Capítulo 7

"Joynah"

"Hã ? Onde é que eu tô ? Que lugar é esse ? "

"Você cresceu ... cresceu bastante, Joynah ."

"Quem é você ? Onde estou ? E a minha mãe, como ela está ?"

"Uma coisa de cada vez ... primeiramente, vá atrás de suas irmãs . Elas estão em perigo".

"Allete ? Marina ? O que houve ?"

"Elas escalaram uma cadeia de montanhas próxima daqui chamada Montanha da Vida, e agora precisam de ajuda"

"Por que fizeram isso ?"

"Acreditavam que fazendo tal coisa, podiam ajudar sua mãe, Joynah ."

"Mamãe ... ela ... ela vai ficar bem ?"

"Não está ao meu alcance ... vai depender dela . Seu pai está no hospital com ela, ela está sendo cuidada, na medida do possível"

"Eu sei ...mas eu tenho medo ! Muito medo ! Meus poderes não adiantaram de nada, nada !"

"Poder não é tudo, Joynah . Muitas vezes, a simples compreensão de um fato pode nos trazer as respostas que tanto precisamos"

"Quem é você ? E por ... por que me sinto tão ... tão ... à vontade ?"

"Não sei . Só sei que suas irmãs precisam de você . Agora vá, acorde, pois elas estão indo para um local no qual correm perigo ."

"Esse lugar ... ele pode curar a mamãe ?"

"Não ... não pode ."

"E por que se chama Montanha da Vida, então ?"

"Por que, quem for lá ... viverá "

"Como assim ?"

Ela arregala os olhos, percebendo que estava em seu quarto . Em um pulo ela sai da cama e corre até o quarto das irmãs, percebendo que elas não estavam mais lá .

- Droga ! Vou chamar o papai e ... e ... – a mesma fica parada, pensativa . Seu pai já estava muito preocupado no hospital ao lado de sua mãe, e as outras Senshis também . Não podia se dar ao luxo de trazer mais turbulência para eles no meio daquela tempestade . – Montanha da Vida, é ? – ela olha pela janela, localizando a cordilheira . Sua mãe já havia falado da mesma muitas vezes, dizendo que fora lá o local aonde passou sua infância ...

Mas o que a preocupava era o sonho . Acreditava nele, ou não ?

Joynah troca de roupa e sai apressada, voando até o palácio e, entrando lá, vai até uma das inúmeras salas, mal parando para cumprimentar as outras . A mesma ativa o computador de rastreio projetado por Orión, e tem uma surpresa quando as localiza ...

- Oh-oh ... me diz que isso não é verdade ...

***

Quente . Muito quente . Seja lá aonde estivesse, era quente . Bem diferente de há pouco, quando sentiu um frio enorme invadindo seu ser .

Frio ... frio ..

A correnteza !

A mesma abre os olhos, se espantando ao perceber que havia um cobertor cobrindo-a . Ela o empurra, quando se dá conta que na verdade era a pele de algum animal que a aquecia . Confusa, ela tenta se erguer, não conseguindo devido a tontura, a qual agravava sua visão, fazendo-a ver coisas estranhas na parede e no chão .

- Ai ... por que eu fui na idéia dela ... – murmurava, tentando se recuperar . Como estava viva, tal coisa ela não entendia . Tinha certeza de que ela e a irmã tinham caído no rio e que a forte correnteza as tinha afogado, mas ... como escaparam ?

E a grande pergunta ... quem as ajudou ?

Estudando minuciosamente o local, ela se dá conta de que estava dentro de uma casa . Uma casa bem rústica, por sinal, parecia mais com uma cabana de campo . As paredes eram de madeira, haviam alguns móveis feitos de madeira, mas estranhamente havia um buraco na parte traseira de algo que lembrava uma cadeira, uma fogueira mais adiante – era dali que vinha o calor, pelo visto – e uma forma bem curiosa de iluminação : acima de sua cabeça, no teto, um objeto de um material que ela já vira em exposições no museu queimava algo, provavelmente algum tipo de combustível, iluminando o local .

A mesma ao virar o braço choca-o com algo, e percebe que era Marina, a qual dormia .

Menos um problema . A dor de cabeça ia sumindo, estava ficando menos zonza, de modo que percebe algo que não tinha percebido antes : próxima da fogueira, havia uma pessoa ali que parecia estar cozinhando algo em um caldeirão . Não conseguia ver direito quem era, mas decidiu que era uma boa hora para se manifestar .

- Hã ... com licença ?

- Já acordou ? – o indivíduo, o qual ela reconheceu como sendo homem pela voz, sequer se virou .

- Eu ... sim . Obrigada por ter nos salvo .

- Muito arriscado o que fizeram . Mexeram com o clã da Selva . Muito arriscado .

- Eu ... não queríamos dar problemas, mas aqueles filhotes de ursos ...

- Filhotes de ursos ? Vocês, humanos, tem uma forma tão simples de ver as coisas ... será que não aprenderam nada com os séculos ?

Humanos ? Ele disse ... humanos ?

- Hã ... bem, sabe como faço para chegar ao topo da montanha da Vida ?

- Montanha da vida ... sei . Por que quer chegar tanto ao topo ? Aliás ... o que faz aqui ?

- Eu e minha irmã viemos para salvar nossa mãe, acreditamos que há aqui algo que a salve .

- Duvido muito . Se ela for humana como você, duvido que aja algo aqui que possa ajudá-los

- O que quer dizer com "humanos" ? – ela perguntava, receosa .

Ele se vira, e Allete toma um susto tão grande que grita . Era uma criatura com olhos opacos, orelhas como as de um morcego e uma jóia na testa, como se a mesma fosse de nascença, e realmente parecia ser . Como se não bastasse a surpresa inicial, ela arregala ainda mais os olhos ao ver que das costas dele saia uma cauda, a qual se balançava . Ela passa alguns minutos gritando, até que Marina acorda, surpresa .

- Ei, por que a gritaria ? – Marina encara o indivíduo, e continua gritando .

- Típico – ele continuava cozinhando, ignorando a gritaria de ambas . – humanos ...

- Mana, que bicho feio é esse ?

- Fica quieta Marina, senão ele nos come !

- Eu não vou ficar aqui pra ser comida por um bicho feio !

- Já pararam de gritar ? – ele se aproximava, trazendo dois pratos –tomem, essa sopa vai deixá-las bem melhor .

- Eu não vou comer isso – Marina olhava feio para ele – aposto que tem alguma coisa aqui !

- Não se preocupem, não gosto de carne humana . Ela tem um gosto horrível – ele sorria e se afastava, enquanto ambas sentiam um calafrio .

A principio ficaram encarando a sopa, até que a fome bateu e, ainda desconfiadas, provaram um pouco .

Deliciosa .

Não demorou muito para estarem se fartando.

- Burp ! Ai, que vergonha ! – Allete não sabia onde enfiar a cara – desculpe !

- Mal-educada ! – Marina lhe enviava farpas, e a mesma devolvia .

- Hã ... desculpe por tê-lo chamado de bicho feio, moço – Marina se erguia, procurando um lugar para se sentar – mas é que os senhor se parece com ... com ...

- Um bicho feio – ele se limitava a responder – vocês também não são o maior exemplo de beleza do universo .

- Ei !

- Calma, Marina – Allete colocava a mão no ombro da irmã "pavio-curto" – bem ... o que eram aquelas criaturas ?

- Eles são os Ursolinos, o clã da Selva .

- Eles pareciam ser filhotes de urso ...

- Ursos ... sim, vocês também possuem criaturas parecidas com eles . Não, não são . Eles vagam pelos vales, dificilmente montam acampamento fixos.

- Vales ? Acampamentos ?

- Sim . Todas essas montanhas abrigam diversos vales, muitas espécies vivem aqui pacificamente . Alguns não são tão "gentis" quanto eu, pois gostam de provar carne ...

- Glup ! Eles queriam nos comer ?

- Correto . Os Ursolinos vagam entre os vales, se alimentando do que encontram . O acampamento deles é próximo daqui, geralmente ficam algumas semanas em um local e depois partem .

- E por que nunca vimos essas criaturas ? Ou por que não saem dessas montanhas ?

- Pelo mesmo motivo que humanos como vocês não costumam freqüentar este local .

- O que quer dizer com humanos ? E quem é você ?

- Vocês são as estranhas aqui, apresentem-se vocês .

- Bem ... meu nome é Allete . Allete Kino . E essa é minha irmã, Marina Kino .

- Kino ? Hmm ... já ouvi esse nome antes, mas ... faz tanto tempo ... muito prazer, meu nome é Harik, filho de Sadraq, filho de Mesaq, filho de Abdinego, filho de Kiss, filho de Urep, filho de Hakim .

- Hã ... quem são esses caras ? – perguntava Marina, levemente confusa e com a pergunta "que importa saber quem são eles" na ponta da língua .

- Meus ancestrais, todos aqueles que vieram antes de mim .

- Você não tem sobrenome não, é ?

- Nós, youmas, não usamos isso .

***

Joynah voava rapidamente para o local . Segundo as coordenadas, não seria difícil encontrá-las . Mas por que ela sentia que devia Ter estudado o histórico daquele local e .... tal local lhe parecia familiar ?

Ela para na entrada daquele parque . Nada de anormal, era um pequeno parque na entrada de um conjunto de montanhas, não seria dificil encontrá-las .

Esperava que não .

***

- Hã ... o que é um youma ?

- Eu não a culpo por não saber, sabia ? Os Youmas são um dos povos mais antigos que caminham sob a face da Terra ... houve época em que fomos numerosos ... grandiosos ... mas isso é passado . Nossa cifra atual é ridícula comparada ao que fomos um dia ... e pensar que podíamos Ter sido tantas coisas ...

- Entendo ... o que houve com eles ?

- Exterminados . Atualmente só há poucas famílias espalhadas pelo mundo, e as mesmas vivem escondidas com meios de camuflagem . Alguns poucos idiotas como eu preferem viver em locais desertos aonde podem assumir sua verdadeira forma sem medo de serem perseguidos ...e cá estou eu . E também muitos seres que um dia atenderam pelo nome de Youmas . O clã da Selva, assim como tantos outros que vivem aqui ... por que esse nome se tornou algo proibido para assegurar nossa sobrevivência . E pensar que este próprio planeta, nosso berço, se voltou contra nós . Não queríamos deixar de existir, sabe . Queríamos coexistir, não dominar . Mas a raça humana não nos aceitou . E pensar que eles descendem de nós, os primeiros seres a caminhar neste planeta ...nosso reino, nosso amado reino, totalmente destruído ... meus irmãos, espalhados pelos quatro cantos do planeta e caçados como animais ... – havia um forte rancor em sua voz – malditos humanos ... não bastava tiraram nossa casa, nosso lar, ainda tinham que destruir nosso orgulho ?

- Eu ... eu lamento, eu ...

- Cale-se ! – ele rangia os dentes . – Não preciso de sua piedade, humana ! De nenhuma de vocês . Andem, levantem-se do meu chão, pois não suporto ver seus rostos !

- E-ei, espera um pouco ! Não pode nos largar sozinhas, e se aqueles bichos aparecerem novamente ?

- Não me confundam, não sou do mesmo nível de vocês . A raça humana é algo desprezível, nenhuma outra raça persegue outra até sua total aniquilação .

- Não somos assim ! – berrava Marina .

- Não ? Então por que perguntou o que era um Youma ? Compreende ? Isso foi ocultado de você, criança . Conhece aquele ditado "os heróis são aqueles que vivem para contar a história ?" É como eu imaginei, depois de séculos, os humanos ocultaram seu maior crime, a marca de sua brutalidade .

- Vai ficar nos humilhando , ou vai nos ajudar ?

- Não abandono filhotes, tampouco fêmeas . Vou guiá-las até a saída, se é isso que desejam .

- Mas ... aonde fica o topo ? – perguntava Marina .

- Ainda insistem ? São loucas !

***

- É aqui – ele parava, mostrando todo o local – aqui é um dos locais mais altos, daqui é possível ver toda a área leste e boa parte dos vales .

- Isso aqui é o topo ? Mas não é o que imaginávamos !

- O topo é uma velha história, criança .

- Mesmo ? E como sabe dessa "história" ?

- Um passarinho me contou, vamos, com sorte vocês estarão na saída antes do anoitecer e ...

- Escuta ... que tal vir com a gente ?

- Meu lugar é aqui, não no meio dos humanos .

- Mas lá é diferente . Não tem preconceito, perseguição ... sabia que as pessoas que tem habilidades especiais andam livremente pelas ruas ?

- Não, obrigado . Prefiro ficar aqui . Não queremos cometer o mesmo erro duas vezes . Não um que ponha nossas vidas em risco novamente .

- O que quer dizer ?

- Milênios atrás, os youmas tiveram um reino . Um reino grandioso . Um dos maiores reinos da Terra, não, o maior . Mas uma grande guerra o devastou, assim como todos os reinos do sistema Solar . O mundo estava mergulhado no mais profundo caos e, preocupados com sua sobrevivência, um grupo de youmas se refugiou nas profundezas deste planeta . É deste grupo de youmas que todos nós descendemos . Outros ficaram na superfície , mas isso é uma outra história mais triste ainda . A grande questão é que um dia uma nova rainha se ergueu e nos liderou . Levou nosso povo a se orgulhar novamente, a sermos reconhecidos como uma nação . Mais do que isso, ela nos deu a luz da superfície . Mesmo vivendo durante milênios nos subterrâneos, os Youmas não foram feitos para viverem lá . Ele surgiu na superfície, e a superfície era e sempre seria o seu lugar . Mas os humanos não nos aceitaram . Todos eles se uniram contra nós, destruíram nosso reino . Clãs tão antigos quanto a própria história encontraram seu fim . Conhecimentos foram perdidos . Tecnologias desenvolvidas , destruídas . Livros, queimados . Não, jovem humana . Eu não quero . Confiamos uma vez nos humanos, e esse foi o nosso destino . O único humano no qual eu um dia confie, foi o qual nos protegeu . Foi contra seu povo e, mesmo fracassando, nos protegeu . Se hoje eu estou aqui, é por causa dele . O poder dele impede que nós saiamos daqui, e sinceramente, não queremos . o mesmo poder dele impede que os humanos entrem neste local .

- Se é assim, por que nós conseguimos entrar ?

- Não sei . Não deveriam ser capazes . O poder dele não deveria permitir tal coisa . Mesmo ele não estando mais entre nós, o poder depositado em sua residência tem nos protegido de geração em geração .

- Poder ?

- Geração em ... geração ?

- Residência ? Onde ele mora ? Ou melhor, morava ?

- Lá – ele aponta para o leste – há cinco vales daqui, há um vale com muitas arvores frutíferas, e um campo verde muito bonito . Ele morava lá, com sua família . Sempre morou, lembro-me quando ele nos acolheu aqui . Lembro-me de que ele possuía lágrimas nos olhos por não ser capaz de nos conseguir um lugar melhor, mas digo que o ato dele foi sem igual .

- Lá ? – Marina apontava .

- Sim, lá . Por que querem saber ?

- Mana ... é isso o que procurávamos !

- É mesmo ! – Allete sorria – poder ... se esse cara tem poder pra proteger todos eles, é bem capaz que ele possa ajudar a mamãe, ou então, tenha algo lá que nos ajude !

- Ficaram loucas ? Não vão durar muito andando por aqui ! Vocês sequer conhecem a região, como pretendem se guiar por aqui ?

- Oras, é só a gente seguir na direção, e pronto . A não ser que outro youma nos ajude .

- Não, eles não vão ajudar . Costumam se esconder por precaução . O massacre dos youmas esta enraizado na parte mais profunda de nossas mentes, como uma herança racial . Nem sei por que salvei vocês duas da correnteza, mas já vou avisando que o clã da selva está a solto, e eles podem aparecer a qualquer momento .

- Ué, você não disse que eles só agem no local aonde estávamos ?

- Eles montam acampamentos temporários, mas demarcam uma certa área como seu território de caça .

- Ah, tudo bem . A gente não vai demorar muito mesmo, né mana ?

- Uhum ! Vamos !

- Pretendem mesmo prosseguir com esta loucura ?

- Claro !

- Então adeus – ele se vira, caminhando em sentido contrário a elas .

- Ei, espera ... não vai nos ajudar ? – Allete arregalava os olhos . – Ei, ouviu o que eu disse ?

- Humanos estúpidos – as únicas palavras dele, enquanto sumia do raio de visão delas .