Capítulo XVI – O Dilema das Princesas Guerreiras Arakáejeaipo – Parte 7 – As Loucuras do Amor

Dias de um Passado(quase) Esquecido

por Lexas

Joaotjr@hotmail.com

Abril/2003

- E ... e se eu não voltar ?

- Como eu disse ... criei seres humanos, não soldados . Tem o direito de decidir o que fará da sua vida, e ninguém, nenhuma pessoa, nenhuma força, nenhuma autoridade pode te tirar esse direito .

- Arigato, Otousan .

- De nada, filha . De nada, Io .

- De nada ... Io ...

Havia algo estranho . Algo diferente palpitando dentro de seu ser, querendo se libertar de todas as formas .

O que aquela mulher de vestes negras fez ?

O que ela permitiu que fosse feito nela ?

As memórias ...as dores ... os sentimentos ... os pesares ...

As lutas ... conquistas ... arrependimentos ... erros ...

O que era aquilo ?

E por que tinha que ser assim, daquela forma ?

E, acima de tudo ... por que Death fez isso ? Por que ?

Podia tê-la deixado como estava . Era ótimo ela ter apenas algumas memórias , algumas rápidas imagens do que fizera no passado ... mas ... por que ela fez aquilo ?

Ela simplesmente a fez lembrar de tudo, ter acesso total e irrestrito a todas as suas memórias .

E tudo isso de uma só vez, de modo que ela lutava com unhas e dentes para organizar as idéias e não enlouquecer com aquilo .

Por que ali ? Por que agora ? Seu Otousan estava prestes a dar seu maior passo, e sua guarda-pessoal começou a passar por problemas daquele tipo justo naquele momento !

Ela ignora todas as vozes, todos os pensamentos, concentrando-se no que fazer . Tinha que se colocar em perfeita paz .

A ruiva fecha os olhos, colocando-se em um estado meditativo profundo,ignorando tudo a sua volta, concentrando-se unicamente em suas memórias .... as dolorosas memórias que retornavam a cada instante .

***

Deu tudo errado . Totalmente errado .

Podia suportar qualquer coisa, esperava qualquer ameaça , mas não aquilo .

Não uma Senshi .

Lutar contra uma senshi por motivos como aquele nunca esteve em seus planos .

Tampouco contra uma senshi enloquecida .

Mas a pior coisa que podia lhe acontecer, estava prestes a ocorrer .

Sobreviver .

Seu coração batia em um ritmo infimo, quase parando . Seu pulso quase sumia, seus olhos doiam .

Uma sensação bastante familiar .

Mas nem um pouco agradável .

O fluxo do vitae percorria cada célula de seu corpo, como se exigissem um retorno, uma decisão, uma definição .

Algo que ela já havia tomado há muito tempo, quando se uniu a suas amigas . A sua familia .

A única familia que realmente teve .

O sangue corria, espalhado pelo seu corpo , o qual exibia feridas maiores do que um corpo comum suportaria .

E até mesmo o dela pouco podia fazer em tal situação ..

Uma convulsão . Seu corpo começa a implorar por uma decisão mais rápido do que ela esperava . A agonia se espalhava rapidamente por cada parte de suas células, mas a agonia a consumia cada vez mais devagar, fazendo-a provar daquele sofrimento nos minimos detalhes .

Como queria que aquilo tivesse um fim .

Pela primeira vez, estava optando pela solução mais simples e mais rápida .

Nunca foi assim . Sempre enfrentara as conseqüência de seus atos, em especial, aqueles pelos quais ela não tinha a menor reponsabilidade . Sempre foi assim .

Começou antes mesmo de seu nascimento . Nunca fora desejada . Nunca, mesmo . Não pelo seu pai . Tinha certeza absoluta, era uma verdade universal que sua mãe a amou em cada momento, em cada instante, mas seu pai, isso era outra história .

Ele não teve piedade, e sua mãe pagou o preço por isso . A afastou de sua presença, e com uma criança de colo . Visitas ocasionais não eram suficientes para substituir a falta que ele fazia .

Até que ela se foi . Como uma brisa que começa e vai embora antes que você perceba, ela se foi .

Ela chorou muito, se odiou até o seu intimo . Não sabia o real motivo, mas sentia que a pessoa que ela mais amada partira por sua culpa, por que ela não fora forte o suficiente para protege-la . Mas o destino ainda lhe reservava novas surpresas, em especial quando seu pai veio buscá-la .

Buscá-la ... pois sim, ele queria era satisfazer seu ego, e nada mais . Não podia permitir que sua filha, que seu sangue, mesmo mestiço, fosse taxado como fraco . Nem um pouco .

E foi assim que ele a tirou de sua terra, do único lugar em que  até então ela havia chamado de lar , para um lugar diferente . Um novo modo de vida, um novo caminho a seguir .

Não se lembrava de quantas vezes chegou a dizer que o amava . Apesar de tudo,apesar de toda a indiferença,  acabou por desenvolver um verdadeiro afeto pelo mesmo, apesar de nunca ser correspondida . Nunca . Para ele, ela era uma guerreira, tinha sangue de guerreira, e devia ser forte, muito forte . O mesmo não podia admitir que alguém acusasse sua "primogênita" de ser fraca apenas por ser uma mestiça .

Jamais .

Já esperava que algo assim acontecesse, até que finalmente chegou o dia : ele se casou . Seu pai arrumou uma esposa, a qual deveria amar até o fim de seus tempos .

Fora o fim da picada . Era triste, muito triste . Viver em um mundo em que as pessoas não a queriam ali, em que só a suportavam por causa do poder de sua familia, ser tratada como um animal pelo seu pai, o qual nunca havia demonstrado nenhum afeto por ela, nunca sequer havia lhe dado um único sorriso .

Tampouco sua esposa .

A convivência estava se tornando cada vez mais dificil, cada vez mais insuportável . Sempre foi assim .

A bastarda ... a mestiça ... a filha da meretriz ... tudo ela .... somente ela ...

Sendo seu pai oriundo da familia mais influente de seu planeta, os comentários eram inevitáveis . Perdera a conta das vezes em que chamaram sua mãe de usurpadora, de tentar tomar o poder que era de outros por direito .

Mas ... o que fazer ? Não compreendia o motivo de tanto ódio, de tanto rancor daquele povo . Era pequena demais para proferir argumentos convincentes, e mesmo que os fizesse, duvidava que lhe dessem ouvidos .

Por que ela era uma bastarda . Sua mãe havia seduzido seu pai com o intuito de tomar seu poder e sua riqueza . Usou mão de meios ilicitos para alcançar rapidamente os mais altos níveis sociais .

Algo que ela ouvia dia após dia .

Teria desistido ... teria ido embora  de vez ... teria jogado tudo para o alto há muito tempo ... passou por isso várias vezes, inclusive .

Talvez tivesse enlouquecido, até . Afinal, era uma situação insuportável . Era algo que não conseguia conceber .

Passara os primeiros anos de sua vida morando com sua mãe, em um lugar belo, com os mais belos jardins que alguém pudesse contemplar, aonde o preconceito era algo vencido pelo povo há milênios, devido a liberdade dos cidadãos .

Até o dia em que fora viver naquela sociedade fechada . Fechada e preconceituosa .

Somente uma coisa impediu que ela enloquecesse ou fugisse .

O único motivo, a única coisa que lhe prendeu por tanto tempo ali .

A familia .

Sua familia .

Não que, na altura dos fatos, se sentisse bem ao lado de seu pai – biológico, como acabou tendo que se acostumar, visto o modo dele agir com ela e somente ela  - afinal, dera a ele toda a sua devoção, seu amor e carinho, mas mesmo assim, nunca era o suficiente para ele .

Nunca foi .

Mas havia algo que ela aprendeu ... algo que desenvolveu durante os poucos anos em que conviveu com sua mãe : laço familiar . Um poderoso laço, que a mantinha unida com sua familia acima de tudo . Uma verdadeira ligação que nem a pior das sitações poderia romper .

Nao se referia ao seu pai ou sua madrasta, a qual a tratava como um animal, mas sim a única pessoa que a fazia continuar ali .

Sua irmã .

Ela era a herdeira de sua casa, e nada mudava isso . Mesmo quando sua irmã nasceu, o relacionamento com sua madrasta não melhorou muito, afinal de contas, enquanto ela estivesse ali, sua filhinha não seria nada . Mestiça ou não, bastarda ou não, ela era a mais velha, a primogênita , e nada mudaria isso, era um direito que não poderia ser tirado dela .

Os anos se passaram e os tratamentos que recebia eram cada vez piores . Mas fazer o que ? O que fazer ? Como fazer ?

A resposta era óbvia demais . Estava em um lugar aonde não devia estar, em um povo que não a queria por ali, com pessoas que não a desejavam .

Foi uma decisão muito, mas muito dura a dela de partir .

Poderia ser grande ali, lembrava . A melhor de todos aqueles nobres arrogantes, mas decidiu seguir seu próprio caminho .

Naquele dia uma nova pessoa nasceu, uma nova Io trilhava seu caminho, em busca de respostas .

Mas não sem choro . Muito, mas muito choro . Não conseguia se separar de sua irmãzinha, a qual a adorava . O único motivo dela ter resistido por tanto tempo . Sua única e verdadeira alegria em meio as manipulações da corte .

Como ela chorou . Como ambas choraram . A última semana foi a melhor semana de toda a sua vida, em que a irmã caçula passou todos os dias ao seu lado, ao brincar, ao dormir, ao se alimentar ...

No dia em que foi embora, ao se despedir de sua irmã, ela olhou para trás, e encarou aqueles olhos, aqueles olhinhos doces, meigos e sinceros, implorando pela sua permanência .

Naquele instante, ela havia sentido uma enorme dor no peito . Algo inigualável . Sentiu, mais do que nunca, que aquela menininha desejava que ela permancesse ali ao seu lado, acima de tudo . Que ela era a pessoa em que ela mais confiava, que seria sua amiga por toda a eternidade . Alguém em quem a menininha depositava toda a sua confiança dia após dia, e que daria sua vida pela mesma .

Um olhar de amor .

Se, e somente se, em algum momento, durante um único instante, mesmo que fosse uma única vez, nos anos em que ela morou ali, seu pai tivesse lhe dado aquele olhar ... mesmo que fosse um ato de fraqueza, ela ficaria .

Sabia que ele, no fundo, a amava . Ela representava a primeira e única mulher que ele amou com todas as forças, não a teria tirado de sua casa apenas para satisfazer seu ego, isso já tinha deduzido com o passar dos anos . Sabia que a posição que ele ocupava o impedia de se casar meramente por um capricho, por algo conhecido como "amor" . Envolvia muito mais do que o enlace de duas almas, envolvia acordos politicos e o bem estar de seu povo .

Mas o mesmo estava preso em uma máscara de frieza . Nunca o vira sorrir, nunca mesmo . E não podia suportar aquilo novamente, de modo algum .

Não era uma questão de ter sua liberdade, de conseguir o respeito pelo povo que não a tratava como se fosse uma deles ... tampouco uma questão de orgulho pessoal, de ego ou qualquer outro motivo .

Era o fato dela não acreditar naquela realidade .

O que houve ? Era esse o reino de paz, harmonia e igualdade que tanto ouviu falar ? Onde estava a igualdade no fato de alguns nobres estarem no posto mais alto das milicias, enquanto que outros grupos eram criados apenas para fazerem número ?

Onde estava a igualdade, o ideal de lutar por um reino, em que nobres davam festas pomposas, cheias de requintes e comida, enquanto que milhares padeciam de fome nas ruas, em que muitos sequer tinham noção do que acontecia em seu próprio mundo por falta de informação e cultura ?

Onde estava a igualdade, o amor pelo povo, em um lugar em que aldeias padeciam de fome para pagar altos impostos , os quais cobriam os gastos dos exércidos ?

Onde estava a igualdade, o respeito mútuo, em um lugar aonde cidades se tornavam campos de batalhas e por terem missões mais importantes, a realeza e seus fantoches deixavam para trás cidades inteiras arrasadas, abandonando civis a própria sorte ? 

O preconceito não era apenas com ela . Era com todos . Como podia se sentir bem protegendo um regente que pouco fazia pelo seu povo, pelos seus semelhantes ?

Aquilo estava gravado em sua alma . Havia retornado e se abaixado para falar calmamente com sua irmãzinha – e uma expressão de puro carinho – e lhe dar adeus, prometendo que se encontrariam novamente, nem que tudo estivesse contra ela .

Foi então que conheceu suas amigas, suas companheiras de equipe . Não lutavam por motivações da nobreza, do grande jogo, mas por um objetivo básico : proteger as pessoas, e nada mais além disso . Seja enfrentando perigos, seja evitando guerras ... seja arrecadando alimentos para os necessitados nos pontos mais distantes ,seja prestando serviços de prevenção a doenças, servindo como voluntárias em vilarejos distantes , seja trazendo conhecimento e cultura para o ignorando, saúde para o doente,  era um grupo que tinha, acima de tudo, o amor e respeito das classes pobres e pouco privilegiadas, por que todas vinham dessas mesmas classes, pessoas que entendiam de suas necessidades, que sabiam do que precisavam . Não apenas pessoas que as protegessem em casos de guerra, mas que compreendessem seus problemas mais graves .

Inevitávelmente encontrou sua irmã . Ela pertencia a um grupo diferente, mas por diversas vezes, ela liderou sua irmã e outros em missões em que suas equipe tivessem que cooperar umas com as outras .

Mas nunca fora como antes . Pela primeira vez, sentiu um ódio mortal por uma pessoa, ou melhor, por um grupo de pessoas . As mesmas que a oprimiram durante anos, trataram de  criar na cabeça de sua irmã a idéa de que ela se achava melhor do que os outros, de que abandonou sua familia por que não a considerava digna dele, se achava melhor do que qualquer outra pessoa no planeta . A mestiça convencida, a qual achava que ninguém ali era bom o suficiente para ser comparado a ela .

E fizeram um excelente trabalho, por sinal . Seu relacionamento com sua irmã, agora uma moça crescida, nunca mais foi o mesmo . Provando que havia assimilado tudo o que haviam lhe dito, a mesma a tratava com enorme desprezo, apenas acatando suas ordens quando a situação pedia, e fora disso, o laço emocional de ambas era praticamente nulo .

Mas ela continuava . Tinha uma missão . Tinha um ideal que era maior do que isso . Mesmo que significasse se ferir ainda mais, tinha uma missão .

Pois ela tinha suas amigas, suas companheiras . Suas irmãs ... suas iguais . Ninguém era maior ou menor do que o outro . Os cargos de nada valiam, pois frequentemente trocavam de posto . Suas amigas vinham dos pontos mais distantes, seja das trevas mais escuras de Caronte, seja das belas planicies de Julieta . Todas iguais, não dando a minima para a nobreza, apenas se empenhando única e exclusivamente ao povo . Ele e somente ele . Lutavam por ele, batalhavam por ele ... sacrificavam-se para saciar as necessidades mais básicas deles, como alimentação, saúde, higiene, educação ... providenciavam comida, meios de vida ... eram mais do que um grupo de guerreiras ... mais do que uma elite ... eram um verdadeiro grupo de apoio e amparo . Muitas também tinham habilidades médicas e tratavam dos doentes, de modo que as vezes passavam meses acampadas em determinadas regiões prestando auxilio à população . Outras se ocupavam de negociar com outros planetas a doação de alimentos para vilarejos carentes, até mesmo chegando a pagar pela comida, usando dinheiro doado por todas . Mais do que tudo, eram uma verdadeira fonte de inspiração para as massas mais carentes .

Eram as salvadoras deles ? Não . Nunca quiseram isso . Mas se empenhavam em mostrar a todos que eles não estavam sozinhos na luta por igualdade social, e que sempre podiam contar com elas naquele eterno jogo em que os nobres se divertiam, um tentando derrubar o outro, enquanto os miseráveis sofriam com seus atos .

Tudo isso ... cada detalhe ... cada coisa lhe voltava a cabeça, enquanto seu corpo tremia .

Era o fim . Sem volta .

Era o fim .

- Não ... não desista – ela sente uma mão tocando gentilmente em seu ombro – não desista, Io ... n-nuca é o fim ... nunca ....  não termina conosco . Sempre se erguerão pessoas indignadas com o sofrimento das massas ... sempre . Não tenha receio ... não se entregue ... não aceite o destino que lhe foi imposto . Você nunca fez isso ... sei que tem medo ... muitos medos ...  mas você é forte ... é poderosa ... e não me refiro as suas habilidades, e sim a você como pessoa ... não desista ...

- N-n-Neya ...

- Erga-se, guerreira ... ainda não acabou ... completamos nossa missão, mas o preço a ser pago foi muito alto ... mas todas nós sabiamos o que enfrentariamos, não ? Não tenha medo ... você sabe o que fazer ... nós ... nós somos irmãs, não somos ? Muito mais do que o sangue, é o nosso espirito . Você sabe ... estava entre as que sempre soube ... o amor ... lealdade ... fraternidade ... não estava no sangue, estava aqui, em nosso peito ... n-nós sempre seremos suas irmãs ... sua familia ... sempre ... portanto, não fique triste por nós ... ou melhor ... fique sim . Mas não deixe isso dar um fim a sua vida ... não permita que isso seja mais forte do que você ... você é forte ... muito forte ... é a mais poderosa de todas nós ... a melhor de todas ... ser ou não a líder nunca fez diferença, não é mesmo ? Se todos aqueles principes e princesas arrogantes fossem como você, se eles fossem um décimo do que você é, então nós não precisariamos existir .

- N-neya ....

- Erga-se, Io . Para muitas aqui, é o fim . Para outras, como você, nem tanto . Vamos, erga-se . Você pode . Você é única . Inigualável . Seu poder, sua garra, determinação, instinto, sabedoria e capacidade superam os de muitos da própria Elite . E se quer saber – a voz da mulher se encheu de algo que ela reconheceu como sendo um misto de amor, orgulho e respeito – se algum dia eu precisasse me curvar diante de alguém ... seria de você, princesa . E só para você . Você sim é o tipo de pessoa, de líder que eu seguiria até o inferno .  Lembra-se quando visitamos seu pai, e nem eu ou você nos curvamos ? Mesmo sendo obrigada pela minha origem, eu não me curvei, e muito disso se deve a você . Trocavamos frequentemente de posto, e quando soube que iria ocupar o posto que já te pertenceu e no qual você se consagrou, me senti honrada . Pela primeira vez, me senti abaixo de alguém, achava que não estava a altura, mas você me mostrou isso, lembra ? Mostrou que somos irmãs, uma igual a outra, ninguém acima de ninguém . Erga-se, Io . Você ainda tem uma vida inteira pela frente . Erga-se . Confio em você . Acredito em você ... magestade . Viva até o fim de seus dias da mesma maneira que sempre viveu . Algumas pessoas tem toda uma vida pela frente ... outras, preferem ver suas vidas se desfazendo lentamente . Mas se você ... se for capaz de viver sua vida ... seus anseios ... seus desejos ... seus medos ... suas alegrias ... suas conquistas ... se você conseguir viver isso ... tudo isso de uma só vez ... e em um só lugar ... então você atingirá algo glorioso .

Seu corpo ainda se contorcia, doía como nunca, mas algo a obrigava a se levantar, algo a fazia perceber que não era o fim .

Não o fim .

Ignorando a tudo e a todos, a pilha de corpos ao seu lado, o mar de sangue que banhava aquele lugar, ela chama pelas suas últimas forças e se ergue .

- Obrigado, n ... – seus olhos demonstravam um novo pavor – NEYAAAAAA !!!!!

Io coloca a mão em seus olhos, fechando-os .

Mais uma . Mais uma de suas irmãs de armas ... morta .

Morta .

Morta .

Mas uma entre tantas . Mais um corpo no meio de muitos .

- Descanse em paz, Néya . Descanse em paz .

Ela dá um último adeus e se ergue por completo, contemplando a paizagem e o número de corpos .

Simplesmente ... absurdo .

O número de corpos era absurdo .

As baixas, enormes .

Ela começa a caminhar pelo local, ora tentando sentir, ora observando, a procura de sobreviventes . Qualquer um que respondesse, qualquer sinal de vida .

Não encontrou .

Naquele dia, seu grupo alcançou um número recorde de baixas : mais de 90 .

Na verdade, ela sabia o verdadeiro número, mas preferia não ir até o fim .

Um massacre . Um verdadeiro massacre .

Todas elas ... mortas ... caidas em combate ...

Doía só de andar pelo local, tentando ignorar o sofrimento e procurar sobreviventes . Qualquer um .

Pelo menos isso .

***

Seus olhos se abrem e ela se ergue violentamente, tomada por um aperto no coração mortal .

Não acreditava ... não podia acreditar ... não ... não ...

- Eu .... eu ....eu ... – Naru levava suas mãos até sua face, cobrindo-as . Sentia o amargo peso do passado, o triste retorno do conhecimento . Podia sentir seu peito sendo perfurado por mil lanças e em seguida sendo despedaçado e espalhado por mil mundos .

Como aquilo foi acontecer ? E por que ?

Ela ... suas amigas ... suas companheiras ... suas irmãs ....

A única familia que ela verdadeiramente teve . O único local em que se sentia como igual, em que tivera amor, dignidade e respeito .

Morta .

Seu punho se choca contra o chão, causando uma rachadura, ao passo que seus dedos se encravam nesta, aumentando o buraco . Sua indignação era tremenda, que ela sentia vontade de jogar tudo para o alto .

Por que aquilo tinha que acontecer ? Por que ?

- Quando choramos, colocamos para fora algo dentro de nós . Medo, alegria, dor, tristeza, surpresa, ressentimento ... amizade, afeto, sensibilidade ... sempre . O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã .

Naru ergue sua face, receosa de a verem chorando . Mas ainda assim, a ergue .

Não havia nada ali . Chegou a pensar que fosse seu Otousan falando diretamente em sua mente, mas não .

A única coisa que havia ali era um passaro .

Um ... pombo .

Um ... pombo ?

Um pombo !!!!!

- Saudações, princesa Io .

- Princesa ... Io ? – Naru se ergue, encarando aquele estranho ser . Enquanto fazia isso, buscava na parte mais profunda de suas memórias algo que explicasse aquilo . Estava começando a se acostumar com elas, a lembrar-se de detalhes como se os tivesse feito há menos de meia hora . – Fowkeless ? Fowkeless ?

- É uma honra ser reconhecido pela senhorita, princesa .

- Não me chame de princesa – ela rosnava para ele – meu nome é Nekomi Naru, Fowkeless . Naru ! Eu ... eu não tenho certeza, mas ... não sou Io, e sim Naru .

- Como preferir, lady Naru .

- Apenas Naru, nunca gostei de tratamentos pomposos . Não significam nada para mim, e também não estamos em reino algum  .

- Como sempre, você tem uma lingua afiada, Io .

- Já falei para parar de me chamar de Io ! Esse nome ... esse ... esse ....

- Você o odeia tanto assim ?

- Claro que não ! É que ...é que ... eu ....- ela para, pensando seriamente no que estava fazendo . Não iria dar em nada começar uma discussão com um pombo, ainda mais ela começando a se lembrar do que aquele pombo era capaz e o porque de estar ali . –  eu prefiro que me chame de Naru . Pode me chamar de Io se quiser, Fowkeless ... estou até disposta a ser tratada como princesa, magestade ou Lady, como preferir, afinal, era essa a sua função , e irei respeitar seus modos, mas ... fique sabendo desde já que eu prefiro ouvir o som do meu novo nome . Não vou me incomodar com outros, mas ... bom, você me entendeu .

- Como preferir ... Naru . Imagino que esteja se sentindo terrivelmente para baixo, não ? Ou como vocês preferem dizer, "acabei de levar o pior tapa de minha vida".

- Você é bom com palavras ... sempre foi – ela estica o braço e o pombo branco pousa nele – mas eu tenho uma pergunta ... o que faz aqui ?

- Essa pergunta já foi respondida uma centena de vezes, Naru . Mais do que isso, na verdade . Para ser mais exato, o certo seriam 146.286 vezes . Ou 146.287, se eu tornar a respoder agora .

- Não devia estar aqui . Estamos em outros tempos . Outra época . Tudo o que eu fui já passou . Em minhas veias não corre o sangue ao qual você jurou lealdade .

- Minha lealdade à sua casa ultrapassa meros detalhes como a morte, minha Lady . Eu a acompanhei por toda a minha vida, e continuarei fazendo isso por quantas mais eu vier a ter .

Naru abaixava os olhos . Sabia exatamente o que Fowkeless queria dizer . Ele tinha uma função muito especial, e se dedicou a ela até o fim . Até o fim, mesmo .

Nem que para isso tivesse que ir contra seu pai .

- Sou uma bastarda, Fowkeless . Você só estava comigo por ordens, e nada mais .

- Se você prefere acreditar nisso ...

- É a mais pura verdade ! Vá atrás de algum outro parente meu . Minha irmã ! Ela deve estar entre aqueles que Seo-papa criou ! Vá atrás dela e protejá-a e .... Fowkeless ... ela ... ela não estava entre aqueles que ... que ...

- Não . Ela não estava no templo Hikawa .

- Esteve lá ?

- Estive assistindo os últimos acontecimentos, se é isso o que quer saber . Sempre me perguntei o por que de Seo não a envolver em missões de campo . Mas ficou claro que ele sabia quem você era desde o começo .

- Desde o ... começo ? – ela arregalava os olhos – por que ... por que não me contactou antes ?

- Você não estava pronta .

- Não  estava ? Tudo o que eu queria era ...

- Veja o que acabou de fazer . O que acabou de recordar . Seu estado emocional está a flor da pele pelas memórias . Se eu tivesse surgido e contado a você a respeito do passado, suportaria isso ? Estaria preparada para saber que enterrou todas as suas companheiras ?

- Eu ...

- Está vendo ? Em sua antiga concepção, você era apenas uma garota que sabia lutar bem . Não era nem mesmo uma sombra do que foi um dia . Mas agora que aquela pseudo-empata a despertou ....

- Mas não é justo ... não é justo, mesmo ! Por que eu tinha que me lembrar disso ? Podia ter esquecido isso para sempre, deixar essa parte do meu passado jogada em um canto para nunca ser lembrada !

- O passado nem sempre é agradável, Naru . Podemos encará-lo, podemos esquece-lo ... mas para seguirmos em frente, devemos fazer alguma coisa com ele, seja qual for sua decisão . Se vai ficar se culpando pelo passado, boa sorte . Se quer esquecê-lo, te dou meu apoio . Mas se, ao invés disso, quiser utilizá-lo em proveito próprio para construir algo melhor, então descobrirá algo glorioso e ...

- Como disse ?

- Se o utilizar em proveito próprio e ...

- Não ... você disse "algo glorioso" ... essas ... essas eram as últimas palavras de Neya ... céus ... pelo plasma solar .... quantos corpos ... quantos corpos ... todos eles ... todos em Caronte ... foi um verdadeiro massacre, Fowkeless ! Um massacre ! – ela parava para respirar e ajeitar as idéias – e o que foi que eu fiz ? Eu as deixei lá ! Por Cronos ... eu as abandonei !!!

- Se é nisso que você prefere acreditar ...

- Não comece ! Você viu tudo aquilo !

- Vi ... claro que vi . Eu cantei um hino para elas, lembra ? E também providenciei que Caronte não fosse perturbada, desde então se tornou território proibido para qualquer pessoa, o cemitério dos heróis, lembra-se ?

- Heróis ... hunf ! Grande heróina eu fui …

- Você tinha uma missão e a cumpriu, Naru . Todas vocês tinham uma missão .

- Grande coisa ! Isso não salvou minhas amigas !

- Não diga isso . Não aja assim . Você tinha total noção do que estava fazendo, e elas também . Você envergonha elas agindo dessa ...

- Envergonhar ? Por inferno com a vergonha, Fowkeless ! Ela não vai trazer minhas companheiras de volta !Que quer que eu faça ? Que eu dê uma festa em comemoração às minhas companheiras mortas, é isso ? Ou celebre uma marcha, quem sabe ? Enquanto você cuidava para que Caronte se tornasse território sagrado ... enquanto contactava a capital ... eu ... eu ... eu fui até a familia de cada uma delas, Fowkeless . CADA UMA ! O choro de uma mãe diante do destino da filha ... eu ... eu levei essa noticia, pois minhas companheiras eram filhas de alguém, irmãs de alguém, mães de alguém . Fez uma enorme diferença para todo o povo ... mas só trouxe dor e tristeza para as familias delas . – Naru apoiava a mão no chão, vertendo lágrimas – ouve uma mulher, ela era mãe de Soraia . Aquela senhora já era bem idosa e Soraia era sua filha mais jovem . Mas quando ela recebeu aquela noticia – ela colocava a mão no rosto, como em desaprovação pelo seu próprio ato – por Zeus ... ela ... ela morreu ali mesmo nos meus braços ! O coração da pobre senhora parou de repente e não tornou a bater . Tentei de tudo . Tudo mesmo, mas nada funcionou . Nada . Fui o mais sútil e delicada possível, mas de nada adiantou . E a cada familia que eu visitava para levar a triste noticia, aquele medo me corroia . Uma familia de cada vez ... uma noticia para cada familia, uma tristeza batendo na porta . Um dos piores momentos foi quando eu fui levar a noticia até familia de Neya . A mãe dela se curvou diante de mim e fez uma reverência, e continuou daquele jeito mesmo depois que eu contei o que havia acontecido . Ela ... estava claro o estado dela, mas ela apenas disse que sua filha morreu como uma guerreira protegendo seu povo .- ela sente o pombo dando uma leve bicada em sua nuca, como se a estivesse confortando – o-obrigada, Fowkeless ... obrigada por tentar me confortar .

- Dê uma chance para si mesma . Está recobrando em horas o que as Inner Senshis não conseguiram em anos . Naru ... Lady Io ... você foi grandiosa . Foi a melhor de sua geração ...a maior de toda uma era .

- Nunca quis ser a melhor, Fowkeless . Isso foi apenas uma conseqüência de minhas ações . Eu nunca havia entendido, sabe . Quando a senshi louca retornou ... quando ela ameaçou destruir este planeta ... quando ela resolveu continuar com seu plano de achar seu bem mais precioso, nem que para isso precisasse destruir um número infinito de mundos ... eu era tão nova . Tão ... inocente . Seo-papa tinha sido tão gentil comigo, me protegeu, cuidou de mim ... me deu educação, carinho, dignidade, familia ... ele protegeu a todos quando a Senshi louca retornou, sabe . Não deixou que percebessem a existência de meus irmãos . Não sabia por que, mas sentia uma raiva enorme por aquela mulher, ainda mais quando ela roubou a semente estelar das Inners . Mas Otousan me impediu, não deixou eu ir até lá acertar as contas com ela . Hoje eu sei que não teria a menor chance . Nem mesmo uma lembrança esquecida eu seria para ela . Definitivamente, eu deveria ter morrido em Caronte, amigo .

- E trair as últimas palavras de Neya ?

- Lady Io fez tal promessa a Neya e a cumpriu até o fim, apesar dele não ter demorado muito para surgir . Mas eu não sou Io . Tenho as memórias dela e um corpo que em parte é similiar ao dela, apesar de ser bem mais fraco ... também tenho os sentimentos acumulados ao passar dos anos, mas não sou ela . Sou uma antiga alma em um novo corpo, só isso . O corpo de Nekomi Naru, estudante de Jornalismo da Toudai que vai acabar repetindo o período se continuar faltando as aulas e muito provavelmente sendo demitida se ficar faltando ao trabalho . Mitsukai-sempai  vai me matar ...

O pombo voava ao seu redor, pegando algumas flores dos arbustos e jogando encima dela, enquanto a mesma continuava olhando para o céus . Um de seus braços se esticavam, como se tentassem tocar as estrelas e os planetas .

- Ganimedes – ela estendia a mão, como se apontasse para algo que não estava visivel no céu – que saudades ... quantas saudades . Mamãe iria gostar de ver minha casa por lá . Fazer faxina daquilo depois de meses fora não era uma tarefa fácil .

- Eu sei, acabava sobrando pra mim, lembra ? Você passava a maior parte do tempo tentando se aproximar mais da sua irmã ...

- ... mas acabava não conseguindo . Depois de todas aquelas mentiras que disseram ao meu respeito para ela durante aminha ausência, não era de se admirar que ela me odiasse . – ela fazia movimentos circulares , como se estivesse desenhando planetas – pobrezinha . Não conseguia ficar irritada com ela . Pobrezinha .

- Ela tinha orgulho de você ... quando eu me correspondia com seu pai, ela perguntava por você .

- Quando ela era pequena . Mas a adolescencia chegou, trazendo a idade da razão ..  a fase das descobertas, das mudanças e tudo o mais que vem no pacote, como achar que sempre está certo a respeito de um assunto, e nunca, mas nunca erra . Foi nessa época que ela assimilou com mais facilidade a história da "bastarda que se achava melhor do que todo mundo e foi embora por causa disso".

- Não fique se culpando .

- E não estou . Como disse, memórias . Boas ou ruins, estão retornando em uma velocidade impressionante . E você, Fowkeless ? Como é a sua vida agora ? Tem familia ?

- Tenho ... mas não são o tipo de pessoas que você gostaria de conhecer .

- Por que ?

- Bem ... pra começar, minha mãe, ou Okaasan, como vocês pronunciam nesse idioma local, é uma galinha . Sou filho de uma chocadeira que vivia botando "berrentos" no mundo .

- Bem ... desculpe, não queria tocar em um assunto delicado . Mas não precisa descarregar tudo encima dela . Só por que ela não foi o melhor exemplo de mãe, ou pelo menos, algo que te lembrasse a que você tenha tido na vida anterior, não significa que seja má pessoa . Ela deve te amar, não duvido disso .

- Não, é sério . Ela é uma galinha MESMO ! E não estou estou falando literalmente, estou falando sério, a função dela é abastecer uma granja !

Naru olha para Fowkeless, encarando-o e tentando segurar um riso .

- É sério !

Ela ri descontroladamente . Podia ser pior, ela pensava . Quem disse que todos precisavam renascer com o mesmo corpo que morreram ? Alguns poderiam dar a azar de renasceram com um sexo diferente do original, ou até mesmo como algo diferente da raça humana ...

- Explica essa história direito, Fowkeless ... senão eu vou ter um treco aqui !

- Bem, você sabe ... não tive a mesma sorte que você, de nascer em um berço e ...

- Berço ? Fowkeless, passei parte da minha infância morando nas ruas, sabia ? Eu era uma trombadinha, vivia roubando e pedindo esmolas . Se Otousan não tivesse me dado uma vida, provavelmente eu estaria fazendo coisas piores a essa hora .

- Bem, ao menos você não tem que se preocupar em ser frito no café da manhã . Tem idéia de quantos ex-futuros irmãos eu vi indo para a frigideira, só por que não tiveram a sorte de nascerem antes do tempo ? Foi um horror ! Eu me lembro muito bem, sabe . Aquele calor, o conforto ... até que eu tive a péssima idéia de quebrar a casca para sair . Me pegunto onde estava com a cabeça, sabe . "Olha, isso está mole, vamos quebrar prar ver o que acontece" ... depois, bem, me senti o ser mais amado do mundo ao ver minha mãe pela primeira vez . – Naru segurava uma risada ao imaginar a cena do "nascimento" de Fowkeless – mas foi isso que me salvou, ter saido da casca antes do esperado , assim como outros irmãos . Ela nos acolheu , mas ficou horrorizada quando a dona da granja levou meus irmãozinhos que não haviam nascido . Tive o horror de ver o fim do primeiro em seguida, quando um dos ovos caiu da mão dela, e ela nem havia saido da nossa "casa", ainda . Mamãe entrou em crise ao ver a cena e pulou encima dela, sendo ajudada por nossas tias, mas não adiantou, e a dona da granja ainda por cima pegou uma das minhas tias pelo pescoço e a serviu no almoço junto com meus irmãos .

- Francamente, Fowkeless ... um pombo que na verdade nasceu como um pintinho, contando seus lamentos ... não sei se sinto pena ou me mato de tanto rir !

- Não tem graça, Naru . Não tem mesmo .

- Desculpe .

- Como dizia, era uma vida dura a minha .

- Você ... você compreendia isso ?

- Nem sempre . No começo, eu era apenas um pintinho querendo se aventurar pelo mundo, e sendo acobertado pelas asas da minha mãe . Mas era triste, sabe . Sempre que uma de minhas "tias" não tinha mais serventia, ia para a panela . Geralmente isso acontecia quando sua produção de ovos diminuía, veja só . E, como se não bastasse, ainda haviam aquelas pestes implicando comigo .

- Pestes ? Quem ?

- Os filhotes dos humanos . Viviam mexendo comigo,  meus irmãos e meus primos . E tinha vezes que nem a minha mãe indo pra cima deles adiantava  e .... o que foi ?

- Sabe ... nunca mais vou afugentar uma galinha na vida . Pensando bem, Acho que nunca mais irei comer frango e ovos .

- É gentiliza sua .

- Bem ... na verdade, é por pura precaução, mesmo . Vai que é algum antigo conhecido ...e ... bom ... primos ?

- Outros pintinhos  .

- Mas você sempre os chamou assim ?

- Só quando percebi quem eu era . Eu e meus irmãos estavamos no galinheiro, sabe . Mamãe tinha colocado todos nós pra dentro, mas ela saiu de repente  . Não me lembro o motivo, mas os filhotes dos humanos começaram a implicar com ela . Bater, chutar, tacar pedra ... bem, quando eu vi aquilo, não sei por que, mas fiquei horrorizado . A cena era apavorante, ainda mais para um filhote como eu . Não prestei atenção no processo mas, quando me dei conta, de um minusculo pinto eu havia me transformado em um grande e garboso galo  . Um galo-de-briga, na verdade . Aquelas crianças entraram em pânico quando eu as ataquei e começaram a correr .

- Sei . Foi ai que você recobrou suas memórias, não é ?

- Não . Foi quando eu me perdi . Sabe, a vida de um pinto é muito dura . E limitada . Mas ele é feliz na medida da sua ignorância . Com exceção do fogão, que geralmente é o nosso destino certo se não somos fêmeas, ainda temos que conviver com as brincadeiras das crianças, os lobos da fazendo durante suas crises de mau-humor ...

- Lobos ?

- Desculpe, vicio de linguagem . Para nós, da granja, todo ser do gênero canino é um lobo . E não culpo meus semelhantes . Afinal, no fim das contas, os cães não estão muito longe disso . As vezes em que eles tem ataques de raiva e nos atacam ... perdi um irmão certa vez por causa disso, por outro lado, um dos lobos teve uma das vistas ferida gravemente pelo meu pai .

- Pai ?

- Ah, você sabe ... todo galinheiro tem um galo, ou melhor, aquele que manda . Sentia que, no fundo, o coração dele batia mais forte pela minha mãe, sabe . – uma gota se formava na testa de Naru ao ouvir o comentário de Fowkeless a respeito da vida amorosa de seu pai – Era um grande guerreiro e, se tem algo que eu tenho que dar o braço a torcer, já tinha ouvido as donas da granja comentando que as crias dele tinham um gosto fabuloso .

- Ouviu tudo isso e não fugiu ?

- Já chego lá . Eu havia me perdido de minha mãe, e estava começando a escurecer . Eu piava como um desesperado, estavan sentindo fome e frio, até que eu vi aquilo, aqueles olhos me encarando, os olhos vermelhos da morte . Um lobo .

- Um cachorro louco ?

- Não ... uma raposa . E me fitava, estava vendo em mim a refeição que não teve a semana inteira . Eu teria morrido se meu pai não tivesse aparecido na hora e atacado-o .

- Um galo contra uma raposa ? Ele não tinha a menor chance !

- Não me lembro de ter dito que tinha . Mas ele fora um galo de briga, não iria se entregar sem luta . E devo dizer que fez uns bons cortes na face dela, antes da mesma o agarrar pelo pescoço e torcê-lo como se fosse de borracha . Foi horrivel, meu intelecto limitado na época não me permitia fazer outra coisa a não ser ficar mais e mais assustado enquanto ela corria atrás de mim, até que , quando me dei conta, estava de frente para o galinheiro com a raposa na minha cola . Minha mãe pulou encima dela para me proteger . Não tinha a menor chance, seria trucidada mas, como diz aquele ditado : "Mãe é tudo igual, só muda de endereço" . E as vezes, de pele ... a desgraçada segurou minha mãe pela asa e começou a balança-la para todos os lados . Mas minha mãe não desistia, bicava a raposa de todas as formas . Quanto a mim, eu era apenas um pintinho . Meu mundo se limitava a comer, correr pela terra, seguir para debaixo da asa da minha mãe em caso de perigo ... basicamente, era isso . Mas algo diferente aconteceu daquela vez . Era como se algo dentro de mim falasse mais forte, me inquietando diante da cena . Junte isso com uma indignação maior ainda, e o resto foi pura consequência . Não me importava com quem eu fui ou o que fazia ali, a única coisa que me passava pela cabeça era que, apesar dela ser uma criatura irracional que mal tinha noção da realidade, ainda assim era a minha mãe, a qual me protegera, me criara, me aquecera nas noites mais frias, me acobertou e me protegeu durante os perigos da vida, e que estava disposta a dar a vida por mim naquele momento, e faria de novo se tivesse mais uma vida . Por que ela me amava acima de tudo, de todas as coisas . Meu corpo havia crescido novamente, só que ficou maior do que antes, e eu voei na direção do predador e cravei minhas garras nas costas dele, fazendo a raposa soltar minha mãe . Ficamos ali, eu rasgando a raposa com meu bico e minhas garras, e ela me mordendo . No fim, eu venci . Mamãe havia se ferido muito, de modo que ficou sendo tratada pela dona com cuidado . Quanto a mim, voltei a ser o doce filhote que era criara, mas não era a mesma coisa . Agora tinha noção do que eu era, e de quem eu era . Sabia que minha vida era mais do que ficar ali, e que uma hora teria que partir . Ela chorou muito quando eu voei dali, dizendo que tinha coisas para resolver .

- Chorar ? Ah, fracamemente, galinhas não ...

- Você me entendeu . As vezes, eu sonho com ela . Onde está, como está ...

- Olha, sem querer desrespeita-lá ... será que podemos mudar de assunto ?

- Ok, ok . Me desculpe se minha vida pessoal lhe é tediante, Lady Io .

- Eí, não foi isso que eu quis dizer, mas ... bom, você sabe .

- Claro que sei . Ela é um galinha, o destino dela é botar ovos e servir de alimento, não é mesmo ? Isso, pise, chute, acabe comigo !

- Ora, Fowkeless ... vai me dizer que na outra vida você nunca comeu alguns ovos ? Ih, foi mal !

- Aceito suas desculpas, Lady Io . É compreensivel que a senhora não tenha se lembrado por completo do respeito que nós, Harpys, temos pelos nossos semelhantes .

- Desculpe . Bem ... e agora ?

- Agora ? Agora a senhorita decide, Naru . O que quer fazer ? O que planeja ?

- O que me sugere ? Apesar de ser um chato em muitas ocasiões, sempre dava bons conselhos . Você trabalhava para o Serviço de Inteligência, dê-me um conselho .

- Situações como essa não pedem conselhos, mas decisões . Você sabe que Seo está tramando algo, apesar de não ter noção exata do que seja .

- Sim – ela maneava a cabeça – Mas Otousan não é uma pessoa má, apenas ... apenas ... – ela suspirava . Era a dura realidade, mas era – segue um ... juramento . Um voto de lealdade .

- E você, Naru ? Ainda mantém seu voto de lealdade ?

- Meu voto de lealdade não vale de nada agora . E sinceramente, mediante a situação atual, não pretendo refaze-lo . Aquela mulher não serve para governar, não tem o menor punho para isso . tampouco se importa com seus súditos . Onde ela estava quando eu passava fome na rua ? Ou quando Okaasan ensinava-nos a controlar nossos dons ? Onde ela estava quando muitos de nós passavam frio ? Não, senhor ... ser uma sobenara é muito mais do que defender o povo de ameaças externas, ser uma soberana e cuidar do povo, arcar com os problemas dele, estar a parte de seus problemas . Não que ela tenha que ser perfeita ... mas enquanto ela tinha sua vida em paz sem problemas, muitos de nós despertavam sem saber o que eram, de onde tinham vindo, por que tinham seus poderes . Muitos estavam perdidos, achando que eram aberrações, monstros e coisas do tipo . Não, Fowkeless ... meu juramente foi para o povo e somente o povo . Em verdade defendi uma soberana sábia que se preocupava com o bem estar de um sistema inteiro, mas essa atual herdeira em nada se compara a sua antecessora . Otousan não é um santo . Ele tem suas falhas, assim como qualquer pessoa, mas ele e Okaasan foram as únicas pessoas que se preocuparam conosco , que nos deram um lar, familia, dignidade, que nos mostraram a alegria de ter uma infância saudável . Ele se preocupou em nos criar não como soldados, mas como seres humanos. Ele sim é digno de um voto de lealdade, por ele eu daria minha própria vida . Ele, e não essa herdeira, se preocupa com todos os que renasceram , se preocupou em procurá-los . Quantas vezes ele organizou buscas para localizar algum outro perdido, ou tentar encontrar alguém ? Muitas vezes .

- Você tem um amor e respeito muito grande por Seo, não é mesmo ?

- Ele não é perfeito ... sinto que ele está fazendo algo que lhe trará grandes problemas no futuro ... mas eu não seria metade do que eu sou hoje se não fosse por ele .

- Faça o que achar melhor, Naru . Você nunca foi de ficar se questionando, mesmo . Sempre foi de fazer o que era preciso ser feito, não é mesmo ?

- Mas e quando não é possível fazer o que precisa ser feito, o que fazer ? Seguir em frente, até o fim ?

- Nunca desistir, você quer dizer .

- Essa não é uma situação tão simples assim, não é mesmo . Não se trata apenas de uma luta, muito mais está em jogo . Sabe ... é realmente uma pena estar nesse tipo de situação . Não é o tipo de coisa que eu queria me envolver, mas no fim, não tenho saida, sou como um rato em um labirinto, tenho que ir até o fim .

- É isso o que fará, Lady Io ?

- Não . Não será algo que será feito por Lady Io – ela se ergue, olhando duramente para as estrelas e esticando os braços – e sim por Nekomi Naru, e ninguém mais . Seo-papa, Sumire-mama, meus irmãozãos, meus irmãozinhos ... todos eles são responsabilidade de Nekomi-Naru, e não de Io .

- E o que Nekomi Naru irá fazer ?

- O mesmo que Io faria . - ela dá as costas para Fowkeless – faça-me um favor, Fowkeless ...

- Seu pedido é uma ordem, Lady Io .

- Minha irmã ... eu quero que você a encontre e ... afaste-a . Muita coisa acontecerá hoje, e não quero ela por perto .

- Como desejar, Lady Io . Como desejar .

- Fowkeless ... por que tamanha lealdade ? Não mereço tudo isso . Nunca mereci .

- É meu dever transforma-la em uma verdadeira dama, Ladu Io .

- Dama ? Eu ?

- Você é uma dama, isso não pode ser negado . Lembro-me quando consegui convence-la a usar aquele belo vestido que seu pai lhe deu de presente para ir àquela festa de gala durante a ....

- Me convenceu a isso ?

- Sim ! – ele dizia com um sorriso de vitória e satisfação .

- Deixa pra lá .

- Lady Io, me permite ...

- Pois não ?

- Quando isso tudo terminar ... posso lhe pedir um favor ? É sobre a minha mãe, eu ...

- Quando isso terminar, Fowkeless ... se isso terminar ... então estarei disposta a fazer qualquer coisa ...

***

O nascer de Sol . Um fenômeno impar, o qual se repetia dia após dia . Para muitos, o inicio de uma jornada, e o fim, para outros . Haviam aqueles que aproveitavam o máximo daquele momento, chegando a acordar mais cedo para apreciá-lo, e haviam aqueles que preferiam dormir o máximo  possível, adiando o momento em que iriam se encontrar com o astro-rei

Era o que acontecia com aqueles dois . Um gostoso sono tomava seus corpos, fazendo-os abraçarem um ao outro, a espera da inevitável hora em que seriam obrigados a levantar dali .

No entanto, naquele dia, algo estranho aconteceu . Já era pra sua Okaasan ter aparecido para chamá-los, ou melhor, retirá-los a força da cama para irem para a escolinha .

Curiosa como sempre, a garotinha de cabelos azuis ergue a cabeça, olhando ao redor, percebendo que ainda estava em seu quarto, abraçada ao irmão, o qual dormia como uma pedra, babava e estava com uma das pernas por cima dela .

- Kinji .

- Zzzzzzzzz .....

- Kinji .

- Zzzzzzzzz......

- Kinji .

- Zzzzzzzzz.......

- KINJI !!!!!! – a mesma empurrava para fora da cama o menino de cabelos castanhos, fazendo-o acordar violentamente de seu sonho tranquilo .

- Ai !!!! Sua boba ! Por que fez isso ?!?!?

- Acorda, seu preguiçoso ! A gente tem que ir pra escola !

- Hã ? Escola ? Mas hoje não é Sábado ?

- É Terça, seu bobão !

- Você que é boba !

- É você ! – ela dava lingua para ele, de modo que Kinji puxa Anchitka pelo braço e ambos começam a rolar pelo chão do quarto, brigando como sempre .

Não era uma "briga" de verdade, se tratava mais de um confronto de irmãos, seja para resolverem suas diferenças, seja para chamarem a atenção de seus pais . Ocasionalmente estavam se atracando no chão, ou usando um espaço maior, jogando coisas um no outro, mas no fundo, um adorava o outro mais do que tudo . Roger já perdera a conta do número de vezes em que os deixou de castigo por causa das brigas, dizendo que simplesmente não entendia o motivo deles, mas como entender tal coisa ? Afinal, eram irmãos e, acima de tudo, crianças . Não tinham o sentimento de "maldade", era, de certa forma, um jeito de competirem .

Uma forma bem estranha, por sinal .

Anchitka se afasta, pulando para o outro lado da cama . Kinji vai atrás, quando recebe um travesseiro na cara e cai da cama . Anchitka pula com um ar de vitoriosa, até que sente um de seus ursinhos de pelúcia voarem na sua cara .

- Kinji ! Meu ursinho ! Isso não vale ! – furiosa, ela pula na cama, ignorando os outros bichos que vinham em sua direção, e dá uma travesseirada na cara dele, e outra, e outra, até que, segundos depois, um vencido Kinji estava literalmente acabado no chão, sem a menor chance de ser erguer e dar o troco – YES ! I WIN !!!!!! Levanta, seu fracote ! A gente tem que se arrumar pra ir pra escola ! – ela o sacudia, tentando tirá-lo daquele estado de tontura – anda !

- Dãaaaaaaa !!!! – Anchitka o pega pela perna e começa a arrastá-lo pelo chão . Um pouco mais atento ele dá uma banda nela e, subindo encima da mesma, começa a puxar seu cabelo .

- Ai !!!! Kinji ! Meu cabelo ! Meu cabelo !

- Ah, isso aqui ? Meu cabelo é maior que isso ! – ele continuava puxando .

- Não é nada ! Não é nada ! Okaasan falou que ele tá crescendo, você vai ver, eu vou ter um cabelo muito bonito e bem grande ! – ele estica os braços para trás, segurando Kinji e jogando-o no chão e, no momento seguinte, ambos estavam agarrados, rolando pelo chão do quarto  até que, alguns minutos depois, Anchitka, a qual estava dando um cascudo em Kinji, para e olha ao redor – Okaasan e Otousan não deveriam aparecer agora para nos separar ?

- É mesmo – ele se erguia com a ajuda da irmã – o que houve ? E por que ela não apareceu pra dar o meu beijo de bom dia ?

- Será que eles estão brigando, mano ?

- Será ? Eles pareciam tão bem . Não entendo por que eles brigam .

- Não ? E a gente ?

- Você é menina, eu tenho que mostrar o quanto você é fraca .

- Fraca é você, seu bobão !

- É você, sua chata  ! – Ele dava lingua para ela – e para com isso, a gente tem que se arrumar, anda ! – ele abre a porta do quarto, e ambos saem, descendo em seguida pela escada em direção a sala .

- Kinji ! Kinji ! Kinji ! Olhaolhaolha !

- O que ?

- Olha, que lacinho lindo ! – ela pega um laço azul que estava no chão e o prende em seu pijama, na  altura do peito .

- Grande coisa, é só um laço idiota !

- E olha ! Que lindo ! É ... é ...

- Ué ... que gozado ... não parece com a roupa que aquele cara usava, aquele sujeito do desenho que vivia comendo espinafre, lembra ?

- Lembro, Okaasan disse que se quisessemos ficar fortes como ele, deviamos comer bastante espinafre ! – ela fazia uma cara de nojo  - bleargh !

- Mas eu comi espinafre, e tô ficando bastante forte ! Posso até dar uma surra no Akira !

- Bobão ! E perdeu de mim, lembra ? – ela batia no peito – oba, sou a mais forte, nào preciso nem comer espinafre !!!! Mas que uniforme lindo ! Parece a roupa de uma mulher ! – ela pega a camiseta e a vesta, deixando-a bem folgada em seu corpo . Pega também a saia, as botas e o que mais estava no chão, vestindo todas aquelas peças – Kinji, olha só como eu fiquei bonita ! Olha ! Olha ! Olha ! Agora eu sou mais bonita que a tia Rei !!!!!

***

Seu corpo não a obedecia por completo, pelo contrário, estava tomado por uma dormência sem igual . Era algo dificil de se explicar com palavras, pois tal sensação deveria ser sentida na própria pele para se ter tal compreensão .

Mas ainda assim, era uma sensação agradável . E, apesar de estar tentando despertar de um descanso profundo e merecido, havia uma certa sonolência na mesma .

E, acima de tudo, havia algo diferente, mas não exatamente novo . Era uma sensação a qual já estava acostumada, mas sempre a sentia como se fosse a primeira vez que a experimentava .

Ela conseguia fazer isso . Seu marido lhe trazia tal coisa . Ambos tornavam tal coisa possível .

Seus olhos se abrem, ao passo que as luzes do sol que entravam em seu aposento pela janela a faziam contemplar a beleza de um novo dia .  A mesma se remexia um pouco, tentando se aconchegar naqueles fortes braços que a envolviam com força, amor e carinho . Ela ergue um pouco mais sua cabeça, encostando-a naquele peito, desfrutando ao máximo do prazer daquele abraço que lhe dera uma sensação de segurança durante toda a noite .

Algo que ela precisava . Que ela desejava e almejava . Passara por todo tipo de situação nos últimos dias ... teve o desprazer de descobrir que nada nem ninguém estava livre de se denegrir . Nem suas amigas, nem aqueles que ela mais respeitava .Também encarou duramente o peso de suas decisões, e de suas amigas também, na vida de seus familiares .

Tanta coisa ...  e haviam se passado apenas alguns dias  desde que tudo começou . Não se referia ao encontro que teve no cais do porto, e sim a destruição do centro da cidade .

Muita coisa para alguém suportar . Era uma guerreira mas, além disso, era uma pessoa . Uma mulher . E Okaasan . Se Roger não tivesse tirado-a do banho e consolado-a naquele momento, não sabia o que poderia acontecer . Talvez tivesse ficado chorando ali por horas, quem sabe .

Mas não, ele estava ali . A ajudou, tirou-a de lá, a consolou ... ouviu seus problemas e compreendeu o fato dela não querer falar de outros .

Era prazeroso seu toque, seus braços envolvendo seu corpo por completo, acariciando-a, tocando-a, fazendo-a se sentir totalmente amada .

Ela abre um pouco os braços dele e se move por cima do mesmo, até atingir seu rosto, o qual ela encarava .

Lindo . Ele era lindo . E maravilhoso . Gentil . Amável . Honesto . Bom Otousan . Bom marido . Uma pessoa sem igual .

Era por ele . Por ele, ela não se importava de ser uma guerreira, de dar sua vida, pois sabia que alguém como ele merecia um mundo de paz para viver, aonde não tivesse que se preocupar com o fato de algum invasor ameaçar sua vida .

Ele e seus filhos, seus tesouros, seu maior orgulho . Doces crianças, um pouco bagunceiras e elétricas, mas era algo normal na idades delas . Brincavam, brigavam ... mas se divertiam . Tinham uma vida normal, com um Otousan e uma Okaasan que os amava por completo, e que se esforçaria ao máximo para ajudá-los nos momentos de dificuldade . Pois eles eram uma familia  .

Ela continuava encarando-o, admirando-o . Seu rosto, seu nariz, suas orelhas .... seu peito, seu corpo ... ela não se segura, dando um singelo e apaixonado beijo no mesmo, amando cada segundo daquilo .

- Bom dia, Koibito . – ele a olhava ternamente em meio ao beijo – minha querida ditadora absoluta das regras deste quarto sente-se melhor ?

- Ditadora, é ? – a mesma sorria dócilmente para ele – se eu sou uma ditadora, então você é o Imperador, meu marido, meu amado . Como gosto de estar ao seu lado, sentir o toque do teu corpo no meu, o som de tua respiração, o prazer de tua presença .

O mesmo apenas a observava . Sua face, seus lindos cabelos . Seu sorriso amável e sincero, a paz de espirito que sentia vindo dela .

- Céus ... você é linda . Muito, mas muito linda, mesmo .

- Obrigada, querido .

- Não, você não entende ... você é linda, querida . Mesmo no ginásio, quando éramos apenas amigos, eu já te admirava, até que não me contive mais e revelei meus sentimentos por você . Depois disso, no segundo grau, na faculdade ... lembro-me de que você era linda na faculdade, e sua beleza de agora amadureceu ainda mais .- ele tocava no  rosto dela com todo o seu carinho – sua personalidade, seu estilo ... sua pele, seu rosto ... eu não acredito que eu tenha tido tanta sorte .

- Como consegue, Roger ? Como você consegue sempre me olhar como se fosse a primeira vez que me visse em toda a sua vida ? Você é maravilhoso, meu amado . Eu é que me pergunto como fui ter tanta sorte assim na vida . Lembra-se quando nos casamos ? A cerimônia foi junto com a de Usagi, e ambas estavamos disputando quem era a noiva mais bonita .

- Eu disse que era você, mas Mamoru discordou . No fim fizemos uma votação e você venceu, lembra ?

- Sei .... – ela dava um sorriso debochado – Rei votou em mim só pra deixar Usagi furiosa . Lembro-me que Akira e Megumi estavam uma graça quando entraram conosco na Igreja .

- No fim, foi uma briga pra ver quem iria pegar o buquê, lembra ? Engraçado Minako ter pego os dois, não ?

- Ela é um pouco rápida . Tem uma velocidade acima do normal .

- Ah, então foi por isso – ele sorria levemente com a descoberta – mas se me lembro bem, a mesma teve uma doce alegria depois daquilo, lembra ? Acho que foi alguns dias depois do nosso casamento .

- Verdade – curiosamente, ela acabou se lembrando de que, nessa mesma época, Minako havia mudado um pouco seu jeito de ser, mas nunca souberam o verdadeiro motivo – Será que a tradição está errada ? Quem pega o buquê, ao invés de se casar, ganha um grande presente ?

- Talvez . – ele a beijava no pescoço, e a mesma acariciava seu peito .

- Sabe, Roger ... já disse que te amo ?

- Nunca duvidei, koibito . Nunca .

- Eu também não . Sinto um desejo enorme, uma verdadeira obsessão de estar ao teu lado, compartilhar da tua presença, saber que você sempre estará ao meu lado apesar de todas as dificuldades ...

- Eu prometi amá-la, honrá-la, respeitá-la e cuidar de você, lembra ?

- Até que a morte nos separe – Amy possuía um olhar diferente de tudo o que passou naquela noite . Era mais um olhar de satisfação, de pura satisfação .Sentia-se totalmente completa, tomada por um sentimento de amor incomparável – você é maravilhoso, Roger . Hoje e sempre, e ontem não foi exceção . Sentir você me abraçando, me consolando,dizendo que eu te pertenço e você é meu de corpo e alma, nossos corpos compartilhando esse sentimento belo e único ... – ela chegava lentamente, dando uma mordida de leve nos lábios dele – você me lembrando de quem eu sou e mostrando todo o seu amor por mim, dizendo que me ama, que me quer, que me deseja por completo, fazendo eu me sentir totalmente amada e seduzida ... – ela para de falar, selando os lábios de Roger com um longo beijo,  no qual ambos compartilhavam a confiança que um sentia pelo outro . Ela o apertava, tentando abraça-lo com suas mãos de todas as formas possiveis, enquanto que sentia as mãos dele tateando cada célula de seu corpo .

Ficaram assim por alguns minutos, até que ambos sorriem um para o outro e Roger senta na cama, puxando-a para seu lado .

- Mais tarde, querida . Agora temos coisas importantes para fazer, como acordar as crianças e ir trabalhar, por exemplo .

- Tudo bem – ela se erguia enquanto olhava para o lado – querido, onde estão suas roupas ?

- Acho que as deixamos na sala, vamos buscá-las e ... estranho, tinha algo do qual eu me esqueci que era muito importante, mas não consigo lembrar direito o que é ...

***

Pela quarta vez, ela olha para seu relógio .

Estavam perdendo tempo . Estavam sem o menor tempo . Teriam que agir, e rápido, antes que o pior acontecesse .

Ela chega diante daquela residência, tocando a campainha . Menos de um minuto depois, ele ouve uma voz .

- Quem é ?

- Sou eu, a Rei .

- Que Rei ? – a mesma apura sua audição, detectando o som como a voz de uma criança, e masculina .

- A tia Rei, Kinji . Lembra da bola que eu te dei ?

- Tia Rei ! – ele abria a porta, pulando no colo dela . A mesma apertava com força o "sobrinho" . Não possuiam exatamente um laço sanguineo, mas a convivência que compartilhavam, o laço de amizade que elas e suas amigas possuiam desde a adolescência, acabou se refletindo em seus filhos, os quais elas criaram como se todos fossem uma só familia .

- Se não é o meu rapazinho favorito ! Como está ? Seu Otousan me contou que está aprendendo a mexer no telefone .

- Ah, isso é fácil ! Precisa ver eu mexendo no computador de Okaasan e ...

- Computador ? – Rei arregala os olhos – você sabe mexer em um computador ?

- Kinji ! Okaasan disse pra gente não contar isso pra ninguém ! Oi, tia Rei !

- Oi, Chibi-Sailor .... Chi-chan ? – Rei arregala os olhos com a cena . Diante dela, estava sua sobrinha, Anchitka, usando nada mais nada menos do que o uniforme da Sailor Mercurio . Claro que estava bastante folgado, na verdade, lembrava sua filha quando ela pegava suas roups e vestia . A saia era maior, as botas também, a camisa, a tiara ... era como se ela tivesse feito o mesmo que Chibiusa fazia, com a diferença de que a roupa não estava no tamanho correto . Será que Amy foi tomar banho e deixou seu uniforme de Sailor na sala ? Bem que estranhou ter sentido uma energia tão grande emanando da casa dela .

- Sailor ? – a pequena de cabelos azuis a olhava curiosa – o que é uma Sailor, tia Rei ?

- Hã ... nada, não . Onde achou essa roupa ?

- Estava aqui no chão, toda jogada . Como estou ? Ficou bem em mim ? Será que agora fiquei tão bonita quanto a senhora ? Posso usar essa roupa pra passear ? Será que Okaasan não vai brigar ? E a ...

- Hã, minha linda ... você está linda assim e ...

- Jura ? – os olhos dela brilhavam, e a mesma dava voltas em torno de si mesmo – Ai, brigada !!!

- Querida, onde está sua Okaasan ?

- Deve estar dormindo, tia .

- É, deve estar dormindo . Que estranho, ela sempre acorda a gente . Será que eles brigaram de novo ?

- Brigaram ? – Rei erguia uma sombrancelha .

- É – a pequena ajeitava a tiara em sua cabeça – de vez em quando eles estão brigando pela casa .

- Isso é injusto ! – Kinji batia com o pé no chão – Otousan vive dando bronca na gente só por que a gente briga um pouco, mas ele vive brigando com a Okaasan !

- É isso ai ! As vezes quando eu brigo com o mano, eu acabo vencendo esse fracote e ...

- Não sou fracote !

- É sim, fracote ! Fracote ! Fracote !

- Aham, crianças ... o que dizia, Chi-chan ? – perguntava Rei, bastante interessada nessas tais "brigas" de Amy e Roger .

- Que quando Otousan e Okaasan brigam,  Otousan sempre leva a melhor . Mesmo quando Okaasan ficar por cima dele imobilizando-o, ele consegue vencer sempre .

Por cima ? Imobilizar ? Mas do  que esses dois ... ?

- E eles brigam mais do que a gente – Kinji olhava ao redor da sala, como se estivesse procurando algo – outro dia eles entraram no banho e a gente só conseguia ouvir Okaasan gritando, devia estar apanhando feio dele !

- E teve outra em que Okaasan tava fazendo o jantar , daí Otousan chegou e deu um tapa no bumbum dela, e como se não bastasse, ficou apertando ela com força . Mas daí ela revidou e fez o mesmo, mas como Otousan é forte, ele não gritou .

- Teve um dia em que eu acordei pra beber água e quando passei pelo quarto deles, vi Otousan encima de Okaasan . Deviam estar brigando feio, por que ela estava gritando bem alto .

- E teve uma vez em que ....

Ok, ok . Chega, Kinji e Chi-chan, já entendi muito bem essas "brigas" deles dois . Mas não se preocupem, eles "brigam" por que se amam muito .

- Ué – Kinji torcia o pescoço, fazendo uma expressão de dúvida – se é assim, por que eu e minha mana levamos bronca sempre que a gente briga ?

- É mesmo ! Eu gosto do mano Kinji, apesar dele ser chato as vezes – ela dava lingua para ele e o mesmo devolvia, o que lembrou Rei das antigas brigas dela com Usagi – mas por que a gente leva bronca, e eles podem fazer isso direto, tia ?

- É, por que  ? Explica pra gente, vai !

- Explica !

- Explica !

- Explica !

- Explica !

- Chega ! – Rei estava se sentindo encurralada e sem saber o que dizer . Como iria explicar aquilo para as crianças ? – Chi-chan ... hã ... por que vocês não podem contar pra ninguém que sabem mexer no computador ? – ela suspira por alguns segundos, imaginando que conseguiu uma saida .

- Por que Okaasan disse pra não contarmos pra ninguém, tia  Rei . E por que a gente leva bronca e eles não ?

- É, não enrola a gente, tia !

- Enrolar ? – Rei não estava acreditando naquilo . De onde eles tiraram essa idéia . Pensando bem ... eles não tinham apenas 4 anos ? Desde quando eram tão atentos ? – eu ... eu não estou tentando enrolar, eu ... mas por que sua Okaasan não quer que contem pra ninguém ?

- Ela disse que as pessoas iriam ficar curiosas com a gente, iriam querer colocar a gente em escolas especiais aonde não iriamos ter muitos amigos . E eu não poderia brincar mais com o Shin !

- Nem eu com o Akira e a Meg-chan ! – a menina de cabelos azuis olhava Rei com uma expressão de dar pena – mas por que só nós recebemos bronca, tia ?

- Ai ... – ela não estava acreditando . Aqueles dois pareicam decididos a crucificá-la se ela não respondesse a pergunta deles . Mas isso lhe trazia antigas memórias, muitas das quais bem interessantes, em especial de quando conheceu Amy . Era uma menina bastante reclusa que só pensava em estudar . Até mesmo quando ela e Usagi foram para uma praia, a mesma não tirava os olhos dos livros .Na verdade, até mesmo entre elas, que eram suas amigas, Amy sempre foi a mais quieta, reclusa . Demorou para ela se abrir com as pessoas, deixar aflorar sua verdadeira personalidade . Até que fazia sentido ela não querer deixar isso acontecer com seus filhos . Devia ter medo de que eles se tornassem gênios reclusos, sem nenhum amigo . Mas, pelo visto, isso estava longe de acontecer . Eram duas crianças lindas e saudáveis, alegres e elétricas, prontas para aprontar mil coisas por todos os lados . E no quesito de serem inteligentes ou não, já havia percebido que eram bastante espertas . E atentas ! Se perguntava o que mais elas sabiam fazer que Amy ocultava . Se sabiam operar um computador, não duvidava que soubessem ler, escrever e fazer outras coisas . Mas, no momento, ela só queria uma coisa : que alguém surgisse ali para resgatá-la daquela situação – olha, que tal se deixar seus ...

- Rei ? O que faz aqui tão cedo ? – Amy chegava na sala, vestindo um macacão de banho e com um olhar de quem estava nas nuvens . Como se para comprovar a teoria de Rei, Roger se aproxima por detrás dela, abraçando-a ternamente .

- Otousan ! Okaasan ! – Os dois "mercuriozinhos" corriam, abraçando seus pais, os quais recebiam belos sorrisos em troca .

- Oi, filhota . Tudo bem, campeão ? – Roger recebia um beijo na bochecha vindo de Chi-chan  .

- Oi, meu tesouro – Amy apertava com força Kinji – o queridinho da Okaasan já acordou, é ? Espera um pouco que eu vou fazer um café caprichado pra vocês, tá ?

- Oba !!!! – ambos gritavam com lindos sorrisos para eles .

- Olá, Rei . O que faz aqui tão cedo ? – Rei encarava ambos, em especial Amy . Seus olhos estavam arregalados, como se estivesse vendo um fantasma – o que foi ?

- Nada, Roger . Hã, Amy ... nós ... precisamos conversar ... é ... é assunto de mulher, entende .

- Tem algo a ver com o incêndio no templo, Rei ? – Roger a inqueria – se tiver, já estou a parte de tudo, Sailor Marte .

- Hã ? Como ? Não sei do que você está falando, Roger . Na verdade ... do que você me chamou mesmo ?

- Deixa de cena, Rei . Meu marido já sabe de tudo . Não precisa fingir .

- Mesmo ? E ... desde quando ele sabe ?

- Desde que eu percebi meu erro . É meu marido, o qual compartilha sua vida comigo . Não posso deixá-lo à parte das coisas que faço, não estaria sendo sincera com ele mesmo . Ele não casou apenas com Mizuno Amy, e sim com tudo o que acompanhava o pacote .

- Lindo . Escuta, por que Chi-chan está fantasiada de Sailor Mercurio ? Vai usá-la em alguma festa ?

- Fantasiada ? – Amy e Roger se entreolhavam, e ambos se aproximam da menina – filha, onde estava essa roupa ?

- Aqui na sala, Okaasan . Não ficou linda em mim ?

- Ficou uma graça, filha – Roger se adiantava – mas eu prefiro vê-la em sua Okaasan, e ninguém mais, ok ?

- Puxa – ela fazia uma expressão de choro – eu achei tão bonita ! Okaasan, a senhora não pode comprar uma igual pra mim, não ?

- Posso, filhinha, mas depois, ok ? Estranho – ela começava a retirar a roupa de Chi-chan – por que essa roupa está aqui ?

- E eu vou saber ? – Rei a ajudava, tirando também o pijama de Kinji, imaginando que iriam dar banho neles – e depois ...

- Hã, querida – Roger coçava a orelha, como se tivesse se lembrado de algo – onde está seu jaleco ? Não devia estar aqui pela sala, junto com sua saia que eu tirei e ... – ele para, como se tivesse descoberto algo – Filhos, vão para o banheiro, que eu já irei dar um banho em vocês, ok ?

- Tá ! – eles obedecem, correndo para o banheiro .

- O que foi, querido ?

- Eu não tirei seu jaleco ?

- Não, senhor . Eu me lembro muito bem, você desabotou minha blusa , tirou minha saia e depois ... depois ...

- Ei, ei ! Dá pra vocês dois me pouparem desses detalhes ? Tenham a santa paciência, eu ... por que estão rindo ?

- Hmmm ... – Roger mandava um olhar singular para Amy – então era por isso que você gemia tanto ... mais do que o normal, na verdade . Acho que todo o bairro te ouviu . Me pergunto como as crianças não te ouviram .

- Bem – ela estava levemente ruborizada, mas com um olhar safado para Roger, coisa que Rei percebeu na hora – admito que não me dei conta disso na hora, e nem você . Estavamos tão enebriados com nossos corpos que nem percebemos isso e ... – ela se aproxima, quase que sussurrando no ouvido dele – adorei perder a virgindade com você  - ela se afasta um pouco, sorrindo – de novo .

- Está me dizendo que em sua outra vida você ... hã ... nossa, essa é nova . Não é sempre que alguém pode passar por uma coisa dessas duas vezes .

- E então ? O que achou da experiência de conhecer a fundo uma legitima mercuriana, e melhor ainda, uma princesa ?

- Confesso que fiquei um pouco espantado agora ... quando você disse que podia retornar ao antigo corpo, achei que fosse força de expressão .

- Dá licença ? Dá pra vocês se lembrarem de que eu estou aqui  ? Me poupem dos detalhes de suas vidas amorosas, oras ! Não é a toa que sua energia está tão grande mesmo destransformada, Amy : Você não está destransformada, passou a noite toda como Sailor Mercurio !!!!!

- Hmmm – ela tinha um olhar de desejo nos olhos,  como se quisesse pular encima de Roger naquele exato momento – sabe que eu gostei, querido ? Me senti com um fôlego maior, uma disposição maior ...

- Um desejo maior ...temos que fazer isso mais vezes .

- Mais tarde – ela tocava seus lábios nos deles – vou estar contando as horas até lá .

Uma gota surgia na testa de Rei . Só faltava mesmo aqueles dois começarem a "brigar" ali, ignorando-a por completo .

É, só faltava, mesmo .

***

- Vejamos se eu entendi, Rei – Roger estava sentado no sofá, com Amy em seu colo, passando o braço pelo pescoço dele e com outra mão em seu peito . – depois que o templo pegou fogo, graças ao seu mal-humor, claro – Rei franzia o cenho diante da observação de Roger – você transformou um homem, um ser racional em um vegetal, logo depois de ter absorvido as memórias dele, não é ?

- Sim – Rei respondia meio que a contra-gosto . Não tinha que ficar dando satisfações a Roger . Ele era o marido de Amy, não tinha nada a ver com as Senshis .

- Certo . Amy andou me contando a respeito dos ultimos acontecimentos e ...

- Contou, é  ? Quando ela te contou ?

- Tivemos uma noite bem longa, Rei – Amy respondia calmamente para Rei – colocamos muito assunto em dia . Muito, mesmo . Na verdade, deixei-o a par dos acontecimentos dos últimos anos, a partir do dia em que eu me transformei pela primeira vez .

- Por que você resolveu contar a ele logo agora ? Estamos no meio de problemas, e você resolve colocar os assuntos em dia logo agora ? – Rei a encarava duramente .

- Ontem a noite, Rei .... eu quase morri . Ainda me pergunto o motivo de estar viva, apesar de saber uma das respostas . Mas naquele breve instante em que eu achei que seria o fim, eu não pensava em você, Usagi ... nem mesmo nos meus filhos . Eu só pensava nele, meu marido . Foi a única coisa que me veio a cabeça . E enquanto eu me arrastava para casa, me perguntava se algo realmente tivesse acontecido, e a enorme tristeza que ele sentiria . Dias, semanas .... ele me procuraria até o fim de sua vida, tentando entender o que foi que realmente aconteceu com sua esposa . – ela faz uma pausa – Diga-me, Rei ... se durante uma missão eu morresse, contaria para Roger que eu era a Sailor Mercurio e o que realmente aconteceu comigo ?

- Claro que não ! Já seria dificil para ele encarar seu desaparecimento, o mesmo não suportaria descobrir que sua esposa era uma guerreira que vivia perambulando pela cidade .

- Exatamente por isso . Se há alguém que eu devo satisfação sem questionamento, essa pessoa é ele . Menti para meu amado durante mais tempo do que deveria, justamente para ele . Sei que ele ainda está profundamente magoado por eu não ter confiado nele, mas ele foi capaz de me perdoar, apesar de tudo . Agora, sou eu quem preciso me perdoar . Não sei se conseguirei fazer isso algum dia, mas sei que terei sempre o apoio dele . – Amy se levanta, puxando Roger – vem, querido . Dê-nos alguns instantes, Rei . Temos que conversar a respeito ... em particular .

Ambos saem da sala, caminhando até o banheiro, deixando Rei ali, sentada na sala .

De certa forma, ela tinha um sorriso no rosto . Ainda estava incomodada por Roger saber a respeito delas justamente naquela hora, mas pelo menos Amy havia tomado uma decisão . Sempre disseram que ela não conseguiria esconder isso para sempre, e que ela ficaria sem alternativa nenhuma quando Kinji e Anchitka começassem a desenvolver alguma caracteristica pouco comum, assim como a força acima do comum de Akira e a telepatia de Megumi .

- Tia Rei ! Olha só como eu estou bonita !

- Você está linda, minha princesinha – ela ajeitava a saia do uniforme escolar de Chi-chan – lembra Amy quando pequena .

- Ai ! Brigada !

- Tia Rei, a senhorita vai nos levar até a escola ? – Ela sentia Kinji a puxando pela perna .

- Não, querido . Só vim até aqui para falar com Amy .

- Ahhhh .... mas eu tava com tanta saudade da tia !

- Jura ? – ela o erguia com um sorriso carinhoso – ah, não fica assim, principezinho ! Olha, a tia Rei vai fazer uma mágica pra vocês, tá ?

- Oba ! Mágica ! – ambos diziam ao mesmo tempo .

- Isso mesmo . Vamos começar com algo simples, ok ? Vejamos ... Chi-chan, vou adivinhar o que você está pensando . Posso ?

- Claro !

- Vejamos ... você está esperando sua Okaasan chegar para ela pentear seu cabelo e dizer se ele está bonito ou não, certo ?

- Puxa ! A senhora tem mesmo poderes mágicos, tia Rei !

- Agora eu ! Eu ! Eu ! – Kinji pulava próximo a ela – adivinha no que eu estou pensando, tia ! Adivinha !

- Você está pensando que se comer todo o espinafre que sua mãe servir no almoço, você vai ficar alto e forte, daí quando Akira vier defender sua irmã, você vai dar uma surra nele . Estou certo ?

- Está ! Nossa ! A senhora é demais, tia ! Sabe alguma mágica pra fazer eu bater no Akira ?

- Não tenho nenhuma "mágica" para isso, Kinji – ela segurava uma risada, e se concentrava ao máximo para impedi-la – mas possso ensiná-lo a não levar a pior quando alguém vier pra cima de você . E agora, outra mágica – ela se erguia – eu vou subir por uma escada invisivel !

- Invisivel ? – Kinji a olhava de forma curiosa – como é que a senhora vai fazer, isso, tia ?

- Dêem uma olhada – Rei começa a caminha até que, em determinado momento, ela ergue um pouco a perna, como se fosse pisar em um degrau superior, e sobe nele . Para a surpresa dos Gêmeos, ela continua fazendo aquilo, andando no ar como se estivesse realmente subindo uma escada invisivel . Anchitka chega a passar debaixo dela para tentar descobrir como ela fazia aquilo, Kinji batia com as mãos aonde ela passava, mas não sentia nada . Será que a escada só podia ser tocada por ela ?

***

- Ai ! Cuidado !

- Pare de chorar, esse cravo nas suas costas está horrivel, ou melhor, estava .

- Mas tem que fazer isso no meio do banho ?

- Querido ....

- Certo . Hora de exercitar meu direito de contribuir com as decisões de uma Sailor . Vejamos ... vamos repassar alguns pontos, certo ?

- Certo . Rei descobriu onde fica a base dos nossos inimigos, e está reunindo todas para um ataque .

- Parece um plano bem simples ... mas e se algo der errado ?

- Rezo para que não dê .

- Não é o suficiente – ele ensaboava as costas dela – não é mesmo .

- Eu sei, é tão perigoso quanto o que eu havia lhe dito .

- Entende minha posição, não entende ? Mesmo você já tendo passado por isso antes, não deixo de ficar preocupado . Imagino que Rei tenha um plano de ataque formado . Mas e de defesa ? Ou de fuga, em caso de necessidade ? Imagino que não vão deixar para improvisar na última hora, não é mesmo ?

- Bom ... agora que você comentou ...

- Vocês não tem um plano reserva, não é mesmo ?

- Bem ... nunca agimos assim . Geralmente, ou melhor, sempre invadimos, resolvemos tudo e vamos embora . Claro que , na maioria das vezes, literalmente contavamos com o acaso, como quando Usagi enfrentou Beryl no polo norte e teve sorte ao usar o Cristal de Prata, ou quando Chibiusa revelou ter um cristal de prata também ...

- Ou quando Usagi virou SuperSailorMoon, certo ? Ou na luta contra a tal Sailor Galáxia, em que todas vocês praticamente morreram, correto ?

- É ...

- Francamente, Amy ... eu não me sinto nem um pouco seguro em ver você saindo de casa assim .

- É diferente, estamos mais preparada para o que possa acontecer e ....

- Vocês mal tem um plano ! E se tudo der errado, o que acontece ?

- Não vai dar .

- Você disse que quase morreu ontem atrás de uma pista . Aconteceu o que você esperava ? Até então vocês sempre agiram assim, como espera que eu me sinta seguro ? Por acaso estão contando que na última hora uma de vocês vai ficar mais poderosa e salvar o dia ? É isso, querem lutar contra as probabilidades ?

- Não . Mas você está certo . Ultimamente cada uma andou tomando seu próprio rumo . Não temos agido como uma equipe de verdade . Mas são justamente as crises que nos unem, que nos fortalecem . Rei .... Makoto ... Usagi ... Minako ... cada uma tem seu ponto forte e sua fraqueza ... suas ascensões e seus declinios ...mas são justamente as suas individualidades, o seu jeito de ser, que acabam contribuindo para o grupo como um todo . Não somos uma equipe perfeita, e os últimos acontecimentos provaram isso . Cada uma seguiu seu próprio plano . Makoto foi até o Reino Negro, Rei tentou desvendar suas memórias, eu continuei com as minhas pesquisas ... mas a cada falha, a cada erro e descoberta, aprendemos mais e mais .

- Desculpe, querida ... mas não me convenceu . Não me convenceu, mesmo . Mas ... não temos escolha, não é mesmo ?

- Infelizmente ....

- Eu sei . Precisam de você . Mas concorda comigo que não me apresentou razões o suficiente para ficar tranquilo ?

- Sim – ela o abraçava, jogando a cabeça no peito dele – desculpe, querido . Me desculpe .

- Ai, ai, minha úlcera ...

- Mas você não tem úlcera .

- Não vai demorar muito para eu ter uma ... querida, eu ... por favor ...

- Roger ... por tudo o que nós passamos ... eu nunca te pedi tal coisa, e não pretendo tornar a pedir ... mas por favor ... não peça para eu ficar, pois se você pedir, me deixará totalmente confusa . Sou uma mercuriana, tenho a capacidade de pensar logicamente até mesmo sofrendo uma grande pressão ... mas você acabou com tudo isso . Anulou de vez minha frieza . Por favor, querido . Não me faça sair daqui achando que estou caminhando em direção a morte, por favor . Por favor .

***

- E agora, o meu melhor truque ! Nada nas mãos, nada nas mangas, e lá vai ! – Rei abre a palma da mão diante de Anchitka e Kinji, e uma pequena chama surge nesta .

- UUUUUUAAAAAAAAAAUUUUUUUUUUU !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

- Viram só ?

- Nossa, tia ! Que mágica legal ! Posso pegar ? Posso ? Posso ?

- Hmmm ... tudo bem, Kinji ... mas tenha cuidado – a chama toma a forma de uma pequena bola, a qual se aproxima de Kinji .

Ele fica impressionado com aquilo . A pequena bola de fogo, sobrevoando-o e se aproximando . Quando ele abre a palma da mão, a bola para a poucos centimetros, não o tocando, mas ficando ali parada .

Rei observava aquilo atentamente . Para ela, era fogo, mas para ele ... era uma maravilha . A maravilha da inocência, na verdade . Você nunca conseguia ver, quando adulto, a mesma coisa com os olhos de uma criança .

O pequeno observava a pequena bola de fogo que pairava em suas mãos . Um desejo enorme de compreender como tal coisa era possível, como aquela mágica era realizada se formava dentro de si . Sentia uma vontade imensurável de tocar naquilo, mas um medo que fora transmitido desde cedo pelos pais lhe dizia para não faze-lo .

Mas ... era quente ... era engraçado e ... belo . O calor transmitido era tão agradável . Era novo demais para compreender, mas naquele momento, se lembrou das vezes em que ficava até tarde em sua cama, nos dias de frio .

-  O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO COM O MEU FILHO ?!?!?!?

- Por que o desespero, Amy ? Só estou entretendo eles  um pouco e ...

- Não banque a desentedida ! Está é querendo ver se eles sabem fazer algo de especial, não é ? – Amy cerrava os dentes para Rei, e a mesma percebe na hora o quanto a energia desta estava elevada . Tinha que se lembrar de que Amy estava transformada, e ela não . Não era sábio começar uma discussão ali dentro .

- Querida – Roger tocava no ombro da mesma – veja aquilo – ele apontava para Kinji .

A principio Amy continuava com os dentes cerrados, mas cedeu um pouco ao ver a expressão de ambos . Olhavam aquilo com tanta ... inocência . Nunca poderiam  imaginar que o mesmo fogo que os divertia, também já fora responsável pela morte de tantos .

- Amy ... nós temos que ir . Agora . Ainda temos que falar com Makoto e Minako .

- Não sei se Minako irá ...

- Ela irá . Ela é uma Sailor . A líder das Sailors .

- Vou trocar de roupa – ela pega as roupas de Sailor Mercurio que estavam espalhadas pelo chão e vai até seu quarto, vestindo-as novamente .

- Tenha cuidado, Rei .

- Eu vou ter, não se preocupe . Nós cuidamos de nós mesmas, Roger . Uma protege a outra .

- Não estou falando disso ... refiro-me a você ter cuidado . Dezenas de testemunhas presenciaram o modo que você e Makoto agiram ontem, tente ser mais responsável .

- Responsável ? – ela olhava feio para ele – Roger, se quer saber, nós estamos lá fora salvando sua pele e garantindo um futuro para seus filhos, ouviu ? Não preciso que venha me dizer como eu devo fazer meu trabalho .

- Pois eu acho que sim . Você lançou um turbilhão de chamas próximo a uma escola cheia de crianças e Makoto usou seus poderes, fazendo a rede local entrar em curto . Foi uma tremenda sorte não haverem feridos . Da próxima vez, tenha mais cuidado .

- É fácil falar . Queria ver se fosse você quem estivesse se arriscando .

- Grandes poderes trazem grandes responsabilidades, Rei . Eu não tenho nenhum, mas me preocupo em andar por uma cidade em que eu possa encontrar pessoas lutando sem a menor preocupação com as pessoas ao seu redor . Ou saber que a escola dos meus filhos pode ser incendiada por algo parecido .

- Roger, que tal se você ...

- Estou pronta – Amy retornava para a sala e Rei percebeu o quanto o poder dela diminuiu . Deveria ter vestido a roupa e revertido a transformação – vamos embora, Rei . Temos muito o que conversar pelo caminho .- ela dá um beijo de despedida em Roger, o qual estava estático – querido ?

- Minha nossa, Amy ... olhe só aquilo !

Ambas olhavam para a mão de Roger, a qual apontava para Kinji . Rei dá com os ombros , não entendendo, até que ela arregala os olhos também .

A ... a chama que ela criou e deixou sobrevoando acima das mãos de Kinji ... ela ainda estava lá !

- Filho ? – Amy dava um passo em direção a Kinji, o qual estava com os olhos vidrados no pequeno globo flamejante . O menino estava paraslisado, fitando aquilo de tal modo que todo o resto perdera sua importância .

Dura apenas um segundo, um curto e breve segundo, de modo que o globo crepita mais forte, aumentando levemente de tamanho .

Como era linda . Linda e bela, aquela chama . Pulsava suavelmente em suas mãos, de modo que já não as sobrevoava, e sim as tocava . Sentia o fogo tocando-o, emitindo suas propriedades .

- Kami-sama – Rei olhava aquilo sem sequer piscar . Já vira Megumi criar uma chama, mas a mesma nunca conseguiu mantê-la por tanto tempo quanto o pequeno Kinji estava fazendo . Nunca ! –Amy, isso é ... é incrivel ! Desde quando ele ...

- É a primeira vez que eu vejo tal coisa – Amy suava frio diante da cena, e Roger mal conseguia acreditar em seus olhos .

- Incrivel ... meu filho ... meu próprio filho ... é um mutante ! Querida, onde está aquele cartão do professor Xavier que nós guardamos ? – Amy o olhava duramente, demonstrando que não gostou nem um pouco do comentário – desculpe, não pude resistir .

- Incrivel . Kinji, tente diminuir o tamanho da chama, querido – os olhos do menino brilham por um leve momento e a chama diminui de tamanho – muito bom, agora aumente o tamanho dela – novamente o brilho, e a chama aumenta de tamanho – ótimo, agora ...

- KINJI !!!!! – Amy gritava, quebrando a concentração dele .

- Hã ? – O pequeno é tirado de seu mundo particular, de modo que a chama se apaga por completo – ah, mas eu tava conseguindo !

- Mano, comé que cê fez isso ? – Chi-chan se aproximava, olhando para as mãos dele : intactas – me mostra ! Me mostra ! Me mostra ! Anda ! Anda !Anda !

- Ah, sei lá ! Eu só fiquei olhando pro truque da tia Rei e ... uau, acho que aprendi a magia dela, deixa eu tentar ! – ele abre a palma da mão e fecha os olhos – anda ! anda ! anda ! Fogo ! Fogo ! Fogo..... fogofogofogofogofogo !!!! – infelizmente, nada acontece – ah, que chato ! – havia uma visivel expressão de desapontamento na face dele .

- Vamos, Rei – Amy praticamente empurrava Rei para fora de casa – até mais, querido . E Kinji, não quero ver você fazendo isso novamente, entendeu ?

- Mas ...

- Entendeu, filho ? – ela o olhava duramente .

- Tá bom .

- E Chi-chan, não quero que o imite . Ficou claro ?

- Mas Okaasan ...

- Filha !

- Tá – ela acena, se despedindo de Amy . Quando a porta se fecha, ambos estavam encarando Roger, o desapontamento era visivel em suas faces – Otousan, o que houve com a Okaasan ?

- É . Eu tava fazendo uma coisa tão legal e a Okaasan me interrompeu ! Puxa !

- Calma, filhinho, calma . Okaasan estava com a cabeça cheia, quando ela voltar, a gente conversa melhor sobre isso .

- Mas Otousan – Anchitka o puxava pela calça – por que só o Kinji pode fazer isso e eu não, heim ? Porqueporqueporqueporqueporque ?

É ... realmente seria um longo dia ....

***

- Não faça isso novamente, Rei .

- Não queria aparecer de surpresa na sua casa, eu ...

- Não se faça de desentendida – apesar da frieza em sua voz, Rei já aprendera a perceber o quando sua amiga estava furiosa . – que isso não se repita .

- Amy ... eu só estava fazendo uma brincadeira com eles para passar o tempo . Esperava que eu hibernasse enquanto você e Roger tomavam banho ? Tenho sentimentos, sabia ? Não resisto a um olhar de carência vindo deles !

- Pois trate de arrumar outra pessoa para fazer suas brincadeiras, Rei . Não quero ver você utilizando seus poderes na presença de meus filhos, entendeu ? Tampouco irei aceitar qualquer manifestação sua, mesmo a mais inocente .

- Não vai conseguir esconder deles para sempre o que são . Eles vão acabar manifestando alguma ...

- Dane-se . Isso não significa que eles precisem desenvolver isso . São meus filhos e enquanto estiverem sob a minha responsabilidade, irão dançar conforme a minha música, isso inclui qualquer ser anormal que pisar em minha casa .

- "Anormal" ?

- Você me entendeu . Não quero que Megumi faça alguma "brincadeira" do tipo lá em casa, ficou claro ?

- Como quiser, "manipuladora" Amy, mas não temos tempo para discussões . Já sei quem está por trás de tudo isso, e resolvi convidar você para fazer uma visitinha a ele, sabe .

- Já esperava por isso . E já te adianto que Seo não está pra brincadeira .

- Seo ? Você o conhece ?

- Nekomi Seo, Reitor da Universidade de Tóquio .Aposto que já descobriu quem são essas pessoas com quem lutamos, certo ?

- Todos filhos ...

- ... adotivos . Aquele cara que eu chutei nos escombros do centro, ele se chamava Nekomi Maki . Semanas atrás, no cais do porto, tive uma luta inesperada com um mendigo chamado Nekomi Yosho . Semana passada Minako e Makoto travaram uma verdadeir batalha com dois homens chamados Aruma e Yuji . Nekomi Aruma e Nekomi Yuji . Aquele infeliz que você transformou em um vegetal, ele se chama Nekomi Kléb . Todos eles são filhos do homem conhecido como Nekomi Seo .

- Descobri isso tudo acessando a mente daquele sujeito ... mas e você ?

- É fácil encontrar o resto quando você tem um ponto de partida . Depois que cheguei até Seo, encontrar os outros foi fácil . Afinal, todos eles são registrados, tem documentos, até mesmo certidão de nascimento .

- Sério ?

- Título de eleitor, carteira de motorista, matricula em escolas, universidades, carteira de trabalho ...

- Já esperava por isso . Os relances que tive das memórias dele frequentemente mostravam eles fazendo coisas simples, levando uma vida normal  .

- Exato . Essas pessoas estão em nosso meio há anos . Cresceram aqui na cidade, ao nosso redor .

- E o que mais descobriu, Amy ?

- O que você descobriu ?

- Bem ... essas pessoas que morreram ... isso tinha um propósito . Lembra do que Minako disse ?

- Claro que lembro . Na verdade, pensei a mesma coisa . Essas pessoas não foram mortas por acaso, foram mortas para terem uma energia deles roubada .

- A alma – completava Rei – morreram para terem suas almas roubadas .

- Fui até Seo ontem . Quando descobri que as pessoas que encontramos eram parentes dele, fui correndo até lá . Queria ter certeza de que eu estava errada, de que era uma mera coincidência, mas me enganei . E paguei caro por isso, ele estava acompanhada de outra professora que o estava auxiliando, Sumire .

- Sumire ?

- Exato . E você, Rei ? O que mais descobriu ?

- Eles tem um problema sério de falta de originalidade ...

***

Sua mente estava dispersa . Mal conseguia se arrumar, tampouco preparar o café para seu filho.

Quando se deu conta, estava sentada na sala, olhando para o vazio . O enorme sentimento de desgosto que sentia a estava destruindo rapidamente, e se continuasse assim, algo pior poderia acontecer .

E ele não podia fazer nada . Simplesmente, nada . Tentou ajudá-la, mas no fim, trouxe-lhe a alegria e a tristeza de uma vez só .

- Minako ...

- Não ... não fale comigo . Não quero ouvir isso novamente . Já estou cheia disso, Joshua .  CHEIA !!!!

- Mas ...

- O que quer que eu diga, Josh ? O que ? Que eu entendo ? Que te compreendo ? Sim, eu te entendo ... mas o que você quer que eu faça, o que ? Quer me castigar por todos os meus erros, é ? Acha que eu já não sofri bastante ? Pois bem, Lanzorei Joshua, siga em frente, por que você está conseguindo o que tanto almeja .

- Minako ... eu não queria ...

- NÃO QUERIA ?!?!? – as lágrimas corriam soltas pelos seus olhos – o que você acha que eu senti naquele dia, na lua ? Eu estava lutando com todas as minhas forças, contra todas as possibilidades, sabia ? Mas era uma guerra que nós sabiamos de antemão que seria perdia .

- Sabiam ? – havia uma expressão de curiosidade na face dele .

- Todas as Sailors sabiam ! A rainha Serenity convocou todas as Sailors para defenderem o castelo ... mas Setsuna não apareceu . Alguns acharam que ela estava atrasada, algo estranho de se pensar para a guardião do portal do tempo, mas no fundo, sabiamos o que era . Setsuna sempre teve a função de proteger o portal do tempo, não podia se dar ao luxo de deixá-lo sem um guardião . Ela sabia que aquela seria nossa última batalha ... nós percebemos isso quando ela não foi ... eu só pensava em você, querido . Em nossa vida, em tudo o que deixei para trás ... somente em você . E agora te vendo, sinto o quanto você sofreu com o que houve em seguida, quando a Federação de Planetas entrou em decliniou, os planetas entraram em conflito ... você sofreu muito, não é mesmo ?

- Eu sofri ... eu perdi uma pessoa muito importante para mim, Minako .

- Inana . Por favor, me chame de Inana .

- Você não é Inana, Minako . Tem os poderes dele e as memórias dela, mas não é Inana . É uma outra vida, cheia de possibilidades .

- Não interessa ! Eu te quero ! Te desejo ! Te almejo !

- .....

- .....

- .....

- .....

- ..... já vi que esse papo não vai levar a lugar algum . Então, minha cara, irei apelar, e pode me mandar para o inferno depois disso . Pra começar, o que houve com você ? Está tão estranha ... nunca foi assim !

- Sempre fui assim, Joshua ! Sempre !

- Okaasan ? Com quem está falando ?

- Com ninguém, minha jóia . Vá tomar seu banho, que nós temos que ir para a escola, vá .

- A senhora não iria me lavar ?

- Estou com um pouco de dor de cabeça, lindinho .

- Tá bom . – ele se afasta da sala .

- Quanta falsidade, Minako . Deveria ser mais sincera com seu próprio filho !

- ....

- Muda de novo . Sua personalidade está assim desde o que aconteceu voltou da  cidade dos youmas .

- Aquilo – ela encostava a mão no peito, como se uma dor enorme invadisse seu corpo – aquilo foi ...

- Você não conseguiu dar conta de seus próprios poderes, Minako . Por isso está assim .

- Foi a melhor coisa que me aconteceu ! – ela bufava – me mostrou meus erros, os meus pecados, as minhas falhas ...o tipo de pessoa na qual eu havia me tornado !

- Inana não diria isso .

- Eu sou Inana ! Não pode saber o que eu sinto !

- Como não ? Estamos unidos para sempre, lembra ?

- Pare com isso ! Pare com esse seu maldito jogo de palavras ! Por que me tortura, Joshua ? Por que ? Será que não percebe o meu sofrimento ?

- E você ? Não percebe o meu ? Não sabe o quão grande é o meu sofrimento de vê-la em tal situação, sem poder fazer nada ? Se seus poderes não tivessem se voltado contra você, não teria agido assim, Minako . NUNCA !

- Não importa ! Não importa !

- Não ? Eu não tenho o direito de condená-la a isso, Minako ! Não tenho ! Inana está dentro de você, mas não é você, assim como Neith ...

- Como disse ?

- Nada , esqueça, temos coisas mais importantes para ...

- Neith ... você disse Neith ... eu me lembro desse nome … Neith … me lembro muito bem dele, na verdade, o mesmo tem uma importância enorme para mim ... sinto que era algo muito importante relacionado ao meu passado, Joshua . Ao nosso passado .

- Esqueça, Minako . Isso não importa mais .

- Claro que importa ! O que você está me escondendo, Joshua ? O que ? Fale !

- Não estou escondendo nada do qual você já saiba ...

- Não me venha com esse jogo de palavras de novo ! Ande !

- Estou parado, não andando .

- Meu amado marido ... qual é o problema ? Por que está mentindo para mim ? Não adianta, nossas almas estão em sincronia até o fim dos tempo, um sabe exatamente o que o outro sente . Por que esse nome tem uma importância enorme para mim ? E por que, em meu sonho, não encontrei nenhuma referência a ele ?

- Você tem problemas maiores para se preocupar do que com Neith .

- Por exemplo ?

- Sua amiga, a Sailor Mercúrio, está na porta .

Como se para confimar o que ele disse, a campainha tocava .

- Ainda não terminamos com isso, Joshua – ela  se aproxima e abre a porta – Olá, Amy . Madrugou ?

- Não temos tempo para isso, Minako . Rei descobriu aonde ficar o quartel-general dos nossos inimigos, e pelo visto, eles vão dar sua ultima cartada agora . Vim te buscar, não temos tempo para ...

- Eu não irei, Amy .

- Como é ?!?!?!?

***

De novo, não .

Outro golpe o havia acertado em cheio .

E seu corpo voava perigosamente pelos céus, em direção a escadaria, enquanto o mesmo girava .

Tinha que fazer algo, mas o que ?

Ela sempre fora dura . Nesse quesito, sempre . Todo dia, antes de ir para a escola, e no fim do dia, antes do jantar, eles faziam aquilo .

Batalha .

Realizavam uma pequena batalha ali, aproveitando que não havia nenhum dos alunos presentes .

Não tinha nada a ver com o estilo que ela lhe ensinou . Na verdade, era obrigação dele conciliar seu estilo com aquele outro tipo de treinamento que ela lhe ministrava .

Joviano .

Desde cedo ela ensinou para o mesmo a arte que havia recebido de seu sensei, e o mesmo demonstrava ser um bom aluno . Mas era mais do que um estilo, era um modo de vida, uma filosofia , por assim dizer . Era baseado no incrivel potencial do ser humano, na sua capacidade infinita de evoluir . Ele praticava movimentos e katas básicos, as vezes alguns avançados, analisando-os cuidadosamente, sentindo o que cada movimento fazia, como fazia, qual era sua finalidade e a reação que eles geravam em seu próprio corpo . Era um momento em que ele deveria se preocupar única e exclusivamente com sua "arte",  e a beleza da mesma .

No entanto, naquele seu outro treinamento, as coisas eram um pouco diferentes . Ele tinha que lutar de duas formas : com garra e estilo . Tinha que usar sua "arte" e, ao mesmo tempo, se adaptar aos movimentos que sua sensei fazia em "modo joviano".

Ela simplesmente lutava com ele usando suas verdadeiras forças, as quais ela não demonstrava para ninguém . E que força enorme ela tinha . E velocidade também .

E, claro, ainda usava seus poderes . O mesmo , em pleno ar, dobra o corpo fazendo um "C", escapando por pouco de uma Centelha de Júpiter .

Por pouco, ele pensava . A centelha passa de raspão, de modo que algumas fagulhas o atingem, fazendo-o cair de modo que sentia como seus músculos estivessem paralisados .

Não todos, mas alguns .

Makoto observava Akira tentar se levantar, de braços cruzados .

Dez anos . Apenas dez anos .

E ainda conseguia se levantar depois daquilo .

Algumas memórias retornavam a sua mente . Memórias de eventos acontecidos há tanto tempo, que lhe falhavam a memória .

Ela olha para trás, para sua casa . Ambos estavam ali, literalmente no topo de uma colina . O antigo Templo Hikawa era uma mera escadaria comparado com a escadaria deles .

E seu filho subia e descia aquela escadaria em poucos instantes . As vezes, pulando dez degraus de cada vez, na subida e na descida, sem perder o  fôlego .

Lembrava-se divertidamente do dia em que ela estava esgotada e ele a carregou no colo pela escadaria, sem parar um minuto para descansar .

Realmente, era um Joviano .

Mas não era esse o verdadeiro motivo dela tê-lo treinado . Não mesmo .

Aquilo aflorava como as flores na primavera .

Aquele foi o dia em que ela teve a maior surpresa da sua vida . Estava pronta para abandonar a vida de Sailor para sempre, dedicar-se a ser uma mãe e somente isso, quando aquilo aconteceu .

Quer dizer, para alguém com o tipo de vida ao qual ela estava acostumada, aquilo era fichinha . Youmas, Sailors renegadas, droids ... um mero curto-circuito não era nada comparado com o que ela já presenciou .

Mas quando tal coisa é causada por uma criança recém-nascida, então é um motivo a mais para se ficar preocupada .

Ocasionalmente ela se via perguntando o que aconteceria se tivesse atendido o apelo de seu filho bem antes, se tivesse ido ajudá-lo quando ouviu o choro . Teria sido diferente ? Poderia tudo aquilo ter sido impedido ?

Dificilmente . Se não fosse ali, seria em outro lugar . No parque, na escola  ... na verdade, fora pura sorte ter acontecido ali, diante de seus olhos .

Mas aquilo a alertou . Seu filho ... ele poderia ser perigoso . Ou melhor, representava perigo real e imediato para todos que o cercavam . Seria arriscado demais permitir que ele saisse para brincar, fosse em alguma festa ou assistisse a uma aula com aquela coisa que podia fazer . Não só pra ele, mas para todos os que o cercavam .

Mas também não podia mantê-lo trancafiado em casa . Ele não tinha a menor culpa, não tinha a menor idéia do que estava fazendo .

Se ele tivesse nascido em outra época, teria pensado de forma diferente ? Teria tido mais cabeça, mais conhecimento e maturidade para enfrentar uma situação daquelas ? Talvez ... mas o que importava era o aqui e o agora, e ela tinha uma criança que poderia causar problemas para ela mesma .

E para ele, também . O que aconteceria se ele fizesse tal coisa em uma área movimentada ? E se pessoas inescrupulosas resolvessem fazer testes com ele, trata-lo como uma cobaia ? Seu filho ? Sua jóia ? Seu tesouro, seu maior orgulho ... tratado como um animal ? NUNCA !!!

Não era algo como o caso de Megumi, cujas habilidades poderiam ser mais facilmente controladas, e mesmo que não fossem, os estragos causados não seriam tão graves assim . Com ele era diferente . Quando ela lutou contra Death, percebeu as explosões que seus poderes causavam nas redes elétricas ao seu redor . Se seu filho perdesse o controle, poderia causar um curto-circuito que poderia gerar uma reação em cadeia e deixar muitas, mas muitas pessoas feridas .

O que fazer ? Afinal, se ele chorasse, aquilo poderia acontecer de novo .

Tinha que dar um jeito naquilo, naquela energia enorme que ele possuía desde pequeno .

Tinha que ensiná-lo a redirecioná-la . A manter o controle de si .

Foi dificil, mas conseguiu . A energia em si fora redirecionada para seu corpo, para todo o seu corpo de forma igual . A energia em si fora desenvolvida lentamente e, como consequência, ele podia fazer coisas que uma criança de sua idade não fazia . Certo, comparado com ela ou com outra senshi não chegava a ser grande coisa, mas não deixava de ser impressionante para uma criança .

Ele balançava a cabeça . Tinha que ter algum jeito, alguma forma de atingi-la . Se não o fizesse, o treino não terminava . Ele tinha que quebrar a defesa dela, de alguma forma .

Apenas para ela aumentar o ritmo do treino um pouquinho só  .

Sempre foi assim . Ele tinha que superar seus próprios limites apenas para ela usar um pouquinho mais de suas verdadeiras forças .

Hmmm ... quanto tempo até o inverso acontecer ?

Ele estava parado há mais tempo do que o normal . Bom, ela pensava, isso era algo muito bom . Ele tinha que aprender a não agir impulsivamente, a escolher o melhor momento .

E colocar um pouco mais de pressão naquilo seria ótimo para seu aprendizado .

Ele pisca quando ela corre em sua direção e estica a perna na vertical, de modo que ele dá um pequeno salto e gira seu pequeno corpo, escapando do chute . Não obstante, ela o soco ainda no ar, arremessando seu corpo para trás .

Tinha que fazer algo .

Ignorando parte dar dor – algo bem dificil de se fazer, considerando-se que sua "força" pouca ou nenhuma diferença fazia comparada a ela – Akira começa a girar o corpo, calculando o movimento de forma precisa, até que ele toca com os pés em uma arvore e, tomando impulso, lança-se em direção a sua progenitora .

Ela dá um leve sorriso com isso, mas balança a cabeça . Uma das desvantagens de você estar no ar era o fato de que você perdia parte de sua capacide de movimentação . Ela continua parada, antecipando o movimento dele . Iria interceptá-lo com facilidade, era só se posicionar no momento certo .

Akira estava com as mãos esticadas para a frente, de modo que, quando Makoto dá o soco, ele segura na mão dela e a usa como ponto de apoio para se jogar contra o chão . A mesma mal tem tempo de processar a informação, diante da ação dele .

Percebendo que a guarda da mesma estava semi-aberta, ele inicia seu ataque . A mesma percebe na hora e leva sua mão para bloquear seu estômago, sabendo o que ele faria .

Ou pelo menos pensava .

Aquilo fora totalmente inesperado . O jovem de olhos verdes  literalmente começou a "escala-lá" : ele foi subindo pelo corpo dela, pisando em seu pé, seu joelho, sua barriga, seus seios, seus ombros e afundando a perna no rosto dela, tomando impulso para um salto . Surpresa pela ação do filho, Makoto balança o rosto para retirar a terra dos olhos, de modo que, quando ela olha para cima, ela vê duas coisas : primeiro, a luz do Sol ferindo seus olhos e, em segundo, seu filho, executando um giro perfeito poucos centimetros acima dela, de modo que o joelho dele vinha perigosamente em sua direção .

Tudo isso em décimos de segundo .

Um forte choque fora ouvido, e Makoto sentia uma leve dor em sua mão, a qual ela usara para bloquear o golpe . Mas o choque fora potente, ela concluiu . O giro do corpo serviu para dar mais força ao mesmo, de modo que, apesar de ter salvado seu rosto, ainda conseguiu sentir sua mão bater violentamente contra ele . O barulho fora simplesmente do choque do joelho de Akira contra seus ossos .Se tal coisa fora pelo fato dela não ter tido tempo de executar um bloqueio perfeito ou não, isso não sabia . A única coisa que lhe vinha a mente naquele hora era o fato de Akira ter sumido . Onde ele ....

Seus olhos se voltam para baixo, aonde eles se encontram com os dele . O mesmo não havia perdido tempo e já estava armando um movimento, aproveitando sua guarda baixo . Armando, não . Já estava aplicando .

Ela pouco pode fazer quando Akira flexiona os joelhos e, em um poderoso soco vertical, afunda seu punho na barriga de Makoto, de modo que ela é pega de surpresa, expelindo violentamente todo o seu ar .

De nada adiantava ter uma grande resistência, alguns pontos do corpo eram incrivelmente suscetiveis a dor, ela pensava .

Mas ainda não acreditava que ele havia conseguido tal proeza .

Ela rapidamente se recobra, direcionando seu punho para baixo para atingi-lo, mas o mesmo tão logo toca no chão dá um impulso para trás, escapando do soco, o qual abre um pequeno buraco no chão .

Um buraco ! Ela fez um buraco ! Céus, ela havia aumentado o nível do treinamento !

Aparentemente ela estava satisfeita com o golpe e a velocidade de reação do mesmo . Foi um bom desenvolvimento, já faziam alguns dias desde que praticaram e ...

Makoto arregala os olhos, quando se dá conta de algo . Uma coisa que não percebera anteriormente, mas que esteve na sua cara esse tempo todo .

Havia um sorriso nos olhos de Akira . Um sorriso de satisfação .

Mas, instintivamente, ela sabia que esse sorriso não era de ter conseguido atingi-la, tampouco de poder ter dado o seu melhor .

Era um sorriso que ela já vira quando ele lutava contra seus outros alunos, contra Megumi ... e nos campeonatos dos quais participava . Sempre imaginou que era sua forma de demonstrar sua calma em um combate, mas não . Esteve na sua cara todos esses anos, e só agora ela percebeu .

Akira ... seu filho ... seu primogênito .

Ele ... ele realmente gostava de lutar . Não que fosse um brigão que vivia arrumando brigas em qualquer esquina, mas o mesmo admirava um duelo, um combate . Não lutava pelo prazer de vencer, de provar que era o mais forte, de tirar vantagem ... ele lutava simplesmente por que gostava .

Akira joga seu corpo para frente e toma impulso, literalmente "voando baixo" em direção a Makoto .

A mesma apenas fica parada, esperando pelo ataque . Ele já havia feito isso em um outro combate, e tentar aquilo novamente seria um erro, mas ele teria que aprender isso da pior forma . Ele iria parar bem próximo dela, saltar e atingir seu rosto, como fez antes .

Infelizmente, as coisas não foram assim .

Realmente ele parou próximo dela, e a mesma se levantou um pouco para contra-atacar ... exatamente como ele esperava . Aproveitando-se dessa brecha e ainda abaixado, ele dobra os joelhos e impulsiona-se mais uma vez, passando pelas pernas daquela mulher alta, surpreendendo-a não pela manobra própriamente dita, mas pela esperteza dele .

Ela sabia que, independente do que fosse fazer, seria atingida . Se olhasse para trás, ele saltaria e atingiria seu rosto . Se ela se abaixasse, ele erraria o primeiro chute, mas com certeza atingiria nela um chute de cima para baixo, forçando-a a cair e deixando-a vulnerável para um outro ataque . Bom, dos males, o pior .

Ela se vira, já atacando . Como esperado, Akira havia saltado e atingido-a ... e como havia doído ! Seu filho havia acertado-a com uma joelhada, a qual estava sendo preparada desde o momento em que ele passou por debaixo de suas pernas e saltou . Se não tivesse alguma resistência, com certeza teria perdido metade dos seus dentes !

No entanto, como já estava preparada, o golpe não deteve seu avanço, pelo contrário, seu punho continuou seguindo seu caminho, de forma que o atingiu em cheio na barriga, expelindo violentamente todo o ar que preenchia seus pulmões . E se não bastasse, o soco dela o empurrou para cima, deixando-o impossibilitado de executar qualquer tipo de ação evasiva .

Mas o que a surpreende é o fato dele, em pleno ar, girar o corpo para poder cair de pé .

Ele ... ele iria continuar atacando . Iria continuar atacando, mesmo . Já percebera isso de seu filho : o mesmo nunca desistia . Nunca, mesmo . Enquanto tivesse forças, iria até o fim .

Mas uma coisa curiosa era que ele aprendeu a não se deixar levar por completo . Ela agia e reagia . Não ficava apenas dando uma seqüencia fulminante de golpes a esmo e a direito, pelo contrário, usava naquele treinamento em estilo Joviano, tudo o que aprendera em treinamento no estilo humano .

E ai dele se ousasse deixar seu estilo regredir.

Mas a verdade, a verdade era que não podia continuar com aquilo . Por mais que negasse, sentia uma ponta de orgulho de suas origens, de seu povo, e esse orgulho aumentava ao ver aquele garoto se levantar . Que força e determinação ele tinha ! Mas não podia continuar assim, tinha coisas mais importante para fazer .

- TROVÃO DE JÚPITER ! – ela dispara seu ataque . Estava destransformada, mas aprendeu como executá-lo dessa forma, apesar de ficar um pouco mais cansada . Akira ouviu as palavras dela e, melhor ainda, sentiu aquela oscilação de energia vindo em sua direção . O que fazer ? Tinha que reagir, do contrário seria atingido . Se continuasse assim, quando ele terminasse o giro e tocasse o chão, seria atingido em cheio pelo ataque . O que fazer, pensava ? O que fazer ?

- Ah, josta ! – e mal ele terminava, sente o ataque de sua Okaasan fulminando-o . Se ela maneirou na potência do golpe, isso não sabia, apenas sentia aquela dor remexendo todos os atomos e travando cada musculo do seu corpo, enquanto o empurrava para trás, jogando-o escadaria abaixa . Seu corpo rola diversas vezes até que para . Sentia cada músculo do seu corpo doer, as forças o abandonando .

Makoto dobrava o pescoço . Ultimamente, as lutas só terminavam dessa forma, com ele sendo nocauteado .

Pensando bem, aquilo não era uma luta de verdade, e sim um treino . Passou a ser uma luta quando seu filho ficou excitado com o combate .

Provavelmente isso aconteceu quando ele percebeu que ela estava levando aquilo a sério, quando ela abriu um buraco no chão . De certa forma, era sua culpa o treino ter chegado a tal ponto, já que ele era uma criança Joviana que precisava aprender a controlar seus instintos . Ou fora quando ela lançou a centelha pela primeira vez ? Bem, sendo assim, ela era quem precisava se controlar mais . Será que o instinto de seu povo estava agindo nela também ?

Akira vivia comentando que sonhava com uma Arena em Júpiter . Teria mesmo existido ? Se sim, com qual propósito ?

Seus passos eram lentos e controlados . A cada pisada, a cada degrau vencido, ela pensava no que acontecia, no que ocorria .

Muita coisa aconteceu nos últimos dias . Ela, as crianças ... muito . Ela resumia suas atividadades a controlar sua respiração, poupando energias devido àquela enorme escadaria . Teve uma leve surpresa quando viu aquele corpo sendo arremessado, mas continuou sua subida, até se aproxima dele .

A julgar pelo estado, Makoto deve ter pego duro com ele . Mas o mais incrivel era o fato dela estar se mexendo . Era pouco, mas parecia lutar contra todo o seu corpo , ordenando que o mesmo se erguesse e, se não fosse possível, o mesmo faria isso por conta própria .

- Akira ...

- Eu ... eu ... eu não preciso que me ... ajude ... tia ... – ele respondia com uma voz quase sumindo, apesar de ter escutado e bem a voz dela .

- Isso nem passou pela minha cabeça, garoto . Bom, eu vou subindo, tenho que falar com Makoto . Te encontro lá encima – ela continua subindo os degraus, deixando-o para trás, caido e machucado .

A mesma dá um leve olhar, percebendo que ele erguia as mãos, tentando mover o corpo e, falhando, segurava as mãos nos degraus, arrastando o corpo para cima .

- Esse é forte – comentava ao acaso, enquanto subia – forte e determinado .

Makoto arregala os olhos quando, do topo da escada, da de cara com Rei . Ela ... ela não a sentiu ! A mesma estava totalmente oculta !

- Não acha que está sendo dura demais com ele, Makoto ?

- Eu ... por que sumiu ontem, Rei ? Você anda muito estranha, tem sumido e  aparecido de uma hora pra outra e ...

- Não mude de assunto . Não acha que está sendo muito dura com ele ?

- Isso é necessário, Rei .

- Bem, você é a responsável por ele . Só esteja pronta para encarar as conseqüências . Mudando de assunto, vim te buscar – ela colocava a mão no ombro de Makoto, levando-a para perto da casa .

- Buscar ? Para onde ?

- Sem tempo para ficar me repetindo, Makoto ... mas eu e Amy já descobrimos quem são nossos inimigos, de verdade . Sei até onde o manda-chuva mora . Que acha de fazermos-lhes uma visita ?

- Mas ... assim, sem mais nem menos ?

- Talvez devessemos lhe mandar um cartão ou telefonarmos avisando que estamos a caminho ... ou prefere que eles façam com sua casa o mesmo que fizeram com a minha ?

- O que você pretende fazer ?

- Invadir a base deles e por um fim a isso tudo .

- Andei prestando atenção, Rei ... mas pelo jeito de agiram ... sabe, não me parecem Youmas . Na verdade, me parecem humanos .

- E são . Em parte . Mas isso eu te explico no caminho . Vamos ?

- O que você pretende fazer ? Ou melhor ... quem está por trás disso ?

- Nekomi Seo .

- O reitor da Toudai ?!?!?!?

- O próprio . Invadimos a base deles e os detemos . De maneira resumida, eles querem fazer o mesmo que nossos outros inimigos fizeram : andaram atacando as pessoas para trazer sua mestra de volta .

- Mestra ? E quem é ? Uma antiga inimiga ?

- Disso eu não sei . Mas nós temos uma vantagem . Vem comigo ?

- Tenho escolha ?

- Tem ... por enquanto, você tem . Pode fazer o que quiser, mas eu vou do mesmo jeito .

- Chama isso de trabalho de equipe ?

- Como se alguma de nós tivesse agido em equipe ultimamente ...

- Não agimos assim, você sabe disso .

- Sei ... e também sabemos que o número de mortos é impreciso . Ainda estão revirando os escombros no centro da cidade, fora aqueles indigentes que Amy citou .

- Sabia que você não está me dando alternativa alguma ? Usagi não agiria dessa ...

- Usagi não está aqui – Rei endurecia a voz – nem Mamoru . Nem as Outers  . Sailor Júpiter, você tem uma obrigação, uma função importante . Ame ou deixe o cargo que você escolheu .

- Então é assim ? Os fins justificam os meios ?

- Não fui só eu quem nos colocou nessa situação, Makoto .

- Está me acusando , é ?  - Makoto devolvia o olhar – está dizendo que é minha culpa as coisas terem atingido tal ponto ?

- Não . A culpa é de todas nós . Vivemos nossas vidas sem nos importar com o resto .

- O que quer dizer com isso, Rei ? Aonde quer chegar ?

- Quer mesmo saber, Makoto ?

- Quero .

- No caminho eu te explico, vamos .

- Espere, eu vou me trocar e ...

- Trocar, para que ? Depois irá se transformar, mesmo .

- Certo, tenho que avisar meu ...

Nenhuma palavra . Ambas estavam com os olhos arregalados diante daquilo . Até Makoto, a qual estava acostumada, ficou surpresa .

- Sabe, Makoto ... acho que você exagerou nos golpes .

- Eu te garanto que ele estava preparado para suportar tais golpes – havia um olhar critico , misturado com uma ponta de orgulho . Akira estava parado , de pé, ofegante . Mas estava de pé, contrariando todas as probabilidades de que se ergueria novamente depois do golpe de Makoto . – Rei, dá pra curá-lo ? Ele ainda tem que ir para a escola .

- Ok – ela se aproxima, colocando a mão sobre o ombro dele, mas Akira dá um tapa na mão da mesma .

- Não preciso de ajuda, eu estou bem ! – ele dizia, praticamente espumando .

- Ora, ora ... que gênio, Makoto !

- Olha quem fala ... Akira, pare com isso ! Você ainda tem que estudar, não vai pra escola desse jeito !

- Se é assim, por que o atingiu dessa forma, Makoto ?

- Não costumamos treinar assim de manhã cedo .

- Não preciso, Okaasan ! Eu ... eu posso me aguentar ! Não sou nenhum molenga !

- Não tem nada a ver, Akira ! Você mal consegue andar !- Os olhos de ambos se cruzam e ficam assim por um longo instante .

Não demorou muito para Rei perceber : Akira tinha o espirito de um guerreiro . Não que fosse a intenção de Makoto, mas em parte ela estava desrespeitando essa garra que ele possuía . Poucos conseguiriam se erguer depois daquilo .

Mas Rei sabia como resolver aquilo .

- Akira ... se você aparecer assim na escola, Minako vai te dar lições extras .

- Mas eu não fiz nada !

- Claro que não,  será para você aprender a não ficar brigando antes da aula .

- Como é ? Isso não é justo !

- A vida não é justa, não acha ?

- Josta ! Josta ! Josta !

Makoto maneava a cabeça enquanto observava aquela manifestação infantil de seu filho . Mas do que estava falando ? Ele era uma criança, tinha que ser infantil !

- Filho, vamos . Vá tomar banho e se arrumar enquanto preparo o café .

- Sim, Mako-mama – ele respondia, enquanto Rei terminava de curar seus ferimentos .

***

- Como é ? Não vai ?

- Já disse que não vou, Amy .

- Tia Amy ! – o pequeno loirinho corria pela sala, abraçando-a – tudo bem com a senhora ?

- Ohayo, Shin-kun ! Como vai o menino mais lindo do planeta ? Aposto que já está cheio de namoradas !

- Tia Amy ! – outro grito, e Megumi a abraçava ternamente, também .

- Oi, Meg-chan ! Que bom ! Sente-se melhor ?

- Ah, eu tô melhor sim, tia !

- Nossa ... como vocês estão crescendo ... já tem dez anos ... que bela moça você está se tornando, Megumi . E como está ficando parecida com sua mãe ...

- Mesmo ? – ela corava por completo  - Ai, brigada !

- Bem ... será que vocês dois poderiam nos deixar a sós ?

- Claro – Shin dava um beijo em Amy – vou tomar banho, tia – ele se afastava .

- E eu irei fazer um chá para a senhora – Megumi ia até a cozinha .

- Onde estavamos ? – ela sentava no sofá bem próxima de Minako – Mina-chan ... que história é essa de que não vai ?

- Não vou , não posso ... eu não quero, Amy ! Não quero !

- Olha, tudo bem querer manter isso afastado das crianças, mas você ainda tem suas obrigações ... você é a nossa líder na ausência da Usagi !

- Eu deixei de ser uma Sailor anos atrás, Amy .

- Mesmo ? Pois eu nunca fiquei sabendo disso .

- Foi ... foi uma decisão minha . Eu ... eu sou uma assassina, eu .... eu não posso continuar com isso ?

- Assassina ? E eu, o que sou ? Quantos nos já matamos durante todos esses anos ? Acha que eu me alegro por isso ? Não, mas o que quer que façamos ? Que fiquemos de braços cruzados ? Minha amiga ... por que isso ? – Amy se aproximava, segurando nas mãos da mesma, a qual tinha uma expressão vazia no rosto – tem algo acontecendo com você,alguma coisa que você não quer me contar ... o que houve naquele dia em que você e Makoto foram até o Reino dos youmas, Minako ? O que ? Tudo me leva a crer que tem alguma coisa a ver com isso .

- Tudo, Amy ... tudo ... naquele dia, Sailor Vênus morreu, e Aino Minako prevaleceu ... eu ... eu me dei conta do que fiz ... as barbaridades que cometi ... os genocidios que comandei em nome da princesa da Lua ...

- Minako  ... – havia um espanto na voz de Amy – mas ... mas do que você está falando ?

- Amy ... algum dia ... alguma vez você já parou para pensar naqueles que matamos ? Youmas ... alienigenas ... cada pessoa que ceifamos as vidas ... eles nos atacavam sem dó nem piedade, e nós faziamos o mesmo . Mas você nunca gostou de estar em uma batalha, não é mesmo ?

- Não sei como eu era em minha outra vida ... mas não . Se eu tivesse tido a chance de escolher, eu ... eu  ... não, não é bom falar nisso, não agora e ...

- Seja sincera ... seja cincera comigo, por favor . Eu posso sentir o que você sente . Posso sentir suas ... emoções .

- Você ... você pode ? – havia uma leve surpresa em sua voz .

- Sim ... descobri como fazer isso . Mas também sinto um certo alivio em você . Como se tivesse tirado um enorme peso de seus ombros, amiga . Contou para Roger, não contou ?

- Contei ...  cada detalhe . Cada verdade, cada mentira ...  sinto-me até melhor agora . Mas eu ainda me preocupo . Com ele e com meus filhos . Tenho medo de um dia levá-los até a escola e descobrir que foram expulsos por alguma traquinagem .  Tenho medo de um dia ter que atende-los no hospital por causa de uma perna quebrada, tenho medo de ter que deixá-los seguir adiante, enquanto fico fadada a essa minha vida de Senshi . Mas é algo com o qual eu posso lutar . Com o qual posso conviver . Mas não estou pronta para chegar em casa e encontrar a mesma destruida por causa de um ataque, ou ter que ficar ao lado de uma criança que perdeu parte do corpo por causa de um acidente . Mas eu não tenho alternativa . Eu, não . Fui uma guerreira em outra vida, e esse alcunha me acompanhará até o fim da vida . Naquele dia em que Luna me deu a caneta de transformação ... bem, eu já pensei nisso, o que aconteceria se eu não tivesse me transformado . Provavelmente Usagi teria morrido . O Reino Negro teria vencido a guerra e eu não teria tido a chance de conhecer meu marido e ter esses maravilhosos filhos . Assimo como Rei, Makoto e você . Você se condena agora, mas a primeira vez em que nos encontramos está marcada na minha mente até hoje . E eu nunca irei me esquecer, sabe por que ? Por que se não fosse por você, a sociedade que nós conhecemos não existiria . Imagine só, Minako . Digamos que o Reino Negro vencesse . O Clã Blackmoon não viajaria no tempo, afinal, Tóquio de Cristal nunca iria existir . Mas ai teriam que enfrentar O Silêncio . Talvez Michiru e Haruka  pudessem fazer alguma coisa, pois na época eram muito mais poderosas do que nós ... mas conseguiriam lutar contra um exército inteiro de Youmas ? Isso se não tivessem morrido antes, o que deixaria o Reino Negro lutando contra O Silêncio, nem quero imaginar a zona que iria ficar o mundo ... e Nehelenia . E Galáxia . Vilão lutando contra Vilão atrás de seus próprios objetivos, e no fim, a Terra seria um local desolado .

- Justifica perdermos nossa humanidade para isso ? O que foi que nos tornamos ? Eramos adolescentes comuns, perdemos nossa humanidade e viramos assassinas !

- Talvez ... eu realmente gostaria que Artemis-kun estivesse aqui . Até hoje nunca descobrimos o motivo dele e de Luna terem desaparecido, não é ? Bem ... se é isso o que eu posso fazer, então o farei . Naquele dia, Kunzite*  e Zoycite*  iriam nos matar, lembra ?

* Nota : Na extinta Tv Manchete, Kunzite ficou conhecido como Malachite e, as vezes, Malechite . Zoycite, que recebeu a dublagem de uma mulher – era homem , na verdade . Isso aconteceu  por que recebemos a versão vinda direta do México, em que botaram ele como mulher, afinal, parecia uma mulher e tinha um caso com Kunzite – é conhecido no Brasil como Zeocite .

- Sim, me lembro ...

- Se você Não tivesse agido, teriamos conseguido ? Você só passou a interferir em nossas vidas a partir daí, perto do fim da guerra ... mas fez diferença para nós ... fez diferença para mim . E é por isso que eu quero dizer algo que não tive a chance de dizer durante todos esses anos : obrigada, minha amiga . Muito, mas muito obrigada .

- Amy ...

- Espere . Algumas coisas você só compreende quando as percebe de um ponto de vista diferente . E isso só foi possível graças a você .

- Pare com isso, por favor ...eu ... eu não quero essa vida, não quero ... eu só quero uma vida comum, com meu filho ... minha jóia ... uma vida em que eu possa viver em paz e amar sem ter que me preocupar com esse tipo de coisas ... por que eu tenho que carregar essas coisas de nossa outra vida ?

- Eu não sei ... mas até hoje Kinji-kun e Chi-chan tem estado protegidos graças a isso . Eles estudarão, irão fazer o ginásio, o segundo grau, a faculdade ... terão uma vida normal, se casarão, formarão uma familia, terão filhos ... netos, bisnetos ... estou adiantando as coisas ? Não . Isso é o tipo de coisa que gente normal faz . E eu quero viver para ver se cumprir a promessa que Usagi fez para Akira, Mina-chan . Quero e almejo . E se para tanto eu precisar me sacrificar, se eu tiver que dedicar toda a minha vida em beneficio de outras pessoas, é o que farei . Por que ... eu ... peguei a caneta . Fiquei surpresa quando aquilo apareceu diante de mim, quando Luna a arremessou em minha direção ... mas eu peguei e, acima de tudo, recitei aquelas palavras . Minha decisão . Luna me colocou no caminho, mas eu resolvi segui-lo .

- Eu ... eu sinto falta de Artémis-Kun .... por que ele sumiu ? Passamos por bons momentos juntos ... ele estava comigo desde que eu morava na Europa  ... tentei encontrá-lo, mas ele e Luna sumiram ... será que morreram ?

- É uma possibilidade, amiga . É uma ...

- AAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Amy e Minako arregalam os olhos ao ouvir o grito e se levantam, indo até a cozinha para ver o que era  . Megumi  . Pelo grito, só podia ser ela . Mas o que aconteceu ?

- Megumi ? Meg ? Querida ?

- Megumi ?

Minako e Amy continuam andando pela cozinha a procura da menina, quando a encontram bem em frente ao fogão, com os olhos arregalados e gemendo no chão .

- Céus ... – Amy se aproxima e toca na testa, no pescoço e no pulso . Nada . A menina estava normal – Meg-chan, o que houve ? Megumi ! – ela balançava levemente a menina, tentando fazê-la voltar a si .

- Ela está em choque, Amy – Minako observava a menina, tocando no ombro da mesma, a qual para de se contorcer . – pronto, já está melhor .

- O que você fez ?

- Toquei no espirito dela, o mesmo estava em pânico .

- Como fez isso ?

- É algo do meu povo ... mas é temporário, não está resolvido .

- Eueueueueueueueueueueueueu ..... tias ! – ela abraçava com força o pescoço de Amy, a qual sentia todo o pânico da menina .

- Calma, minha linda ! Calma ! Está tudo bem, pode ficar calma, nada vai acontecer com você, nada – Amy a erguia, ao passo que algumas lágrimas escorriam pela face de Megumi em seu ombro – vamos, o que foi ? Conta pra tia o que houve, por favor .

- Eu ... eu ... – ela soluçava – eu estava separando as xicaras ... os talheres ... o pó ... coloquei tudo na chaleiras e ... eu ... eu acendi o ... o ... aaaahhhhhhh !!!!! – ela pula do colo de Amy, correndo para o outro canto da cozinha e se encostando na parede . Havia um terror enorme em seus olhos, coisa que fora percebido na hora por ambas . O que quer que fosse, estava assustando a menina, e muito .

- Megumi ? O que foi ? – Amy se aproximava dela, medindo seu pulso – o que foi, querida ?

Filha ? O que foi ?

Okaasan ! Eu ... eu ...

- Ela está com medo, Amy . Muito medo .

- Medo ? Mas ... medo do que ?

Minako caminha para longe e mexe em algo .

- Sente-se, melhor, Megumi ?

- Eu ...eu .... Tia Amy ! – ela abraçava Amy novamente com todas as sua forças – eu ... eu tive tanto medo ... tanto medo !

- Mas ... do que , Megumi ? Do que você medo ?

- De... de ... dele ! – ela apontava para frente, mais exatamente, para ...

- O fogão ? Tem medo do fogão ? Mas por que ? Você faz um chá tão delicioso, por que tem medo de ... – Minako acende o fogo do fogão, o qual causa uma surpresa enorme em Megumi .

- AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

***

Demorou um tempo até elas conseguirem acalmar a menina novamente . A mesma já estava no quarto, havia tomado um calmante . Com sorte, poderia ir para a escola .

Só teria que tomar cuidado com a aula de prendas domésticas .

Amy estava sentada na cadeira, com os cotovelos apoiados na mesa, enquanto sorvia um café, feito na cafeteira elétrica .

- Não acredito – ela balançava a cabeça novamente – eu simplesmente não acredito .

- Pobre menina .

- Pobre menina ? Isso é pior do que eu podia imaginar, Minako ! Céus ... e ela é uma marciana !

Minako virava o rosto para a cozinha, e depois para o banheiro, retornando seu olhar para Amy .

- É esse tipo de coisa que venho evitando . Quando nossa outra vida começa afetar as pessoas ao nosso redor – ela virava a chicará – achou mesmo que ela sairia do estado em que estava sem nenhuma sequela ? Curei a alma, Rei curou a mente ... mas nós entramos em uma área totalmente nova, algo ao qual não estavamos acostumadas . Não sabiamos o quão bem sucedidas nós fomos . Se é que fomos .

- Eu me pergunto como será a vida dessa menina daqui por diante . É bom preparar o quarto de hóspedes, pois acho que Rei vai ficar aqui por um longo tempo até resolver sua vida . Quero que você a leve até minha casa amanhã, Minako . Quero examinas as duas .

- Duas ?

- Você anda muito estranha ...  quero ver o que eu posso fazer . Agora, se me dá licença – Amy se ergue, caminhando até a porta .

- Você ... você não vai continuar insistindo ?

- Você me acompanharia se eu continuasse insistindo ? Dúvido, ainda mais quando está óbvio que você está com sérios problemas . Mas não há nada que eu possa fazer, não agora . Nesse exato momento, eu tenho uma obrigação para cumprir . Adeus, Minako . Espero te ver mais tarde .

- Adeus – ela se despedia, até que a porta se fecha diante dela . – Amy-chan .

- É, adeus Amy-chan .

- Não comece, querido . Não comece .

- Não vai fazer nada, Minako ?

- Não tomarei parte desta carnificina .

- Mas também não fará nada para impedi-la, não é mesmo ?

- Você acha que eu queria isso, é ? – havia um ódio crescente em suas palavras – é tudo culpa dessa vida ! Eu não queria nada disso, nada ! É tudo culpa dessa vida ! Por que você não me apoia ? É pedir demais ? É muito egoismo da minha parte ? Então dane-se, eu quero ser egoísta ! Eu estou cansada dessa vida, cansada !

Minako, você não virá ?

Olha, será que eu ...

Sem enrolação, Minako . Estamos indo agora dar um basta a isso tudo . Vem conosco, sim ou não ?

Em momento algum tomarei parte dessa carnificina .

Pois bem, Sailor Vênus . Você se recusa a atender o chamado de suas amigas em um momento de  necessidade . Eu, Sailor Marte, princesa de Marte, estou assumindo a liderança das Sailor Senshis . Agora se me dá licença, tenho assuntos mais urgentes a resolver do que ficar presa a um pseudo-pacifismo

Como é ? O que você entende sobre pacifismo ? Justo você, que respira sangue a cada segundo, quer me julgar por isso ?

Silêncio Total . Rei havia quebrado o elo .

- Droga !

*        *        *        *        *        *        *        *        *        *        *        *

- Como se sente, Senhora Chiba ? – ele tocava no rosto dela, despertando-a . Não era nem um pouco confortável dormir presa a uma arvore que sugava suas energias, nem um pouco .

- Seo ... – ela tentava, na medida do possível, formular suas idéias, tendo em mente seu estado atual – por que ... por que faz isso ? Você parece ser um homem bom ...

- Bondade não tem nada a ver com isso, senhora Chiba – ele erguia um copo, e a mesma observava aquilo estranhando . Seo estala os dedos e um canudo surge, o qual ele coloca na boca de Usagi, até que a mesma, sem alternativa, começa a sugar o liquido . Aquilo ... aquilo era uma vitamina ? Seo a estava ... alimentando ?

- Meu marido ... ele ...

- Está vivo . Se lhe fizer sentir melhor, providenciarei algo para ele comer .

- Por que faz isso, Seo ? Você ... você é diferente de tudo o que eu já encontrei . Você ... você é racional ! É o reitor de uma Universidade ! O que ganha com tudo isso ?

- O que suas Senshis ganham te protegendo, princesa Serenity ?

- Eu ... meu nome é Chiba Usagi e eu ...

- É a princesa Serenity, filha da Rainha Serenity, a qual fundou a Federação de Planetas conhecida como Milênio de Prata .

- Como sabe ?

- Tenho acompanhado seus passos ao longo dos anos, Senhora Chiba . Desde a luta contra os Youmas até agora .

- Não há a menor comparação entre as Senshis e você, Seo . Nenhuma !

- Não ? – ele aproximava mais o canudo para ela continuar se alimentando – como preferir, então .

- Aonde quer chegar ?

- A lugar algum .

- Seo ... por que ? você não parece um monstro ... você ... você é humano !

- Humanidade não está no sangue, não está no nascimento, na ascêndencia ou na descendencia . Na verdade, em mais de vinte mil anos de história nem mesmo o mais sábio, tampouco o mais inspirado foi capaz de definir o que é ser humano . Você é uma Terráquea, ou Terrana, como preferir chamar . Assim como uma pessoa nascida em Miranda é considera uma uraniana, um nativo de Deimos seja considerado um marciano, um nativo de Caronte seja considerado um plutoniano ou até mesmo do extinto Cinturão Solar seja considerado um solariano, você, que é oriunda da lua de nosso planeta, é considerada uma Terráquea .

Apesar de estar desgastada, ela arregala os olhos . Como tal homem sabia de tanta coisa ? Quer dizer ... ele falava daquilo como se ... se ...

- Como sabe disso ?

- A principio, a lua era uma colônia do planeta Terra, mas com o tempo, ela desenvolveu identidade própria e se tornou independente . Curioso, não ? De todas as luas do sistema solar, apenas uma conseguiu se tornar independente, e não obstante, se tornou a líder de uma federação .

Ele para de servi-la e caminha até a prisão de Mamoru, estalando os dedos novamente, e um prato surge do lado de dentro da cela .

- Perdão, "magestade", se não estiver à sua altura . Mas é a única coisa que posso oferecer a você, principe Endymion – ele terminava de falar, enquanto Mamoru continuava dormindo naquele curto espaço .

Seo caminho um pouco e, parando, ele se senta . Poderia ser dito que ele estava no centro da sala, mas tal conceito era inexistente, uma vez que a sala era totalmente escura e perdia-se a noção de espaço ali dentro . Suas pernas se cruzavam, ao passo que seus olhos permaneciam fechados .

- Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .  Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .  Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .  Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko . Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .  Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .  Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .  Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .

Com um principio de desespero, ela tentava se mexer, ignorando a arvore na qual estava presa, falhando inutilmente .

Tinha que sair dali . Sentia que algo muito ruim iria acontecer . E o pior, seu amado ainda estava inconsciente .

- M-mamo-chan ... acorde ! Acorde !

- Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko . Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .

Nada . Mamoru estava totalmente imóvel . E não era pra menos, não tinham uma refeição decente há dias, e o mesmo ainda se machucava quando tocava naquelas grades .

- Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .

Estava ali há dias, desde que fora sequestrada . Dias .

E justamente por quem ela menos esperava . Justamente .

- Seo ... o que está fazendo ? O que ?

- Não interfira, Usagi – ela sente uma superficie fria tocando em sua face, e ao virá-la, percebe que uma lâmina tocava na mesma .

A lâmina de uma foice .

- Você ... por que fez isso ? Por que nos trouxe aqui ?

- Pare de fazer perguntas . Irá apenas se desgastar dessa maneira . O que está feito, está feito , e nada mudará isso .

- Você foi uma das pessoas mais gentis que eu conheci ... incapaz de ferir qualquer ser vivo ... por que fez aquilo ?

- Quer mesmo saber ? Foi puro azar de vocês . Não precisava tê-los pego . Mas vocês me viram . Me reconheceram na hora em que colocaram os olhos em mim . Não podia deixá-los a solta depois disso .

- Puro ... acaso ? – Usagi não conseguia acreditar . Estavam ali por pura falta de sorte ? – eu ... eu não acredito !

- Tem sorte de eu não tê-la matado . Você ainda conseguiu se desvencilhar de mim no começo, mas essa sua personalidade doce, esse seu jeito de achar que todas as pessoas tem um pouco de bondade dentro de si, isso que a condenou . Se ao menos tivesse me nocauteado, teria evitado muitas dores de cabeça, mas continuou com aquela ladainha inútil . Agora está colhendo o que plantou .

- Céus ... o que Seo fez com você ? O que ? Como uma pessoa tão calma e serena pode ter se tornado tão, tão ...

- Ele não fez nada comigo – o capuz negro gerava uma sombra que cobria todo seu rosto, do contrário Usagi teria visto um sorriso – eu despertei quando o encontrei pela primeira vez . Quando meus olhos se encontraram com os deles . Não foi um dos momentos mais agradáveis de minha vida, mas ... todos temos nossas obrigações . Eu, ele ... você mesma não é exceção .

- Seu ... seu ... como você foi capaz de fazer isso, Seo ? Responda !

- Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .

- Não finja que não está me ouvindo ! Responda !

- Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .- Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko . Anbalatranacada Minadatalala Obideru Shinrikadata Jaci Onderi Giko .

- Como foi capaz de fazer tal coisa, Seo ? Ela ... ela era uma criança ! Você ... você interrompeu o futuro dela para colocar seus planos em prática ! – Apesar de ter se controlado nos últimos dias, Usagi agora estava visivelmente alterada – você é um monstro ! Que tipo de pessoa é você que envolve inocentes nisso ?

- Se quer me acusar de algo, princesa ... então me culpe pelas mortes ... pelos incidentes ... mas não de tirar a inocência dessa moça ... por que do planeta que ela veio, inocência é algo que as crianças  perdem ao nascer . Já nascem contemplando o medo da morte e  pavor causado pela destruição em massa .

- Não importa ! É uma criança !

- Nisso você está certa . – ela virava a face para a mesma – são todas  um monte de crianças . Minhas, suas ...  o dia que puderem se livrar de nossas manipulações, de nossas sombras, não serão mais crianças .

- Manipulações ? Nossas manipulações ? Eu não sou como você, eu não manipulo ninguém !

Pela primeira vez, em dias, ele sorriu .

- Um bom manipulador sabe ficar escondido, não ser percebido ... e sabe reconhecer outro .

- Como alguém como você pode agir assim, como ... como um monstro ?

- Quando se tem consciência do que precisa ser feito, você precisa ignorar certos conceitos . Melhor ainda, não ignora, aprende a conviver com eles .

- Seu desumano ! É um monstro, um sujo, um desalmado que faz tudo para alcançar seus objetivos ! Essa garota tinha uma vida inteira pela frente, e você destruiu tudo ! Acabou com as esperanças, com os sonhos e a jogou em suas tramas mesquinhas ! Você é um ser sujo e egoísta, Seo !

- Talvez, mas sou um sujo e egoísta que fez o seu trabalho, princesa Serenity .

- Hã ? Como assim ?

- Você é lenta pra entender as coisas, heim – a mulher de preto falava – será que sua cabecinha de vento ainda não entendeu ?

- Aonde quer chegar ? E o que vocês pretendem comigo, afinal de contas ?

- Com você, nada ? – Seo continuava o que estava fazendo – não me substime, princesa ... e não me superestime . Não pense que eu nunca soube quem vocês eram .

- Você sabia ? – Death parecia visivelmente surpresa .

- Isso te surpreende, Death  ?

- Você ... eu pensei que você não soubesse quem eles eram !

- Por isso que eu disse que você é uma mera sombra de quem foi um dia . O que te faz pensar que eu deixaria essas duas pessoas presas ... e vivas ?

- E ... por que não os matou ?

- Não fazem parte do plano, Death ... e, além do mais, outra pessoa irá se encarregar deles, não se preocupe . Cada um de nós tem uma função aqui, não tente pisar aonde não lhe é permitido .

***

- Anda, Shin ! Anda !

- Por que a pressa ? Você nunca foi a primeira a chegar na escola !

- Tá me chamando de dorminhoca, é  ? – a menina o fuzilava com os olhos .

- Se a carapuça serviu ... – okaasan ! – ele corria, ao passo que a menina o perseguia .

- Crianças, parem de correr na rua – Minako falava de uma forma tão doce e amável, que fazia as crianças pararem com aquilo na mesma ora .

- Sim, senhora ! – ambos seguravam na mão dela, daquela mulher que era tão importante para eles . Os mesmos tinham um respeito enorme por ela . Na verdade, era uma das pessoas que Megumi mais respeitava, tanto ou talvez mais do que sua própria Okaasan .

Quanto a Shin, ele não tinha palavras para expressar o amor e respeito que sentia por Minako . Sua Okaasan, aquela que lhe deu tudo, o ensinou a viver, a ler, escrever, a amar as pessoas próximas de si, o educou em todo o periodo em que ele se entendia como gente ... tudo . Em sua concepção, o mesmo não seria nem metade do que era hoje sem ela .

Não seria nada sem ela . Ninguém . Menos do que nada . Um lixo . Não podia se considerar nem mesmo um ser humano .

- Cuidado, Shin ! – Megumi o segurava pelo ombro, impedindo-o de atravessar a rua – o sinal está aberto !

- Ops !

- Shin-chan ! Tenha mais atenção !

- Desculpe, Okaasan, Megumi .

- Você tá muito distraido, Shin ! Desse jeito a gente não chega inteiro pra aula ! Tia, que tal carregar esse folgado antes que ele se machuque ?

- Não sou folgado, apenas fiquei distraido e ... Okaasan ?

Os dois estudantes ficaram pasmos diante da cena, quando Minako se atirou em meio aos carros . Shin entrou em pânico quando viu um caminhão vindo em direção a mesma, até que com um rápido movimento – muito rápido, por sinal, ela se lança até o outro lado da calçada .

Que velocidade, Megumi pensava . Não imaginava que Minako-sensei tivesse uma velocidade tão grande assim, e destransformada ! Será que era essa a habilidade especial dos venusianos, a velocidade ? Ela simplesmente se jogou na frente dos carros e desviou deles como se os estivesse vendo em camera lenta !

Quando o sinal fecha, ambos atravessam, encontrando-a do outro lado da rua . A mesma parecia segurar algo nos braços, de uma forma carinhosa, a qual ambos conheciam .

Um ... gato ?

Minako suspira levemente . Havia prestado atenção quando uma outra criança havia chutado aquele gato para o meio da rua e, se não tivesse agido bem há tempo, o pobre animal teria sido atropelado .

- Nossa, tia ! A senhora é demais ! E que gato bonito ! Posso levar pra brincar com o Saito, posso ?

- Hmmm ... – ela sorria levemente enquanto observava o representante da espécie felina por longos instantes, fitando seus olhos – acho que esse "gato" aqui não irá gostar de brincar com Saito e ... – ela erguia levemente o felino, o qual se remexia todo – acho que não é bem um gato ...

- É Fêmea ? – Shinnosuke observava aquilo, curioso . Não era uma gata muito grande, devia ser um filhote ainda . Mas o mais curioso a respeito dela era que apesar de sua pelugem branca, possuía listras vermelhas ao redor do corpo .

Igualzinho a um tigre . Na verdade, lembrava um filhote de tigre .

Eis que, de repente, um carro para ao lado deles, e Minako emite um leve sorriso ao perceber que era um veiculo bastante familiar .

- Oi, estão atrasados ? – Roger sinalizava para ambos .

- Tio Roger ! – Megumi e Shin batiam na porta do carro, cumrpimentando-o .

- Meg-chan ! Shin-kun ! – Kinji e Anchitka, os quais estavam na parte de trás do carro, pulavam de alegria – querem uma carona ?

- Hã ... essa era a minha fala, filha . Quer um carona, Minako ?

- Certo – ela sorria para o mesmo – vou entender que você está planejando algo, já que a escola fica há apenas alguns quarteirões daqui, mas tudo bem, aceito a carona . Crianças, você irão no banco de trás .

- Ahhhh !!! – o desapontamento dos dois era facilmente perceptivel .

***

- Josta ! Josta ! Josta ! Josta ! Josta !

Primeiro, teve que aturar tia Rei curando seus ferimentos . Não sabia por que, mas estava começando a odiar aquilo . Sua Okaasan não criou nenhum molenga pra ficar precisando de ajuda toda vez que ficava todo arrebentado . Podia muito bom ir pra aula assim, tinha forças de sobra, e mesmo que não  tivesse, pedia emprestado e pagava em suaves prestações .

Depois, teve que descobrir que , quando saiu do banho, sua Okaasan não estava mais ali . Teve que preparar o café correndo e ainda por cima se arrumar .

E agora, isso . A mesma havia deixado pendurado na geladeira, o qual falava sobre o seu castigo .

Que, por sinal, ele achou muito estranho .

E chato !!!!

"Filho, tome seu café e depois vá para a escola, cuidado ao atravessar a rua e não fique conversando com estranhos . Ontem eu conversei com um conhecido e matriculei você em um curso de eletricista e eletrotécnica. Ele disse que você é muito novo para  isso, mas como sei que você é esforçado, sei que irá prestar o máximo de atenção na aula . E nada de ficar matando as aulas do curso, por que estarei de olho e quero que você aprenda o máximo possivel . O endereço está no fim do bilhete, as aulas começam hoje, depois das aulas na escola .

Com amor

Mako-mama .

Ps: Filho, eu te amo, você é o meu maior orgulho, portanto, se esforce ! E nada de aprontar pela cidade ! "

Grande ! Agora não podia brincar depois das aulas, nem ir visitar Megumi, teria que ir direto para o curso .

E o pior era que, por ter preparado o desjejum, acabou se atrasando !

- Droga ! Josta ! Minako-sensei vai me matar se eu me atrasar - ele termina de vestir sua camisa enquanto segurava uma torrada com a boca, vai até a estante e pega seu material escolar.Fechando a casa, ele corre como um desesperado, parando em frente a escadaria .

Muitos degraus  . Era verdade que Mako-mama não gostava de vê-lo descer aquela escada aos pulos, a mesma preferia - ou melhor, ordenava - que ele descesse a escada normalmente - ajuda na cordenação, ela dizia - mas dessa vez ele estava atrasado .

E como ela não estava por perto ...

Akira olha para baixo, prestando atenção se não havia ninguém por perto . Ele toma distância e corre em direção a escadaria . Chegando na ponta ele salta , de modo que, se algum transeunte surgisse, podia jurar que o menino iria se esborrachar .

Iria achar . Ele cobre vinte dergaus com o pulo e continua descendo a escadaria pulando . E pulando . E pulando .

***

- Roger, tendo muito trabalho com esses dois ? - ela olhava pelo espelho, vendo o sorriso daquelas duas pestinhas .

Kinji estava atrás de Roger, encostado na janela, com Shin o separando de sua irmã, a qual estava ao lado de Megumi, que estava bem atrás de minako .

- Ah, bobona ! Eu tô na janela e você não !

- você vai ver, na volta eu que fico a janela !

(Megumi) - Kinji ! Na volta você fica no meio !

(Kinji) - Fico nada ! Fico nada ! Shin, faz alguma coisa !

(Shin) - Eu ?

(Kinji) - É, faz essa dai calar a boca ! E fala para minha irmã parar de ser chata !

(Shin) - Tá, eu - shin olha nos olhos de Megumi, contemplando sua face e lembrando-se do que havia ocorrido na noite anterior . Em seguida ele olha para Anchitka, a qual apesar do sorriso angelical, era uma verdadeira diabinha se desse corda - quero não !

(Kinji) - Mas você é menino, a gente tem que se unir !

(Shin) - Pô, Kinji, a Meg-chan é muito raivosa, ela vai acabar me batendo - ele olhava para o menino, o qual era mais novo que ele, percebendo seu desapontamento - é sério, ela é muito furiosa, acho que nunca vai se casar !

(Megumi) - O que ? - ela tentava bater nele, mas Chi-chan estava no caminho . Claro que isso não era um grande problema, pois como era menor que ele, ela apenas precisou abaixar a cabeça enquanto Shin levava um cascudo e um beliscão dela .

(Shin) - Ai ! Ai ! Okaasan, socorro !

(Minako) - Desculpe, filho ... mas foi você quem a provocou - ela segurava uma risada .

(Roger) - Respondi sua pergunta, Mina-chan ?

(Minako) - É ... respondeu, sim .

- Sente-se melhor ?

- Como ?

- Amy, ela ... me ligou agora há pouco, dizendo que você não se sentia muito bem, sabe .

- É, eu ...

- Bom, vamos deixar essas pestinhas aqui na escola, e então eu te levo no hospital, ok ?

- Não é bem esse o tipo de problema, Roger .

- Imaginei isso . Quer conversar ?

- Não agora . Não com eles aqui podendo nos ouvir . Mas e você ? Como se sente ?

- Confuso .

- Isso é normal - ela olhava para a gata que repousava em seu colo - Fiquei assim também quando encontrei Artémis-kun .

- Artémis ? Não era aquele seu gato que desapareceu ?

- Era ... sinto falta dele . Foi ele que me revelou quem eu era .

- Quem você era ... espera, acho que Amy falou algo a respeito sobre ... ah, sim . Gatos Lunares, correto ?

- Exato .

- O que acha que aconteceu ? Cheguei a te ajudar a procurá-lo . E aquela outra gata da Usagi que sumiu também ... já faz tempo, não acha que eles morreram ?

- Pensei nisso ... Usagi acha que Luna morreu, mas ... bem, tivemos experiências no passado a respeito do que viria a acontecer e ... por que está diminuindo a velocidade ?

- Só curiosidade, mesmo . Vamos passar em frente ao dojo de Makoto, quem sabe não encontramos Akira descendo e aproveitamos para lhe dar uma carona . Olha ele lá na escada e ... CARAMBA !!!! - Roger fica pasmo quando vê Akira saltar, e o mesmo a uma distância respeitável quando fez aquilo - mas ... como ele fez ... aquilo ele ... ele ... ele pulou aqueles degrais todos - Roger não acreditava em seus olhos - CADÊ ELE ?!?!?!?

A reposta veio quando Akira pousou de pé no capô do carro, assustando-o . Mal ele toca, ele dá outro salto e gira o corpo, caindo de pé ao lado do carro , olhando para trás .

Mas, o que mais surpreendeu Roger, fora a expressão que estava na face de Akira : a de uma criança que fez arte e sabia que ia ficar de castigo por causa disso ....

***

- Quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte ...vinte ! VINTE !!!!! - ele olhava para trás incrédulo , enquanto as crianças estavam ao redor de Akira . Haviam saido do carro com a surpresa, e o mesmo agora estava confirmando sua teoria .

- Pois é, vinte degraus, Roger . Ele pulou vinte degraus .

- Puts ! Mas que diabos foi isso ? Como é que ele fez isso ?

- Herdou da mãe, Makoto .

- Sim, Amy me contou que ... que ... caramba, agora eu me lembro ! Ela disse algo sobre o Akira, mas não dei muita atenção para isso ! - ele se vira para seu carro, vendo a parte da frente do carro amassada - Nossa ! Eu não acredito no que os meus olhos viram !

- Acho que ele também não esperava te encontrar . Pela cara dele, foi puro acaso que nos encontramos .

- Como ele consegue pular tantos degraus ? Melhor dizendo ... como ele consegue cair de pé depois disso ? Tudo bem que criança vive se quebrando,  e que durante a formação existem muitos casos de alguns que tem ossos mais fortes, mas isso é um absurdo !

- Você acha ? Não imagina minha surpresa quando o vi subindo essa escadaria, pulando dez degraus de cada vez .

- Dez ? - Roger olhava atônico para aquela escadaria que parecia alcançar o céu - subindo ? Megumi também pode fazer isso ?

- Não ... não tantos degrais quanto ele ou por tanto tempo, mas tanto ele quanto ela tem uma estrutura fisica um pouco maior do que uma criança de sua idade .

- Um pouco ?

- Certo, Akira tem uma bem maior .

- Bem ? - ele olhava para o carro - eu teria quebrado as minhas pernas se eu tivesse saltado de uma altura de vinte degraus ! Ou destroncado, pelo menos !

- Acho que sim . Provavelmente, levando em conta sua massa corporal , a velocidade e outros fatores .

- Céus ! Se é assim com essa idade, imagine quando for um adolescente ! Não quero estar por perto se ele voltar triste por que levou um fora de uma garota !

- Mas ainda é uma criança normal, Roger . Veja, olha só como ele está assustado . Deve achar que vamos dar a maior bronca do mundo nele, que vai ficar de castigo ou apanhar . Desde cedo Makoto o ensina a controlar isso, mas ... ora, convenhamos, é uma criança ! Aquela história do anjo de asas negras que você vive contando, você disse que desobedeceu seus pais para se divertir, então o que faz pensar que ele não fez o mesmo ?

- Mas isso é diferente ... não é como quebrar a vidraça do vizinho ou coisa assim ...

- Não, não é . Por isso que eu apoio Makoto quando ela passa horas e horas falando no ouvido dele a respeito disso .

- Ele ... ele já fez algo assim em público ?

- Não ... mas é melhor prevenir do que remediar . Mas ... eu o compreendo . Ele deve se sentir como se estivesse em uma gaiola, morrendo de vontade de se libertar, se saltar por ai como fez agora, mas não pode .

- É, você tem razão ... quer dizer, é como ter uma bicicleta e não poder andar nelas . Seria como colocar algemas nele .

- Algemas ?

- É, Minako . Quer dizer, como uma gaiola . Limitando a área de ação dele, o que ele pode fazer, onde pode fazer . Como um passaro que não pode voar, ou só pode fazer isso em um curto espaço . Ou um peixe em aquário . Um um leão no zôologico .

- Não é como se gostassemos disso, Roger . já fomos adolescentes, sabemos muito bem o quanto é ruim a sensação de estarmos presos em um lugar, de temos nossa ... nossa ...

- Liberdade ameaçada ?

- Isso ... por enquanto, eles são crianças, não prestam atenção a esses detalhes, mas quando crescerem, ah ... se tivessemos escolha, não fariamos isso . Mas como explicar para os demais que nossas crianças, apesar de serem diferentes, são iguais a todas as outras ? Choram, brincam, sentem dor, aprontar arte ... apenas um mero detalhe . Mas também estão sujeitos a responsabilidades maiores, as quais estão ligadas as suas habilidades . E se, por um acaso, Akira começar uma briga no colégio ? Já o vi brigando antes, ele sempre se controla e não machuca seriamente os outros alunos, nada além do que uma criança normal faria ... mas e se um dia ele perder o controle, ficar muito furioso ? Poderia muito bem bater no colega mais do que o mesmo suportaria, até mesmo nos professores, que sairiam bastante machucados . E seria tratado como uma aberração, uma criatura anormal, sabe . Poderia ser preso, tratado como um animal, poderiam fazer experiências nele ... tudo por causa do perigo que ele representa . E mesmo que ele não fizesse mal a ninguém, ainda há o problema das pessoas olharem para ele de forma diferente . De forma assustadora . Você é reporter, sabe como funciona, não sabe ? As pessoas temem o que é diferente e, muitas vezes, destroem o que temem .

- Concordo com você, mas ... acha que eles aceitarão isso ?

- Eles terão que aceitar, senão poderão se ferir .

- Você não respondeu a minha pergunta - ele olhava para as crianças . Megumi estava puxando a orelha de Akira, como se estivesse lhe dando um sermão, Kinji estava boquiaberto, puxando a camisa de Akira . Pela cara, devia estar pedindo para ele lhe ensinar a fazer aquilo, ao passo que Anchitka tinha um brilho nos olhos de admiração . E, conhecendo sua filha, ela estava surpresa e achando aquilo muito legal - até quando acha que eles aceitarão isso ? Todos estão crescendo, Minako . Sei que é estranho isso vindo de mim, uma vez que há pouco descobri sobre a real natureza de minha esposa, mas ... bem, é a vida . A escravidão encontrou seu fim não apenas por que fizeram a revolução para isso, mas por que grupos de escravos se rebelavam e iam contra seus antigos donos . As novas idéias dos novos tempos mostraram a eles que os mesmos tinham direitos e não eram animais . As crianças estão entrando em uma fase em que começam a desenvolver mais suas personalidades . Eu não quero um mundo em que meus filhos sejam vistos com discriminação por causa de suas habilidades, mas não acho que conseguiremos fiscalizá-los sempre . Rei esteve lá em casa agora há pouco e criou um pouco de fogo para entreter as crianças, sabe .

- Ela fez isso ?

- Fez, mas aconteceu algo diferente, algo que não tinhamos visto até então . Kinji ... ele ... ele começou a manipular o fogo que Rei criou . Fez crescer, diminuir ... até que Amy tirou a concentração dele . Tinhamos conversado sobre isso, sobre o futuro deles, mas o que a deixou irritada mesmo foi Rei ter incitado meu filho a  usar melhor seus poderes recém-descobertos . Eu vislumbrei os olhos do meu garoto, Minako . A forma como ele olhava para a "mágica" de Rei, o brilho nos olhos de uma criança e de sua inocência ... ela vai tentar fazer isso de novo, pode ter certeza . E eu vou falar isso com Amy . Podemos fazer da maneira mais fácil, ou da mais dificil . Mas de qualquer forma, vamos conversar com ele, explicar o problema que coisas desse tipo acarretam . Até quando conseguiremos controlá-lo ? Eu não sei . Se eu tivesse asas nas costas, não conseguiria evitar de voar, mesmo que um pouco . Não iria suportar a idéia de voar apenas no meu quarto . Sabe . É estranho de se falar, mas ... é como algo que eu precisaria fazer . Desde pequenas as meninas não brincam de bonecas chamando elas de filhinhas, trazendo a tona o "instinto materno" ? Bem, é algo parecido . Você não tem uma habilidade especial por puro acaso, ela está ali por algum motivo,  e com certeza é dificil separar uma coisa da outra quando você nasce com isso .

- Entendo o que você quer dizer . Makoto não nasceu com esses poderes, mas Akira sim . Não que eu esteja querendo dizer que ele não é humano tampouco não saiba o que é ser humano, não sou tão cruel a ponto de dizer uma coisa dessas . Quem pode definir o que é humano, não ? Se vivemos entre eles, se nos importamos com eles a ponto de nos policiarmos para não causarmos problemas, se sentimos suas dores, suas alegrias e suas aflições, por que não podemos ser considerados humanos ? Na verdade, em lugar algum existe alguém com capacidade intelectual ou um pingo de moral para dizer quem é humano ou não é . Ninguém . Amy com sua inteligência, Rei com sua percepção extra-sensorial, Setsuna com sua sabedoria ... ninguém mesmo, nem em mil anos . E qualquer  pessoa  que se ache a altura de dizer que tal pessoa é humana ou não, que sabe o que é ser humano ou não, na verdade não passa de uma tola que quer puxar para si mesma o direito de ser considerada a pessoa mais iluminada do universo - ela parava, suspirando - mas por enquanto não há nada que possamos fazer, Roger . Nada . É duro isso . Sei que é . Podem dizer que não tem nada a ver, mas é a mesma coisa que limitar as escolhas de uma adolescente, não deixando-a sair, passear, se divertir . Sei que quando eles estiverem mais velhos vão perceber isso, talvez até se revoltem contra nós, dizendo que não aguentam mais ficarem enjaulados, com medo de usarem seus poderes em público . Sei disso . Mas no momento, não podemos fazer nada a respeito . Eu espero sinceramente que chegue o dia em que Akira possa erguer um galho de arvore caido para salvar um gatinho, ou que Megumi possa subir até o topo de um telhado para resgatar uma criança, sem medo de serem discriminados por causa disso . Mal tal sociedade ainda não existe, nosso tempo está repleto de preconceitos, muitos dos quais inúteis .

- Alguém terá que dar o primeiro passo, se mostrar .

- Sim, mas existe o risco .

- Sim, mas alguém terá que dar o exemplo . E se, além das nossas crianças, ouverem outros assim ? Sufocados por uma sociedade preconceituosa, as pessoas são capazes de cometerem as maiores loucuras que você possa imaginar .

Ela olhava para o céu, lembrando-se do passado . Ou, melhor ainda, do futuro . Teria sido isso que fez o Clã Blackmoon agir assim ? Setsuna e Chibiusa haviam dito que eram criminosos que foram exilado, mas ... de que crime estavam falando ? Não seriam pessoas que eram discriminadas por causa de seus poderes, ou então seres que, cansados de se esconderem, resolveram se mostrar, e para evitar maiores confusões, a rainha os havia exilado ?

Não, não fazia sentido . Setsuna havia dito que Usagi atingiria uma grande sabedoria com o passar dos anos, ela não seria capaz de fazer tal coisa, iria era negociar com eles . Alguém tão sábio com certeza conseguiria outras alternativas pacificas .

Mas, se era assim ... por que o principe Diamante parecia tão interessado em conversar com elas ?  Na verdade, o mesmo não parecia o monstro relatado por Chibiusa, pelo contrário . Havia até uma certa lógica, afinal de contas, no fim descobriram que eles estavam sendo manipulados, mas ... isso a levava a pergunta inicial : seres com poderes ? Lembrava-se de vários membros deles que voltaram ao passado, muitos dos quais possuiam poderes incomuns que pouco lembravam habilidades de batalha, pareciam-se mais com habilidades comuns que eles usavam no seu dia-a-dia .Pareciam mais pessoas desesperadas do que soldados . E não eram isso ? Pessoas que não suportavam mais a prisão em Nêmesis, e queriam voltar para sua terra natal , o Planeta Terra . O lugar aonde nasceram, o seu lar .

Mas a rainha os exilou ... quais teriam sido seus reais motivos ? Não os defendia de seus atos, afinal eles atacaram a Terra causando sérios estragos, mas ... e antes disso ? Não se lembrava de ter visto nenhuma pessoa do Clã Blackmoon sem poderes, o que houve ? Será que em mil anos a Terra não tinha uma sociedade para suportar esse tipo de coisa, uma prisão especial para pessoas especiais ? Era estranho pensar nisso, para tanto, o povo da Terra, de algum modo, teria que ficar estagnado, parar de se desenvolver . O que era tecnicamente impossivel . Só algo muito forte seria capaz disso . Mas o que ?

A rainha tinha que pensar no bem de muitos . Teria ela exilado o Clã Blackmoon não pelos crimes que eles supostamente cometeram, já que tiveram apenas a palavra de Setsuna e Chibiusa como prova ... ou teriam sido exilados por que as pessoas ficaram com medo de pessoas com superpoderes, pessoas as quais não aceitavam ter que ficar escondidas por causa de outras, como  pássaros que não saem do ninho por que predadores maiores estão ao redor ?

Seria Usagi capaz de fazer isso ? Não, sua amiga não seria capaz de tal coisa, de manipular o povo e usar uma minoria para atingir seus objetivos .

Correto ?

- Alô ? Minako ? Acorda !

- Hã ... desculpe, estava pensando . Acha que as pessoas seriam tão intolerantes com aqueles que são um pouco diferentes ?

- A história não nos provou o contrário . Pelas ordens de poucos, milhares de representantes de um povo foram mortos no século passado .

- É estranho pensar dessa forma . Me lembra uma história de pessoas que viviam na América e tinham poderes especiais, tinha um que lançava raios pelos olhos e ...

- Os X-men ? Minako, isso é pura ficção .

- Sim, pode ser ... mas não deixa de nos ensinar algo, de como as coisas podem ser . Digamos que um grupo de pessoas começa a se mostrar no meio da rua, indo para a escola, para o trabalho sem esconder sua condição especial . Em seguida outros seguem seu exemplo e, quando vão se dar conta, percebem que haviam muito mais pessoas assim do que imaginavam . Agora imagine que as pessoas "comuns" comecem a protestar contra as "aberrações", dizendo que são perigosos, que eles são monstros sem coração, que são alienigenas que irão tomar o espaço de seus filhos , que não tem o direito de estarem ali ... começa com uma passeata ... depois, manifestações comunitárias ... você com certeza ouviu falar sobre a Klu Klux Klan, não é mesmo ? Uma discriminação racial, manifestações religiosas em que as pessoas acusam irmãos e vizinhos de serem servos do demônios ... casas sendo atacadas ... escolas expulsando alunos por causa disso ... linchamentos ... politicos que apoiam essa causa e lutam para vigorar leis que exijam o controle de pessoas com tais poderes, não que seja tão ruim uma lei assim, mas o real propósito dela é o que me preocupa ... pessoas com poderes se revoltando, cansadas de serem oprimidas ...  ainda acha que é ficção, meu amigo ? Acredite, tal coisa já aconteceu e se repetiu diversas vezes ao longo da história . Alguém terá que dar o exemplo, eu sei . Pode falhar também, eu sei . Mas uma hora vai funcionar, as pessoas começarão a se acostumar, mas ... até lá, está disposto a arriscar seus filhos ? Não é hora para ser nobre, Roger .Tem que pensar em sua familia, no seu próprio sangue . Acha que quando estiverem prendendo eles, terão piedade dos seus gritos ? Que depois que fizerem uma autópsia nas crianças e descobrirem que não há nada de diferente neles, simples desculpas bastarão ?

- Já entendi o que você quer dizer .

- Acredite, se eu tivesse palavras ... se eu pudesse dizer algo que lhe desse segurança, eu diria . Até lá, a única coisa que podemos fazer é proteger nossa prole, não concorda ? Afinal, no fim das contas, somos todos egoístas . Não importa o quanto digamos que nos importamos com as pessoas, quando a coisa aperta de verdade, quando a situação fica desesperadora, só nos importamos com aqueles que estão ao nosso redor, com aqueles que temos uma maior intimidade, como nossos pais, filhos e amigos intimos .

- Já entendi, Minako . Já entendi . Vamos, antes que nos atrasemos . Ainda temos que levá-los até a escola .

- Ok . Irei falar com Akira . Quer que eu fale com Kinji e Chi-chan ?

- Não, pode deixar . Mais tarde eu falo com eles . Vou ter que me acostumar com isso, de um jeito ou de outro, não é ? Afinal, acabei de ter noção da vida que eu abracei, e terei que me adaptar, querendo ou não .

- Entendo . Desculpe por termos escondido isso de você .

- Tudo bem, eu entendo .

- Posso sentir toda a sua mágoa, Roger . Não quer compartilhar isso  ?

- Pode sentir o que eu sinto ? Mas eu estou bem, acredite .

- Existem pessoas que podem omitir o que pensam, se ocultarem, esconderem suas emoções de modo que as pessoas não saibam como elas estão se sentindo . Mas tal coisa não dura muito, ninguém consegue esconder bem por completo suas emoções . Sempre fica algum resquicio . Na verdade, varia de cada um o quão bem ela consegue se omitir . Foi até engraçado, uma vez encontrei um youma que omitia suas emoções . Ele achou que eu não conseguia sentir nada dele, mas ele me substimou . Era uma questão do quão bem ele ocultava o que sentia e eu o quão bem podia senti-lo . No fim, consegui . Você está magoado . Muito magoado, mais do que pode imaginar, na verdade . E essa mágoa supera as últimas surpresas que teve, pode acreditar nisso . Sinto que não gostou de ter sido enganado durante todos esses anos, não é mesmo ?

- Não . Nem um pouco . Me senti um verdadeiro idiota, um cego que não percebeu a verdade . Me pergunto quantos dos meus amigos, da velha turma sabiam que vocês eram as Sailors e não me contaram . Nem mesmo depois do meu casamento . Estavam todos lá, mas nem se deram ao trabalho de me contar .

- Deixamos isso para Amy . Você sabe o porque , não sabe ?

- Sim, eu sei ... mas não me deixa menos magoado . Não sou perfeito, Minako . É verdade, estou profundamente magoado com Amy . Um pouco decepcionado, até . Nos conhecemos desde antes da faculdade, desde o tempo em que éramos adolescentes, achei que toda essa convivência me desse ao menos o minimo  direito de saber, que eu merecia um pouco mais de confiança da parte dela .

- Nem todas tem a sorte de encontrar alguém como você, Roger .E você não deve achar, você tinha o total direito de saber disso . Amy não tinha o direito de omitir isso de você, pois no momento em que se casaram, passaram a dividir uma vida . Você, ela ... apenas um . Até que a morte os separe, e talvez nem mesmo isso . O erro foi dela, não tenha receios de se sentir traido .

- Não nego ... mas ela é a minha Amy . Sei que não faria isso comigo, apesar de ter feito . Ainda dói aqui dentro, mas sei que irá passar . E não pretendo ficar o resto dos meus dias me remoendo por causa disso . Erros todos cometem, a maneira como os encaramos é o que faz a diferença . E eu havia tomado a minha decisão no momento em que Sailor Mercúrio se destransformou e diante de mim estava minha esposa , gravemente ferida . Naquele momento, eu escolhi entre tentar entender o que acontecia ou ficar do lado dela, e foi o que decidi . Não me arrependo, apenas preciso de um tempo para assimilar isso . Você está certa, posso tê-la perdoado, mas no fundo, ainda guardo um resquicio de mágoa . Mas eu irei superar isso, por que ela é a minha esposa, minha mulher, aquela que eu amo e escolhi para passar o resto dos meus dias . Podem levar dias ou meses, mas eu irei perdoá-la . Por que eu a amo . Não consigo imaginar uma vida sem ela, e nem quero . Ela foi minha escolhida para me dar todo o seu amor, para me dar essas crianças maravilhosas que temos, para me consolar quando algo me chateia, para ser consolada por mim quando algo a chateia ... quando acordo, fico admirado ao ver o belo rosto dela e os seus braços envolvendo meu corpo ora com carinho, ora com força, já que a mesma não quer se afastar de mim  . Eu a almejo a cada minuto, a cada segundo, a cada instante . Mas a alegria maior é saber que sou correspondido,  que eu sou dela e ela é minha, que toda a minha dedicação não é em vão, pois ela é direcionada a única pessoa que a merece e a corresponde de igual forma . É uma coisa tão bela ter aquela mulher em meus braços, conversando comigo, dizendo o quanto me quer . Ela me completa, me faz sentir uma pessoa melhor a cada instante, só de pensar que tenho tal pessoa ao meu lado, me apoiando e sabendo que a mesma precisa do meu apoio ... não importa o quanto eu estudei, o quanto me esforcei, o quanto me preparei durante toda a minha vida, eu não seria metade da pessoa que eu sou se não fosse por ela, minha linda, minha amada, minha deusa, a rainha do meu coração, a mulher que toma cada instante da minha vida, que ocupa meus pensamentos a cada momento, cada instante e ...

- Ai, que lindo ! – Roger sai de seu mundo de amores e percebe que Kinji e Anchitka seguravam em suas pernas, Shin estava ao lado de Minako e Megumi sentada no capô do carro, todos prestando atenção em seu "monólogo"  .

- Hã ... vamos embora, crianças . Vocês tem que ir pra aula e ... o que está fazendo, Akira ? – ele observava o menino, o qual estava parado em frente  ao carro, observando o capô .

- Vendo o estrago, tio . Desculpa, eu não tive a intenção de fazer isso . Prometo que vou dar um jeito nisso, tio .

- Tudo bem, Akira . Não tem problema, só quero que tome mais cuidado da próxima vez, ok ?

- Tudo bem, é que o senhor subiu na calçada e de repente, mas ... eu não devia ter pulado , Mako-mama não gosta que eu faça isso – ele abaixa a cabeça, recriminando-se -  mas tudo bem, eu pago o seu concerto !

- Hmmm ... depois a gente vê isso, Akira . Vamos, eu te dou uma carona até a escola .

- Oba !!!

- Ué, cadê a gata, Minako ? Não ia levá-la para um veterinário ?

- Ela já foi  embora ... vai ver, não estava tão machucada assim .

- Você está com uma cara estranha ...

- É impressão sua, vamos . – ela entra no carro e Roger dá a partida .

(Akira) – Tio ! Tioooo !!!!!

- Fala, Akira . O que foi ?

(Akira) – Tio, quando é que o senhor vai levar a gente pra pescar novamente, heim ?

(Kinji) – É, Otousan ! Quando ? Eu queria pegar outro peixe maior que o do senhor !

(Shin) – Eu também, tio ! A minha vara quebrou, mas Okaasan disse que vai me arrumar uma outra .

(Roger) – Bem ... o que vocês acham de irmos nesse Sábado ? Akira ? Shin ?

(Akira) – Tenho que falar com Okaasan, mas acho que ela vai deixar .

(Shin) – Okaasan, eu posso ir, posso ? – ela se vira, encarando aquele doce rosto implorando para ela .

(Minako) – Claro, Shin-chan – ela respondia igualmente sorrindo para o mesmo – sem problema ! Mas nós vamos jantar o que você conseguir pescar, ok ? Aliás, eu acho que vou querer ir junto !

(Shin) – Oba ! Então eu vou pescar um peixe bem grande !

(Megumi) – Ah, isso não é justo, tia Minako ! Por que a senhora vai com eles ? O tio só leva os meninos pra pesca !

(Anchitka) – Isso mesmo ! – a pequena de cabelos azuis  emburrava o rosto – Por que os meninos sempre levam a melhor, Meg-chan ? Por que ? Isso não é justo !

(Kinji) – Ah, você é menina e não pode ! – no entanto, dessa vez Kinji estava no colo de Megumi e Anchitka estava no colo de Akira, um do lado do outro, dee modo que, quando Kinji colocou o dedo na cara da irmã, ela o abocanhou e não largou – AAAAAHHHHHHH !!!!!!

(Roger) – Crianças ! O que eu disse sobre brigas no carro ?

(Anchitka) – Isso não é justo, Otousan ! – ela largava o dedo do irmão – o senhor vive brigando com a Okaasan também !

(Kinji) – Isso mesmo ! – dizia o menino com o dedo levemente inchado e um principio de choro – vocês brigam direto, mais do que a gente ! Brigam na sala, na cozinha, no banheiro ...

(Anchitka) – Encima da mesa, encostados na parede, na pia da cozinha, na geladeira, no fogão ...

(Kinji) – Na varanda, no sofá da sala, na biblioteca, na entrada do laboratório secreto, no ...

(Roger) – Heim  ? Mas que história é essa de brigas e ... como sabem do laboratório ?

(Kinji) – Ah, a gente viu uma vez ela se esgueirando até lá, achando que a gente tava dormindo .

(Anchitka) – Tem até uma senha, mas eu não ouvi direito, vou prestar atenção da próxima vez e ...

(Shin) – Tia Amy tem um laboratório secreto ?

(Megumi) – Que nem o dos cientistas loucos ?

(Kinji) – Sei lá, eu nunca fui lá dentro, mas vi de longe ! Parece que tem um monte de coisas lá dentro !

(Anchitka) – Será que Okaasan deixa a gente entrar lá ?

(Kinji) – Ah, a gente dá um jeito de entrar .

(Akira) – Chi-chan, tia Amy vai brigar com vocês se entrar lá !

(Anchitka) – Olha quem fala, fez a maior bagunça na nossa biblioteca por causa de um livro !

(Akira) – Ah, mas era um livro muito importante sobre os Celtas !

(Roger) – Celtas ? – ele olhava confuso para Minako – é isso que você anda ensinando aos os seus alunos ? Não acha que está meio ...

(Minako) – Ele fez por conta própria, Roger . Akira adora livros de história, se esqueceu ?

(Roger) – Tudo bem e ... sobre esse assunto de "brigar" e o laboratório ... – ele para no sinal e vira o rosto, olhando as cinco faces atrás dele – eu não quero saber de vocês cinco falando isso para ninguém, quero que parem de falar isso agora, se quiserem saber algo mais, terão que perguntar a minha esposa, ficou claro ?

- Sim, senhor ! – os cinco respondiam em unissomo, para a surpresa de Minako .

- Escuta, Roger ... não quer assumir meu posto como professora ?

***

- Ok crianças, chegamos ! – ele para o carro, e Minako, Akira, Megumi e Shin descem .

- Tchau , tio – Ele recebia um beijo na buchecha de Megumi e um abraço de Shin e Akira, de modo que o de Akira foi bem mais forte do que ele podia esperar .

- Tchau, depois nós conversamos -  ele se despedia, recebendo belos sorrisos das crianças e se afastando . Ainda tinha que levar Kinji e Chi-chan para a escolinha, fora que ainda tinha que descobrir mais a respeito dessa história de "briga", embora começasse a ter uma vaga idéia do que seria ...

***

Mais um dia . E, pelo visto, a professora Aino ainda estava de licença . Foi agradável vê-la trazendo o filho, pena que ela não estava se sentindo melhor .

Pena, mesmo .

E agora, os "anjinhos . Tomara que eles se comportassem dessa vez . Não sabia o motivo, mas acordou com uma ressaca daquelas, e não conseguia lembrar de ter bebido muito . Precisou de um tratamento de choque para ficar em forma antes de ir ao trabalho, o que foi bastante desgastante . Só esperava que as crianças se comportassem dessa vez .

É ... esperava .

***

- Minako ... sabia que suas amigas precisam de você ? Vai deixá-las ir, sem ao menos fazer nada ? Minako ? Minako ? INANA !!!!

- Querido - ela o olhava ternamente enquanto caminhava pela calçada - será que você poderia ... me abraçar ?

- MINAKO ! Isso é sério ! Tem noção das coisas que estão acontecendo ? Se não tivesse renegado a si mesma por tanto tempo, teria percebido !

- Querido, por que está gritando comigo ? Foi algo que eu fiz, foi ? Se foi, então me desculpe, meu marido .

- Não sou seu marido ! - Joshua gritava em um tom que apenas Minako conseguia ouvir, e ninguém mais - acorde desse mundo de fantasias ! O Milênio de Prata não existe mais, a familia real Venusiana foi extinta ! Pare de agir como se não entendesse minhas palavras, eu preciso de você para fazer isso ! Não posso destruir nossa ligação sozinho, preciso de alguém que seja capaz de desvendar os mistérios mais profundos da alma como você ! É tão dificil você entender isso, Minako ? Vamos, responda ! Você é uma mulher madura, não uma adolescente ! Sabe muito bem do que eu estou falando, não sabe ? Tem os poderes, as habilidades, mas não é Inana ! Não é a Inana pela qual eu me apaixonei ! Quer fazer como o principe Endymion e a princesa Serenity, que continuaram se amando mesmo depois de terem renascido ? Isso foi um puro acaso, Minako ! PURO ACASO ! Endymion amou Serenity, mas Mamoru precisou passar por duras provas para amar Usagi ! Eu não te amo, será que não entende ? NUNCA TE AMEI ! EU AMO A MULHER QUE ESTÁ DENTRO DE VOCÊ, A PRINCESA INANA, E NÃO AINO MINAKO !

- Querido ... por que está tão alterado ?

- NÃO ME CHAME DE QUERIDO ! O QUE EU PRECISO FAZER PRA QUE VOCÊ ENTENDA A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO ? EU PRECISO ROMPER ESSA LIGAÇÃO E SUAS AMIGAS PRECISAM DA SAILOR VÊNUS !

- Você está entrando em contradição - ela respondia, sem parecer irritada com os gritos dele - quer que eu me liberte de Inana, e ao mesmo tempo quer que eu me torne a Sailor Vênus .

- Você me entendeu ! Você herdou os poderes dela, herdou o manto ! Aja como tal !

- Se eu herdei tudo isso, por que não posso ser Inana ?

- Por que ... por que ... você tem uma vida inteira pela frente !

- Não quero outra vida que não seja ao teu lado, meu amado . É o que eu quero, e torno a renovar os votos feitos anteriormente . Sei que a sintonia de nossas almas está em um ponto critico, mas eu irei me esforçar ao máximo para fazê-la tornar a ser como ela era antes - ela completava com um sorriso .

- Não ... não acredito que eu tenha falhado . Será que você não entende ? A princesa Inana cresceu, amadureceu, aprendeu, amou, experimentou a alegria e a tristeza ... mas são emoções dela . Por mais que você as sinta como se fossem suas, são delas . Memórias de uma princesa, não de uma professora . Nem eu nem Inana temos o direito de fazer isso com você .

- Durante anos eu fui Inana sem perceber, e foi a mesma quem por diversas vezes garantiu o futuro deste planeta . Qual o problema em eu continuar sendo assim ?

- Passa a ser um problema quando você deseja viver a vida dela . Seu modo de vida, seu amadurecimento, tudo será baseado no que a princesa Inana foi, e não no que Aino Minako poderia vir a ser . E pra falar a verdade ... Nem Inana , tampouco Minako, agiriam dessa forma . Elas não abandonariam suas companheiras assim . O que houve com aquela garota insegura que eu aconselhei a dar o seu melhor e que acabou se tornando a líder das Senshis ? - ele continuava esbravejando, ao passo que ela se aproximava de sua residência e adentrava na mesma . - o que houve, Minako ? O que houve pra você passar a agir assim ?

- Eu já disse, querido ... eu não vou me intrometer nisso ! Não quero ! Elas ... elas irão matar aquelas pessoas ... todas elas, e sem a menor piedade ! É só isso que sabem fazer, é pra isso que as Senshis foram criadas, para fazer o trabalho sujo de outra pessoa ! Não irei tomar parte disso ! Não sou obrigada a voar só por que tenho asas, não é por que tenho esses poderes que sou obrigada a seguir esse maldito juramento que me faz matar as pessoas ! Sou uma humana e nasci como tal !

- Quem é que está entrando em contradição agora ?

A resposta foi um beijo, mas um beijo bem doce, o qual ele não recebia há milênios . E, apesar de não ter havido o menor contato fisico, as almas de ambos se tocando novamente, o amor que um sentia ecoando na alma do outro, era suficiente para garantir uma sensação melhor do que um beijo .

Ela se afasta, com um sorriso no rosto . Era como um sonho que se tornava realidade .

- Tudo vai dar certo, meu marido . Seremos eu, você é Shinnosuke, seremos uma familia feliz, e nada irá atrapalhar isso, nada .

- Diga a verdade, diga - ele a encarava - você não ... você não é a Minako, não é mesmo ? Vamos, diga o que eu quero ouvir ! O que foi que houve naquele dia, Minako ? O que ? Não pode ter sido tão grave que te deixou nesse estado . Por que eu tenho certeza de que não estou conversando com Inana tampouco com Aino Minako . Vamos, responda de uma vez por todas : quem é você ?

***

O homem já estava ali parado há bastante tempo . Mais do que a mesma achava que aquilo iria demorar, e com razão .

Em verdade ele poderia ter feito aquilo antes, mas precisava unir por completo o corpo e o espirito, libertar-se de qualquer pensamento que pudesse lhe atrapalhar, por que se tal coisa acontecesse, tudo iria por água abaixo .

Os indigentes, seus filhos ... tudo .

E ela, mais do que ninguém, não queria isso . Assim como ele, ela lutava pelos seus ideais, por aquilo que iria libertar o poder para revolucionar o mundo .

E estavam prestes a conseguir isso .

- Sumire ...

- Shhh ! Silêncio, Maki .Não faça o menor ruido agora !

- Grandes merda ! Aquele palhaço ali tá gemendo direto dentro da prisão, e a mulher da árvore não para de chorar ! Porra, dá um calmante pra ela !

- Seu linguajar é incrivel, mesmo depois de anos, Maki - ela balançava a cabeça . Realmente o temperamento e os modos de Maki eram algo que ela estava cada vez mais convicta de que não tinha mais salvação . - mas o que faz aqui ? Por que não foi para sua casa descansar ? Falando nisso, resolveu faltar ao trabalho ?

- E tu acha que vô fica de cabeça fria enquanto o Seo ai arrisca o rabo ? Tá loca ! E a vaca de preto, ela já fez o que tinha que fazer ? - ele olhava para Death, a qual estava sentada há poucos metros de Seo, de pernas cruzadas e com os olhos fechados - quero só vê o que ela vai aprontar ! Ficou o tempo todo dizendo que ia matar o Seo, quero me certificar de que ela não vai tentar nenhuma gracinha mais tarde .

- Quanto a isso, se ela tentasse tal coisa, eu não permitiria, Maki . Pode ter certeza disso .

- Estão vindo - Death abria os olhos, quebrando o silêncio - estão vindo .

- Quem tá vindo ?

- As Sailors - Sumire completava - elas estão vindo em nossa direção .

(Death) - Seo, chame os outros ! Seo ! Seo ?

Ele abre os olhos, encarando-a .

- Não .

- Não ? Mas o que pensa que está fazendo ? Por acaso se esqueceu da sua obrigação ? Chame eles agora, não podemos adiar isso !

- Eu já disse que não .

- Pois eu vou ...

- Você não irá fazer nada ! - a voz dura dele ecoava pela sala - Sua função aqui é de apenas canalisar as almas, e nada mais ! Se não fosse por mim, você nunca seria nada, não teria se tornado o que é hoje ! Não ouse tomar decisões por mim, não tolerarei isso vindo de você !

- Você é um louco ! Quer bancar o santo, mostrar que está arrependido, por acaso ?

- Não - ele simplesmente respondia - isso não tem nada a ver santidade ou arrependimento  . Meus filhos ... todos os meus filhos ... sei o nome de todos . Sei até a quantia exata, e posso lhes garantir que eles no total atingem um número maior do que cinquenta, mas não tornarei a envolve-los nisso . Esse problema envolve a mim, a você e a Sumire, e ninguém mais . Nós temos obrigações, negócios pendentes, eles não . Não os farei carregarem nossas cruzes, entendeu ? Eu estou no comando aqui, e não você, ficou claro ?

- Você é louco, Seo - ela cruzava as pernas, concentrando-se - alguém tem que te mostrar o quanto você é louco . E piedoso, também . E justamente isso será a sua ruína .

Continua ...

Nota do autor :

Okaasan : mãe, mamãe  .

Otousan : pai, papai .

Koibito : Usado para se referir a pessoa amada, como se fosse uma namorada, só que de uma forma bem mais galanteadora .