Capítulo 9
O silêncio que se seguia era pesado e profundo. Tomoyo e Touya se entreolhavam, mas nenhum se permitia pronunciar nenhuma palavra. O clima chegaria até a ser cômico, se o casal não tivesse um problema tão grande envolvido nisso... Tomoyo se sentia uma vadia. Como pudera cair nas mãos de Eriol novamente?
"Poderias me dizer, o que estava prestes a acontecer naquele jardim, minha esposa?", a voz de Touya saiu calma, porém, detrás daqueles orbes castanhos, havia uma profunda mágoa. Sentimento que Tomoyo rapidamente interpretou. Tinha que tomar cuidado com suas ações e palavras naquele momento.
"Touya, lhe juro que nada ia acontecer".
"Me encaras como um tolo, Tomoyo? Achas que não vi vocês dois com os lábios colados? Achas que não senti a dor da traição assim que soube que os dois estavam sozinhos no jardim?", ele disparou, não contendo a fúria.
"Nunca lhe tomei como um tolo, Touya. Ao contrário, te respeito e me compadeço de teu julgamento. Porém...", ela interrompeu-se. Não havia mais palavras a dizer. Estava envergonhada e não existia argumento que justificasse sua imaturidade
"Eu não quero teu respeito, Tomoyo. Eu quero teu amor, teu afeto. A queria. Sempre a quis, mas, enxerguei tudo pelo lado errado. O único que você queria era este inglês imprestável. Penso que se, quando se deitavas comigo, via o rosto de Eriol ao invés do meu".
"Touya!", Tomoyo exclamou, aproximando-se do marido. "Me perdoe. Nunca lhe disse que te amava. Sinto um afeto enorme por tua pessoa. Sempre fui sincera".
"Então, estás a me dizer que... Amas Eriol Hiiragisawa?", a pergunta soou mais uma afirmação do que uma questão.
"Touya... por favor", ela suplicou. Touya insistiu na pergunta.
"Fales, esposa. Amas aquele inglês?".
"Não sei lhe dizer, meu marido", Tomoyo suspirou as palavras. Touya aproximou-se dela, tocando o rosto cálido com suavidade.
"Não posso mandar em teu coração. Muito menos na resposta que tanto anseio de teus lábios. Mas... seja como for, não posso competir com o passado, que antes de mim, já havia tomado seu coração. Eu a amo, Tomoyo. Sou o homem mais felizardo por ter aproveitado meus momentos de paixão com você, minha boneca de porcelana", ele sorriu, mostrando os olhos marejados. Tomoyo tocou a face máscula, confusa.
"Não digas isto, Touya. Meu coração e tudo de mim pertencem a ti. És aquele a quem devo tudo que tenho. Não lamentes minha perda, por que nunca a terá".
"Estás enganada, minha magnólia", ele confirmou, desviando o contato visual e se dirigindo para a saída. "Lhe perdi no dia em que você me disse 'Sim', sem o mínimo de amor em suas três letras".
Após deixar aquela biblioteca, Touya sentiu as dores as quais ele se privou finalmente se libertarem. Porém, jurou não chorar. Tomoyo não merecia suas lágrimas. Não merecia seu sofrimento. Sentiu-se completamente usado. Imaginou seu destino agora que não tinha mais o amor de Tomoyo. Sorriu tristemente. Nunca tivera o amor daquela bela fada. Era uma sombra. E seria melhor que ela continuasse a encará-lo assim. Preferia sofrer a ver a mulher a quem dedicou parte da vida se afundar em um casamento sem frutos. Então, olhando a chuva que já descia fina pelas janelas de sua mansão, decidiu ir se juntar ao pai na China. Mesmo ressentido com o general, sabia que ele era sua família. O único a quem poderia confidenciar isso, já que Kaho era imatura e culparia Tomoyo por tudo. E a culpa era sua, por ter sido tão estúpido ao acreditar que com as juras diante do sacerdote, conseguiria o afeto e o amor daquela mulher de cabeleira negra, de olhos violetas, que sempre lhe pareceram o céu. Agora, lhe pareciam as portas para seu destino, que só seria classificado de uma maneira: Solidão.
**
Eriol sentiu o primeiro pingo de chuva, e decidido a procurar Tomoyo para esclarecer tudo, adentrou para dentro da mansão. Começou a andar pelos corredores que pareceram longos e infinitos. O que dizer a aquela refinada dama? Como justificar suas atitudes? Não sabia. Só tinha a plena certeza de que fora culpado daquilo, e que o mais certo era pedir desculpas a Tomoyo.
Chegou até a biblioteca. Antes de entrar, escutou os soluços desesperados dela. Um aperto pressionou o coração do escritor. Amava Tomoyo. Se Touya a fizesse sofrer, percorreria céu e mar para fazê-lo pagar por isto. Sem bater, ele abriu a porta, para se deparar com uma terrível visão.
Tomoyo encontrava-se encolhida aos pés da mesa, abraçada a uma almofada, como se esta fosse sua tábua de salvação. Limpava as lágrimas, escondia o rosto vermelho nos próprios braços. Tão vulnerável... Tão sozinha...
"O que lhe aconteceu, Tomoyo?", ele murmurou.
A jovem, ao ouvir seu nome, o encarou por longos segundos. Eriol ficou sem fala. Tomoyo não lhe lançava um olhar de dor e nem de mágoa. E sim um de completo desprezo, sentimento que ele pensara nunca despertar naquela boneca.
"Você, Eriol Hiiragisawa! Você me aconteceu", ela exclamou, levantando-se. Ele se aproximou cautelosamente, mas o olhar fulminante dela o repeliu a poucos centímetros de tocá-la.
"Não entendo o tom de suas palavras, minha dama. Sejas mais clara", ele pediu.
"Não se faça de idiota, Eriol!", ela continuou, com um sorriso dolorido e irônico. "Sabes que arriscou tudo que tenho. Meu casamento, minha vida, o nome da minha família. Para você, tudo não passa de uma aquisição a mais em teus romances", ela viu que ele não entendia, então completou, como se o imitasse, gesticulando os gestos do inglês . "Jovem que, inutilmente apaixonada por rapaz inglês, entrega-se ao choro por perceber que este sentimento estúpido estragou seu casamento!". Sem poder reprimir as lágrimas, ela afirmou chorosa. "Jovem que amou um escritor por 10 anos, acreditando que ele também. Oh, pobrezinha, como foi usada! Não é isto que pensa para teu próximo trabalho, caro escritor? Uma moça inocente, tão boba, acreditando que aquele beijo tão doce que recebera aos 14 anos significava algo? E esta idiota, completa estúpida e desiludida, seria eu, não?".
Eriol achegou-se a ela. Tomoyo o amava. Todas aquelas palavras soaram com paixão, e não com ódio. Tocou a pele dela, sentindo-a fria. Acariciou o rosto delicado, vendo-a corar. Com um movimento mais rápido, colocou a mão sobre a nuca dela, a aproximando com cuidado. Inclinando a cabeça, sentiu a respiração doce se entrelaçar a dele. Murmurou, com os lábios a centímetros dos dela.
"Então, minha querida, me amas?".
"Eriol... afaste-se... por favor".
"Como podes me pedir isto?", ele disse, e por fim, a beijou.
As bocas se encontraram, cautelosas, porém, sedentas de desejo. Eriol a tomou nos braços, a abraçando mais forte. Pressionou a boca dela mais exigente, até sentir aqueles lábios se abrirem, como pétalas a quererem receber a luz inebriante do sol. Passou a beijá-la com mais ardor, com mais paixão. As mãos acariciavam os cabelos sedosos, descendo sobre os finos e delicados fios. Como ansiara tocá-la daquela maneira...
Em seu torpor inicial, Tomoyo sabia que Eriol sempre fora um galanteador. Que talvez, fosse apenas mais uma na lista enorme do inglês. Mas, presa naqueles braços fortes, não se importou com isso. Deixou os lábios famélicos dele, devorarem sua boca com precisão. Deixou as mãos dele contornarem suas curvas, a pressionarem mais sobre o corpo másculo daquele inglês. Um cheiro de café masculino a embriagou, e com certeza vinha dele. O que fazer? O queria...
Separaram-se, ambos sem fôlego. Fitaram-se por muitos segundos, até que Tomoyo, apavorada com tudo aquilo, saiu do cômodo, deixando Eriol sozinho...
O inglês lutava contra suas próprias emoções. Mais uma vez, a cena se repetia. Tomoyo fugia dele... Como na primeira vez que a beijara...
**
Takawi fechou o diário, que continha à última página que acabara de escrever. O livro era o único que sabia de todas as suas façanhas. O escrevia desde os 10 anos de idade, e mesmo depois de tanto, ainda se surpreendia com tudo já havia escrito. Nem para Kaho, sua amante, ele contava tantos segredos como já relatara naquele pequeno objeto.
Olhou tudo ao seu redor. Aquela sala era tão pequena comparada a sala de Fujitaka. Se pudesse, com certeza, estaria no lugar daquele general imbecil. Kinomoto era um homem fraco. Deixava-se guiar pelos próprios sentimentos. Sua fraqueza era seu coração. Um guerreiro deveria nascer sem um!
Lembrou-se de seu passado com pesar. Era ele que trouxera tantas infelicidades para seu futuro....
A família Daidouji era rica, influente e com grande posição social. Takawi pouco se importava com isso. Desde de pequeno, seu único desejo era guerrear. E ver seu amigo Fujitaka ter toda aquela liberdade para fazer o que queria, o deixava enciumado. Noite e dia, era encerrado a vida de um aristocrata. E este não era seu real objetivo. Até que a conheceu...
Sonomi Fujiwa era filha de um dos ministros do Japão, amigo do pai de Takawi. Sua cabeleira castanha, os olhos extremamente violetas, o corpo feminino e esguio, que se movia com perfeição dentro daquele quimono. Foi paixão a primeira vista. E esta paixão só cresceu ainda mais quando ele descobriu a sede de liberdade que aquela dama possuía.
Com o tempo, os dois começaram um relacionamento puro e peculiar. Está aproximação deixou a família de ambos satisfeitas. Então, depois de alguns meses, os pais firmaram um contrato que garantia as núpcias de Takawi e de Sonomi. O casal aceitou isto com alegria. Amavam-se, e poderiam concretizar seus desejos sem esconder nada dos pais.
O tempo foi passando. Com a presença de tão bela e dedicada esposa, Takawi esqueceu a inveja que sentia de Fujitaka. Tornaram-se amigos e trabalharam pela mesma causa. Enquanto Kinomoto se tornava o general das tropas japonesas, Daidouji foi nomeado ministro de guerra, cargo que anteriormente pertencia ao seu pai. Feliz e orgulhoso de tudo que tinha, só faltava que seu casamento procriasse frutos. E isto também não demorou muito a acontecer.
Com o anúncio de que Sonomi estava prenha, Takawi aposentou-se um pouco de seu trabalhoso cargo para cuidar da mulher que conseguiu roubar seu coração. A gravidez não foi das mais calmas. Muitas vezes, Takawi tinha que se ausentar de seus desejos carnais para que a esposa descansasse e seguisse com sua gestação normalmente. Na verdade, não se preocupava muito com isso. Depois que seu menino ou que sua menina nascessem, poderia amar aquela mulher até dar um irmãozinho ou irmãzinha ao seu primogênito.
O dia tão esperado chegou, finalmente. Foram chamadas cinco parteiras. Poderiam chamar de exagero, porém, Takawi queria garantir que sua criança viesse ao mundo amparada. Encerraram Sonomi no próprio quarto, e o ministro amaldiçoou o fato de não poder ouvir o primeiro choro de seu filho. As horas se arrastaram pelo relógio. Nunca pensou se sentir tão angustiado. Até que a porta se abriu. Uma das empregadas trazia nos braços um pequeno rebento, embrulhado em seda. Os olhos do ministro se encheram de lágrimas. Sua pequena filhinha, branca como a neve, pequena e delicada, dormia em seus braços. Lembrou-lhe tanto a flor que mais apreciava, que resolveu chamar aquele toquinho de Tomoyo.
Assim, trazendo o bebê nos braços, ele entrou no quarto onde a esposa dera à luz a sua Tomoyo. A encontrou adormecida, um pouco pálida. Chegou perto e lhe deu um suave beijo nos lábios. Porém, sentiu a pele fria, o coração sem a mínima pulsação. Olhou para todos no quarto. As mulheres abaixaram a cabeça, e algumas se arriscavam a chorar. Finalmente, entendera tudo que aconteceu. Sua esposa, a mulher que o recebia todos os dias quando ele voltava do trabalho, a única dama a quem amara, a quem possuirá, morria depois do nascimento de sua magnólia.
Oh, pelos deuses, pediu aos ancestrais que a trouxessem de volta. Daria a própria vida, mas, que por alguns segundos, aqueles olhos violetas se abrissem novamente. Que ele pudesse dizer o quanto a amava. Que ela pudesse ver Tomoyo crescer. Mas, nenhuma de suas preces foram atendidas. Então, sozinho, entregou-se de cabeça ao trabalho e a criação da criatura que mais amava no mundo: Tomoyo. Aquela luz em sua vida de escuridão.
Bastou ele se sentir inferior novamente, para que a inveja que tinhas pelos Kinomoto voltasse com força total. Principalmente por que, alguns meses antes, o primeiro filho de Fujitaka com a bela Kaho nasceu forte, e a esposa do general continuava saudável. Então, firmou um compromisso com Fujitaka. Que Touya e Tomoyo iriam se casar quando maiores. Takawi fez isto apenas para se aproveitar da situação, mas, também, para assegurar o futuro da adorada filha.
Quando os primogênitos se casaram, Takawi também tentou manter uma aproximação de Kaho. O que não contava era que aquela fogosa ruiva se apaixonasse por ele, principalmente pela traição sofrida há anos atrás. Fujitaka engravidara uma gueixa, e assim nasceu Sakura, a garota de olhos verdes. Aquela linda pequena prometia. Porém, Kaho começou a ajudar o amante em seus planos. Mas, por algum modo, os subornos, as sabotagens, eram sempre descobertas. Não sabia o porque. Mas, agora, dera um passo audacioso. Promovera uma guerra. Não sabia se ficava orgulhoso. Só sabia que se Fujitaka morresse, não teria que usar mais Kaho. E nem ver que Tomoyo sofria por não amar mais Touya. Faria dele e de sua filha as pessoas mais importantes de todo Japão.
Olhou para a porta. A esposa do general entrava. A observou, enquanto ela dava passos sensuais até ele. Kaho era de uma beleza extraordinária. Tinha pele branca, sedosa ao toque. Os olhos castanhos avermelhados brilhavam a luz das velas que iluminavam fracamente seu escritório particular. A cabeleira ruiva, macios fios finos caíam de seu coque, não tão severo. O corpo jovial, as curvas em seu perfeito lugar. Era uma mulher linda, sedutora e atraente. Porém, não era Sonomi. Se seu corpo tinha Kaho, seu coração pertencia inteiramente à falecida esposa, mãe de sua criança.
"Querido?", a voz melosa despertou Takawi de seus pensamentos. "Estás tão ávido. O que te ocorreste?".
"Lembrando do passado, Kaho. Somente isto", ele respondeu, notando a expressão dela desapontar. Entendia que o passado da ruiva não era dos melhores. A traição de Fujitaka, o nascimento de Sakura, verdadeira adoração do pai. "Mas, ele passou. Pensemos em nosso futuro".
A cor voltou ao rosto pálido de Kaho. "Querido, meu filho foi para guerra. O vi tão transtornado. Tua pequena também estava assim. Serás que eles discutiram?".
"Se teu filho fez algo a minha filha, Kaho, juro que ele se arrependerá", Takawi disparou. Kaho não se assustou. Caminhou até ele, sentando-se do lado do amante.
"Touya, apesar de tudo, é um cavalheiro. Jamais machucaria tua preciosa filha, meu amor. Agora...", um brilho repentino surgiu nos olhos dela. "Consegui o que me pedistes".
"Ótimo", ele respondeu secamente. "Então, como funciona?".
"É simples. Adicione na bebida, e ele caíra morto, rapidamente", ela sorriu com gosto, antes de mudar o semblante. "Não me pareces muito entusiasmado. Desististe do nosso plano?".
"Não!", ele rebateu. "Não torne a repetir esta pergunta! Sabes que meu maior desejo é acabar com aquele desgraçado. Somente isto".
Continua...
Dia triste, sem notas finais!
Bjs, de Jenny-Ci
O silêncio que se seguia era pesado e profundo. Tomoyo e Touya se entreolhavam, mas nenhum se permitia pronunciar nenhuma palavra. O clima chegaria até a ser cômico, se o casal não tivesse um problema tão grande envolvido nisso... Tomoyo se sentia uma vadia. Como pudera cair nas mãos de Eriol novamente?
"Poderias me dizer, o que estava prestes a acontecer naquele jardim, minha esposa?", a voz de Touya saiu calma, porém, detrás daqueles orbes castanhos, havia uma profunda mágoa. Sentimento que Tomoyo rapidamente interpretou. Tinha que tomar cuidado com suas ações e palavras naquele momento.
"Touya, lhe juro que nada ia acontecer".
"Me encaras como um tolo, Tomoyo? Achas que não vi vocês dois com os lábios colados? Achas que não senti a dor da traição assim que soube que os dois estavam sozinhos no jardim?", ele disparou, não contendo a fúria.
"Nunca lhe tomei como um tolo, Touya. Ao contrário, te respeito e me compadeço de teu julgamento. Porém...", ela interrompeu-se. Não havia mais palavras a dizer. Estava envergonhada e não existia argumento que justificasse sua imaturidade
"Eu não quero teu respeito, Tomoyo. Eu quero teu amor, teu afeto. A queria. Sempre a quis, mas, enxerguei tudo pelo lado errado. O único que você queria era este inglês imprestável. Penso que se, quando se deitavas comigo, via o rosto de Eriol ao invés do meu".
"Touya!", Tomoyo exclamou, aproximando-se do marido. "Me perdoe. Nunca lhe disse que te amava. Sinto um afeto enorme por tua pessoa. Sempre fui sincera".
"Então, estás a me dizer que... Amas Eriol Hiiragisawa?", a pergunta soou mais uma afirmação do que uma questão.
"Touya... por favor", ela suplicou. Touya insistiu na pergunta.
"Fales, esposa. Amas aquele inglês?".
"Não sei lhe dizer, meu marido", Tomoyo suspirou as palavras. Touya aproximou-se dela, tocando o rosto cálido com suavidade.
"Não posso mandar em teu coração. Muito menos na resposta que tanto anseio de teus lábios. Mas... seja como for, não posso competir com o passado, que antes de mim, já havia tomado seu coração. Eu a amo, Tomoyo. Sou o homem mais felizardo por ter aproveitado meus momentos de paixão com você, minha boneca de porcelana", ele sorriu, mostrando os olhos marejados. Tomoyo tocou a face máscula, confusa.
"Não digas isto, Touya. Meu coração e tudo de mim pertencem a ti. És aquele a quem devo tudo que tenho. Não lamentes minha perda, por que nunca a terá".
"Estás enganada, minha magnólia", ele confirmou, desviando o contato visual e se dirigindo para a saída. "Lhe perdi no dia em que você me disse 'Sim', sem o mínimo de amor em suas três letras".
Após deixar aquela biblioteca, Touya sentiu as dores as quais ele se privou finalmente se libertarem. Porém, jurou não chorar. Tomoyo não merecia suas lágrimas. Não merecia seu sofrimento. Sentiu-se completamente usado. Imaginou seu destino agora que não tinha mais o amor de Tomoyo. Sorriu tristemente. Nunca tivera o amor daquela bela fada. Era uma sombra. E seria melhor que ela continuasse a encará-lo assim. Preferia sofrer a ver a mulher a quem dedicou parte da vida se afundar em um casamento sem frutos. Então, olhando a chuva que já descia fina pelas janelas de sua mansão, decidiu ir se juntar ao pai na China. Mesmo ressentido com o general, sabia que ele era sua família. O único a quem poderia confidenciar isso, já que Kaho era imatura e culparia Tomoyo por tudo. E a culpa era sua, por ter sido tão estúpido ao acreditar que com as juras diante do sacerdote, conseguiria o afeto e o amor daquela mulher de cabeleira negra, de olhos violetas, que sempre lhe pareceram o céu. Agora, lhe pareciam as portas para seu destino, que só seria classificado de uma maneira: Solidão.
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Eriol sentiu o primeiro pingo de chuva, e decidido a procurar Tomoyo para esclarecer tudo, adentrou para dentro da mansão. Começou a andar pelos corredores que pareceram longos e infinitos. O que dizer a aquela refinada dama? Como justificar suas atitudes? Não sabia. Só tinha a plena certeza de que fora culpado daquilo, e que o mais certo era pedir desculpas a Tomoyo.
Chegou até a biblioteca. Antes de entrar, escutou os soluços desesperados dela. Um aperto pressionou o coração do escritor. Amava Tomoyo. Se Touya a fizesse sofrer, percorreria céu e mar para fazê-lo pagar por isto. Sem bater, ele abriu a porta, para se deparar com uma terrível visão.
Tomoyo encontrava-se encolhida aos pés da mesa, abraçada a uma almofada, como se esta fosse sua tábua de salvação. Limpava as lágrimas, escondia o rosto vermelho nos próprios braços. Tão vulnerável... Tão sozinha...
"O que lhe aconteceu, Tomoyo?", ele murmurou.
A jovem, ao ouvir seu nome, o encarou por longos segundos. Eriol ficou sem fala. Tomoyo não lhe lançava um olhar de dor e nem de mágoa. E sim um de completo desprezo, sentimento que ele pensara nunca despertar naquela boneca.
"Você, Eriol Hiiragisawa! Você me aconteceu", ela exclamou, levantando-se. Ele se aproximou cautelosamente, mas o olhar fulminante dela o repeliu a poucos centímetros de tocá-la.
"Não entendo o tom de suas palavras, minha dama. Sejas mais clara", ele pediu.
"Não se faça de idiota, Eriol!", ela continuou, com um sorriso dolorido e irônico. "Sabes que arriscou tudo que tenho. Meu casamento, minha vida, o nome da minha família. Para você, tudo não passa de uma aquisição a mais em teus romances", ela viu que ele não entendia, então completou, como se o imitasse, gesticulando os gestos do inglês . "Jovem que, inutilmente apaixonada por rapaz inglês, entrega-se ao choro por perceber que este sentimento estúpido estragou seu casamento!". Sem poder reprimir as lágrimas, ela afirmou chorosa. "Jovem que amou um escritor por 10 anos, acreditando que ele também. Oh, pobrezinha, como foi usada! Não é isto que pensa para teu próximo trabalho, caro escritor? Uma moça inocente, tão boba, acreditando que aquele beijo tão doce que recebera aos 14 anos significava algo? E esta idiota, completa estúpida e desiludida, seria eu, não?".
Eriol achegou-se a ela. Tomoyo o amava. Todas aquelas palavras soaram com paixão, e não com ódio. Tocou a pele dela, sentindo-a fria. Acariciou o rosto delicado, vendo-a corar. Com um movimento mais rápido, colocou a mão sobre a nuca dela, a aproximando com cuidado. Inclinando a cabeça, sentiu a respiração doce se entrelaçar a dele. Murmurou, com os lábios a centímetros dos dela.
"Então, minha querida, me amas?".
"Eriol... afaste-se... por favor".
"Como podes me pedir isto?", ele disse, e por fim, a beijou.
As bocas se encontraram, cautelosas, porém, sedentas de desejo. Eriol a tomou nos braços, a abraçando mais forte. Pressionou a boca dela mais exigente, até sentir aqueles lábios se abrirem, como pétalas a quererem receber a luz inebriante do sol. Passou a beijá-la com mais ardor, com mais paixão. As mãos acariciavam os cabelos sedosos, descendo sobre os finos e delicados fios. Como ansiara tocá-la daquela maneira...
Em seu torpor inicial, Tomoyo sabia que Eriol sempre fora um galanteador. Que talvez, fosse apenas mais uma na lista enorme do inglês. Mas, presa naqueles braços fortes, não se importou com isso. Deixou os lábios famélicos dele, devorarem sua boca com precisão. Deixou as mãos dele contornarem suas curvas, a pressionarem mais sobre o corpo másculo daquele inglês. Um cheiro de café masculino a embriagou, e com certeza vinha dele. O que fazer? O queria...
Separaram-se, ambos sem fôlego. Fitaram-se por muitos segundos, até que Tomoyo, apavorada com tudo aquilo, saiu do cômodo, deixando Eriol sozinho...
O inglês lutava contra suas próprias emoções. Mais uma vez, a cena se repetia. Tomoyo fugia dele... Como na primeira vez que a beijara...
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Takawi fechou o diário, que continha à última página que acabara de escrever. O livro era o único que sabia de todas as suas façanhas. O escrevia desde os 10 anos de idade, e mesmo depois de tanto, ainda se surpreendia com tudo já havia escrito. Nem para Kaho, sua amante, ele contava tantos segredos como já relatara naquele pequeno objeto.
Olhou tudo ao seu redor. Aquela sala era tão pequena comparada a sala de Fujitaka. Se pudesse, com certeza, estaria no lugar daquele general imbecil. Kinomoto era um homem fraco. Deixava-se guiar pelos próprios sentimentos. Sua fraqueza era seu coração. Um guerreiro deveria nascer sem um!
Lembrou-se de seu passado com pesar. Era ele que trouxera tantas infelicidades para seu futuro....
A família Daidouji era rica, influente e com grande posição social. Takawi pouco se importava com isso. Desde de pequeno, seu único desejo era guerrear. E ver seu amigo Fujitaka ter toda aquela liberdade para fazer o que queria, o deixava enciumado. Noite e dia, era encerrado a vida de um aristocrata. E este não era seu real objetivo. Até que a conheceu...
Sonomi Fujiwa era filha de um dos ministros do Japão, amigo do pai de Takawi. Sua cabeleira castanha, os olhos extremamente violetas, o corpo feminino e esguio, que se movia com perfeição dentro daquele quimono. Foi paixão a primeira vista. E esta paixão só cresceu ainda mais quando ele descobriu a sede de liberdade que aquela dama possuía.
Com o tempo, os dois começaram um relacionamento puro e peculiar. Está aproximação deixou a família de ambos satisfeitas. Então, depois de alguns meses, os pais firmaram um contrato que garantia as núpcias de Takawi e de Sonomi. O casal aceitou isto com alegria. Amavam-se, e poderiam concretizar seus desejos sem esconder nada dos pais.
O tempo foi passando. Com a presença de tão bela e dedicada esposa, Takawi esqueceu a inveja que sentia de Fujitaka. Tornaram-se amigos e trabalharam pela mesma causa. Enquanto Kinomoto se tornava o general das tropas japonesas, Daidouji foi nomeado ministro de guerra, cargo que anteriormente pertencia ao seu pai. Feliz e orgulhoso de tudo que tinha, só faltava que seu casamento procriasse frutos. E isto também não demorou muito a acontecer.
Com o anúncio de que Sonomi estava prenha, Takawi aposentou-se um pouco de seu trabalhoso cargo para cuidar da mulher que conseguiu roubar seu coração. A gravidez não foi das mais calmas. Muitas vezes, Takawi tinha que se ausentar de seus desejos carnais para que a esposa descansasse e seguisse com sua gestação normalmente. Na verdade, não se preocupava muito com isso. Depois que seu menino ou que sua menina nascessem, poderia amar aquela mulher até dar um irmãozinho ou irmãzinha ao seu primogênito.
O dia tão esperado chegou, finalmente. Foram chamadas cinco parteiras. Poderiam chamar de exagero, porém, Takawi queria garantir que sua criança viesse ao mundo amparada. Encerraram Sonomi no próprio quarto, e o ministro amaldiçoou o fato de não poder ouvir o primeiro choro de seu filho. As horas se arrastaram pelo relógio. Nunca pensou se sentir tão angustiado. Até que a porta se abriu. Uma das empregadas trazia nos braços um pequeno rebento, embrulhado em seda. Os olhos do ministro se encheram de lágrimas. Sua pequena filhinha, branca como a neve, pequena e delicada, dormia em seus braços. Lembrou-lhe tanto a flor que mais apreciava, que resolveu chamar aquele toquinho de Tomoyo.
Assim, trazendo o bebê nos braços, ele entrou no quarto onde a esposa dera à luz a sua Tomoyo. A encontrou adormecida, um pouco pálida. Chegou perto e lhe deu um suave beijo nos lábios. Porém, sentiu a pele fria, o coração sem a mínima pulsação. Olhou para todos no quarto. As mulheres abaixaram a cabeça, e algumas se arriscavam a chorar. Finalmente, entendera tudo que aconteceu. Sua esposa, a mulher que o recebia todos os dias quando ele voltava do trabalho, a única dama a quem amara, a quem possuirá, morria depois do nascimento de sua magnólia.
Oh, pelos deuses, pediu aos ancestrais que a trouxessem de volta. Daria a própria vida, mas, que por alguns segundos, aqueles olhos violetas se abrissem novamente. Que ele pudesse dizer o quanto a amava. Que ela pudesse ver Tomoyo crescer. Mas, nenhuma de suas preces foram atendidas. Então, sozinho, entregou-se de cabeça ao trabalho e a criação da criatura que mais amava no mundo: Tomoyo. Aquela luz em sua vida de escuridão.
Bastou ele se sentir inferior novamente, para que a inveja que tinhas pelos Kinomoto voltasse com força total. Principalmente por que, alguns meses antes, o primeiro filho de Fujitaka com a bela Kaho nasceu forte, e a esposa do general continuava saudável. Então, firmou um compromisso com Fujitaka. Que Touya e Tomoyo iriam se casar quando maiores. Takawi fez isto apenas para se aproveitar da situação, mas, também, para assegurar o futuro da adorada filha.
Quando os primogênitos se casaram, Takawi também tentou manter uma aproximação de Kaho. O que não contava era que aquela fogosa ruiva se apaixonasse por ele, principalmente pela traição sofrida há anos atrás. Fujitaka engravidara uma gueixa, e assim nasceu Sakura, a garota de olhos verdes. Aquela linda pequena prometia. Porém, Kaho começou a ajudar o amante em seus planos. Mas, por algum modo, os subornos, as sabotagens, eram sempre descobertas. Não sabia o porque. Mas, agora, dera um passo audacioso. Promovera uma guerra. Não sabia se ficava orgulhoso. Só sabia que se Fujitaka morresse, não teria que usar mais Kaho. E nem ver que Tomoyo sofria por não amar mais Touya. Faria dele e de sua filha as pessoas mais importantes de todo Japão.
Olhou para a porta. A esposa do general entrava. A observou, enquanto ela dava passos sensuais até ele. Kaho era de uma beleza extraordinária. Tinha pele branca, sedosa ao toque. Os olhos castanhos avermelhados brilhavam a luz das velas que iluminavam fracamente seu escritório particular. A cabeleira ruiva, macios fios finos caíam de seu coque, não tão severo. O corpo jovial, as curvas em seu perfeito lugar. Era uma mulher linda, sedutora e atraente. Porém, não era Sonomi. Se seu corpo tinha Kaho, seu coração pertencia inteiramente à falecida esposa, mãe de sua criança.
"Querido?", a voz melosa despertou Takawi de seus pensamentos. "Estás tão ávido. O que te ocorreste?".
"Lembrando do passado, Kaho. Somente isto", ele respondeu, notando a expressão dela desapontar. Entendia que o passado da ruiva não era dos melhores. A traição de Fujitaka, o nascimento de Sakura, verdadeira adoração do pai. "Mas, ele passou. Pensemos em nosso futuro".
A cor voltou ao rosto pálido de Kaho. "Querido, meu filho foi para guerra. O vi tão transtornado. Tua pequena também estava assim. Serás que eles discutiram?".
"Se teu filho fez algo a minha filha, Kaho, juro que ele se arrependerá", Takawi disparou. Kaho não se assustou. Caminhou até ele, sentando-se do lado do amante.
"Touya, apesar de tudo, é um cavalheiro. Jamais machucaria tua preciosa filha, meu amor. Agora...", um brilho repentino surgiu nos olhos dela. "Consegui o que me pedistes".
"Ótimo", ele respondeu secamente. "Então, como funciona?".
"É simples. Adicione na bebida, e ele caíra morto, rapidamente", ela sorriu com gosto, antes de mudar o semblante. "Não me pareces muito entusiasmado. Desististe do nosso plano?".
"Não!", ele rebateu. "Não torne a repetir esta pergunta! Sabes que meu maior desejo é acabar com aquele desgraçado. Somente isto".
Continua...
Dia triste, sem notas finais!
Bjs, de Jenny-Ci
