Capítulo 17
Sakura ergueu a cabeça e continuou a correr, impulsionando e estimulando o corpo cansado a ir para frente, enquanto Yukito a seguia, em um passo mais lento e que também a obrigava a moderar sua velocidade. Estava cansada e profundamente entristecida. Sua vida, que ela sempre considerara diferente pelo fato de ser uma espiã, lhe parecia agora um poço sem fundo.
Por mais que tentasse, não conseguia esquecer o corpo de Tomoyo nos braços de Eriol, imóvel, sem a doce aura, marca registrada de tão bondosa mulher. As lágrimas vieram com força, mas ela ergueu a mãe e as enxugou com força. Estava revoltada com sua sensibilidade e com sua fraqueza, ambas características que ela jamais considerara ter. Tomoyo, em sua paz de espírito, devia estar desejando que ela fosse forte e que não se deixasse abater pelo o que estavam vivendo. Mas era inútil dizer isso a si mesma quando a cada recordação ou memória boa, seu coração se enchia de tristeza e o choro, sua sina silenciosa, lhe inundava a face e os olhos verdes.
"Sejas forte, minha querida. Por todos nós", Yukito lhe acariciou a mão e ela recordou do que ocorrera momentos atrás, apesar de passar o trajeto todo tentando esquecer.
Syaoran Li estivera a sua frente. Não mais um fruto de sua errônea imaginação, e sim ele, alto, forte, lhe aspirando medo e desejo. Tremia de uma excitação que não deveria sentir ao lembrar dos lábios dele em sua boca, dos movimentos hábeis e ainda por cima, gentis, tão suaves como o orvalho a tocar a pétala da flor. Das mãos cegas e furiosas a acariciarem, a desejarem o que não podiam ter. Ambos sabiam disso. Que toda a vez que subiam alto demais até o ápice da doce ânsia, a queda era forte e com seqüelas irreversíveis.
Não se dera ao luxo de saber se Yukito vira algo, porque sinceramente, aquilo não lhe importava nem um pouco. Depois de tão deliciosas carícias, ela não podia se ver indo até o altar para aceitar a mão de um homem que lhe despertava carinho, e não a paixão avassaladora do chinês.
Devia odiar aquele capitão. Por causa do ataque que ele tão bem planejara, Tomoyo perecera. Mas também sabia, bem no fundo de sua alma, que Syaoran seguia explícitas ordens, e mesmo que o coração dele negasse e abominasse suas próprias regras, ele as cumpriria, regido pelo poder teimoso e orgulhoso de sua mente. Ela tinha consciência que Syaoran Li era combatente de um grande dilema. Os olhos dele eram confusos. Mas suas palavras ainda lhe cutucavam a mente, parecendo querer que ela não as esquecesse.
"Gozou de minha confiança e de meu amor", ele dissera, os olhos sinceros e escurecidos de uma paixão e de outro sentimento que aquele mar dourado não a permitiu decifrar. "Não parei de pensar em você desde de que me deixou", ele sussurrara, a mão calosa firme e quente sobre sua pele, lhe aguçando os sentindo, lhe atiçando as fantasias e os sonhos que sabia ser impossíveis, mas que mesmo assim, pairavam em sua mente como uma sombra. "Preciso tanto de você. Beije-me, Sakura", bastou aquele pedido, os olhos fitando seus lábios como se os venerassem, como se os precisasse, para que ela entreabrisse a boca e oferecesse os lábios, permitindo qualquer carícia. Ela não lhe entregara somente sua virtude. Sakura entregara a ele seu amor-próprio, sua liberdade. Era uma prisioneira que não queria se ver livre. Era uma mulher que preferia o confinamento à não ter o amor daquele chinês. E odiava essa sua própria fraqueza. Onde estava seu controle? Sua índole sempre impassível? Onde fora parar a Sakura antiga, aquela que não chorava?
Ela sabia a resposta de todas as questões. Essas Sakuras haviam desaparecido, quando Syaoran Li liberou a mulher apaixonada e impulsiva que vivia dentro dela. Agora, era uma nova mulher. Não mais a garota controlada. E sim a mulher que sonhava, mas do que tudo, ser desejada.
Mas será que era certo se importar tanto com um homem como Syaoran? Será que não devia esquecer tudo e colocar um ponto final na história. Sabia o que deveria fazer. Não se importar.
O Que Importa Seu Carinho Agora
Se É Muito Tarde Para Amar Você
O Que Me Importa Se Você Me Adora
Se Já Não Há Razão Para Lhe Querer
O que podia fazer, quando o tempo lutava contra eles? E o destino, firme e forte, os jogava para lados opostos da vida? Ela devia casar-se com um homem para honrar o nome da família Kinomoto. Ele, por outro lado, voltaria para seu país, com a mesma sina dela. Um casamento forçado para agradar o clã. Era assim que a vida planejara sua vida? Uma paixão incontrolável e depois um fim brusco?
Ele a amava, mas não lutara por ela. Quando ela fugiu, ele nunca se preocupou em saber o porque, depois de uma noite esplêndida de amor. Ele estava entregando a mulher que alegava adorar para um destino ao lado de outro homem, sem lutar, numa entrega simples e fraca. Que tipo de amor é esse? Um amor sem luta? Um amor sem vontade? Para ela, só tinha uma resposta: Era um amor fictício. Um amor feito para enfeitar tolas imaginações, como a dela.
O Que Me Importa Ver Você Sofrer Assim
Se Quando Eu Lhe Quis Você Nem Mesmo Soube Dar Amor
Sim, parecia estar sendo doloroso para ele. Syaoran Li não era aquele guerreiro orgulhoso que conhecera há dias atrás. Era um homem abatido, o olhar dourado cansado, parecendo procurar apenas um deslize para se fechar. A postura dele esmorecera e agora restava um homem fraco, sem amor pela vida. Mas ela não sofrera?
Quantas noites em claro, pensando em tudo que o que acontecera entre os dois? Quantas vezes acordara, transpirando, pensando que aquele sonho, onde ele a aninhava no peito, era real? Ora, sofrera muito e sofria ainda. Atrás de seu sorriso bem feito e de sua máscara de felicidade inexistente, havia uma garota ansiando por voltar para o lugar onde deixara o coração.
Não, não podia se culpar pelas olheiras que jaziam na face de dura expressão de Syaoran Li. Ele era o culpado por tudo o que estava sendo obrigado a passar. Ele aprisionara seu coração em uma teia e agora, que parecia se encontrar na mesma situação, devia deixar ele aproveitar o mesmo sentimento de solidão que assolava sua alma.
O Que Me Importa Ver Você Chorando
Se Tantas Vezes Eu Chorei Também
Parecia que ele chorara, e muito. Os olhos estavam inchados e avermelhados, e finos rastros transparentes apareciam em sua face masculina. A voz estava levemente embargada e rouca. Mas não podia confiar em sua primeira impressão. Lágrimas no rosto de um homem arrogante e orgulhoso como Syaoran Li? Não. Era um produto de sua mente, muito enganosa.
Ela era aquela que estava se enfraquecendo por causa do próprio choro. Suas lágrimas poderiam encher um balde. Bem, era a única maneira que conhecia de extravasar sua tristeza e suas frustrações. E se ele houvesse chorado? Já não estava cansada de carregar as mágoas dos outros? Ele podia chorar, que dessa vez, ela iria reter as próprias lágrimas, para tentar esquecer toda a dor.
O Que Me Importa Sua Voz Chamando
Se Pra Você Jamais Eu Fui Alguém
Ela escutara os murmúrios dele. O tom amargo de quem parecia carregar um grande fardo, ou talvez, uma grande culpa. A voz dele, grossa e rouca, pedindo, implorando por um beijo, por uma carícia. De muito longe, ela escutava a voz dele em algum lugar de sua mente. "Eu a amo", era o que o som persistente parecia dizer. Ela tentava esquecer... Mas ele estava lá, em seu âmago, acariciando sua imaginação. A fazendo pensar nas mais loucas imagens. Nas mais doces esperanças.
Mas o que era o amor, afinal? Não era uma ilusão? Um sonho? Era isso que o amor era. Uma pequena gota em um oceano de maldades humanas. Era algo encravado na pele, mas que se tocado, começava a doer e a abrir, enfraquecendo, matando. Syaoran Li jamais se importou com ninguém. Seus olhos podiam ser frios como a lâmina da mais afiada adaga. As palavras dele poderiam ferir mais do que um ferimento feito dessa adaga. Ela já sentira isso. E agora, estava ali, sonhando com ele novamente. Será que não aprenderia a lição?
O Que Me Importa Essa Tristeza Em Seu Olhar
Se Meu Olhar Tem Mais Tristezas Para Chorar Que O Seu.
Ela perdera todos os motivos para viver uma vida plena de felicidade naquela maldita guerra. Sua cunhada, amada irmã, morrera nas mãos de um chinês maldito que não se importara se ela era uma jovem indefesa ou não. Seu pai, seu herói, aquele que fora a pessoa mais presente e importante em sua vida, também se fora, de maneira misteriosa, mas mesmo assim dolorosa. E ele, aquele homem arrogante, egoísta até, também sumira. Fora mais uma das sombras persistentes que insistiam em passar por sua vida. Onde seu coração iria parar daquele jeito? Qual pessoa nesse mundo lhe pertencia? Por um momento, acreditara que aquele chinês iria ser seu. Mas não. Ela estava sozinha. O mundo era um lugar frio e cruel. Um lugar onde seu corpo vagaria para sempre.
A tristeza lhe roubava a vida. Ela ia definhando, enterrando-se no mar de dores que lhe assombravam. E, se ele estava triste, arrependido, desesperado, porque não a procurara antes? Porque a deixara assumir um compromisso com um homem que não amava? Porque, em nome de tudo que é mais sagrado, a deixara partir? Tristeza? Ela sabia o que era isso. Ele não.
O que Me Importa Ver Você Tão Triste
Se Triste Fui E Você Nem Ligou
O Que Me Importa Seu Carinho Agora
Se Para Mim A Vida Terminou
Os beijos dele? Eram pequenos pedaços do paraíso, pequenos fragmentos de uma estrela cadente a cruzar o céu. Brilhos do mais puro diamante. Um raio de sol sobre uma nuvem de tempestade. Mas, o que fazer com tais lembranças? Deveria enterrar todas elas, tentar viver uma vida nova. Mas sabia bem que não podia. Depois de tudo que se passara, há poucos instantes atrás, uma perspectiva de uma vida ao lado de outro homem que não fosse Syaoran, lhe parecia medonha. A vida lhe metia um medo que nunca sentira. Aquele capitão terminara com a sua força, com a sua coragem. Não devia se importar.
Uma pequena voz soou em sua mente... Deve sim, você o ama. Não minta para si mesma. Não desista dele. Procure saber se tudo foi verdade.
Sim, era isso que iria fazer. Não por ele, e sim por ela. Pois seu coração estava despedaçado. E o único, que talvez pudesse resgatar tais pedaços, era ele.
"Yukito", ela virou-se para ele, quando já estavam na porta do seu quarto. "Entre e se esconda... Eu vou... eu vou procurar meu irmão...".
Ele assentiu e a deixou, sozinha. Ela enfiou a mãe nas dobras de seu quimono e pegou sua pequena espada, a qual ela sempre levava escondida. Estava na hora de lutar por algo muito importante: Ela mesma.
**
Touya limpou o suor de sua testa com a costa da mão direita, enquanto em sua mão esquerda pendia a espada manchada de sangue. Suspirou assim que viu outro soldado partir em sua direção.
O homem tinha uma espada grande, pesada, a qual impunha com certa leveza, já que era alto e com físico bastante forte. Ele sorriu, avaliando a espada de Touya e com um leve ar de deboche, mas o suficiente para que Touya entendesse que aquele homem não o levara a sério. E o japonês sabia que apesar de não ser o melhor guerreiro do Japão, aquela espada lhe significava muito e era uma honra inestimável segurar em suas tão humildes mãos. Era a espada que seu pai levantava toda vez que ia para a guerra. E agora que ele jazia morto, o mínimo que podia fazer era mostrar que ainda lembrava-se dele e empenhar aquela preciosa arma com toda a dignidade que tinha em seu coração.
As espadas se chocaram, aço contra aço, força contra inteligência. Touya viu que ele tinha bastante vantagem física e era muito ágil também. A espada dele caiu sobre a sua com um grande peso, e ele até escutou o trincar do metal, por trás de tantos gritos em sua mente. Devia estar preparado para aquilo, por isso, com a perna direita, deu uma rasteira no adversário e o observou cair. Mas ele bem sabia que não era tão fácil assim. O chinês rapidamente se levantou e cuspiu no chão.
"Maldito!".
Touya não se deu ao trabalho de responder ao insulto e nem tentou revidar a ofensa. Já escutara tantas palavrões enquanto batalhava que já não se incomodava com um a mais. Soltando um riso de deboche, ele se posicionou, ofegante. Estava começando a ficar cansado, mas jamais desistira de algo que quisesse muito.
Sorriu ao lembrar-se de Tomoyo. Aquela mulher amada lhe traria muita felicidade. Lutara muito por ela, enfrentara o amor que ela sentia por outro homem, mas ainda sim, triunfara sobre seu objetivo. A japonesa de olhos violetas era dele e nada no mundo poderia acabar com tudo o que estava sentindo.
Aquele pensamento lhe encheu de coragem e de uma vontade de novamente ganhar uma batalha. Sorrindo para si mesmo e para sua renovada disposição, ele voltou a atacar, colocando seus sentimentos na ponta da espada, que começou a executar os ataques com perfeição. Rapidamente, seu inimigo estava sem forças e com a espada escorregando de sua mão, pedia rendição.
Mas o jovem japonês aprendera há muito tempo que piedade e dó eram sentimentos que não serviam no campo de batalha e que deveriam ser deixados de lado, pois roubavam o autocontrole. Seu pai lhe dissera uma vez, e ele nunca iria esquecer: Num campo de batalha, os nossos sentimentos são os verdadeiros inimigos. Pois dentro de nossas fraquezas, há a força de nossos adversários. Tinha a absoluta certeza de que, se a situação estivesse inversa e fosse ele a pedir rendição, o grande chinês não pensaria duas vezes em o atingir e por um fim a luta. Sem mais demora, enfiou a espada no coração do homem, que gemeu e segurou a ferida, antes de cair morto no chão.
Virando-se, o jovem deparou-se com sua irmã, que com as mãos ao colo, lhe encara, os olhos arregalados. Preocupado com a expressão dela, ele aproximou-se e a puxou pelo braço, até um local mais afastado.
"Deverias estar com os outros... Sabes que conto com suas habilidades para proteger minha família", ele sorriu para a irmã, mas ao notar que ela não fez o mesmo, mudou o semblante divertido. "O que lhe aconteceu, Sakura?".
"Yukito está ferido...", ela fez uma pausa, e nos olhos dela, Touya viu uma verdade que não pode acreditar. Ou melhor, não quis aceitar.
Não conseguiu raciocinar ou nem menos digerir o que os olhos verdes de sua irmã afirmavam em uma promessa silenciosa. Talvez, não fosse o que estava pensando. Mas apesar de Yukito ser um membro importante da família, Sakura entreabriu os lábios, parecendo querer dizer algo mais.
"Tomoyo... ela... ela morreu", a jovem suspirou as palavras.
Jamais, palavras lhe feriram tanto. De repente, notou não estar mais na guerra e nem na frente de Sakura. Estava numa lembrança, e se viu engolfado por ela:
"Tomoyo, minha querida, você está bem?", ele havia perguntado, preocupado, quando vira a esposa voltar do banheiro, bastante pálida e com os cabelos, sempre tão bem aprumados, desgrenhados.
"Bem...", ela respirou fundo, e sorriu, os belos olhos brilhando e a mão pousando levemente no ventre. "Nós estamos". Ela sempre lhe pareceu um anjo, e naquele momento, só lhe faltava as asas para ser confundida com algum ser celestial. De repente, tomou nota das palavras dela e a olhou, boquiaberto e pasmo.
"Nós...", ele assimilou a palavra, a alegria lhe enchendo o peito, lhe carregando de orgulho e de um amor por aquela mulher. Acalmou-se, fechando os olhos e balançando a cabeça. Talvez não fosse aquilo que estivesse pensando.
"Sim, Touya...", ela deitou-se na cama, ao lado dele, e o fitou nos olhos. "Você vai ser pai".
Por um breve momento, ele apenas mergulhou na imensidão violeta dos olhos tão próximos a ele. Depois, foi assimilando a frase, saboreando cada palavra. Ele iria ser pai! Não podia acreditar! Tantos anos casados, ele sonhando com as crianças correndo em sua volta, com a primeira palavra de seu pequeno filho. E finalmente, em meio a tantos conflitos, ele descobrira a maravilhosa paternidade!
Fitou a mulher amada e a viu sorrir, os olhos repletos de lágrimas que ele sabia ser de felicidade. A enlaçando pela cintura, a abraçou com tanto carinho, com tanta devoção, que não pode esconder sua própria emoção. A beijou na testa e acariciou o rosto molhado.
"Se ela for mulher...", ele começou, ao notar que ela o fitava. "Se chamara Sonomi".
"E se for um homem...", ela disse, tragada pela emoção do momento. "Se chamara Fujitaka".
"Saiba, minha doce e pequena Tomoyo, que depois do que me disse, você transformou meu mundo. Eu vou ser pai. Finalmente, vamos ter algo que pertence somente a nós dois".
Ela nada havia respondido, mas um pequeno sorriso se formou em seus lábios. E naquele momento, a felicidade estava entre eles, crescendo para se tornar parte da família Kinomoto.
Os olhos castanhos de Touya escureceram-se com as lembranças. Era isso que temia, quando viu a primeira flecha de fogo cruzar o céu, no começo da batalha. Que sua família, seu futuro, tão perfeito, fosse destruído. Naquele momento, ele não sentia tristeza. Ele sentia raiva e ódio. Não fora capaz de fazer nada ou de impedir a morte de sua mulher e de seu filho. A voz, depois de alguns minutos, lhe saiu rouca.
"Eriol deveria ter cuidado dela...".
"Eriol não tem culpa, Touya... Ela fugiu... E um soldado chinês a matou", ela tentou explicar.
"Eu vou matá-lo", ele disse simplesmente, e Sakura arregalou os olhos novamente, aproximando-se.
"Quem você vai matar, Touya?".
"Syaoran Li".
Ele não entendeu porque os olhos dela expressaram infinita surpresa e medonha angústia. Rapidamente, a garota estava na frente dele, uma mão no braço que estava a segurar a espada.
"Não faças isso".
"O quê?!", ele finalmente explodiu. "Não quer que eu mate o responsável pela morte de minha mulher e de meu filho? Não quer que eu mate o desgraçado que destruiu tudo que me era mais sagrado? Você enlouqueceu?! Ou fui eu que perdi a audição e que entendi errado suas palavras?!".
"Eu me apaixonei", ela respondeu, os olhando brilhando como estrelas cadentes. Mas Touya não apreciou aquele brilhar. Respirou fundo e fitou os belos olhos de sua irmã, mas sem piedade alguma.
"Repitas, palavra por palavra".
"Eu me apaixonei e me entreguei para Syaoran Li, enquanto estava no alojamento deles".
Touya não respondeu de imediato. Fitou os olhos verdes da irmã e viu a verdade. Não precisava de mais palavras.
"Sinto muito".
"Sente pelo o quê?", ela perguntou, os olhos trêmulos.
Sempre colocara os sentimentos de seus entes queridos no lugar dos seus. Quando seu pai trouxe sua meia irmã para casa, ele superou a própria vergonha e apenas assentiu ao inevitável. E depois, quando via a jovem de cabelos ruivos crescer e se transformar na luz dos olhos de seu pai, ele mantivera-se em silêncio, suportando a rejeição, tentando mostrar que também tinha valor, mas ninguém parecia interessado em saber isso. Tivera que lutar contra o inglês que ameaçava lhe roubar a paz de seu casamento. E o pior de tudo: As mentiras. Saber que Fujitaka ocultara a identidade secreta de Sakura por longos anos. Anos em que ele, em sua estúpida inocência, acreditava que a adoração que o pai nutria pela ruiva era apenas por ser mais ligado à mãe. Mas não. Ele amava Sakura, pois era ela que fazia o trabalho sujo. Encarou o rosto da irmã, e se viu envolto por inúmeros sentimentos: Raiva, dor, culpa. Seria o responsável, pela primeira vez, pela tristeza de alguém. Bastava de sofrer. Queria que ela sentisse na pele tudo o que fora obrigado a passar.
"Eu não tenho obrigação de poupar a vida desse miserável, quando ele me tirou aquilo que eu mais amava...", ele disse, num murmúrio, mas depois, ao notar a tristeza nos olhos verdes dela, exclamou com a voz tragada de emoção. "Eu sofri demais para acreditar que este seu amor por esse chinês seja correspondido! Você não sabe o que é amar, ainda é uma criança! A minha vida inteira eu lutei por ser reconhecido, por ser amado, mas todos mantinham os olhos voltados para você! Eu também sou especial, Sakura! Vivi tempo demais na sua sombra para deixar a oportunidade de me vingar passar! Não importa que você seja a prostituta desse chinês, nem que nutra sentimentos por ele e nem que ele não seja o culpado do que eu vou fazer! Por algum momento, alguém pensou em mim?! Não, Sakura... E sabe o porque?! Porque você estava a minha frente, brilhando, agradando a todos por ser bonita, inteligente, diferente de todas as outras mulheres! Se não fosse você, eu seria espião do meu pai, eu seria o único filho dele! Se não fosse por você, meu casamento teria sido harmonioso, Srta. Perfeita, porque você trouxe esse maldito inglês para cá! Chega, Sakura! Estou cansado de vê-la triunfar sobre minhas derrotas! Se eu não matar Syaoran Li, novamente, você sorrirá! Novamente, eu vou suportar minhas mágoas enquanto você vive sua vida em plena tranqüilidade!".
Sakura não estava mais tão calma. Uma veia pequena pulsava em seu pescoço em ritmo acelerado e os lábios estavam comprimidos em uma linha fina. Ela deu um passo para trás, um pouco assustada, mas manteve-se firme, sem fugir, sem gritar. Os lábios rosados abriram-se, e a voz melodiosa e um tanto triste respondeu.
"Não penses que eu gostava de toda essa situação, Touya Kinomoto. Sim, eu adorava minha vida de aventuras. Ser reconhecida, ser uma mulher que não precisasse de um homem. Muito pelo contrário, um homem precisava de mim. E absolutamente nada me deixava mais orgulhosa do que ser independente. Mas eu sei que... eu sei que eu era amada por ser um objeto em uso. Você é uma pessoa transparente, jamais precisou esconder nada. Eu vivia escondida nas sombras", ela deu um leve gemido, seguido por um triste sorriso. "Eu nem sempre tive tudo o que queria, Touya. Eu sentia inveja de você, de sua paixão por lutar e da sua maneira de resolver tudo sem nem ao menos se irritar. De sua liberdade, principalmente, de poder caminhar de cabeça erguida e de espada na cintura. Sentia ciúmes de seu casamento, também, pois ele era perfeito, era um modelo de amor e união. Um amor que eu sabia que não iria conhecer, se fosse me casar com Yukito. Quanto a Eriol, pelo menos por isso, não me culpe. Ele sofre de amor, tanto quanto eu ou você. Ele chorou a perda de Tomoyo, ele gritou de ciúmes quando soube que ela estava grávida, de um filho que ele achava-se ter o direito de ser o pai. Devo muito a você, pois apesar de eu ser uma bastarda, você me acolheu em sua casa, me deu carinho, meu deu o amor de um irmão do mesmo sangue. Você não imagina os motivos por eu querer evitar a morte de Syaoran. E nem eu tenho o direito de revelar nada para você. Só peço que se for lutar, não lute com ódio. Essa sentimento acabará por te cegar", ela fez novamente uma pausa, e depois, soltou um suspirou magoado. "Perdoe-me por lhe fazer infeliz, não era minha intenção. Eu sempre quis ser como você. E pensei que se me notassem, eu poderia chegar aos seus pés. Mas não posso, Touya. Você é o homem que eu mais admiro, depois de nosso pai. Aceita minhas desculpas?".
Ele avaliou todas aquelas palavras, as comparando com as suas. Será que os dois não eram vítimas de mesma situação injusta? Sakura sempre sonhara em ser como ele, e ele como ela. Mas nada disso poderia ser verdade, pois eles eram seres diferentes, em corpo e em alma, cada um com suas próprias qualidades e defeitos. Talvez, no fim, fosse melhor esquecer. Mágoas gerariam mais mágoas. E se os dois sofriam em prol a todas conseqüências dessa guerra, não deveriam se unir para suportar junto tanta dor?
"Não aceito...", ele, com a mão, a puxou de encontro a peito, admirando-se por ela não chorar em um momento que ele mesmo queria expelir suas tristezas. Era isso que admirava nela. A força que ele julgava nunca ter. "Não posso aceitar suas desculpas. Eu e você, minha irmã, devemos apenas nos amar. Não adiantará nada relembrar do passado. O que mais nos importa agora, e viver para dar alegria a aqueles que já foram".
Ele começou a caminhar por entre o corredor, lutando, protegendo Sakura, que em seu encalço, assistia a tudo com os olhos opacos, a pele sem cor. Ele sentiu novamente a pontada do remorso, mas não permitiria que aquele chinês destruísse mais vidas. Voltou-se para a irmã e lhe deu a mão. Ela, com um sorriso fraco, a pegou e juntos seguiram.
Touya sabia o quanto aquilo seria difícil para os dois. Além de Syaoran Li ser o capitão e provavelmente o mais forte dos guerreiros, ele também sabia que o coração da irmã estava despedaçado. Ele sabia que a cada passo que davam, pedaços dele e de sua irmã jaziam no chão. Estavam morrendo por dentro. No fim daquela batalha, restariam corpo, com terríveis recordações.
Prometeu a si mesmo e a alma de Tomoyo, que certamente olhava por eles, que não permitiria que ninguém mais morresse nas mãos dos chineses. Tinha que acabar com aquilo. O mais rápido possível.
O viu em meio há um amontoado de soldados japoneses, dos quais ele se destacava habilmente. Os cabelos fartos e o físico avantajado, os movimentos quase hipnóticos da espada. Os olhos dourados brilhavam como ouro. No exato momento em que ele o olhou, Sakura soltou o irmão e posicionou-se atrás dele, tremendo e respirando com dificuldade. Syaoran Li caminhou na direção deles, e os outros soldados, notando a batalha que estava para acontecer, pararam de atacar, fitaram os combatentes e afastaram-se, formando uma roda em torno deles. O chinês deu um sorriso irônico e apontou a espada para ele.
"O que está escondendo atrás de você, Touya Kinomoto?", ele perguntou, sarcasticamente. "O seu comandante?".
Ele não respondeu, pois não deu tempo. Sua irmã saiu detrás dele, a postura orgulhosa, de uma mulher vencedora. Touya notou o capitão arregalar os olhos, a espada estremecer levemente na mão dele.
"Sakura?", ele murmurou fracamente, por um segundo, perdendo a postura forte e assumindo a de um homem rendido. Pior... A de um homem apaixonado.
Touya notou a troca de olhares intensos e finalmente percebeu o que ocorria em seu solo. Sua irmã e aquele homem estavam enamorados. O capitão deu um passo para frente, ofegante. Sakura, por sua vez, deu um passo para trás, tão trêmula como o tal Li. O moreno se sentiu excluído, e percebeu o que aconteceria se o matasse. Sakura iria enterrar-se novamente em um mundo dela. Mas antes de tomar qualquer decisão, o capitão chinês levantou a cabeça e riu, mas não com a mesma ironia.
"Não precisava ter tanto trabalho, Sakura", ele zombou, uma ponta de rancor na voz. "E não precisava mandar seu irmão se livrar de mim, quando você mesma pode fazê-lo".
Todos os olhares recaíram sobre Sakura, que nem ao menos estremeceu. Simplesmente, com a mão delicada, retirou uma pequena espada, que estava escondida no manto pesado do quimono. Syaoran entreabriu os lábios, espantado. Touya admirou novamente a confiança de sua irmã.
"Ah, Syaoran Li...", ela sorriu. "Isso é um desafio?".
"Não...", ele sorriu também. "É um convite".
Não iria permitir. A luta era entre ele e aquele chinês arrogante. Era uma questão de vingar a morte de seu pai, de sua mulher e de seu filho. E depois, jamais se perdoaria se perdesse Sakura novamente. Ficara tempo demais sem ela para permitir-se tal coisa.
"Saía da minha frente, Sakura", ele ordenou, a voz enérgica, e ela o encarou, zangada.
"Essa luta é minha, Touya".
"Não, não é", ele fitou Syaoran Li. "Está com medo de mim, por isso convidou minha irmã para batalhar?".
Notou que Li se incomodara com a provocação e sorriu, satisfeito. O capitão ergueu a espada para um soldado alto, e disse, altivo. "Kio! Cuide de Sakura".
O soldado magrelo caminhou até Sakura, e Touya tentou impedir, não entendendo o porque da ordem do homem. Aliás, todos os outros soldados estavam confusos com relação ao o que acontecia. Mas Sakura foi mais rápida e segurou seu braço, sorrindo docemente.
"Kio é meu amigo. Acalme-se. O que eu lhe disse sobre lutar com ódio?".
Aliviou-se ao ver a irmã afastar-se um pouco, seguida pelo soldado. Depois, fitou o seu inimigo e lhe sorriu, em um convite.
"Lhe dou a honra de começar, chinês".
Syaoran foi até ele numa rapidez impressionante. Erguendo a espada, que lhe parecia muito resistente, ele deu a primeira investida. E Touya sentiu a força do adversário, mas não se amedrontou. Bloqueou todos os ataques do chinês até que o capitão parasse, ofegante, mas ainda sim, com seu ar arrogante e superior.
"Está cansado, capitão? E olha que ainda preferia lutar com uma mulher", o comentário novamente provocou o inimigo, e Touya sorriu, mórbido. "Cada corte que levar de minha espada será pelo sofrimento que levou a minha família. Seus malditos soldados mataram minha esposa e meu filho. E você desonrou minha irmã. Eu o odeio, e você morrerá, nem que seja a última coisa que eu faça".
Correu até ele e feriu o braço esquerdo do inimigo, reparando que ele ficara distraído diante de suas fortes palavras. Mas o homem rapidamente se recuperou, o atacando com violência e com ódio. E Touya entendeu porque. Syaoran Li se sentia culpado. A cada olhar que ele relançava a Sakura, ganhava um corte ou outro ferimento. Mas ele ainda não recebera nenhuma investida forte o suficiente para lhe ferir.
"Eu vou matar você por desonrar e ainda não amar minha irmã", ele disse, sem pensar nas palavras.
Não soube como, mas de repente, a espada entrara no ombro de Syaoran, o ferindo profundamente. Ele caiu de joelhos, tocando o ferimento e não encarando Touya, mas sim a figura que se movia até eles. Touya largou a espada no chão, e fitou todos os soldados, que os encaravam, espantados. Numa voz firme e forte, anunciou.
"O Japão venceu!".
Gritos explodiram e ecoaram por toda à parte. Os soldados inimigos corriam e fugiam, enquanto os japoneses comemoravam, empenhavam suas espadas, aplaudindo Touya. Mas o castanho do filho de Fujitaka estava em Sakura, que ajoelhada, olhava para Syaoran, as lágrimas desesperadas escorrendo por seu rosto. O homem também estava de joelhos, a encarando, comprimindo os lábios, reprimindo a dor. De repente, ele tombou no chão e Sakura se jogou sobre ele, chorando.
"Não morras, Syaoran", ela acariciava os cabelos dele, sussurrando as palavras. "Não o mate, Touya", ela disse, o olhando.
"Cale-se, Sakura", ele disse, comovido com a cena. Sabia o que esperavam dele. Por isso mesmo com a mão, chamou dois soldados. Falou para eles. "Cuidem desse homem e o levem para uma cela. Daqui a alguns dias, ele será enforcado".
O corpo imóvel foi retirado, enquanto Sakura o encarava com pavor, os olhos avermelhados. Touya sentou-se ao lado dela e a trouxe para o colo, acariciando seus cabelos ruivos.
"Acabou, meu anjo", ele disse, suas próprias lágrimas caindo em seu rosto. "Finalmente acabou".
Ela ergueu o delicado e disse, num som triste, machucado.
"Talvez para você, Touya... Mas para mim, meu sofrimento está apenas no começo"...
Oi!!!!!
Há quanto tempo!
Eu estava mesmo atrasada. Com tantas idéias e pouco tempo, eu não pude atualizar mais cedo, mas prometo tentar... eu disse tentar... não atrasar mais assim, td bem?
Eu estou muito feliz, pois estou chegando aos seus 100 reviews... Será? Espero que me ajudem, pois é uma vitória ver tanta gente lendo meu texto! ( A música é de Marisa Monte, O Que Me Importa)
Bem, vamos aos agradecimentos.
Nina-KinomotoLi: Obrigada pelos elogios... e me desculpe por estragar sua viagem... ^__________^ Não era minha intenção. Bjs
Hime: Eu sei que ele é cabeçudo, mas nós o perdoamos, né? Bom, quanto aos erros, eu vou tentar corrigir. Bjs
Letícia: Fico feliz que tenha gostado do meu texto. Sei que foi uma grande surpresa ter matado a Tomoyo, mas como você mesma disse, eu queria fazer algo diferente. Espero que continue a ler. Bjs
Serenite: Que pena que você não gostou de eu ter matado a Tomoyo. Mas eu havia dito que faria uma grande mudança. Espero que continue a ler. Bjs
Nathy-Chan: Você chorou muito? Não imagina eu, escrevendo o Fic, escutando My Immortal do Evanescence... Nunca chorei tanto também... Que bom que gostou do cap. Bjs
Warina-Kinomoto: Que bom que gostou da história. Bjs
Yoruki Mizunotsuki: Nossa... Eu, malvada? Eh... mas eu queria mudar alguma coisa, e isso me pareceu o mais natural... Bom, o importante eh que você gostou. Espero que continue a ler.
Miaka Hiiragizawa: Vou dar uma olhadinha no meu estoque para ver se tem um Pc novo pra vc, tá, Miaka? Qualquer coisa, eu t ligo... Brincadeira... Bom, Bjs.
Anna Li Konomoto: Que bom que você se emocionou, Anna! Essa era a intenção. E não agradeça... O prazer eh meu de escrever essa história que eu amo de paixão.
Pattyfeliz: Minha fic não está perfeita não, mas acredito que se você gostou, ela deve estar no mínimo, boa de ler. Espero que continue a ver,
LiLiSan: Oi!!! Bom, q legal vc ter gostado, mas não fique triste não. Muita coisa ainda vai rolar nessa história. Quando ao seu fic, eu vou dar uma passadinha lá pra ver, e deixar meu review, td bem?
Suu-Chan: Você não é a primeira pessoa a me chamar de má, mas não tem importância... O importante de verdade é que você gostou. Bjs
