DE VOLTA À CAPELA
CAPÍTULO 3 - UM POUCO DE CAFÉ E MUITA CONVERSA
Depois de tantos anos, olhar para Hoffs, era um grande começo. Hanson se sentia cada vez mais próximo de seus objetivos, e sabendo que a amiga estaria ao seu lado na reativação da capela Jump Street era a injeção de ânimo que ele tanto precisava, por mais que soubesse que ela só o ajudaria por poucos dias. Sentados numa mesa do Saturno's, pediram café e ficaram algum tempo a se olhar, sem nada a dizer. Cada um ficava pensando no segredo que guardaram por tanto tempo e que jamais revelariam, o de que um dia foram apaixonados um pelo outro. Hanson lembrava bem daqueles dias. Era quando a havia conhecido. Mas ao saber que ela tinha um caso com Jenko, limitou-se a ter apenas a amizade dela. Com o tempo, porém, e a morte de Jenko, o sentimento aumentou, mas nunca se consumou. Hoffs esperou tempo demais para que Hanson lhe procurasse. Mas nunca aconteceu, e nunca mais aconteceria.
"Então você se casou", disse ele, depois de um longo gole de café.
"Pois é", disse ela, sorrindo. "Eu o convidei, mas você fez questão de aprontar comigo e não vir, não é mesmo?"
"Bom, eu estava com problemas...", explicou Hanson, constrangido, lembrando que, na época, ele estava no hospital, após ter sido baleado numa loja, ao tentar evitar um assalto. A estória do seu pai que havia se repetido, mas cujo desfecho havia sido mais afortunado.
"Estou brincando, seu bobo", disse Hoffs, sorrindo, ciente do ocorrido, tendo, inclusive, enviado flores ao amigo e um cartão de melhoras.
"E como ele é?", perguntou ele, referindo-se ao marido de Jude. "É um bom policial?"
Um pouco embaraçada, como se tivesse perdido um pouco da intimidade com Hanson, comentou apenas que ele era um bom homem, ótimo policial e excelente pai.
"Quando vou conhecer Jimmy?", perguntou Hanson, então, sobre o filho dela.
"Puxa, você me deu uma idéia", disse ela, arregalando os olhos, "podíamos fazer um encontro nesse final de semana, na minha casa. Você fica conhecendo o Michael e o Jimmy. O Ioki está de férias, mas está na cidade, e posso tentar chamar o Doug e o Joey. Ah, você também vai adorar conhecer o Mac, que entrou na capela um tempo depois...", mas Hoffs perdeu o entusiasmo ao ver Hanson balançando a cabeça, negativamente, com um pequeno sorriso amargo no canto dos lábios.
"Não vai dar, Jude", disse ele, então. "Tenho umas coisas para resolver".
Ela apenas sorriu e tocou sua mão. Era o Tommy de sempre, pensou. O recluso Thomas Hanson, que vivia no seu mundinho fechado.
"A gente perdeu um pouco do contato, não é mesmo?", indagou ela, com um pequeno sorriso no canto dos lábios, e a tristeza de quem um dia fez parte de um grupo tão unido e que acreditava que seriam amigos pelo resto de suas vidas e teriam relação de amizade por todos os anos. Mas não. E Thomas Hanson, que agora estava à sua frente, era prova disso. "Fui algumas vezes à Nova York, mas nunca pudemos nos ver".
"Ah, claro que nos vimos", comentou ele, lembrando uma vez, antes dela casar, quando foi visitá-lo da Delegacia em que trabalhou.
"Mas uma vez em catorze anos, Tom?", perguntou ela, que agora lembrava o quanto o tempo era imbatível.
"Nunca deixamos de nos falar", insistiu ele, resistindo, ainda, no sentido de que não era tão ruim assim.
"É diferente você falar com uma pessoa por telefone ou por e-mail do que vê- la pessoalmente", retrucou Jude, sorrindo, quase não acreditando na teimosia de Hanson. "E, além do mais, que eu me lembre, você nem ao menos respondia meus e-mails!"
Hanson sorriu, constrangido. Tinha se esquecido desse detalhe. Era verdade. Ele nunca havia sido um grande fã da informática, e por muitos anos ainda preferia escrever cartas à mão do que enviar ou receber e-mails de quem quer que fosse. Como Jude se limitava ao modo mais fácil, ele deixou de escrever-lhe muitas vezes, chegando apenas a escrever-lhe uns três e-mails naqueles anos todos, claro, com a ajuda de sua assistente.
"Desculpe...", disse ele, embaraçado.
"Tudo bem", sorriu Jude, interrompendo-o ao perceber o desconforto do amigo. Não era pretensão sua deixá-lo daquele jeito e, embora achasse graça da situação, ainda queria saber como ele estava. "Então me conte como foi o seu casamento", disse ela, então, finalmente.
Hanson arregalou os olhos, tentando lembrar quando havia contado a ela que havia se casado e lembrou que apenas uma pessoa sabia: Sal, e que ele é que devia ter contado a todo mundo. Thomas ergueu a cabeça, sorrindo. Era inacreditável. Pedir a Sal Banducci que não contasse alguma coisa era o mesmo que pedir para espalhar ao mundo todo. Hanson não se orgulhava do seu casamento. Não que o envergonhasse. Mas havia sido um momento delicado na sua vida. Seu casamento era fruto de mero luxo entre duas pessoas egoístas e insensíveis. Era essa a única forma que ele tinha de pensar a respeito de Jennifer Geller. O inferno absoluto.
"Horrível", era a única palavra que ele conseguiu encontrar para defini-lo. E mesmo sob o olhar confuso de Jude, que não conseguia acreditar que um relacionamento pudesse ser simplesmente tachado de 'horrível', Hanson conclui: "Não há muito o que se dizer".
"Por isso não contou nada?", perguntou ela, dedutiva. "Tudo bem. Essas coisas acontecem", disse, então, tocando-lhe a mão, como se prometesse que não perguntaria mais nada a respeito.
"Como está o Doug?", perguntou Hanson, quebrando o silêncio constrangedor que havia se instalado depois do assunto que ele desejava mais do que tudo não mencionar. "Temos nos falado um pouco, mas ele não dá as caras desde o ano passado".
"Ele está ótimo. A casa de boliche dele é a melhor da cidade e, desde que o sócio o deixou na mão e ele mudou o nome do estabelecimento para Penhall's, é como se o negócio finalmente tivesse deslanchado", disse Jude, orgulhosa do empenho do amigo.
"É, disso eu soube", comentou Thomas, sorrindo, olhando para as próprias mãos sobre a mesa, enquanto brincava com o envelope de adoçante. "E como ele realmente se sente em relação a Clavo? Ele só falou disso comigo uma vez, e parece que não reagiu muito bem".
Jude ficou em silêncio por um instante, enquanto a garçonete os servia de mais café. Há menos de um ano e meio, Clavo, filho adotivo de Doug, havia decidido entrar para a polícia, seguir a carreira que o pai havia abandonado por ele. Mas não era isso que entristecia Doug, e sim o fato de como, por tantos anos, após terem efetivado a adoção, tonrou-se difícil para Clavo aceitar os perigos a que Penhall se submetia na força policial, e como o pequeno garoto el-salvadorenho sofria e temia a hipótese de um dia ficar sozinho no mundo, como quando Doug levou um tiro numa tarefa policial e quase morreu, e que o fez largar o uniforme da polícia e abrir um negócio, para se dedicar única e exclusivamente ao garoto.
"Deve ter sido a coisa mais difícil que aconteceu na vida dele depois de ter perdido a Marta", respondeu Jude. E ela não precisava dizer mais nada. Thomas havia entendido o recado. Aliás, já imaginava que o golpe havia sido mesmo duro para Doug, que tinha que lidar com a situação, agora, depois de tantos anos, do lado oposto. Pensativo, Hanson perguntou sobre Harry, e Jude abriu um grande sorriso.
"Ele está fazendo um ótimo trabalho na Homicídios", disse ela, referindo-se ao fato de que Ioki estava no mesmo Departamento que o dela há mais de cinco anos, como detetive. "Tem sido ótimo trabalhar com ele. Sempre foi, agora mais do que nunca. Ele está tão mudado, Hanson. Tão mais feliz. Eu lembro que pouco antes dele pedir licença da força policial, parecia tão distante, tão desanimado..."
"Como eu?", perguntou Hanson, vestindo a carapuça, se é que Jude se referia a ambos.
Mas ela apenas inclinou a cabeça, e percebendo que a lembrança realmente servia para os dois, disse: "Como você", e antes que ele dissesse alguma coisa, Hoffs perguntou: "O quê aconteceu com você, Tom? Do jeito que estava, eu realmente achei que você largaria tudo isso, a carreira de policial, algo pelo qual você sempre pareceu ter nascido para fazer. Fico feliz que não tenha acontecido, mas podia, não é mesmo?"
Hanson ficou pensativo, sem olhá-la nos olhos. Os olhos de Jude eram como um espelho. Ela podia saber de tudo apenas se ele olhasse na direção deles. Thomas não queria muito falar sobre aquilo. Foram tempos difíceis e não o surpreendia o fato de ouvir também dela que fazia parte da vida dele ser um policial. No entanto, apenas disse:
"Eu quase pulei fora".
Percebendo que Hanson também não estava muito disposto a falar naquilo, Jude perguntou como andava Booker, se é que ele o via, e Thomas apenas sorriu:
"Continua o mesmo", respondeu, lembrando de Dennis. "Depois que saiu do Teshima Group, abriu seu próprio escritório de investigação particular com a namorada, Suzanne, e tem se dado muito bem no ramo".
"Que bom", disse Jude. "Sempre achei que ele podia se dar melhor trabalhando por conta própria".
"A julgar pelos métodos dele", disse Hanson, que lembrava do dia quando Dennis foi expulso da força policial.
Jude e Thomas ficaram se olhando por um tempo, estudando um ao outro. Muitos anos se passaram. E eles ainda pareciam os mesmos. Naquele instante, era óbvio. Haviam falado de todos os ex-companheiros da capela Jump Street, exceto de uma pessoa.
"Sente falta do Fuller?", perguntou-lhe Hanson, subitamente.
"Claro", respondeu ela, como se já adivinhasse.
A morte do filho de Fuller havia sido tão chocante para eles como a de Jenko. Há sete anos, enquanto jantava num restaurante com a esposa e o filho Kip, que acabava de se formar na faculdade de Direito, Adam Fuller tentou dissipar uma briga entre dois fregueses do estabelecimento. Um deles puxou uma arma e antes que o ex-capitão da força policial pudesse dizer qualquer coisa, Kip pulou na sua frente e recebeu um disparo no peito, que o matou quase instantaneamente.
"Eu não penso muito nisso", disse Hanson, cruzando os braços sobre a mesa. "Por eu não estar por perto, é como se o Fuller apenas tivesse se aposenado e estivesse curtindo a vida em algum lugar".
Jude sorriu e seus olhos lacrimejaram, mas ela os enxugou antes que não pudessem contê-los. Depois da morte do filho, Fuller pediu exoneração do cargo e abriu uma loja com a mulher, que ficou doente, e morreu de câncer, dois anos depois. A vida dele nunca mais foi a mesma e ele se tornou um recluso. Falar do passado era extremamente doloroso para ele. Hanson nunca mais o viu desde a última vez que colocou os pés da capela da Jump Street, e lhe entregou o documento que oficializava sua transferência para Nova York. Fuller apenas sorriu e assinou o documento, dando baixa na situação de Hanson no projeto capela Jump Street. Hanson lembra que ele fez uma anotação naquele documento, a seu respeito: "O melhor policial com quem um capitão da polícia podia trabalhar".
"Já foi à capela?", perguntou, então, Hoffs, procurando não pensar mais no ex-capitão, a quem ela tanto estimava.
E Hanson apenas balançou a cabeça, sorrindo.
"O lugar está horrível, mas Garrett disse que já mandou um pessoal fazer uma arrumação nessa semana e vou ter que estar por lá nesses dias para acompanhar a instalação de equipamentos e tudo mais", disse ele, com o olhar perdido.
"E segunda-feira começamos?", perguntou ela, tomando um demorado gole de café.
Hanson apenas sorriu, concordando. Eram novos dias que estavam por vir, pensou. Era algo pelo qual ele vinha esperando por muito tempo. Jamais entendeu o que o entristecia tanto naqueles últimos anos em que trabalhou na capela Jump Street. No entanto, nunca teve tanta certeza, como naquele último ano como capitão, do que realmente queria. Reativar o projeto da capela era algo impensável por muitos anos. De certo modo, Hanson, que acreditava que estava desiludido com o trabalho policial, amadureceu naqueles anos todos que se passaram, e voltar era como fechar um círculo. Agora, era como se ele realmente acreditasse no sistema, e como se ajudar no projeto que o impulsionou a abrir novos horizontes, fosse a linha de partida para a mudança da mentalidade de tantos outros novos policiais que pudessem enfrentar os mesmos dilemas que ele um dia viveu. Hanson estava pronto para o desafio.
Continua...
CAPÍTULO 3 - UM POUCO DE CAFÉ E MUITA CONVERSA
Depois de tantos anos, olhar para Hoffs, era um grande começo. Hanson se sentia cada vez mais próximo de seus objetivos, e sabendo que a amiga estaria ao seu lado na reativação da capela Jump Street era a injeção de ânimo que ele tanto precisava, por mais que soubesse que ela só o ajudaria por poucos dias. Sentados numa mesa do Saturno's, pediram café e ficaram algum tempo a se olhar, sem nada a dizer. Cada um ficava pensando no segredo que guardaram por tanto tempo e que jamais revelariam, o de que um dia foram apaixonados um pelo outro. Hanson lembrava bem daqueles dias. Era quando a havia conhecido. Mas ao saber que ela tinha um caso com Jenko, limitou-se a ter apenas a amizade dela. Com o tempo, porém, e a morte de Jenko, o sentimento aumentou, mas nunca se consumou. Hoffs esperou tempo demais para que Hanson lhe procurasse. Mas nunca aconteceu, e nunca mais aconteceria.
"Então você se casou", disse ele, depois de um longo gole de café.
"Pois é", disse ela, sorrindo. "Eu o convidei, mas você fez questão de aprontar comigo e não vir, não é mesmo?"
"Bom, eu estava com problemas...", explicou Hanson, constrangido, lembrando que, na época, ele estava no hospital, após ter sido baleado numa loja, ao tentar evitar um assalto. A estória do seu pai que havia se repetido, mas cujo desfecho havia sido mais afortunado.
"Estou brincando, seu bobo", disse Hoffs, sorrindo, ciente do ocorrido, tendo, inclusive, enviado flores ao amigo e um cartão de melhoras.
"E como ele é?", perguntou ele, referindo-se ao marido de Jude. "É um bom policial?"
Um pouco embaraçada, como se tivesse perdido um pouco da intimidade com Hanson, comentou apenas que ele era um bom homem, ótimo policial e excelente pai.
"Quando vou conhecer Jimmy?", perguntou Hanson, então, sobre o filho dela.
"Puxa, você me deu uma idéia", disse ela, arregalando os olhos, "podíamos fazer um encontro nesse final de semana, na minha casa. Você fica conhecendo o Michael e o Jimmy. O Ioki está de férias, mas está na cidade, e posso tentar chamar o Doug e o Joey. Ah, você também vai adorar conhecer o Mac, que entrou na capela um tempo depois...", mas Hoffs perdeu o entusiasmo ao ver Hanson balançando a cabeça, negativamente, com um pequeno sorriso amargo no canto dos lábios.
"Não vai dar, Jude", disse ele, então. "Tenho umas coisas para resolver".
Ela apenas sorriu e tocou sua mão. Era o Tommy de sempre, pensou. O recluso Thomas Hanson, que vivia no seu mundinho fechado.
"A gente perdeu um pouco do contato, não é mesmo?", indagou ela, com um pequeno sorriso no canto dos lábios, e a tristeza de quem um dia fez parte de um grupo tão unido e que acreditava que seriam amigos pelo resto de suas vidas e teriam relação de amizade por todos os anos. Mas não. E Thomas Hanson, que agora estava à sua frente, era prova disso. "Fui algumas vezes à Nova York, mas nunca pudemos nos ver".
"Ah, claro que nos vimos", comentou ele, lembrando uma vez, antes dela casar, quando foi visitá-lo da Delegacia em que trabalhou.
"Mas uma vez em catorze anos, Tom?", perguntou ela, que agora lembrava o quanto o tempo era imbatível.
"Nunca deixamos de nos falar", insistiu ele, resistindo, ainda, no sentido de que não era tão ruim assim.
"É diferente você falar com uma pessoa por telefone ou por e-mail do que vê- la pessoalmente", retrucou Jude, sorrindo, quase não acreditando na teimosia de Hanson. "E, além do mais, que eu me lembre, você nem ao menos respondia meus e-mails!"
Hanson sorriu, constrangido. Tinha se esquecido desse detalhe. Era verdade. Ele nunca havia sido um grande fã da informática, e por muitos anos ainda preferia escrever cartas à mão do que enviar ou receber e-mails de quem quer que fosse. Como Jude se limitava ao modo mais fácil, ele deixou de escrever-lhe muitas vezes, chegando apenas a escrever-lhe uns três e-mails naqueles anos todos, claro, com a ajuda de sua assistente.
"Desculpe...", disse ele, embaraçado.
"Tudo bem", sorriu Jude, interrompendo-o ao perceber o desconforto do amigo. Não era pretensão sua deixá-lo daquele jeito e, embora achasse graça da situação, ainda queria saber como ele estava. "Então me conte como foi o seu casamento", disse ela, então, finalmente.
Hanson arregalou os olhos, tentando lembrar quando havia contado a ela que havia se casado e lembrou que apenas uma pessoa sabia: Sal, e que ele é que devia ter contado a todo mundo. Thomas ergueu a cabeça, sorrindo. Era inacreditável. Pedir a Sal Banducci que não contasse alguma coisa era o mesmo que pedir para espalhar ao mundo todo. Hanson não se orgulhava do seu casamento. Não que o envergonhasse. Mas havia sido um momento delicado na sua vida. Seu casamento era fruto de mero luxo entre duas pessoas egoístas e insensíveis. Era essa a única forma que ele tinha de pensar a respeito de Jennifer Geller. O inferno absoluto.
"Horrível", era a única palavra que ele conseguiu encontrar para defini-lo. E mesmo sob o olhar confuso de Jude, que não conseguia acreditar que um relacionamento pudesse ser simplesmente tachado de 'horrível', Hanson conclui: "Não há muito o que se dizer".
"Por isso não contou nada?", perguntou ela, dedutiva. "Tudo bem. Essas coisas acontecem", disse, então, tocando-lhe a mão, como se prometesse que não perguntaria mais nada a respeito.
"Como está o Doug?", perguntou Hanson, quebrando o silêncio constrangedor que havia se instalado depois do assunto que ele desejava mais do que tudo não mencionar. "Temos nos falado um pouco, mas ele não dá as caras desde o ano passado".
"Ele está ótimo. A casa de boliche dele é a melhor da cidade e, desde que o sócio o deixou na mão e ele mudou o nome do estabelecimento para Penhall's, é como se o negócio finalmente tivesse deslanchado", disse Jude, orgulhosa do empenho do amigo.
"É, disso eu soube", comentou Thomas, sorrindo, olhando para as próprias mãos sobre a mesa, enquanto brincava com o envelope de adoçante. "E como ele realmente se sente em relação a Clavo? Ele só falou disso comigo uma vez, e parece que não reagiu muito bem".
Jude ficou em silêncio por um instante, enquanto a garçonete os servia de mais café. Há menos de um ano e meio, Clavo, filho adotivo de Doug, havia decidido entrar para a polícia, seguir a carreira que o pai havia abandonado por ele. Mas não era isso que entristecia Doug, e sim o fato de como, por tantos anos, após terem efetivado a adoção, tonrou-se difícil para Clavo aceitar os perigos a que Penhall se submetia na força policial, e como o pequeno garoto el-salvadorenho sofria e temia a hipótese de um dia ficar sozinho no mundo, como quando Doug levou um tiro numa tarefa policial e quase morreu, e que o fez largar o uniforme da polícia e abrir um negócio, para se dedicar única e exclusivamente ao garoto.
"Deve ter sido a coisa mais difícil que aconteceu na vida dele depois de ter perdido a Marta", respondeu Jude. E ela não precisava dizer mais nada. Thomas havia entendido o recado. Aliás, já imaginava que o golpe havia sido mesmo duro para Doug, que tinha que lidar com a situação, agora, depois de tantos anos, do lado oposto. Pensativo, Hanson perguntou sobre Harry, e Jude abriu um grande sorriso.
"Ele está fazendo um ótimo trabalho na Homicídios", disse ela, referindo-se ao fato de que Ioki estava no mesmo Departamento que o dela há mais de cinco anos, como detetive. "Tem sido ótimo trabalhar com ele. Sempre foi, agora mais do que nunca. Ele está tão mudado, Hanson. Tão mais feliz. Eu lembro que pouco antes dele pedir licença da força policial, parecia tão distante, tão desanimado..."
"Como eu?", perguntou Hanson, vestindo a carapuça, se é que Jude se referia a ambos.
Mas ela apenas inclinou a cabeça, e percebendo que a lembrança realmente servia para os dois, disse: "Como você", e antes que ele dissesse alguma coisa, Hoffs perguntou: "O quê aconteceu com você, Tom? Do jeito que estava, eu realmente achei que você largaria tudo isso, a carreira de policial, algo pelo qual você sempre pareceu ter nascido para fazer. Fico feliz que não tenha acontecido, mas podia, não é mesmo?"
Hanson ficou pensativo, sem olhá-la nos olhos. Os olhos de Jude eram como um espelho. Ela podia saber de tudo apenas se ele olhasse na direção deles. Thomas não queria muito falar sobre aquilo. Foram tempos difíceis e não o surpreendia o fato de ouvir também dela que fazia parte da vida dele ser um policial. No entanto, apenas disse:
"Eu quase pulei fora".
Percebendo que Hanson também não estava muito disposto a falar naquilo, Jude perguntou como andava Booker, se é que ele o via, e Thomas apenas sorriu:
"Continua o mesmo", respondeu, lembrando de Dennis. "Depois que saiu do Teshima Group, abriu seu próprio escritório de investigação particular com a namorada, Suzanne, e tem se dado muito bem no ramo".
"Que bom", disse Jude. "Sempre achei que ele podia se dar melhor trabalhando por conta própria".
"A julgar pelos métodos dele", disse Hanson, que lembrava do dia quando Dennis foi expulso da força policial.
Jude e Thomas ficaram se olhando por um tempo, estudando um ao outro. Muitos anos se passaram. E eles ainda pareciam os mesmos. Naquele instante, era óbvio. Haviam falado de todos os ex-companheiros da capela Jump Street, exceto de uma pessoa.
"Sente falta do Fuller?", perguntou-lhe Hanson, subitamente.
"Claro", respondeu ela, como se já adivinhasse.
A morte do filho de Fuller havia sido tão chocante para eles como a de Jenko. Há sete anos, enquanto jantava num restaurante com a esposa e o filho Kip, que acabava de se formar na faculdade de Direito, Adam Fuller tentou dissipar uma briga entre dois fregueses do estabelecimento. Um deles puxou uma arma e antes que o ex-capitão da força policial pudesse dizer qualquer coisa, Kip pulou na sua frente e recebeu um disparo no peito, que o matou quase instantaneamente.
"Eu não penso muito nisso", disse Hanson, cruzando os braços sobre a mesa. "Por eu não estar por perto, é como se o Fuller apenas tivesse se aposenado e estivesse curtindo a vida em algum lugar".
Jude sorriu e seus olhos lacrimejaram, mas ela os enxugou antes que não pudessem contê-los. Depois da morte do filho, Fuller pediu exoneração do cargo e abriu uma loja com a mulher, que ficou doente, e morreu de câncer, dois anos depois. A vida dele nunca mais foi a mesma e ele se tornou um recluso. Falar do passado era extremamente doloroso para ele. Hanson nunca mais o viu desde a última vez que colocou os pés da capela da Jump Street, e lhe entregou o documento que oficializava sua transferência para Nova York. Fuller apenas sorriu e assinou o documento, dando baixa na situação de Hanson no projeto capela Jump Street. Hanson lembra que ele fez uma anotação naquele documento, a seu respeito: "O melhor policial com quem um capitão da polícia podia trabalhar".
"Já foi à capela?", perguntou, então, Hoffs, procurando não pensar mais no ex-capitão, a quem ela tanto estimava.
E Hanson apenas balançou a cabeça, sorrindo.
"O lugar está horrível, mas Garrett disse que já mandou um pessoal fazer uma arrumação nessa semana e vou ter que estar por lá nesses dias para acompanhar a instalação de equipamentos e tudo mais", disse ele, com o olhar perdido.
"E segunda-feira começamos?", perguntou ela, tomando um demorado gole de café.
Hanson apenas sorriu, concordando. Eram novos dias que estavam por vir, pensou. Era algo pelo qual ele vinha esperando por muito tempo. Jamais entendeu o que o entristecia tanto naqueles últimos anos em que trabalhou na capela Jump Street. No entanto, nunca teve tanta certeza, como naquele último ano como capitão, do que realmente queria. Reativar o projeto da capela era algo impensável por muitos anos. De certo modo, Hanson, que acreditava que estava desiludido com o trabalho policial, amadureceu naqueles anos todos que se passaram, e voltar era como fechar um círculo. Agora, era como se ele realmente acreditasse no sistema, e como se ajudar no projeto que o impulsionou a abrir novos horizontes, fosse a linha de partida para a mudança da mentalidade de tantos outros novos policiais que pudessem enfrentar os mesmos dilemas que ele um dia viveu. Hanson estava pronto para o desafio.
Continua...
