– Ah, minha filha, você devia tomar mais cuidado...
– Mamãe, não se preocupe, eu estou bem, juro!
Enquanto a mãe de Kagome terminava o curativo, Inu-Yasha estava encostado na janela observando-a. Sua mente e seu coração ainda estavam invadidos por todos aqueles sentimentos. A sensação de perdê-la era desesperadora. "Se eu não bancasse o herói talvez ela não se ferisse. Estaria muito mais segura se eu não estivesse por perto. Não posso permitir que mais alguém morra por minha causa". Ele não podia evitar pensar dessa forma, afinal, todos os que ele amava acabavam morrendo. E ele não queria que Kagome morresse.
– Isso eu não vou permitir... – Esmurrou o parapeito da janela. Então se deu conta de que todos na sala estavam olhando para ele.
– Algum problema, Inu-Yasha? – Perguntou Kagome, um tanto confusa com ele.
– Não, Kagome. – Tentando mudar de assunto. – Mas, para falar a verdade, eu estou com sede.
– Tem refresco na geladeira, minha filha. Porque você não pega para os seus amigos. Eu tenho que ir a farmácia comprar mais gaze para refazer este curativo pela manhã. Eu aproveito e passo na padaria. – Sugeriu a mãe.
– Boa idéia, mamãe. – Levantou-se e foi em direção a cozinha, seguida por Inu-Yasha.
– Eu ajudo você...
– Eu também vou... – Intrometeu-se o monge.
Inu-Yasha aborreceu-se com a atitude meio que interessada de Miroku e tentou desmotivá-lo.
– Não precisa, Miroku. Ela só precisa de mim.
– É, assim como de uma dor-de-cabeça. – A pontada de ironia na frase de Miroku incitou a ira do hanyou.
– Se você quiser, eu posso providenciar uma para você, Miroku... – Ergueu os punhos, mas foi impedido por Kagome, que foi puxando-o em direção da cozinha.
– Agora chega, vocês dois podiam dar um tempo! Vem comigo, Inu-Yasha!
Miroku balançou a cabeça. "Eu acho que eu não tenho a menor chance". Então percebeu que Sango estava muito quieta, com o olhar distante. "Que sensação estranha, nunca havia percebido como ela é bonita. Talvez sejam essas roupas estranhas que ela está usando. Parece muito mais feminina do que exterminadora". Ele resolveu então interromper o transe dela.
– Sango, no que está pensando?
– Hã, o quê? Não é nada, Miroku. É que é estranho...
– O quê?
– Todos nós reunidos assim. É como se eu tivesse uma família de novo. Não queria que isso acabasse...
– Mas não precisa acabar.
– E o que vai acontecer quando terminarmos de reunir os fragmentos da Jóia?
E, em um gesto extremamente gentil, Miroku tomou as mãos de Sango entre as suas.
– Não posso te dizer o que vai acontecer porque eu não posso prever o futuro. Eu só posso dizer o que eu sei. E o que eu sei é que nunca mais você vai estar sozinha. Não enquanto eu viver, Sango.
Depois daquelas palavras os dois ficaram ali parados, olhando um nos olhos do outro. Miroku não sabia exatamente porque havia dito aquelas palavras, mas vinham de dentro do seu coração. Sango percebeu a sinceridade daquelas palavras tão doces. E assim os dois permaneceram, encantados um pelo outro. Até escutarem a reclamação de Shippou.
– Nossa, eu acho que eu vou vomitar... – Resmungou o filhote de raposa, com uma das mãos na boca.
Os dois ruborizaram e soltaram as mãos. Foi quando escutaram o som de algo quebrando na cozinha. Foram ver o que era e se depararam com Kagome brigando com Inu-Yasha por haver derrubado alguns copos no chão.
– Eu falei para não carregar tudo de uma vez, mas não! Você tinha que bancar o espertinho, não é, Inu-Yasha!
– Ora! E que culpa tenho eu se esse seu gato idiota estava no meu caminho!
– Você é que é idiota!
– Eu? Olha só o que eu faço com esse gato... – Pegou Buyo pelo rabo, que se sacudia e miava desesperadamente.
– Senta! – Pegou Buyo e o colocou na janela. – Vai brincar lá fora, Buyo. – Virou-se para Inu-Yasha, caído no chão. – E você, vê se levanta e me ajuda a limpar a bagunça que você fez.
– Que eu fiz? Você é muito abusada, sabia?
– E você é um grosso!
– Hei, calma, não é para tanto... – Miroku se meteu no meio da briga, dando uma de mediador. – Senhorita Kagome, a senhorita se machucou? – E segurou as mãos de Kagome.
– Não, Miroku, eu estou bem...
– Hei, deixa ela em paz, seu sem-vergonha!
Inu-Yasha tratou de levantar-se do chão rapidamente e, enquanto eles discutiam, Sango se retirou. Não gostou de ver Miroku com toda aquela gentileza para cima de Kagome. Esta, por sua vez, queria tentar afastar o monge, mas sem ser rude, e teve uma idéia.
– Miroku, me faz um favor? A minha mãe não gosta de guardar material de limpeza dentro de casa. Você pode pegar uma vassoura pra mim lá nos fundos?
– Mas é claro, eu já volto.
Quando Miroku saiu, ficaram novamente somente Kagome e Inu-Yasha na cozinha. Kagome deu um suspiro, se ajoelhou no chão e começou a recolher os cacos.
– Inu-Yasha, você pode pegar aquela lixeira pra mim?
– Deixa... Eu faço isso... Você pode se cortar... – Colocou a lixeira ao lado de Kagome e começou também a recolher os cacos.
– Está tudo bem, Inu... Ai!
– O que foi, Kagome?
– Me cortei com a droga do vidro!
– Eu não te disse! Deixa eu ver...
Inu-Yasha segurou a mão de Kagome para ver o ferimento. Seus olhares se encontraram novamente, como no parque. Seus corpos se aproximavam mais e mais. Eles podiam sentir seus corações batendo cada vez mais forte. Finalmente, seus lábios se encontraram. Kagome sentiu que toda aquela insegurança em relação a Inu-Yasha havia ido embora. Ela sabia agora o que ele sentia por ela. Inu-Yasha percebeu o que faltava em sua vida. Kagome tinha mais vida e amor do que ele jamais poderia sonhar em ter.
Nesse instante, Miroku entrou na cozinha e, ao se deparar com aquela cena, percebeu enfim que Kagome havia feito sua escolha. Ele retornou para trás da porta e gritou:
– Senhorita Kagome, já encontrei o que me pediu!
Kagome e Inu-Yasha se desvencilharam um do outro para se recompor. Ao entrar novamente na cozinha, Miroku percebeu que os dois estavam completamente sem graça com a sua presença. Inu-Yasha pegou a vassoura que estava na mão de Miroku.
– Pode deixar que eu cuido disso agora, Miroku.
– Você ganhou, Inu-Yasha, só espero que você não quebre mais nada.
– Ora, mas do que você está falando?
– Nada, Inu-Yasha, nada mesmo. Vou ver se a senhora Higurashi precisa de ajuda com os preparativos para amanhã. Senhorita Kagome, deveria descansar um pouco. Seu dia foi cheio de emoções e uma boa noite de sono lhe faria muito bem. Com licença. – Se retirou.
– Miroku estava tão estranho... Você não acha, Inu-Yasha? Inu-Yasha? – Percebeu que ele estava ali parado, com o olhar perdido. – Inu-Yasha, você está bem?
– Sim, estou. Quero lhe pedir uma coisa... – Não conseguia encará-la. – Esqueça o que aconteceu aqui hoje, Kagome. Foi um grande erro. – E saiu, deixando Kagome sem palavras.
"Mas o que está acontecendo? Será que eu me enganei? Será que o beijo o fez lembrar-se da... Kikyou! Não pode ser! Não pode ser..." Estes pensamentos a torturavam tanto que nem conseguia mover-se, somente lágrimas desciam pelo seu rosto.
Miroku percebeu que Inu-Yasha saiu silenciosamente da cozinha e foi para o lado de fora da casa. Ele o chamou, mas Inu-Yasha estava tão concentrado em seus pensamentos que não o ouviu. Miroku resolveu segui-lo. Lá fora, Inu-Yasha parou bem debaixo da árvore sagrada, a árvore onde havia ficado lacrado por cinqüenta anos. O local onde pela primeira vez viu Kagome.
– Inu-Yasha, o que aconteceu? – Perguntou Miroku, ao aproximar-se.
– Foi bem aqui que eu a vi pela primeira vez. Primeiro achei que fosse a Kikyou, mas depois percebi que não. Miroku, se eu te perguntar uma coisa você promete ser sincero?
– Da melhor forma possível.
– O que você acha que vai acontecer quando a Jóia de Quatro Almas estiver completa?
– Parece que hoje todo mundo está me perguntando isso. Eu não sou vidente, Inu-Yasha. Tudo pode acontecer.
– Não, eu digo, em relação a todos nós. Continuaremos andando juntos ou será que cada um vai seguir o seu caminho?
– Que caminhos separados nós temos para seguir, Inu-Yasha? Todos nós somos órfãos. Perdemos nossa família, nossos amigos. Nós só temos uns aos outros, com ou sem Jóia de Quatro Almas.
– A Kagome tem a família e a vida dela aqui, Miroku...
– Ah, então esse é o problema... Você devia ouvir a opinião dela...
– Não posso pedir isso a ela. Não posso colocá-la em risco dessa maneira. Se ela ficar conosco, além dos perigos que vai correr, estaria separada da família e isso a deixaria muito triste. E não há lugar para mim neste mundo.
– Eu achei que vocês estivessem se entendendo, mas pelo visto, você ainda tem muitas dúvidas.
– Não, pelo contrário, tenho todas as certezas de que precisava. Sabe, no final, todas as pessoas ligadas a mim acabam morrendo. A própria Kagome por inúmeras vezes quase perdeu a vida, e eu não suportaria se isso acontecesse...
– Eu tenho outro nome para isso, Inu-Yasha... Chama-se medo. É muito mais cômodo para você tomar essa decisão. Quer saber? Você não tem certeza alguma do que você quer. Fica aí sentindo pena de si mesmo. Você já perguntou para ela o que ela quer? O que ela sente? Isso é muito egoísmo da sua parte.
– Eu... Eu... Eu acho que você tem razão...
Miroku achou estranho Inu-Yasha ter concordado com ele assim tão rapidamente. "Será que ele está escutando a voz da razão agora?".
– E tenho mesmo, Inu-Yasha! E se você desistir quem vai acabar ficando com ela sou eu e... – Percebeu que Inu-Yasha estava sorrindo para ele. Era estranho, eles nunca se deram bem e de repente estavam ali conversando como se fossem amigos. Talvez realmente fossem.
– A dona do seu coração não é a Kagome, Miroku. Isso eu já percebi faz tempo. Mas obrigado pelos conselhos. Agora vamos entrar.
– Mas do que é que você... Ah esquece... – E retornou com Inu-Yasha para a casa.
Ao entrarem, perceberam que Sango não estava na sala.
– Onde está Sango, Shippou? – Perguntou o monge.
– Ela subiu com Kagome para o quarto e eu vou dizer uma coisa: nenhuma das duas estava com uma cara muito boa. O que foi que vocês dois aprontaram, heim?
– Isso não é da sua conta, Shippou! – Inu-Yasha não prestou mais atenção às reclamações do pequeno Shippou. Só ficou ali, olhando para o alto das escadas onde ficava o quarto de Kagome. "Espero que ela esteja bem. Mas tarde vou falar com ela quando estiver mais calma".
