade ? Era verdade que o mesmo estava praticamente destruído desde o ataque que sofreu e aguardava apenas a saída dos policias para que as obras assumissem um caráter mais urgente, mas se Rei tivesse feito aquele ataque lá, os resultados seriam tremendamente catastróficos, disso não duvidava . Os prédios atingidos, os carros, os sistemas de gás, as demais tubulações ... uma reação em cadeia, o chamado "efeito dominó" .

Não agora, no meio dessa crise ... mas no futuro, tinha que lembrar Usagi de pensar em alguma maneira de limitar as "liberdades"  das Senshi e de outros seres com habilidades extras . Talvez leis, talvez anuladores de poderes em áreas urbanas, talvez um juramento ...

Mas o que estava fazendo ? Mal se sentou e estava tendo uma séria de idéias que em nada ajudavam a resolver os problemas atuais . Em verdade o que fizesse agora ditaria o futuro, mas ficar parada não adiantaria de nada .

Ela se ergue . Não estava necessariamente com as forças restauradas, apenas estava disposta a não se entregar tão facilmente . Adentra rapidamente em seu laboratório, e retoma os testes . E de novo . E de novo . E de novo . Por mais que tentasse, os resultados não apresentavam nada de novo, nenhuma anormalidade era indicada nos exames que fizeram com o sangue de todas aquelas pessoas .

Mas ela não desiste, e continua a experiência . Nem que tivesse que passar a noite inteira ali .

Passaria, e  não descobriria nada, pensava . Tinha que ter algum jeito, alguma forma de, ao menos, ter alguma certeza, alguma segurança . Não podia entrar em um desafio apenas pela sua determinação, precisava de um ponto para lhe dar forças .

Sua mente dá meio volta, e a mesma pisca rapidamente . Uma idéia subitamente surge em sua mente, e a mesma se odeia por não ter pensado nisso antes .

- PELO PODER DO CRISTAL DE MERCÚRIO, TRANSFORMAÇÃO !!!

Com um simples comando mental, seu visor surge . Em seguida, ela abre uma gaveta e retira um conector, o qual a mesma liga em seu visor, e logo após, em seu computador .

Na verdade pretendia conectá-lo ao seu telefone celular, ou melhor, ex-telefone, infelizmente o mesmo acabou entrando em curto-circuito quando ela tentou analisar o nível de poder de Makoto ...

Será que ele explodiu por causa do excesso de energia, ou devido a algo relacionado a eletricidade no corpo de Makoto ? Talvez, mais tarde, descobrisse .

Mas ... e agora ? estava de posso do mais fantástico equipamento que a raça humana jamais viu, e ainda tinha dúvidas sobre como usar .

Bem, o que tiver que ser, será .

Outro comando mental, e o visor se encarrega de, através do conector, coletar dados no computador, suprindo um vazio em seu banco de dados .

Era até estranho tal coisa ser possível ... nunca imaginara que seu visor de Sailor Mercúrio tivesse tal capacidade, tal adaptabilidade .Nos últimos anos, dedicou um considerável tempo ao seu estudo, a desvendar seus segredos, e o que descobriu foi simplesmente fabuloso . Por vezes se perguntara sobre seu mundo natal, Mercúrio, e a antiga federação de planetas, o Milênio de Prata . Qual não foi a sua surpresa ao, acidentalmente, descobrir dados a respeito dos mesmos ? A família real, as milícias, inimigos, conflitos, facções ... e as Senis . Muitos dados, muito conhecimento ... muita informação .

Se tivesse descoberto o que seu visor podia fazer anos atrás, poderiam ter tido uma enorme vantagem tática sobre o inimigo .

E, por incrível que possa parecer, ainda não tinha demonstrado nem metade de tudo o que era capaz .

Exatamente a surpresa que teve ao descobrir tal coisa . Seu visor, seu objeto de estudos, sua arma de batalha ... a mesma não conhecia nada a respeito do mesmo comparado ao que ele realmente podia fazer, justamente por que, ao vaculhá-lo, descobriu que muitos comandos, muitos arquivos e muitas áreas estavam escritos em um idioma totalmente diferente do Japonês .

Do Japonês, do Inglês, do Mandarim, do Francês ...

Era um idioma antigo, muito antigo mesmo .

Tão antigo, que a mesma sequer conseguia decifrar seu nome correto, logo o batizou do único nome que poderia ter usado até então .

Mercuriano .

Seu idioma . A língua de seu planeta natal .

A principio, fora difícil, pra não dizer impossível entender o significado de cada sílaba escrita, cada palavra formada naquela língua morta . No entanto, suas memórias, oriundas de sua vida anterior, vinham mais e mais a tona, ressuscitando fatos, eventos e conhecimentos que Mitsukai Amy jamais poderia imaginar . Conhecimento suficiente para ela começar a entender aquela língua morta . Não demorou mais do que alguns meses para que a mesma "dominasse" por completo sua língua natal .

O problema maior estava no escritos mais antigos .

O maior "tesouro", a parte do banco de dados que continha um grau de informação mais importante ainda – em sua opinião, claro – estava inacessível . Haviam senhas, claro, mas esse era o menor dos problemas .

O grande obstáculo, o qual impedia seu acesso a informações que deveriam ser no mínimo muito importantes, estava justamente no idioma .

Mais exatamente, era uma variação, ou melhor, uma forma anterior deste , o qual ela batizou de Mercuriano Antigo .

Por mais incrível que pudesse parecer, as diferenças entre o Mercuriano e o Mercuriano antigo eram bem maiores do que as existentes entre línguas como o português e o espanhol, ou melhor, entre o português e o Latim . Era uma espécie de Mercuriano bem mais antigo, com termos que dificultavam ainda mais seu entendimento, o que a levou a chamar o idioma Mercuriano que aprendeu de Mercuriano moderno .

Um dia ainda entenderia perfeitamente o que estava escrito ali, nem que para isso tivesse que aprender essa variação de idioma .

E o dia em que isso viesse a acontecer, ai sim ela poderia utilizar todo o potencial daquela fantástica máquina, a qual estava séculos à frente de qualquer computador construído com a tecnologia atual . Nem mesmo seu computador – o qual a mesma montou com base em seu visor e de forma que um pudesse interagir com o outro – chegava ao pés dessa maravilha tecnologia .

Um sinal é emitido, e a mesma é tirada à força de sua linha de pensamento, percebendo que seu visor terminara de carregar a informação .

Muita informação, por sinal . Nos poucos dias em que sacrificou sua família para entender o que estavam enfrentando, vasculhou a rede em busca de informação . Invadiu sistemas de bibliotecas, jornais, computadores do governo ... tudo o que podia, até confirmar o mesmo que havia revelado a suas amigas . Não havia muita coisa, fora alguma noticia ocasional em um canto diminuto de algum tablóide, mas nada que acrescentasse muita coisa .

Mas lá estavam os resultados de seus exames, e as próprias amostras estavam próximas, o que permitiria uma análise mais profunda .

Como esperado, seu visor não demorou para apresentar os resultados que esperava .

Lá estavam eles, indicando as diferenças .

A começar por Akira e Makoto . O visor analisou os dados coletados, e demonstrou na tela todas as possibilidades, e as possibilidades com maior chance de ocorrerem .

- Ascasthda Sorotenade roshinode isotadedimonotare, shikometinoretina petinare dande ...

Ao término da frase, o visor mostra os resultados das análises feitas em Akira e Makoto, coloca uma ao lado da outra e as compara .

Muito interessante, mesmo . O poder de Makoto destransformada sofreu um aumento considerável . Na verdade, se perguntava como o mesmo apresentava tal aumento em meros dez anos, mesmo com a explicação que recebeu anteriormente . Não que duvidasse de que o que a amiga tivesse dito fosse a resposta mais lógica, mas ainda haviam muitas perguntas em aberto .

E agora com aquela formiga, não deixava de ficar impressionada, mas não tanto com os dados que lhe foram apresentados . Os mesmos não eram muito diferentes dos que ela coletou com seu antigo celular, antes do mesmo explodir .

Mas não deixavam de ser, no mínimo, curiosos .

Como uma criança normal de meros dez anos podia ter isso dentro de si, como ? A principio não parecia grande coisa, mas sabia que não era isso em comparação com as demais, já em comparação com os humanos normais ...

Talvez fosse uma boa hora para testar os comandos do visor que ela conseguiu fazer com que o mesmo traduzisse para o japonês . Não eram muitos, mas poderiam lhe ser úteis, ao menos por enquanto .

- Computador, executar análise completa das amostras coletadas .

Os mesmos dados corriam pela tela do visor, executando a análise completa em frações de segundos . A mensagem que surgiu em seguida lhe foi satisfatória, ao menos como teste .

"ANÁLISE COMPLETA . ESTRUTURA BIOGENÉTICA ANÁLISADA, COMPARADA E CONFIRMADA . ESPÉCIME CONFIRMADO COM KINO MAKOTO, IDADE  APROXIMADA DE 26 ANOS TERRESTRES . PARENTES ENCONTRADOS :"

- Interrompa e salve os dados coletados, computador .

"DADOS COLETADOS SALVOS, CRIADO NOVA PASTA DE DADOS NOMEADA COMO KINO, CRIADA SUBPASTA NOMEADA COMO MAKOTO, TODOS OS DADOS COLETADOS REFERENTES AO ASSUNTO TRANSFERIDOS PARA A PASTA"

- Impressionante . Muito impressionante , mesmo . – ela estava surpresa . Havia utilizado seu visor para acessar a rede de dados do governo, a nível de teste para seu equipamento . Havia praticamente rastreado sua vida , e depois a de sua amiga, comprovando a capacidade do seu visor, seu computador pessoal . Chegava até mesmo a se impressionar com a facilidade com que ele invadia bancos de dados alheios, ignorando completamente sistemas de defesa, de proteção, rastreadores ... agia praticamente como se fosse um fantasma . Nada mais lógico, visto que sua tecnologia era muito mais avançada do que a de qualquer equipamento da atualidade .

- Computador, abrir pasta de dados nomeada Kino e criar nova subpasta, com o nome de Akira,  adicione informações coletadas e análise amostras mais recentes .

"ANÁLISE DE DADOS COMPLETA . ESTRUTURA BIOGENÉTICA ANÁLISADA E COMPARADA COM DADOS ANTERIORES, POSSIBILIDADE DE DADOS PERTENCEREM AO INDIVIDUO CONHECIDO COMO KINO AKIRA É DE 100% . IDADE APROXIMADA DO ESPÉCIME : 10 ANOS TERRESTRES . PARENTES ENCONTRADOS :

OKAASAN : KINO MAKOTO

OTOUSAN : DADOS INSUFICIENTES

DESEJA QUE SEJA FEITA UMA NOVA PESQUISA PARA CONFIRMAR DADOS APRESENTADOS, ADICIONAR NOVAS INFORMAÇ'ES E/OU RASTREAR INFORMAÇ'ES A RESPEITO DE ARQUIVOS COM DADOS INSUFICIENTES ?"

- Não . Salve dados coletados e feche toda a pasta de dados .

"DADOS COLETADOS SALVOS NA PASTA DE DADOS NOMEADA COMO KINO"

- Certo – ela estava ainda surpresa . O visor fez uma transferencia completa de todos os dados que estavam em seu computador para seu banco de dados, e como se não bastasse, analisou as amostras de sangue de Akira, e fez uma ligação entre o sangue analisado e os dados que já possuía .

Muito interessante, mesmo .

- Computador – ela se vira para a esquerda, aonde havia um frasco contendo uma amostra de sangue – análise e catalogue essa amostra .

Ela observa atentamente enquanto em seu visor diversos números aparecem . Realmente fascinante . Não era a primeira vez em que analisava diretamente uma amostra com seu visor . Usava de métodos mais ortodoxos, catalogava, analisava e armazenava as informações em seu computador, e só depois as transferia para seu visor .

Seu visor pulava todas essas etapas, analisava as amostras em todos os aspectos : estrutura genética, análise de calor, assinaturas ... tudo, e em menos tempo .

No entanto, preferia fazer muitas coisas a moda antiga . Seu visor deveria ser, no máximo, uma ferramenta de trabalho, não uma muleta, da qual ela se tornaria dependente .

A análise havia terminado . Bastava apenas um comando seu, e o computador Mercuriano apresentaria as informações .

Mas ... que tipo de informações ? As amostras que acabaram de ser analisadas eram totalmente desconhecidas, ao seu ver . Não possuía informação alguma a respeito daquela pessoa, nenhuma mesmo . Conhecia apenas seu nome, e isso não ajudava em nada . Precisava de alguma possível alternativa ...

Uma lembrança feliz retorna com força total .

- Computador, faça uma busca e compara os novos dados com dados já existentes .

"BUSCA DE DADOS FINALIZADA . ESTRUTURA BIOGENÉTICA CONFIRMADA COMO A DO INDIVIDUO CONHECIDO COMO MAKI .

IDADE APROXIMADA : 30 ANOS TERRESTRES .

SEM MAIORES INFORMAÇ'ES . DESEJA REALIZAR UMA BUSCA ?"

Exatamente como esperava . Ele apenas confirmou o que ela havia concluído anteriormente . Um homem aparentando estar com 30 anos conhecido como Maki . Mas as informações ainda eram insuficientes, de nada lhe serviam , precisava descobrir mais algumas coisas .

Como iria rastrea-lo ? Deveriam existir umas mil pessoas com esse nome só em Tokyo, tinha que pensar em uma alternativa, mas qual ?

Com certeza nenhum banco de dados, nem mesmo o do governo, deveria ter a estrutura biogenética dele gravada .

Devia haver alguma alternativa, qualquer uma, por menor que fosse , mas qual ? Não conseguia pensar em nada, o que já era bastante frustrante .

- Computador, acesse os dados contidos na pasta Maki e apresente todos os dados contidos nela .

O visor o faz . E de novo . E de novo . E de novo . E até então, nada lhe vinha a cabeça .Nada, mesmo .

Se ao menos possuísse uma ... uma ... uma ...

- Computador, faça uma busca em todo o seu banco de dados, e apresente todos os dados desconexos .

"BUSCA REALIZADA, DADOS ENCONTRADOS . DESEJA EXIBI-LOS AGORA ?"

- Sim . – diante de seus olhos ,diversos dados vão passando . Níveis de oxidação, testes de sangue, ondas gravitacionais ... a maioria informações que ela coletou ocasionalmente e não se preocupou em organizá-los, de forma que haviam ficado "soltos" pelo banco de dados, sem uma maior arrumação . Recados, endereços, telefones, receitas de bolo que anotava as pressas ... muita coisa interessante para Mitsukai Amy, mas totalmente descartável para Sailor Mercúrio .

A não ser, claro ...

Os arquivos vão surgindo, um após o outro .

De repente, uma imagem . Rei . Bem mais jovem, por sinal . Aquela imagem deveria estar ali há muito tempo .

Outra imagem, só que desta vez, era de Minako, e transformada . Estranho ... seu semblante estava diferente do atual, na verdade, a expressão atual da mesma era um misto de calma e ... pânico .

Será que Makoto estava certa ? Mas isso não era possível ... como alguém poderia acreditar que era a encarnação do bem ? Sabia que a questão de bem e mal era algo relativo, na verdade, até hoje ninguém sabia explicar exatamente com todos os pingos nos is"" o que era exatamente o bem .

Minako saberia ?

Melhor deixar isso para depois, agora tinha assuntos mais importantes a tratar do que crenças ideológicas de outras pessoas .

E lá estava o que procurava . Por sorte se lembrou dela, do contrário teria ficado o resto da tarde e a noite inteira pensando em uma solução .

A imagem do dito cujo .

Por sorte o visualizou . Estava correndo em direção do local aonde suas amigas lutavam, até que, do alto dos prédios, o viu . Seu maior desejo na hora foi descer e tomar algumas satisfações com aquele ser desprezível e péssimo representante da classe masculina .

Se seu visor não tivesse detectado na hora o padrão de energia de Akira, lógico . E para complicar ainda mais a situação, o mesmo estava diminuindo drasticamente .

Outra hora cuidaria dele, mas seu visor naquele instante havia captado-o, gravando sua imagem .

O que ela precisava, no mínimo, para agir .

- Computador, adicione essa imagem à pasta denominada Maki .

O computador faz a transferencia . Agora só havia uma coisa que podia fazer .

- Computador, quero um rastreio completo dessa imagem . Procure em todos bancos de dados todas as informações que batam com os dados contido na pasta Maki . Acesse pastas do governo, hospitais, postos de gasolina ... vasculhe o mundo inteiro, se necessário .

Ela se senta na cadeira, aguardando uma resposta, e não demora muito para perceber que aquilo iria demorar um pouco .

Ela retira o visor e o coloca sobre a mesa, ao lado das amostras de sangue . Por mais que seu computador fosse sofisticado, haviam algumas implicações que o mesmo tinha que sobrepujar antes de agir . Por mais que os sistemas de defesa não fossem nada comparados com ele, o mesmo ainda tinha que tomar algumas providências para invadi-los e não deixar nenhum sinal de invasão . E mesmo assim, ainda era uma busca bem grande, com muitos sistemas, muitos bancos de dados ...

No máximo, faria tudo em cinco minutos .

Ela chega seu sistema de segurança, confirmando que não havia ninguém em casa . Poderia reverter sua transformação , mas não queria arriscar o visor desaparecer, e não queria ter que ficar se transformando e destransformando a todo momento .

A mesma retorna até a cozinha, pega um pano de chão, um balde com água e um esfregão . Logo depois, já estava limpando o café que havia entornado no chão, bem como sua mesa .Vai juntando tudo, leva para fora e logo em seguida retorna, torcendo para que já tivesse alguma resposta .

Uma luz vermelha pisca no visor, e a mesma não perde tempo ao recolocá-lo em sua face .

- Computador, salve todos os dados coletados na pasta Maki, e faça uma cópia de segurança .

"DADOS COLETADOS SALVOS , GERADA C"PIA DE SEGURANÇA NA MEM"RIA PRINCIPAL . DESEJA VISUALIZAR A PASTA MAKI, DE POSSE DE NOVAS INFORMAÇ'ES ?"

- Sim .

E ele o fez . Na hora o visor emitiu uma luz e, pouco a frente de Amy, uma apresentação holográfica – igual a que ela havia feito há pouco para suas amigas – surge, apresentando várias informações . Já havia perdido a conta das vezes em que ficou pasma com a capacidade daquele equipamento, as agora ele havia extrapolado de vez suas expectativas . Diante dela estava não uma, mas diversas fotos de Maki, algumas em que ele estava com uma aparência mais nova, até . E não parava por ai, estava visualizando informações que levariam uma vida inteira para que a mesma descobrisse sozinha .

Dados completos . E se não o fossem, eram bem próximos do que seriam . A máquina realmente havia vasculhados diversos sistemas e montado um dossiê de Maki partindo do principio com a sua foto e algumas escassas informações .

Ela retira o visor, intrigada com algo que havia visto . Ao fazer isso, a imagem fica um pouco trêmula, mas ela o segura, sem que o holograma desaparecesse .

Com ele em mãos, o holograma agora era projetado bem próximo da parede, ao passo em que aproxima seu rosto, ainda mais intrigada .

Estava em uma sala secreta, totalmente fechada ao resto do mundo . Um som nascido ali morreria ali, até o fim dos tempos .

Em outro lugar, provavelmente alguém se aproximaria ao ouvir o som de algo caindo e se chocando contra o chão, mas não ali , já que ninguém de fora ouviria o que se passava lá dentro .

O aparelho escapa de seus dedos, se chocando violentamente , sem que qualquer pessoa tivesse interesse em retirá-lo dali .

E se alguém se aproximasse, encontraria a dona daquela maravilha tecnológica, parada, totalmente imóvel .

Ninguém entenderia . Nem em um milhão de anos compreenderia o que estava acontecendo com a mesma nesse exato momento .

Mas muitos se assustariam ao vê-lo . Seus olho estavam totalmente fixos na parede . Não no holograma, pois o mesmo agora estava sendo projetado em outra direção devido a queda do aparelho .

Mas seus olhos estavam fixos . Fixos demais, na verdade, estavam fixos na mesma direção aonde há pouco estava projetado o holograma .

Nem ao menos conseguia respirar, como se o tempo tivesse parado por completo naquele lugar . Seu coração não era ouvido, seu pulso, inexistente . O calor de seu corpo praticamente havia sumido .

Alguns diriam que estava chocada, outros, que estava prestes a morrer .

Mas ninguém entenderia o que se passava pela sua cabeça, nem mesmo suas amigas, seus filhos e seu marido ... ninguém .

Totalmente inerte, sua mente tentava de alguma forma procurar alguma alternativa, alguma rota de fuga para aquela gaiola na qual estivera presa .

Mas nada lhe vinha a cabeça, simplesmente nada .

Caído no chão, seu visor ainda projetava o holograma, e todos os dados coletados de Maki .

Não, não Maki .

Nekomi Maki .

Continua ....

Glossário

Otousan  : Pai .

Okaasan : Mãe .

Niichan  : Irmão mais velho .