DE VOLTA À CAPELA

CAPÍTULO 4 - VISITANDO ALGUMAS PESSOAS

Chovia muito naquela manhã. Hanson passou pela capela da Jump Street, esquina com a sexta avenida, para ver como andavam as coisas por lá. Realmente, por mais que achasse pouco provável, a equipe de manutenção do estado estava lá, arrumando o lugar para as futuras instalações. Mas Hanson não ficou muito tempo. Supervisionou um trabalho e outro, e depois que a chuva parou foi fazer uma visita a pessoas muito queridas. Depois de dirigir por algum tempo, estacionou o carro próximo do cemitério. Caminhou lentamente pelas sepulturas, carregando um ramo de lírios que havia comprado numa loja pela qual passou no caminho. Parou, então, em frente às sepulturas de seus pais. Depositou as flores sobre as placas e cruzou as mãos, pensativo. Ficou imaginando como seriam as coisas se o seu pai não tivesse morrido em serviço, e se ele seria policial. Mas por muitos anos havia pensado e se perguntado isso, e a única resposta a qual podia chegar era a que não teria feito outra coisa na vida, por mais que tenha enfrentado dúvidas terríveis há catorze anos.

Hanson lembrou, então, de sua mãe, e de como a morte prematura do pai a abalou e o quanto ela temia que o filho seguisse o mesmo destino. No entanto, a senhora Hanson havia morrido orgulhosa do filho. Thomas sorriu ao lembrar daquelas duas pessoas tão especiais e depois de passar algum tempo em frente às suas lápides, ele lembrou como lhe havia feito falta a figura paterna. Como naqueles anos todos sentiu falta de alguém que pudesse compreendê-lo intimamente. Lembrava de Jenko, Fuller e Penhall como as pessoas mais influentes de sua vida, e até mesmo Charlie, com quem trabalhou poucos meses na patrulha antes de ingressar à capela da Jump Street, e que havia sido amigo de seu pai. Mas não era a mesma coisa. Por mais que quisesse, Hanson jamais conseguiu ser compreendido. Talvez por não querer. Era sua defesa. Era a armadura da qual ele se utilizava para se proteger do mundo cão.

Quando teve dúvidas sobre seu futuro como policial, era apenas a figura de seu pai que o reconfortava. Aquilo no qual ele acreditava, e pelo qual ele morreu. Há quatro anos, quando levou um tiro numa loja de conveniências, Thomas reviveu a última ação policial de seu pai. Enquanto o assaltante disparava aqueles projéteis contra ele, era como se assistisse a tudo em câmera lenta, e que não estivesse ali, sendo atingido, mas seu pai. Dois meses depois de se recuperar, quando Thomas Hanson voltava a questionar sua vida, depois de tanto tempo na corporação, fazendo excelente trabalho na polícia de Nova York, é que lhe veio à mente a possibilidade de reativar o projeto da capela Jump Street. Tudo aquilo pelo qual ele tanto lutou voltava à tona. Trabalhar em Nova York, por mais louco que pudesse ser, de certo modo, foi um refúgio. Por mais criminalidade que tenha enfrentado, era o universo adulto que ele enfrentava. E nos anos em que operou na capela, tudo o que mais o desanimava era ver a criminalidade na sua mais pura essência, na casta mais jovem da sociedade, e era isso que mais o havia entristecido em ser um policial: ter que prender crianças que tinham tudo pela frente, mas que optavam pelo rumo errado.

Mas a vida naquela que é considerada uma das mais violentas cidades do mundo o havia amadurecido. Hanson cresceu e, depois de um árduo aperfeiçoamento, ele aprendeu que sua tarefa era ainda mais nobre. Depois de sofrer os disparos de uma arma de fogo empunhada por um garoto de quinze anos, é que ele soube. Era combater o crime nas escolas que fazia sentido. Era impedir os criminosos do amanhã que havia se tornado seu destino, era o discurso de Jenko, de Fuller e de Penhall que batia à sua mente, e ele lembrou que os melhores anos de sua vida, como policial, haviam sido aqueles que viveu na capela da Jump Street, número 21. Olhando as lápides das sepulturas de seus pais, Tom Hanson lembrou de uma promessa. Não uma promessa feita a eles, mas a si mesmo: a de que faria o melhor.

...

Quando estacionou o carro em frente ao apartamento de Adam Fuller, cujo endereço Hoffs lhe havia dado meses antes, Hanson ficou pensativo, e ficou imaginando se teria sido uma boa idéia resolver visitá-lo. Mas acreditava que precisava muito daquilo. Não sabia qual seria a reação do seu antigo capitão, mas revê-lo era necessário.

Desceu do automóvel e atravessou a rua, olhando para o conjunto residencial, que era bastante modesto, provavelmente, muito abaixo dos padrões da antiga morada de Fuller, de quando ainda trabalhava na polícia. A vida devia ter mudado muito para ele, pensou Hanson. Subiu as escadas e caminhou em direção ao apartamento 201, onde Fuller vivia há mais de seis anos. Parado, em frente à porta, Hanson ficou pensativo. Ainda estava em tempo para dar meia-volta. Mas não. Resoluto, bateu à porta. Esperou um pouco, e quando já acreditava que não havia ninguém em casa, Fuller surgiu à sua frente. Os dois ficaram se encarando por um tempo. Mechas brancas e sinais pela face mostravam como os últimos anos haviam sido cruéis com seu antigo capitão, pensou Hanson. Mas Fuller parecia bem. Apenas parecia. Sorriu e puxou Hanson para um abraço.

"Meu garoto!", exclamou ele. "Eu não acredito!"

Hanson apenas sorriu, enquanto Fuller o trazia para dentro de sua casa. Era um apartamento simples, porém, bem ajeitado. Fuller sempre foi uma pessoa muito organizada. E essa foi umas das primeiras coisas que mais chamou a atenção de Thomas quando começou a trabalhar com ele, logo após a trágica morte de Jenko.

"Quanto tempo, Tom!", exclamou ele, ainda sorridente, enquanto lhe servia uma cerveja.

"Pois é", disse ele, simplesmente. "Alguns anos".

"Nossa", suspirou ele, sentando-se à sua frente, depois de jogar uma almofada longe. "Tempo demais", comentou, então, enquanto tomava um gole da cerveja.

Hanson olhou para Fuller e, de certo modo, notou que muita coisa havia mudado nele. Parecia mais espontâneo, menos previsível. E ficou imaginando como podia uma pessoa ser tão forte com os embates da vida.

"Soube que você vai reativar a capela, Tom", disse ele, subitamente.

Hanson largou a cerveja sobre a mesa. Surpreso, perguntou como ele sabia, e Fuller disse que ainda tinha seus contatos na corporação. Depois, sorriu.

"Eu sempre soube que aquilo era para você", disse, com um grande sorriso. "Quando o projeto acabou e cada um foi para um lado, eu sempre especulei que a capela podia voltar a funcionar. Claro, nunca pensei que você o comandasse, mas sua decisão não me surpreendeu".

"Queria que você estivesse lá", disse Hanson, de repente. Naqueles últimos dias, quando soube que por conta de Frank Simmons o projeto seria retomado, ficou imaginando como diria a Fuller o quanto desejava que fosse ele o homem por trás da reativação da capela. E aquele foi seu modo de dizê-lo.

Fuller apenas sorriu e balançou a cabeça.

"Isso não é mais para mim, Tom", disse ele, simplesmente. "Desde que eu saí do projeto, eu soube que não voltaria mais. E quando deixei a polícia, foi para sempre".

Fuller ficou encarando Hanson por um tempo, imaginando se precisava lhe contar os motivos. Mas Thomas apenas desviou o olhar. Não era preciso.

"Tenho certeza que você vai comandar muito bem o projeto, Tom", disse Fuller, "nesses anos todos, depois que foi embora, sempre fiquei me perguntando quando você se daria conta de como o trabalho na Jump Street era importante e que fazia parte da sua vida".

"Catorze anos depois", disse Hanson.

"Sabe, Tom", comentou Fuller, escostando-se no sofá, "quando você me deu aquela carta de transferência, aquilo que eu escrevi foi bem sincero".

Hanson ergueu a sobrancelha.

"Você foi o melhor policial com quem eu já trabalhei", concluiu ele.

Constrangido, Hanson apenas desviou o olhar, brincando com o copo de cerveja que estava sobre a mesa.

"E eu ficava muito triste quando pensava que você podia ter resolvido sair por minha causa, por não ter conseguido se acostumar comigo, já que teve muito mais afinidade com o capitão Jenko".

"Não", disse Hanson, não acreditando no que estava ouvindo. "Isso não é verdade. Eu nunca escondi o quanto fiquei arrasado com a morte do capitão Jenko, e o quanto seria difícil seguir com o projeto na capela sem ele, mas quando você chegou, mudamos de perspectiva. Eu aprendi muito com o senhor, tenho muito orgulho de ter trabalhado na sua unidade por mais de três anos".

Fuller sorriu.

"Não larguei tudo aqui por causa de ninguém", explicou Hanson. "Mas por minha causa".

"Eu sei, Tom", disse Adam Fuller, compreensivo. "Penhall me contou. Confesso, no entanto, que não precisei que alguém me contasse. Eu já via no seu olhar distante, que alguma coisa maior o estava esperando. Apenas me ressentia o fato de que eu pudesse ter contribuído nessa sua decisão de ir embora".

"De forma alguma", insistiu Hanson. "Eu já andava desiludido com o trabalho policial há bastante tempo", explicou ele. "A mudança apenas me ajudou a refletir melhor e a descobrir que era isso mesmo que eu queria".

"Soube que Jude vai trabalhar com você por uns tempos", comentou Fuller, sorrindo, lembrando da colega que permaneceu no projeto com ele até o seu encerramento.

"Nas duas primeiras semanas apenas", disse Hanson. "Eu achei que podia facilitar as coisas".

Fuller sorriu, pensando na grande policial que Jude havia se tornado e o quanto havia se dedicado a trabalhos sociais. Tinha muito orgulho dela, como se fosse uma filha. E lembrou de todos aqueles outros garotos com os quais trabalhou: Douglas Penhall, Harry Truman Ioki, Dennis Booker, Dean Garrett, Kati Rocky, Anthony McCann e Joey Penhall. Olhando para Hanson à sua frente, no auge dos seus trinta e oito anos, ficou imaginando que, afinal de contas, era como se todos tivessem sido, mesmo que por pouco tempo, seus filhos.

"Já conheceu sua nova equipe?", perguntou Fuller.

"Ainda não", respondeu Hanson, ansioso quanto a isso. "Tenho certeza de que vou ter problemas com eles".

"Por quê?", indagou o ex-capitão, sorrindo.

Hanson sorriu:

"É que eu lembro quando você chegou".

Fuller sorriu. Sabia o que ele estava querendo dizer.

"Vai dar tudo certo, Tom", disse ele. "Vai ver".

"Quero que você passe por lá um dia desses", pediu Hanson, com sinceridade, como se quisesse dizer o quanto ele fazia aquilo por ele e pelos amigos.

"Claro, Tom", disse Fuller, sorrindo, e tomando mais um gole da sua cerveja quente.

Hanson sorriu. O projeto da capela Jump Street pode ter sido originado por uma idéia de Richard Jenko, ma só funcionou mesmo por causa de Adam Fuller, pensou, olhando para aquele homem velho e cansado à sua frente. Tinha muito orgulho de ter trabalhado com ele, por mais que o tivesse desafiado nos primeiros dias, por mais que não aceitasse um substituto para Jenko. Fuller havia se encaixado à capela de uma forma única. Ele havia trazido a ordem e a disciplina de que tanto precisavam. Ele os havia encorajado, por anos, a trabalhar em prol da justiça e do bem. Nunca mais Hanson conheceu alguém tão aplicado como Adam Fuller, em toda a sua vida como policial, e todos os dias, quando se olhava no espelho, ficava se perguntando se ainda havia esperança.

Continua...