Capítulo 16
Syaoran olhou para a grande mansão, atento aos movimentos de seus homens. Os japoneses que guardavam o lugar foram facilmente mortos, e os soldados que apareciam não estavam dando muito trabalho para os inimigos, o que deixava Syaoran orgulhoso do modo com os treinara. Com passos firmes e decididos, foi caminhando entre o jardim, descartando facilmente os adversários, que muitas vezes, antes da morte, corriam para enfrentar oponentes menos experientes. Tinha anos de treinamento, e aqueles aspirantes a homens não podiam com ele. Riu, amargamente. Estava bastante sarcástico ultimamente. Um mero reflexo de sua verdadeira fúria.
Entrou na mansão e notou o labirinto de corredores, os quadros de grande valor queimando em brasa, pequenas peças de ouro indo parar nos bolsos dos chineses. Seguiu seus instintos e virou para esquerda, notando que aquele lugar ainda não estava tão devastado, e que os poucos soldados que batalhavam rapidamente iam se retirando, indo procurar outra concentração de combatentes. Observou os corpos no chão, e teve grande receio e até uma pequena parcela de remorso. Apesar de lutarem em nações diferentes, ele sabia que todos os jovens japoneses que jaziam mortos no chão tiveram grandes planos para o futuro. E que por culpa de tal batalha, morriam sem concretizar nenhum.
Notou um homem gorducho vir em sua direção. Parecia bem preparado, apesar da barriga saliente que o deixava mais devagar e com passos que eram capazes de tremer o chão. Ergueu a espada e partiu para o ataque.
Bloqueou boa parte das investidas meio cegas dele, mas o japonês tinha mais força e muito mais tamanho. Ganhou um corte no braço, mas não sentiu muita dor, devido ao tempo de treino que o ajudara a ignorar o sofrimento físico e se dedicar ao aperfeiçoamento mental. Um bom desvio seu e uma investida no peito do homem fizeram sua vitória merecida. Retirando sua espada do corpo imóvel, ele continuou a andar. Tinha somente um objetivo naquele inútil lugar.
Ficara pensando naquela tarde, pouco antes do ataque, martelando suas estratégias e decidira encontrar o novo general, Takawi Daidouji. Se o matasse, seu país ganharia a batalha mais facilmente e ele voltaria para a China, conseguindo esquecer aquela garota de olhos verdes que estava lhe assombrando a mente e tirando sua concentração, e mais lentamente ainda, sua vontade de viver, que sempre fora muito intensa.
Virou em um corredor estreito e notou uma pequena comoção de pessoas. Três mulheres e dois homens. Syaoran, de imediato, a reconheceu entre todos eles.
Amparada por um deles, Sakura andava rapidamente, arfante, mas sem demonstrar medo, os olhos brilhando de uma sede de luta que ele jamais vira. O homem ao seu lado, de cabelos acinzentados, lutava muito bem, e os chineses que o enfrentavam não duravam muito tempo. Virando-se novamente para olhá-la, notou os cabelos ruivos presos numa delicada trança, e resistiu ao impulso de ir lá apenas para soltar os fios e senti-los na mão. Xingou-se mentalmente por sua tolice. Numa guerra como aquela, seus desejos reprimidos não o ajudariam em absolutamente nada.
As mulheres viraram outro corredor, sumindo de sua vista, junto de um homem de cabelos negros. O de cabelos acinzentados ficou e lutou mais um pouco, eliminando os poucos soldados que ainda restavam, parecendo defender a guarda delas, até que Sakura voltou e lhe entregou um lenço. Apesar da relativa distância, ele conseguiu ouvir a voz dela, doce e melodiosa em sua apreensão. Lentamente, ela se aproximou do japonês e ele a beijou levemente nos lábios.
"Cuide-se, Yukito".
Yukito. Toda a admiração pelas habilidades bélicas do homem desapareceram na nuvem de ódio que assolou sua mente e nublou sua visão, transformando-a em mar vermelho de fúria. Era ele o noivo de Sakura, o homem que se apossava daqueles lábios, que por direito eram seus. Aquele pensamento só lhe atiçou a ira, o fazendo cerrar os punhos, notando que ele vinha em sua direção, pronto para lutar. Curvou os lábios em um sorriso sarcástico. Nada seria mais prazeroso do que matar aquele maldito que Sakura iria desposar.
"Não se depender de mim", sussurrou, só para ele, rindo discretamente, imaginando a vitória certa.
Assim que estavam próximos o suficiente, Syaoran notou que Yukito não simpatizou com ele, também. Os olhos castanhos, por detrás do óculo embaçado devido à poeira do lugar, escureciam de ódio, e ele apertava a espada mais firmemente entre os dedos brancos. Sem prévio aviso, partiu para o ataque, explodindo todo o ódio que sentia por aquele homem. Se fosse qualquer outro, não faria diferença matar ou não, vencer ou perder. Mas esse era aquele que ameaçava tirar de vez Sakura da vida dele. Destruí-lo era uma questão de orgulho e de um amor próprio que como por mágica, ele recuperara.
As espadas se chocaram, com força total. Yukito vacilou um pouco, surpreso. Certamente os outros soldados lhe deram muito menos trabalho. Mas não demorou a atacá-lo novamente, recuperando o equilíbrio diante o adversário. A batalha se seguiu, até que Yukito parasse, ofegante, para limpar um corte no braço esquerdo.
"Deves ser o capitão", ele disse, numa voz que mostrava certa admiração. Syaoran não se limitou a responder a aquelas palavras, o encarando com indiferença. A simples idéia de ser visto com respeito e não com o ódio que ele sentia o trouxe repulsa.
Enquanto travavam a batalha novamente, notou que ele olhava muito para trás, parecendo preocupado. Não querendo admitir, Syaoran sabia que aquele homem daria a vida se isso fosse proteger Sakura. Numa dessas distrações, o capitão avançou e o feriu no ventre. Não um corte muito profundo, mas que provocou bastante dor e o fez largar a espada, cambaleante. O chinês não se conteve e tão pouco deteve sua zanga. Segurando a espada, ele aproximou-se do corpo que se contorcia no chão e o chutou com força.
"Desgraçado!", ele gritou, continuando a bater no corpo que gemia, que nada fazia devido ao estado debilitado.
Respirou fundo, mirando o homem pálido, que expelia grande quantidade de sangue pela boca. Sorriu, em um triunfo mórbido e numa felicidade que misturou junto todo o seu orgulho e sua apreciação, e principalmente, a certeza de ter vingado todo o sofrimento que sentira desde a partida da japonesa de seus domínios. A cena não seria tão divertida se não soubesse que Yukito Tsukishiro era vítima, mas também culpado de boa parte de sua angústia. Assim que erguesse sua espada, aquele homem teria o fim merecido e ele saberia que não perderia sua Sakura para aquele estúpido.
Levantou a arma com firmeza, sem nenhum tremor. Estava ciente de que estava sendo controlado pelo ciúme, e que se não o matasse naquele momento corria o risco de enlouquecer de fúria. Aproximou-se do corpo que ainda gemia sangue, e empunhou a espada.
"Pare!".
Ouviu a voz e tropeçou para trás, tamanha a força do golpe que iria desferir. Abriu os olhos e mirou Sakura, com os lábios comprimidos, as bochechas sujas de pólvora. Ela havia se colocado na frente de seu alvo. Uma punhalada de dor atingiu seus sentidos. Ela queria apenas proteger o homem que amava. Movido pela mágoa da descoberta, ele abaixou a espada, antes de praguejar.
"Droga, mulher, quase a matei!".
"Sakura, querida..", Yukito murmurou, ao notar a presença da ruiva. "Fujas, por favor. Não posso defendê-la".
"Não sejas tolo", ela sorriu docemente, mesmo sabendo que ele estava quase inconsciente e que não a via. Gemeu, preocupada, quando o homem perdeu os sentidos. Syaoran virou a cabeça, não querendo ver aquela cena de dedicação da mulher que amava para com outro que não fosse ele.
"Amas tanto assim esse homem, Sakura?", ele perguntou, com a voz rouca. Notou ela virar-se para encará-lo, mas dessa vez, com expressão decidida e um pouco confusa diante de sua pergunta. "Entregarias sua vida se isso fosse poupar o miserável?!".
"Yukito não é nenhum miserável", ela disse. "Amo Yukito como um irmão e não permitirei que o mate por um capricho. Ele não sabe o que houve entre nós".
"Refere-se ao fato de ter me usado para conseguir o que queria?", ele vociferou, apontando a espada para o peito de Sakura, lutando contra o arder de seus olhos. Choraria se já não tivesse secado os seus olhos de tantas lágrimas que derramara na solidão de quarto. Apenas a tristeza, pura e simples, que se demonstrava em sua face de duras feições. "Conseguiu o que queria, Sakura... Gozou de minha confiança e de meu...", ele a fitou com os olhos cheios de pesar. "E de meu amor".
Ela soltou um gemido de surpresa, os olhos se arregalaram e se encheram de lágrimas. Aquela cena o desarmou. Jurava que quando ela o visse, Sakura se faria de indiferente, fingindo não conhecer ele, para não levantar a mínima suspeita. Mas não. Ela estava tremendo, vulnerável, não tão mais firme como antes e ainda sim, não fugira. Estava diante dele.
"Se é isso que achas de mim, é mais cego e arrogante do que eu supunha", ela murmurou, zangada e ao mesmo tempo, emocionada com a declaração dele. "Eu não menti, Syaoran. Jamais o fiz".
"Sakura...", o nome lhe escapou dos lábios em um sussurro sofrido. "Disse que me amava, se entregou a mim sem reservas. Como podes marcar um casamento no dia seguinte? É essa a sua prova de amor? É assim que reafirma seus sentimentos por mim? Machucando-me dessa maneira?".
"Não pense que foi o único a sofrer, Syaoran Li. Eu pensei...", ela se interrompeu, rompendo o contato visual pela primeira vez, abaixando o queixo que tantas vezes erguera com orgulho para. "Jamais achei que pudesse me amar. Ou que pudesse compreender o que sinto realmente, sem zombar de minha ignorância. Achei que estivesse se divertindo comigo...".
"Como eu poderia?", ele perguntou, suave e carinhosamente, o que a espantou. Ele largou a espada no chão e se aproximou, puxando-a para si com a mão. Deslizou o dedo pela face rosada, notando ela estremecer e enrubescer com o toque. Inflamando-se de desejo por aquela garota, não pode evitar sussurrar. "Não parei de pensar em você desde de que me deixou".
"Me deixe em paz, Syaoran", ela murmurou, sem convecção. Ele sorriu, dando graças a Deus por estarem em um corredor vazio. Ela o fitou e sussurrou novamente. "Eu só quero a paz que ao teu lado, não tenho. Esse amor está me castigando...".
Desceu os lábios até os dela, que tremeram com o toque suave. Não resistiu a saudade. Abraçou-a e beijou-lhe, faminto e desejoso. Ela, com a mão livre, tentou empurrá-lo, as lágrimas salgadas rolando e lhe dando sabor aos lábios. Mas ele era mais forte, e estava decidido a não deixar que ela partisse, antes de provar a ela que sentia o que as palavras não pareciam demonstrar totalmente. Sem poder mais lutar, ela o enlaçou pelo pescoço e retribuiu a carícia.
Syaoran esqueceu-se da guerra, dos barulhos de armas. Esqueceu-se da mágoa que habitava seu coração durante dias. Abriu os olhos por mais um momento, gemendo de prazer ao notar que não era sonho e nem mais uma de suas persistentes ilusões. Sua Sakura estava em seus braços, emanando amor com seus lábios macios, com ardor que retribuía seus beijos. Separou-se dela e perdeu-se na curva sinuosa do pescoço esguio, aspirando um perfuma que impregnou suas noites mal dormidas. Queria girá-la, erguê-la do chão e levá-la para longe de toda aquela batalha, a fazendo somente sua, tomando aquele corpo desejado, como fizera na noite anterior a sua partida. Mas não podia. A afastou um momento e mirou os olhos que também o fitavam, cheios de desejo.
"Eu preciso tanto de você", ele murmurou. "Beije-me, Sakura".
Entreabrindo os lábios, ela voltou a doce carícia, necessitando daquilo tanto quanto ele. Beijaram-se novamente, naquela tempestade em que se perdiam, sem volta.
"Oh, Deus", ela gemeu, depois de abruptamente terminar o beijo.
Syaoran se viu perdido, ao notar que ela corria até Yukito. Estava tão confuso. Estava trêmulo, tamanho era seu amor por aquela garota. Virou-se, temendo não resistir ao impulso de voltar até ela, beijando-a novamente. Mas precisava lutar e esquecer o que havia acontecido.
A pergunta era como esquecer. Enquanto combatia com outros homens, ele tentou, mas não pôde. Aqueles lábios haviam deixado um gosto na sua boca, e ele queria mais. E sabia que isso ela não podia lhe dar. Concentrou-se no oponente, depois de quase ser ferido mortalmente.
Mas será que depois de tanto sofrer por acreditar que ela mentira, as palavras dela eram de total verdade? Ou era mais um truque para distraí-lo e não permitir que ele matasse o noivo? Tinha tantas questões, e naquele momento crítico, não tinha tempo para analisá-las e encontrar as respostas tão desejadas. Mirou um último olhar para o lugar onde haviam se encontrado, para depois abaixar a cabeça e continuar a caminhar rumo a batalha, xingando-se por ser tão tolo em acreditar nela. Ela estava parada, abraçando aquele homem e o beijando suavemente. Teve a sincera vontade de retornar e matar ele, tamanho o ódio que sentia. Fora enganado novamente. Era um estúpido. Ela o beijara para salvar aquele maldito. E não para provar para ele que os seus sentimentos recíprocos.
**
Tomoyo olhou por sobre o ombro e observou o rastro de sangue que os soldados mortos deixavam. Fechou os olhos e tentou amenizar a dor que lhe martelava as têmporas. Sempre soubera que aquela guerra iria acontecer. Acompanhara fielmente os passos do marido e soubera que mesmo com a volta de Sakura, os japoneses estavam planejando um ataque ao Dojo onde eles se encontravam. Todavia, os chineses haviam sido mais rápidos e espertos, os atacando quando o país estava vulnerável. A morte de seu sogro trouxera uma instabilidade difícil de ser combatida, até mesmo por seu pai, novo sucessor. E o resultado disso era essa batalha inevitável, mas pela qual ela sempre rezara para que acontecesse longe do teto da mansão Kinomoto.
Tocou o ventre, inconscientemente. As lágrimas se formaram em seus olhos, junto ao medo que aflorou o coração. E se morresse nesse ataque? E se não pudesse dar a luz à pequena criança que já amava mais do que a própria vida? Essa angústia era menor apenas pelo fato de ter Eriol, ali ao seu lado, a protegendo como podia, apesar da significativa desvantagem em que se encontrava.
Fitou o inglês que determinado, atacava os soldados à frente. A expressão em uma determinação que ela nunca presenciara. E mesmo assim, quando a mirava, sorria, aquele sorriso maroto e preocupado de quem, apesar de tudo, tinha fé. Estava tentar animá-la. Apesar de não estar se dando bem nessa tentativa, era tranqüilizante saber que ele deixara de voltar para a Inglaterra apenas para defender uma nação que nem ao menos lhe pertencia.
Virou os olhos para o outro lado. A postura sempre tão elegante de Kaho havia simplesmente desaparecido. No lugar dela, pavor e medo. Sempre admirara a sogra por ela jamais demonstrar publicamente emoções fortes. Mas naquele momento, a admirava por não temer esconder aquilo que a afligia. A cada novo ataque, ela abraçava Tomoyo com força e se encolhia, rezando muitos mantras de proteção.
"Acalme-se, senhora", ela apertou a mão dela com mais força, tentando traspassar uma calma que não sentia para a sogra.
De tão assustada, a ruiva a fitou, os olhos avermelhados em sinal de puro horror. Sorriu, não culpando a expressão dela. Kaho era uma dama. Tinha todos os motivos para temer o desconhecido.
Com essas palavras, vieram a sua mente Sakura e Yukito. Eles haviam ficado para trás. Olhando novamente por sobre o ombro, procurou algum sinal do casal, não achando nenhum. Ficou preocupada, mas mesmo assim, sabia que Sakura era uma mulher forte e que ao contrário dela mesmo, poderia ajudar Yukito. Naquele momento, o que mais queria era auxiliar Eriol, que sozinho, as defendia e mantinha-se forte, apesar de suar bastante e de respirar ofegante.
Touya estava com Takawi. Ela os vira conversando instantes antes da primeira flecha de fogo cruzar o céu. Agora, temia por eles também. Apesar de saber que os dois eram hábeis guerreiros, a morte não escolhia por esses critérios. Um desabamento, um ataque duplo, uma distração. Tantos fatores que a fariam perder os dois...
"Tomoyo!".
O grito de Eriol a despertou da realidade, mas não antes de perceber que um soldado chinês a olhava com malícia, apontando a espada para seu colo. Eriol estava imobilizado por um outro inimigo grandalhão e Kaho gemendo, no chão, com os olhos encobertos pela mão.
"Mas que belo exemplar feminino...", o outro disse, lascivo. Aproximando-se, ele tocou-lhe o rosto.
Tomoyo não pode ao certo dizer da onde veio sua ousadia. Com as lágrimas lhe cegando a visão, ergueu com toda a sua força o joelho e o acertou no meio das pernas, o que causou dor intensa no outro, que a soltou. Tomoyo nem olhou para trás. Rápida, pegou no chão um pesado pecado de madeira e o acertou na cabeça do chinês. Ele cambaleou para trás antes de cair no chão, morto.
"Ah, maldita!", o homem que aprisionava Eriol soltou o inglês e partiu em sua direção.
A morena de olhos violetas, vendo que aquele pedaço de pau era a sua única defesa, o levantou novamente e acertou o gigante com toda a sua força feminina. Mas, desesperada, viu que ele praguejou baixinho e deu um sorriso sardônico, não parecendo sentir dor.
"És uma belíssima mulher, japonesa. E muito estúpida também, ao pensar que tenho a mesma força que meu amigo morto. Pagarás caro por tentar me desfiar, garota atrevida!".
Tomoyo tomou a decisão que lhe parecia mais convincente no momento. Correu para longe, ignorando os gritos de chamado de Eriol e as bufadas mal cheirosas daquele soldado que vinha em sua direção. Limpou as lágrimas com as costas das mãos e gemeu baixinho ao notar os ferimentos que tinha na mão esquerda. Pequenos cortes, mas que começavam a arder muito.
Enquanto corria, pensou em seu pouco tempo de vida. Tinha a plena certeza de que morreria. Não havia como escapar e nem como acreditar em milagres quando a vida já tomara a decisão de tirar a dela. Suspirou, ciente da resolução que tomaria agora. Salvação era algo em que ela não podia acreditar. Para que lutar?
Pegou a pequena corrente que trazia no pescoço. Sua corrente da sorte, que ela havia ganhado do pai quando completara 10 anos de idade. A apertou entres as mãos, e começou a sussurrar, enquanto corria.
"Peço aos ventos que protejam Sakura... Peço ao fogo que proteja Touya... Peço as águas que protejam meu pai, Kaho e Yukito... E peço a mãe terra, por tudo que é mais sagrado, que não permita que Eriol morra... Eu o amo muito... Não permita...".
Lentamente, Tomoyo parou de correr, e escutou os passos pesados atrás de si, pararem também. Cansada e fraca, ajoelhou-se no chão e virou-se, encarando o inimigo com a réstia de dignidade que tinha. Retirou com força a corrente e novamente fitou o chinês, que sorria, enquanto devagar, levantava a espada.
O golpe foi forte e mesmo assim, não muito dolorido. Ela sentiu a pele ser rasgada, o sangue quente inundar sua pele branca. Não olhou o rosto do homem, mas observou que os pés grandes partiam, junto a uma risada mórbida que significava que ele conseguira o que querida. Fitou o ferimento e sentiu as lágrimas descerem por seu rosto. Na altura do coração, o corte começava a sangrar, sua roupa manchando. A respiração lhe ficou mais fraca e a visão meio nublada. Deitou no chão, enquanto a dor lhe retirava os suspiros de vida que ainda lhe restavam.
Fechou os olhos e muitas memórias lhe cruzaram a mente. Estava sentindo o gosto do sangue nos lábios. A morte a espreitando, esperando pacientemente sua respiração falhar. Tentou se levantar, mas tudo estava dolorido. Não tinha forças para resistir ao destino mais do que certo.
Lembrou-se primeiramente do pai. Aquele homem que a amava e que dedicara uma vida inteira no intuito de fazê-la feliz. Sabia o quanto Takawi sofria por perder a esposa e o admirava por ser forte e viver para poder ficar com ela. Depois, visualizou seu marido, aquele homem forte e de justos princípios. Não o amava, mas seu carinho e o simples fato de saber que ele permanecia ao seu lado mesmo sabendo de seus verdadeiros sentimentos lhe faziam acreditar que ele não merecia a dor que estava prestes a sofrer. Em seguida, lembrou-se de Sakura. Aquela garota maravilhosa que lhe oferecera amizade verdadeira e que a tratava como uma irmã, algo que nunca tivera. Era isso que sentia por ela, um amor fraternal que sabia ser correspondido. E depois, com um suspiro sofredor, lembrou-se de Eriol. Aquele inglês tinha uma vida inteira pela frente. Os olhos de azul cor da noite ainda tinham muito o que ver, por detrás das lentes de cristal que ele usava. Ainda tinha o romance para terminar, ela se lembrou, sorrindo ao ver que fora livro que Eriol fazia que os aproximara novamente. Mas que também os separara. E Tomoyo preferia morrer ao saber que ele jamais seria seu. O amava tanto que seu coração doía com as simples lembranças de tudo que haviam passado juntos.Pensava, que talvez, sua morte matasse esse amor, a fizesse esquecer dele.
Uma pontada forte a fez enxergar tudo negro. Acariciou o ventre com a mão ensangüentada. Aquele filho que não nascera, ainda estava lá, lutando para respirar com ela fazia. Era injusto levá-lo consigo, obrigando-o a nunca ver a luz do Sol, ou o brilho das estrelas. Daria tudo para morrer e ainda sim, poder salvá-lo. Mas era impossível. Tossiu um pouco de sangue e virou para mirar a última vez a pequena corrente. Com um gemido quase imperceptível, Tomoyo Kinomoto morreu.
**
Eriol corria, em seu total desespero. Onde ela estaria?
Quando ficara imobilizado, seu primeiro pensamento fora o que aconteceria com sua Tomoyo. Entrara em pavor quando percebera que um homem a ameaçava com a espada. Orgulhara-se em ver como ela lutara com ele, independente. Mas depois, ao notar que ela fugia, sem armas, sem proteção, perdera toda a noção da realidade. Perdê-la era não ter nada para respirar. Ela era o seu ar, o oxigênio que necessitava para aspirar. E agora, quando se encontrava no labirinto de corredores, perdido, a chamando, perguntava-se se aquilo era mais uma obra do destino, sempre pronto para separá-los.
Passou as mãos pelos cabelos negros, fitando todos os lugares, procurando nos detalhes algum sinal daqueles olhos violetas. Mas nada via, e cada vez se sentia mais frustrado, incapacitado. Caminhou um pouco, ignorando a tontura e um mal pressentimento que começava a tomar conta de sua mente, a impedir seu raciocínio: E se ela houvesse...?
A possibilidade, por mais abominável, era real e possível. Uma garota delicada como ela jamais poderia com um gigante daqueles. Vira como ele corria e como já quase a alcançava. Tentara ir atrás, mas os perdera de vista e fora obrigado a voltar para junto de Kaho, colocando-a num lugar seguro.
Sentiu o sangue gelar ao ver aquele mesmo soldado que perseguira lutar com um japonês. Onde ela estaria?, ele se perguntou novamente, angustiado.
Virou um corredor e começou a correr, a chamando novamente. Ao longe, avistou Sakura e Yukito, que vinham devagar, se defendendo como podiam dos chineses que tentavam matá-los. Suspirou, um pouco mais aliviado ao saber que os amigos estavam vivos. Aproximou-se deles e se preocupou com o corte no ventre do amigo. Mas ele andava, e não parecia tão mal.
"Sozinho, Eriol?", Sakura perguntou, os olhos inchados e a mostras de rastros de lágrimas. "Onde estão Tomoyo e Kaho?".
"Escondi Kaho num buraco feito no quarto dela. Quanto a Tomoyo...", ele desviou o olhar, sentindo-se culpado pela situação.
"Onde ela está?", Sakura indagou, preocupada.
"Eu não sei...".
Os olhos verdes da japonesa se encheram de lágrimas, e Yukito abaixou a cabeça. Eriol entendeu o porque daqueles movimentos. Era muito difícil encontrá-la viva, naquelas condições. Aquele soldado grande era um dos muitos que poderia machucar Tomoyo. Ela não estaria a salvo, sozinha, mesmo se tivesse fugido daquele que a perseguia.
"Não podemos desistir", Eriol afirmou, tentando confiar em suas próprias palavras.
"Tem razão, meu amigo", Yukito, concordou, com um sorriso meio fraco. "Mesmo debilitado, acho que posso seguir e ajudar vocês".
Sem mais nenhuma palavra, eles seguiram para frente. Retiraram escombros, perguntaram a outros soldados, mas ninguém a tinha visto. Eriol sentiu, pela primeira vez, uma lágrima rolar por seu rosto. Jamais chorara, nem quando sua mãe morrera, nem quando soubera que Tomoyo estava casada, e nem quando soubera que ela estava grávida de Touya. Mas perder aquela a quem mais amava era de um tal desespero que não podia impedir-se de chorar de nem de extravasar sua vergonha por não ter impedido que aquele homem corresse atrás dela. Sentiu a mão pequena de Sakura em seu ombro e notou ela lhe sorrir.
"A acharemos".
Não respondeu, fitando o chão, procurando e a chamando. Ao fim do corredor, ele notou, sobre poeira e sujeira, um pequeno tecido azul, de seda. Seu coração parou por um momento, antes dele correr ao encontro daquilo que ele achava ser. Não se importou com Sakura e nem com o noivo dela. Estava trêmulo de medo. Estava se importando apenas em achá-la, em descobrir se ela estava viva.
Olhou para o chão, e tapou a boca com a mão, mas não antes de soltar um gemido rouco. Entre todo aquela bagunça, o corpo daquela mulher adorada, se achava imóvel, sem a doce respiração que sempre o encantara. Os olhos violetas fechados, as pálpebras empoeiradas. No peito, um grande ferimento, ainda sangrando, exposto a poeira. Ajoelhou-se diante de Tomoyo e a tomou no colo, sentindo as lágrimas correrem, livres, molhando sua face suja.
"Não... Tomoyo, meu amor... acorde... por Deus, não morras... não me faças isso... acorde... por favor...", beijou os lábios sujos de sangue seco. "Não!", gritou, a abraçando com força.
Os choros de Sakura lhe eram muito distantes. Nada importava. Se amaldiçoou, querendo mais do que tudo, trocar de lugar com ela, morrer e permitir-se, como espírito, ver o brilho daqueles olhos violetas. Se tivesse sido mais rápido, se a tivesse alcançado, se tivesse impedido sua morte. Cerrou os punhos, impotente, e os bateu no chão, se sentindo culpado. Como iria viver sabendo que se não fosse ele, Tomoyo ainda estaria viva? Cheirou-lhe os cabelos negros, cobertos de cinzas, ainda contendo o mesmo odor. E aquele cheiro de magnólias? Como poderia respirar sem sentir aquele aroma?
Mirou-lhe a pele alva, e viu um brilho dourado na mão pequena dela, fechada. Retirou a pequena corrente e a guardou no bolso, querendo ter uma parte de Tomoyo, consigo...
Precisava viver, ele sabia disso. Tomoyo jamais gostaria que ele morresse. Lutar para que ninguém daquela honrosa família tivesse o destino de sua amada magnólia. Levantou-se e a pegou no colo, virando-se para encarar Sakura, que chorava nos braços de Yukito. Reprimindo também suas lágrimas, ele disse, a voz rouca de emoção.
"Saki, vá e procure seu irmão".
A ruiva assentiu, partindo com Yukito. Enquanto isso, Eriol rezava pela alma mais pura que já havia conhecido. Delicado, pegou a corrente e a recolocou no pescoço dela, sorrindo tristemente.
"Pertence a você, meu amor", e esquecendo da força que reunira para se levantar. Caiu de joelhos e voltou a chorar.
Continua...
Perdoem-me, me perdoem! Eu não deveria ter matado a pobrezinha! Mas eu avisei que teriam uma surpresa no final... Só não se irritem... Ainda temos alguns caps para chegarmos ao final... Quero mandar uma mensagem para Miaka Hiiragizawa: A primeira parte do cap, eu devo a você, minha amiga! Muito obrigado por me oferecer essa idéia e não cobrar nada... ^.^!
Nathy-Chan: Bem, estou emocionada, com tantos elogios! Mas garanto que não tudo isso não! Bom, quanto aos reviews anônimos, eu ainda não se mexer com isso... Obrigada novamente pelos elogios... Bjs!!! (Se você souber mexer com esses reviews anônimos, me manda um e-mail me ajudando?)
Yoruki Mizonutsuki: Se você me chamou de má no cap 15, o que vai fazer nesse daqui, hein? Obrigada pelos votos de Feliz Natal e para você, um feliz 2004!
Anna Li Kinomoto: Como você mesma disse, viva a liberdade! Não me imagino no papel da Sakura... Bom, obrigada pelos votos e muitos Bjs!
Hime Hayashi: Acredito sim, na evolução... Todos nós, escritores precisamos evoluir, pois ninguém é perfeito. Bjs, de Jenny-Ci
Miaka Hiiragisawa: Realmente não sei como lhe agradecer, amiga, por ter me ajudado com aquela parte do Syaoran e da Sakura. Se precisar de ajuda, é só me chamar, apesar de eu não ter todo esse talento, né? Muitos Bjs, de Jenny-Ci.
Espero que tenham gostado desse cap, pessoal... Sem a ajuda da santa Miaka, ele não estaria aqui!
Bjs, de Jenny-Ci
