CAPÍTULO 4: A MELANCOLIA DE SHUN

Shun despertou com uma horrível enxaqueca. Todo o seu corpo doía. Abriu os olhos e viu tudo como que borrado. Piscou os olhos. Dois pontos roxos em um fundo cor de pele. Não compreendeu. Piscou os olhos outra vez e compreendeu. O rosto aliviado e ao mesmo tempo triste de Mú apareceu em sua frente.

– Não sabes o muito que me tranqüiliza por ter despertado, cavaleiro – ele falou.

– Shun – disse Seiya atrás de Mú – que alegria!

Todos o olhavam com alívio, como se ele tivesse ficado quase a ponto de morrer ou algo parecido. Shun tentou sorrir, mas o olhar triste de Mú...

Shun recordou tudo. As mulheres-ave chegaram no meio da noite. Cantavam docemente uma canção cuja letra era somente uma palavra: Perséfone. E apesar de seus horríveis aspectos, a magia das vozes sinistras enfeitiçaram o corpo de Shun... obrigando-o a abrir a janela do quarto... as nove entraram... tomaram a jovem deusa... o desespero que sentiu ao vê-las levando Ana fez com que o feitiço se rompesse. Lutou contra elas. Derrubou três. Duas delas se agarraram à Perséfone, enquanto as quatro que restavam atacaram Shun com as suas garras, como se fossem eletrodos. Sentia as queimaduras da eletricidade que corria no seu corpo. Gritou, para que seus amigos o ajudassem... para evitar que a levassem... viu seus amigos e o seu irmão que chegaram a lutar... porém já era demasiado tarde. Logo, a maior havia chamado a sua deusa... mas não podia ser... Érika... e ela havia dito que sim....

Uma lágrima caiu pelo seu rosto caindo logo em seguida para o seu peito.

– Oh, Shun – disse Hyoga – acaba de recordar. – Shun assentiu.

– Shun – disse Mú – Érika foi a menina que Kido enviou para que eu a ensinasse a se proteger... a reencarnação da deusa Perséfone. Olha – disse, abrindo uma cortina. Uma exclamação de admiração escapou de seus lábios. Uma terrível nevasca caía – a ausência dela está provocando um grandioso inverno.

– Ela está...? – Shun começou a perguntar, mas as palavras ficaram engasgadas em sua garganta.

– Está com vida, mas está muito longe daqui, onde nenhum outro ser vivo pode chegar. As sirenes levaram ela para um tenebroso lugar.

- Shiryu disse que essas mulheres eram sirenes – disse Seiya – o que é isso Mú?

- Nos tempos mitológicos, as sirenes eram ninfas – disse Mú – Eram nove ninfas encarregadas de acompanhar a jovem deusa Perséfone, enquanto ela passeava em um jardim na Terra. Um deus se apaixonou por ela e um dia se aproximou desse jardim. Aproveitando que as ninfas estavam distraídas ele a levou para o seu mundo para fazer dela sua rainha. A mãe de Perséfone converteu as ninfas em sirenes: mulheres com corpo de aves, para que buscassem a sua filha. Porém as malvadas sirenes se uniram ao deus que fazia Perséfone prisioneira. E o inverno finalmente chegou ao mundo.

– Meu mestre me contou que nove deusas, as Musas, combateram e venceram as sirenes e as obrigaram a viver em uma ilha – disse Shiryu – onde se dedicaram a cantar para atrair os navios e fazê-los chocar contra as rochas. O poder mais terrível de uma sirene está na sua voz...

– E o que aconteceu à Perséfone? – perguntou Hyoga.

– Casou-se com o deus – disse Mú – passava um tempo com ele, no inverno e no outono e um tempo na terra junto à sua mãe para que existisse a primavera e o verão.

- Quem? – perguntou Shun – Com que deus?

-Hades- respondeu tristemente Mú. Todos se surpreenderam.

– Mas meu mestre disse que Athena o havia vencido e que tinha selado sua alma faz anos... – disse Shiryu.

- Sim, eu sei. Tudo isto é muito suspeito. Mas a presença das sirenes só significa uma coisa: algo estranho está acontecendo no reino dos mortos e por isso Athena está sendo protegida pelos cavaleiros dourados...

– E o que faremos agora? – disse Seiya.

- Nada – respondeu Mú – Athena ordenou para que vocês nem cheguem perto do Santuário e que nem pensem em ir, pois poderão atrair mais problemas...

– Não poderemos buscar Perséfone, quer dizer... – murmurou Shun.

- Sem essa – disse Seiya, levantando seu punho – Saori ordenou para que a gente protegesse Ana e sendo assim, temos que ajuda-la.

– Ela não tem cavaleiros para defende-la – acrescentou Hyoga.

- Eu sei – disse Mú, entristecido – já lhes disse que nada pode entrar no mundo dos mortos com vida mas sim, morto – acrescentou, levantando o olhar – e uma vez morto, estará então completamente submetido à vontade de Hades.

– E como a levarão viva até o reino dos mortos? – perguntou Shiryu.

– Já disse à vocês – disse Mú pacientemente – Hades permitiu que ela entrasse com vida porque a necessita... o que está fazendo, Shun?

Shun estava se levantando, mas um terrível mal estar o impediu de que ao menos se sentasse na cama e seus companheiros o obrigaram a encostasse novamente.

- Está muito debilitado. Não deveria se levantar – disse Mú – Athena necessita de vocês neste momento. Não creiam que são os únicos que se preocupam com ela, porque... – se interrompeu – Algo maligno está acontecendo e devemos estar todos preparados para o que estar por vir. Shun – disse voltando-se a ele – não te aflijas. Hades sabe muito bem que sua vida depende da de Perséfone, ainda que ela não o ame. Não a maltratará nem a obrigará para que ela o ame... ó que ela fique com ele – uma lágrima escorreu pelo rosto de Mú, mesmo percebendo que todos o olhavam intrigados e com uma única indagação em suas mentes "Por que Mú chora?" - Sinto muito – disse passando a mão pelo seu rosto afim de secar as lágrimas – tenho que ir agora. Que os deuses os protejam...

****

Passaram vários meses. Shun se sentia mais deprimido do que nunca. Não só havia perdido a mulher que amava pela segunda vez... agora estava sozinho na Fundação.

Shiryu finalmente voltou aos Cinco Picos de Rosan para tentar enxergar novamente através dos conhecimentos de seu mestre e de Shunrei. Seiya estava vagando por Atenas, pois não queria mais ficar distante de Saori... principalmente depois de tudo o que aconteceu com Perséfone. Hyoga havia se retirado à Sibéria, afim de visitar sua mãe que repousava no fundo do lago congelado, mais precisamente no interior do navio que afundou com ela a bordo... Ikki... não sabia onde estava... sempre aparecia e desaparecia ao seu bel prazer...

Shun estava em sua cama... se levantou e abriu a cortina... a nevasca já tinha acabado... o mundo finalmente havia se acostumado com a ausência de Perséfone...

A noite estava tão bela como... como os cabelos de Érika...

Shun se encostou no parapeito da janela... algo saiu de sua camisa e estava pendurado em seu pescoço... o amuleto de sua mãe... Shun o olhou. Desprendeu a corrente e o tomou entre as suas mãos... e recordou outro momento de sua infância...

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Érika, com seus cabelos negros mais curtos que os dele, despenteada e com o seu rosto sujo de terra e suor, olhava a noite junto com ele e lhe sorria.

- Gosto das estrelas...

- Olha, eu tenho uma – disse Shun – foi um presente da minha mãe...

- É muito bonito, Shun, mas...

- O que foi?

- Nada, mas acho que já tinha visto esse amuleto...

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Érika... não podia tira-la de sua cabeça... onde estaria agora? Será que Mú estava certo em dizer que ela estaria a salvo?

Alguém o chamou na porta... quem poderia ser a estas horas? Aborrecido, desceu as escadas e colocou a mão na maçaneta da porta... recordou que a havia visto aparecer por essa mesma porta há vários meses... permaneceu pensativo até que uma série de golpes dadas na porta o apressou para abri- la... um jovem apareceu... Shun o reconheceu de imediato... era David, o irmão de Érika.

– Shun – disse – nunca tive a oportunidade de agradecer à você pelo que fez à minha irmã... não só agora, como também quando eram crianças... ela falava muito de você e... bem, ela queria que recebestes isto... – disse, tirando do seu bolso um pequeno anel. Era tão pequeno que apenas cabia no dedo mindinho de Shun. Quando o aproximou para vê-lo melhor, percebeu que o anel tinha a forma de uma estrela rodeada por um círculo... era igual ao... David deu meia volta e saiu...

- Espera!! – disse Shun. David voltou – Onde conseguiu este...?

– Foi um presente de minha mãe para ela – e saiu caminhando.

Shun entrou e se dirigiu ao seu quarto, mais triste do que nunca. Contemplou o pequeno anel que tinha em sua mão... tirou o amuleto de sua mãe, que no momento estava guardado no seu bolso e o olhou... os comparou... eram totalmente iguais... exceto... "seu para sempre"... "sua para sempre"... espremeu o anel e o amuleto contra seu peito e por fim, guardou o anel no bolso de sua camisa.

Shun elevou a mão direita até a cabeça, como se esta doesse muito... o amuleto em forma de estrela ainda estava pendurado em sua mão... suas lágrimas escorreram pelo seu rosto... já estava farto de chorar... porém... por que tudo aquilo estava acontecendo com ele? Havia perdido seus pais desde pequeno... o separaram de sua amiga quando ele ainda era menino... o separaram de seu irmão... seu irmão voltou transformado e odioso... e quando finalmente havia reencontrado o amor de sua vida... maldito destino!

Recostou-se na cama. Pôs suas mãos atrás de sua cabeça, enquanto olhava as estrelas através da janela... a constelação de Andrômeda brilhava com mais intensidade... ... como se quisesse consolar seu cavaleiro... Shun quase sentia Érika aproximar seus lábios dos dele... cruzou os braços... não, não deveria pensar no pior... talvez uma memória feliz pudesse ajudar... algum sonho... porém, também recordou que não havia sonhado desde aquele dia em que as 9 sirenes haviam levado a sua deusa de seu lado...

O sol havia se posto há poucos instantes... e Shun estava a vários dias sem dormir...

Sem poder imaginar outra coisa, Shun uniu as suas mãos e rezou:

– Perséfone, não sei se é bom ou mal amar a uma deusa da forma como eu amo você. Desde que você se foi, minha vida está inserida no vazio... pois não sei se é bom ou mal... Só tenho uma petição: se está bem, envia-me um sinal.

Shun cerrou os olhos e um doce sono o envolveu...

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...Shun treinava com todos os meninos da Fundação. Seiya e os demais estavam ficando cada vez mais fortes, mas ele... Tatsumi o odiava, talvez pelo incidente em que ele defendeu a menina... ainda que se lembrasse daquele dia, ele o chamava de covarde... exceto na frente de Ikki... Tatsumi os chamam para que participassem do sorteio que indicaria o local onde eles terminariam o treinamento... "Ilha da Rainha da Morte"... Ikki se ofereceu para ir em seu lugar, apesar de que Shun tivesse lhe suplicado para que não o fizesse... O senhor Kido apareceu com Saori e uma menina menor os acompanhavam, e o senhor Kido permitiu que Ikki trocasse de lugar com o seu irmão. Ikki se foi... O senhor Kido também saiu, seguido de Saori e da menina, que olhou para trás e dedicou um sorriso a Shun... tinha cabelos muito compridos, encaracolados e negros, da mesma cor que os seus olhos... Shun viu ela distanciar-se...

...Shun dormia no alojamento dos meninos na Fundação. O quarto estava quase vazio. Todos haviam ido embora, incluindo Hyoga, Shiryu e seu irmão Ikki. Só restavam Seiya e ele. Se sentia triste e só: sua melhor amiga, Érika, retirou-se da Fundação por ser mulher há cerca de dois anos... e seu irmão havia embarcado à Ilha da Rainha da Morte em seu lugar... Seiya iria no dia seguinte à Grécia e ele seria levado à Ilha de Andrômeda... caiu então em um sonho intranqüilo...

...Sem querer e ainda sonhando, abriu os olhos um pouco... uma menina de sua idade estava em sua frente... com um vestido branco, parecido com os vestidos que Saori usa, ainda que não tão fino e nem tão amplo... Shun tinha muito sono e não se atrevia a abrir totalmente os olhos... a menina lhe sorria...

...Ela se pôs de joelhos junto à cama... e uma paz invadiu seu coração... a menina começou a passar os dedos pelos cabelos de Shun, que não perguntou, mais caiu em um sono profundo... só sentiu um pequeno beijo em seus lábios...

...Érika, vestida de branco, lhe dizia docemente: "Não chores mais. Não estou tão longe como pensa. Só porque não pode me ver? Sempre estive mais perto de você do que imagina, mas não me reconhece. Prometo-te que voltaremos a nos ver novamente, se protegeres Athena..."

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Shun despertou e sorriu.

– Obrigado, Perséfone... não chorarei mais por você... – e pôs sua mão sobre seu coração.

Shun voltou para a cama... o sonho mudou...

...Shun era um bebê. Sorria. Seu irmão Ikki o contemplava. Shun estirava seus bracinhos para alcançar Ikki... Um segundo depois, Ikki não estava mais, mas Shun não estava só... uma menina de cabelos negros e lisos o contemplava com ternura...

Levantou-se e se dirigiu até a janela. Contemplou as estrelas com calma. O amanhecer ainda estava longe...

Porém, algo chamou sua atenção no céu...

– Algo está acontecendo no Santuário! – pensou – Devo partir imediatamente!

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Enquanto isso, no Santuário...

Mú se encontrava no Santuário, vigiando a casa de Áries. Também ele contemplava o céu... e recordava sobre Érika...

- "Mú, por que aquelas meninas tem que usar máscaras?

- Por que elas serão amazonas. É assim que tem que ser... todas as mulheres do Santuário, em treinamento ou não, devem usar máscaras...

- E por que eu não uso?

- Já te disse o porquê. Você é um caso especial...

– Porque sou a... – mas Mú a interrompeu negando com a cabeça.

– Não diga isso em voz alta. Recorda que ninguém deve saber, nem sequer o Grande Mestre. Ele está agindo de forma muito estranha, desde a morte do cavaleiro Aioros de Sagitário... de qualquer maneira, você não está aqui para se converter em uma amazona, mas para que aprenda a usar a telecinese para sua defesa... assim, basta de perguntas e continue o treino..."

Mú suspirou tristemente.

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- "Estou enviando todos os garotos afim de conseguirem as sagradas armaduras. Só me restam duas meninas. Ficarei com a maior, pois eu a adotei como neta. Você já sabe que é ela, verdade?

– Sim senhor Kido, não é necessário repetir.

- Em relação à pequena – continuou o senhor Kido – deverá aprender a se defender, pois é o destino dela que não tenha cavaleiros que a protejam... – abriu a porta e duas meninas entraram. A maior tinha a pele branca e cabelos lilás. A pequena era morena, de cabelos e olhos negros – Érika – disse o senhor Kido – a partir de hoje, irá viver com Mú, no Santuário. Ele será o seu mestre e protetor.

– Senhor – disse Mú – eu juro que ensinarei tudo o que possa ajuda-la e que a protegerei com a minha vida..."

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Fazia vários anos que Érika havia chegado no Santuário, mais precisamente na casa de Áries, em segredo, para que aprendesse a se defender, pois era a reencarnação de uma deusa que estava destinada a não ter cavaleiros que a protegessem e que se uniria com o malvado deus Hades. Quando Mú foi a Jamiel, a levou consigo para protege-la melhor e Kiki se converteu em seu novo discípulo. Uma noite em que Mú não estava, uma mulher chegou e levou Érika, sem que Kiki pudesse fazer algo para evitar. Mú confiava que o que havia ensinado serviria para a defesa de Érika, mas evidentemente sua pequena deusa havia utilizado seu maior poder para proteger outra deusa e aos seus cavaleiros, a deixando vulnerável contra o ataque das sirenes de Hades...

Mú olhava o céu com melancolia, um céu tão claro que podia distinguir cada uma das estrelas, quando recebeu uma visita inesperada...

CONTINUARÁ...