DE VOLTA À CAPELA

CAPÍTULO 2 - UM ENCONTRO INUSITADO

Frank Simmons era o Comandante da Polícia Distrital há mais de dez anos. Hanson não o conhecia pessoalmente, mas sabia quem ele era: um homem respeitável e zeloso, de reputaçvão ilibada. Por causa dele, naquela última década, nunca o trabalho policial local foi tão bem feito. Sabendo disso, é que Thomas Hanson lhe havia enviado um memorando, datado de dois meses atrás. Nesse memorando, relembrava-o do desempenho na capela da Jump Street, cujo projeto havia se encerrado há pouco mais de doze anos. Mencionava os nomes de Richard Jenko e de Adam Fuller, que conduziram os trabalhos daquela unidade, durante os cinco anos que funcionou. Adicionou ao memorando, sua pretensão de retomar o projeto, fazendo constar todo o seu currículo, sua experiência policial junto ao "Anjos da Lei" e junto ao Departamento de Polícia de Nova York. Por quase dois meses, Hanson não obteve resposta alguma, e quando já não esperava mais ser lembrado, Simmons lhe telefonara num sábado pela manhã.

"Thomas Hanson?", perguntou ele, ao telefone. "Desculpe ligar na sua casa, mas é que tenho um memorando seu aqui comigo, que só pude analisar atentamente nessa semana, e quando vi que era do mês passado, além de dar uma bronca na minha secretária, senti-me na obrigação de ligar-lhe o quanto antes".

Hanson o ouviu com atenção, na esperança de que pudesse ser atendido. Mas Simmons o surpreendeu com a notícia de que o estado não estava mais disponibilizando verba para novos projetos. Embora tivesse se mostrado desesperançoso, o diligente Chefe de Polícia ressaltou que uniria forças com o senador Fine, que pretendia reeleição naquele ano, e que poderia se mostrar interessado. Hanson achou que nunca mais obteria resposta, até que, naquela mesma semana, na quarta-feira, Simmons lhe telefonou, e disse que lhe havia sido dada carta branca para retomar o projeto. Ficou imaginando, então, se Jackie estava por trás disso, mas concordou em encontrar Frank Simmons na semana seguinte. Voltar para casa, tinha um novo significado para Hanson.

Quando entrou no prédio do Departamento Geral da Polícia Distrital, Hanson lembrou da primeira vez que foi chamado para integrar o projeto da capela Jump Street, e sua indignação por ser considerado jovem demais para trabalhar nas rondas policiais, que o fazia sentir tanto como o seu pai. Hanson atravessou aqueles corredores que conhecia tão bem, e viu rostos novos, nenhum conhecido. Tudo estava parecido, mas, ao mesmo tempo, tão diferente. Havia muito mais computadores do que pessoas. Mas isso não o impressionava mais. Surpreendia-o, sim, como o lugar que ele achava que conhecia tão bem podia ter mudado tanto.

Depois de anunciado pela assistente de Simmons, Hanson entrou no seu gabinete. A sala do Comandante Geral da Polícia Distrital era a mesma que conhecia há anos, porém, com nova mobília, e um computador à sua mesa. Simmons era exatamente como ele imaginava que fosse. Era grande, com o rosto largo, e um sorriso peculiar. Naquele instante, Jackie lhe veio à mente. Como podia ainda se lembrar dela? Hanson apertou a mão de Simmons, que só se sentou depois de dar uma boa olhada nele, e demonstrar que Hanson não era exatamente o que ele esperava.

"Espero que me desculpe a demora na resposta do seu pedido, capitão Hanson", disse Simmons com o memorando à sua frente. "Mas, no final das contas, parece que foi até bastante oportuno".

"Imagino que sim", disse Thomas, percebendo que Simmons não parava de olhar para seus jeans desbotados e seu cuturno sujo.

Simmons sorriu por um instante, e disse:

"Sabe, você me lembra muito o capitão Richard Jenko".

Ao ouvir isso, Hanson se ajeitou na cadeira, surpreso.

"É, eu o conheci", explicou ele, então, olhando para o memorando. "E foi isso que mais me chamou a atenção no seu pedido. Você quer reativar um projeto que foi idealizado por alguém que já foi meu colega nas ruas".

"Eu não sabia disso", comentou Hanson, que realmente não sabia do passado de Jenko com o Comandante Frank Simmons.

"Um grande homem. Um policial excepcional. Uma morte estúpida", disse Simmons, pausada e tristemente, lembrando do desfecho a que chegou seu amigo de anos atrás.

"Realmente", concordou Hanson, com pesar.

"Mas fico feliz por você estar aqui, Thomas Hanson", desconversou, então, Simmons, abrindo um pequeno sorriso. "E por saber que o projeto de Jenko deu certo por tanto tempo. Nunca tive conhecimento do projeto da Jump Street, que foi desativado antes que eu me tornasse chefe geral da polícia, e fico feliz com os resultados obtidos ao longo do tempo em que a capela funcionou. Você foi bem detalhista no seu memorando, quanto a isso".

"Eu procuro ser muito preciso nos meus relatórios, senhor", justificou Hanson, que há tempos estava desacostumado a elogios de um superior.

"Eu sei", disse Simmons. "Também sei que você conheceu minha esposa, Jackie, quando trabalhou lá".

E por essa Hanson não esperava. Cruzou as pernas, apreensivo, e encarou Simmons, esperando que ele dissesse alguma coisa que ele não soubesse, antes de falar algo que o comprometesse ainda mais.

"Sabia que ela é Procuradora Geral de Justiça?", perguntou Simmons, orgulhoso, e sem qualquer pretensão.

"Sim, eu soube, pelos jornais", respondeu Hanson, um pouco constrangido. Imaginava se estava prestes a enfrentar um dilema antigo, o de confrontar o atual marido da ex-namorada, que nem ao menos sabia da sua existência. Aliás, por que Jackie o havia mencionado se já estava bem casada e com filhos?, pensou Hanson, confuso com o embate.

"Ela me contou como era o trabalho de vocês na capela", disse Simmons, dando novo rumo à conversa, o mesmo a que Hanson tanto esperava naqueles instantes de desconforto. "Como eu lhe disse ao telefone, o único empecilho era a falta de verba. Mas como eu conheço bem o senador Fine, no final, acabou não sendo um grande problema".

Hanson ficou então imaginando se havia algum outro problema, até que Simmons se antecipou:

"Com o aval do distrito, o Departamento também resolveu que o novo projeto da capela da Jump Street vai ter que passar por uma fase experimental", disse, encostando-se à cadeira. "Temos alguns oficiais que já foram selecionados e só tenho a lamentar o fato de que todos eles são um pouco inexperientes no trabalho a que se propõe o projeto".

Simmons esperou que Hanson fizesse algum comentário mas, no seu silêncio, continuou:

"Você me pediu para convocar a capitã Judith Marie Hoffs, não é mesmo?", perguntou ele, referindo-se à Jude, com quem, ano antes, Hanson trabalhou na capela, e este apenas se limitou a concordar com a cabeça, ouvindo Simmons, atentamente:

"Posso saber o motivo?", perguntou ele, sem qualquer pretensão.

Hanson sorriu.

"Não é difícil de explicar, senhor", respondeu ele. "Ela fez parte do projeto na capela desde que tudo começou há dezesseis anos atrás, juntamente com o capitão Jenko", explicou, lembrando que os dois haviam tido um caso, mas omitindo o detalhe, "e continuou no projeto com o capitão Fuller até o seu encerramento. Gostaria de contar com ela pelo menos nas primeiras semanas de reativação".

Simmons, que o ouviu com atenção, ergueu as sobrancelhas espessas e teceu um comentário que Hanson já esperava:

"Sabe que o projeto pode não durar nessas poucas semanas".

"Sei, sim, senhor", disse ele, "mas também sei que os resultados nessas poucas semanas podem fazer com que o Departamento repense acerca do funcionamento da unidade".

"Otimismo", disse Simmons balançando o dedo. "Jenko também era otimista", completou ele. "Ouvi dizer que Adam Fuller também era otimista quanto ao 'Anjos da Lei', e que a capitã Hoffs também acreditava muito nele".

Hanson balançou a cabeça, concordando.

"Sabe, Hanson", disse, então, Simmons, folheando o memorando que estava à sua frente, no qual também constava o currículo dele. "Andei dando uma olhada no seu histórico profissional no Departamento de Narcóticos em Nova York, e confesso que fiquei muito impressionado".

"Obrigado, senhor", disse Hanson, um tanto desconfortável.

"Você foi um policial exemplar por muitos anos. Tornou-se detetive com méritos e chegou ao posto de capitão com muita honra", resumiu Simmons, balançando a cabeça. "Tenho certeza de que o projeto vai dar certo. Torço por isso. O Departamento precisa inovar e a capela foi um desafio que deu certo por muito tempo, de forma que tenho certeza de que pode funcionar mais um vez".

Hanson apenas balançou a cabeça, afirmativamente, como se quisesse dizer que era esse o seu propósito, qual seja, fazer com que fosse efetivo.

"Vai mesmo querer continuar naquelas instalações?", perguntou, então, Simmons, referindo-se à capela da Jump Street, onde Hanson tinha estado naquela manhã.

"Claro, senhor", respondeu ele, "não seria o projeto da capela se não fosse na Jump Street, número 21".

Simmons sorriu.

"A capitã Hoffs já foi oficialmente convocada para trabalhar com você nas duas primeiras semanas".

"Ótimo", disse Hanson, que já sabia que ela estava no projeto, pois tinha falado com ela ao telefone na tarde do dia anterior.

"Vamos ter umas duas semanas de trabalho para arrumar todo aquele lugar", disse Simmons, pensativo. "Vou precisar de todos os documentos inerentes à sua transferência do Departamento de Polícia de Nova York, até a manhã da segunda-feira".

"E os oficiais selecionados?", perguntou Hanson, preocupado.

"Já foram avisados. Segunda-feira estarão na capela, às oito horas da manhã", respondeu Simmons. "Eu acho que, por hora, é isso, capitão".

Hanson se levantou e, antes que pudesse dizer alguma coisa, Simmons emitiu um sorriso confiante:

"Agora está nas suas mãos".

Hanson sorriu e saiu depois de um firme e confiante aperto de mão. Afinal, não havia sido tão ruim, pensou enquanto atravessava o longo corredor em direção ao elevador. Vestiu o gorro preto de lã depois de ajeitar as mechas atrás das orelhas e enquanto passava pela porta da saída do prédio, viu uma pessoa encostada no seu carro, a poucos metros, no estacionamento. Parado nos degraus da escada, sorriu. Não podia ser outra pessoa. Desceu apressado as escadas e caminhou na direção do automóvel.

"Jude", disse ele, enquanto trocavam um abraço apertado.

Ao se desvencilharem, ele olhou bem para ela. Havia se tornado uma bela mulher. Ainda tinha o semblante da jovem Jude, a que conheceu na sala de Jenko, na capela da Jump Street, há dezesseis anos atrás, mas também tinha experiência e maturidade expressada do olhar profundo e calculista.

"Você está ótima", era a única coisa que ele conseguia falar. De certa forma, sentia-se como da primeira vez que a viu. Uma linda garota negra de sorriso imaculado, que já não vestia mais jeans rasgados e nem camisetas estampadas. Jude era capitã no Departamento de Homicídios. Trabalhava, paralelamente, com projetos de prevenção de crimes nas escolas, e prestava serviços à comunidade jovem. Era uma vencedora, pensou Hanson.

"Você, também", disse ela, sorrindo, "está ótimo".

Hanson sorriu. A julgar pelas roupas que vestia, Jude não estava sendo nem um pouco sincera. Mas deixou passar o comentário e perguntou como ela sabia que ele estaria ali.

"A assistente de Simmons me disse", respondeu Jude. "Ou você achou que eu ia deixar passar batido a oportunidade de ver a sua cara de alegria ao reativar a capela?"

Hanson apenas sorriu. Realmente, não podia se conter. Havia trabalhado duro naquele memorando, a ponto de convencer o Departamento a reativar o projeto. Era o que ele mais queria naqueles últimos meses.

"Que tal um café?", perguntou ela. "A gente tem muita coisa para conversar, não é mesmo?"

"Com certeza", disse ele, enfiando as mãos nos bolsos, com um largo sorriso no rosto.

Continua...