DE VOLTA À CAPELA
CAPÍTULO 5 - UMA PARTIDA DE BOLICHE
Era sábado. Thomas Hanson, que havia alugado temporariamente um apartamento, também não tinha a mínima pretensão de ficar em casa e, por conta disso, por mais que soubesse que havia sido um tanto grosseiro recusando a oferta de Hoffs de reunir os ex-amigos para uma reunião na sua casa, pelo menos, por enquanto, era apenas uma pessoa que ele queria reencontrar: o bom e velho amigo Douglas James Penhall. Por isso, mal a noite caiu, ele pegou seu Mustang 68 e foi ao Penhall's Bowling.
Chegando ao local, que nunca conheceu, ficou admirado. Doug havia se superado, pensou. Era mesmo um lugar bastante agradável e movimentado, especialmente nas noites de sábado. Quando entrou, procurou pelo amigo, mas só via fregueses entrando e enfrentando filas no guichê principal, na lanchonete e que circulavam muito à vontade em meio à área de recreação. Viu, então, uma porta aos fundos, atrás do balcão do guichê onde eram vendidos os bilhetes, e imaginou que fosse a gerência. Perguntou ao funcionário do guichê onde podia encontrar Douglas Penhall e este lhe indicou a referida sala, mas pediu que o esperasse. Terminou de atender um freguês e o acompanhou até a sala de Penhall.
"Chefe, tem um sujeito que quer vê-lo", disse ele, surgindo pela porta, com Hanson logo atrás.
"Não acredito!", exclamou ele ao ver o amigo de tantos anos, levantando-se detrás de sua mesa.
O funcionário do boliche abriu espaço para Hanson, que foi entrando e indo ao encontro de Doug, que deu a volta à mesa e o abraçou.
"Tommy Boy!", exclamou Penhall, sorrindo. Mais encorpado, Doug também parecia estar ótimo. Tinha o semblante de uma pessoa feliz e realizada, alheio à preocupações. Hanson quase não lembrava da última vez que se viram, há quase dois anos, quando Doug resolveu visitá-lo em Nova York. Lembra que, na época, ele acabava de descobrir que Clavo queria tornar-se policial, e ainda estava compelido à idéia de que o garoto pudesse mudar os planos. Mas Hanson também lembra que o amigo estava bastante bem no campo sentimental. Depois de muitos anos, ele havia reencontrado e se reconciliado com a antiga namorada do ginásio, Dorothy Pezzino, que depois do rompimento, havia se casado, tido um filho e se separado. Ou seja, Penhall agora tinha uma família um pouco maior e a julgar pelo rumo que Clavo seguia na vida, certamente por influência sua, e pela casa de boliche que administrava, também havia se tornado uma pessoa muito mais responsável.
Mas Doug também não pôde deixar de notar pequenas mudanças em Tom. Com olhar muito mais profundo, o que ele já tinha percebido das últimas vezes que se viram depois da capela, percebia como o amigo havia amadurecido. A vida tinha sido bastante rigorosa com ele, pensava. Mas Tommy era Tommy, e nada que tivesse feito naqueles anos todos mudaria o modo como ele o trataria.
"Quando você me ligou ontem, dizendo que Simmons havia decidido dar apoio na retomada do projeto da Jump Street, quase não acreditei", disse ele, empolgado, enquanto servia uma bebida para ambos.
Hanson sorriu, sentado à cadeira em frente à mesa de Penhall, olhando a bagunça do amigo. Apesar da pouca organização, era uma sala confortável. Tinha um toque feminino, provavelmente de Dorothy, e era espaçosa. De repente, olhando para o alto, viu na pequena estante que ficava atrás da cadeira de Doug, um fotografia dos tempos em que trabalhavam na capela. Ao ver que Hanson olhava para a foto, pegou-a e perguntou:
"Bons tempos aqueles, não é, Tom?"
Hanson pediu para vê-la melhor. Era uma fotografia batida atrás da capela, no estacionamento, onde estavam ele, Doug, Jude, Harry e Jenko, ao lado do furgão amarelo deste. Devia ter sido um mês depois de começarem a trabalhar juntos. Hanson viu como sorria na fotografia, como naquela que tirou logo depois da sua formatura na Academia de Polícia. Tantos sonhos, tantas expectativas, pensou.
"Onde vai ficar?", perguntou Penhall, pegando a fotografia de volta e colocando-a no lugar.
"Por enquanto estou num apartamento alugado na sexta avenida, quase perto da capela", respondeu Hanson.
"Já passou por lá?", perguntou ele, referindo-se à capela abandonada.
"Já", respondeu Hanson, tomando um gole da cerveja que Doug lhe deu. "O lugar está horrível, mas os obreiros estão dando um jeito. Creio que até o final da semana que vêm esteja tudo pronto".
"Legal", disse Doug, com um pequeno sorriso nos lábios. "E você já encontrou com o pessoal?"
"Só falei com a Jude, logo depois que saí da reunião com o Simmons, e com o Fuller", respondeu ele. "Ainda não encontrei com o Harry. Aliás, acho que fui meio rude com a Jude. Ela queria fazer uma reunião na casa dela, chamar todo mundo..."
"Ah, esquece", ponderou Doug, "ela sempre quer inventar dessas. As reuniões na casa dela, que fique entre nós, são muito chatas. O marido dela, o Michael, é um tremendo babaca. Ele fica monopolizando a conversa o tempo todo".
Hanson sorriu.
"O Fuller está tão diferente", comentou, subitamente.
"Ele passou por uma fase muito ruim. Logo depois de reatar com a esposa, acontece aquilo com o filho", explicou Penhall, lembrando os motivos do ex- capitão ter deixado a polícia e ter se tornado um quase recluso. "Foi de cortar o coração no dia do enterro do Kip, Tom".
Hanson ficou pensativo. Não muito difícil de imaginar. Sabia, desde os tempos da capela, como Fuller era apegado ao filho.
"Que tal uma partida de boliche?", perguntou Doug, então, depois de alguns instantes de silêncio. "Aposto que ainda ganho de você!"
"Mas você nunca ganhou de mim", corrigiu Hanson.
...
"E a Jennifer?", perguntou Doug depois de derrubar apenas três pinos na segunda rodada. Já estavam jogando a mais de uma hora e Penhall não conseguia uma pontuação razoável, embora Hanson presumisse que ele devia ser melhor jogador depois de ter se tornado o dono de uma casa de boliche.
"O divórcio saiu há quatro meses", respondeu Hanson, pegando uma bola. "Não a vejo há mais de um ano. Os assuntos do processo de divórcio ficaram nas mãos dos advogados", concluiu, fazendo seu segundo strike.
"Não acredito", disse Penhall, referindo-se ao strike. "Deve ser porque eu estou meio fora de forma, mesmo".
"Estou impressionado", disse Hanson, alheio ao comentário, sentando-se ao lado do amigo. "O que você fez com esse lugar", comentou ele, "ficou ótimo".
"Eu não teria conseguido se não fosse pelos motivos certos", explicou Doug, que se levantou para jogar na sua vez. "Beleza!", exclamou ele, ao conseguir fazer seu primeiro strike.
Sabendo que o amigo se referia a Clavo, perguntou como andava o garoto. Doug pegou uma toalha e enxugando um pouco do suor da testa:
"Estamos brigados", respondeu ele, um pouco desapontado, enquanto se sentava ao lado de Hanson, que não parecia mais interessado no jogo, embora só faltasse um ponto para vencer.
"Por causa daquele lance?", perguntou ele.
"É", respondeu Penhall, "por causa daquele lance".
"Então ele não mora mais com você e Dorothy?"
"Ele saiu de casa há dois meses", respondeu Penhall. "A Dorothy disse que o viu no mercado com uma garota e que achava que os dois estão morando juntos".
Hanson ficou em silêncio, ouvindo-o atentamente, enquanto tomava um gole de cerveja.
"Eu nem conheço a garota", comentou, visivelmente triste, pois até mesmo Hanson lembrava de um dia, quando Penhall prometeu a si mesmo que deixaria a carreira de policial para fazer parte da vida de Clavo. Parecia, no entanto, que, agora, era Clavo que não queria fazer parte da vida de Penhall, e aquilo o deixava arrasado. "Tudo bem, ele tem vinte e um anos, faz o que quer".
"Não é bem assim", comentou Hanson, discordando do amigo. "Você fez tanto por ele, e agora ele o trata mal só porque disse que não concordava que ele fosse policial. Não é justo".
"Na verdade, Tom", disse Penhall, com um olhar de culpado, "eu disse que se ele quisesse ser mesmo um policial, ele devia sair de casa e seguir a vida ao seu modo".
Hanson arregalou os olhos e balançou a cabeça.
"E você me fez acreditar esse tempo todo que o garoto havia se tornado um rebelde, que você apenas disse que ele não devia ser policial e que ele era o ruim nessa estória toda?", indagou ele, surpreso pela ousadia do amigo.
"Eu precisava me sentir melhor", explicou Penhall.
Hanson não sabia se sorria ou se chorava. Era mesmo o Penhall de sempre, pensou. Levantou e jogou sua última bola, fazendo um strike.
"Como consegue?", perguntou Penhall, indignado, referindo-se ao jogo.
"Tenho pensado muito no Jenko, ultimamente", disse Hanson, voltando ao seu lugar ao lado de Doug.
"Por isso resolveu reativar a capela?", perguntou Penhall, tomando um pouco da sua cerveja.
"Faz tempo que eu penso em voltar ao projeto, desde aquele dia que levei um tiro numa lanchonete", explicou ele, com o olhar perido em direção à pista de boliche.
"É verdade", concordou Penhall. "Eu lembro que quando fui visitá-lo no hospital, você me disse uma coisa, que havia descoberto o que queria da vida. Algo mais ou menos assim".
"Foi como se um círculo se fechasse, Doug", explicou Hanson, encarando o amigo, tentando fazê-lo visualizar o que ele tanto queria. "Quando levei aquele tiro, foi como se eu revivesse a estória do meu pai. Só que eu sobrevivi, e o garoto que atirou em mim foi morto".
"Ele morreu?", perguntou Penhall, que até então só sabia que o garoto havia sido baleado por um patrulha que circulava pela região e ouviu os disparos na lanchonete e que estava em coma na unidade de tratamento intensivo.
"Um pouco depois que saí do hospital", respondeu Hanson.
"Posso perguntar uma coisa, Tom?", perguntou Penhall, encarando o amigo, com muita serenidade.
"Claro", respondeu Hanson.
"Você está fazendo isso por quem?"
"Por mim", respondeu ele, prontamente. "Só você sabe o quanto eu andava confuso naqueles dias, Doug", continuou ele, lembrando da dúvida de ter que deixar o trabalho policial. "Eu precisei muito daquela mudança", continuou. "Ajudou muito. E depois de tanta experiência nesses últimos anos é que eu descobri que era para o projeto da capela que eu estava me preparando. Eu queria dar mais de mim, e não sabia como. Hoje eu sei".
"Está sabendo que vai ser um pouco diferente, né?", perguntou Penhall, relembrando-o da sua nova condição como capitão.
"Eu aprendi muito e tenho certeza que ainda tenho muito mais a aprender", respondeu ele. "Vou encontrar mentes novas, diferentes, e estou preparado para qualquer coisa, Doug".
Penhall sorriu.
"Sabe, não sinto tanta falta", disse ele. "Eu gostava muito do trabalho policial, de ter dado tanto de mim na capela, mas não sinto falta", e continuou: "Quando você me dizia que estava pensando em deixar de ser policial, eu ficava imaginando o quê o fazia pensar assim. Eu não conseguia entender. Eu achava que seria um policial minha vida toda, e quanto a você, mesmo depois que foi para Nova York, logo desistiria, e eu continuaria".
"E hoje estamos aqui", disse Hanson, "você é o dono da casa de boliche mais famosa da cidade e eu estou para me tornar o capitão do projeto da capela".
Os dois sorriram. Era mesmo uma ironia do destino, pensavam. Hanson, que viveu tanto tempo com um pé atrás na carreira de policial, agora estava prestes a reinventar um projeto de suma importância para a sociedade, enquanto Penhall, que podia não ter sido filho de policiais, mas almejou fazer carreira na corporação e levar a profissão adiante, viver por ela, e para ela, agora estava feliz e satisfeito com sua decisão de ter deixado tudo para trás para se dedicar a Clavo, por mais que este agora se mostrasse indiferente a seu desejo de que não se tornasse também um policial.
Continua...
CAPÍTULO 5 - UMA PARTIDA DE BOLICHE
Era sábado. Thomas Hanson, que havia alugado temporariamente um apartamento, também não tinha a mínima pretensão de ficar em casa e, por conta disso, por mais que soubesse que havia sido um tanto grosseiro recusando a oferta de Hoffs de reunir os ex-amigos para uma reunião na sua casa, pelo menos, por enquanto, era apenas uma pessoa que ele queria reencontrar: o bom e velho amigo Douglas James Penhall. Por isso, mal a noite caiu, ele pegou seu Mustang 68 e foi ao Penhall's Bowling.
Chegando ao local, que nunca conheceu, ficou admirado. Doug havia se superado, pensou. Era mesmo um lugar bastante agradável e movimentado, especialmente nas noites de sábado. Quando entrou, procurou pelo amigo, mas só via fregueses entrando e enfrentando filas no guichê principal, na lanchonete e que circulavam muito à vontade em meio à área de recreação. Viu, então, uma porta aos fundos, atrás do balcão do guichê onde eram vendidos os bilhetes, e imaginou que fosse a gerência. Perguntou ao funcionário do guichê onde podia encontrar Douglas Penhall e este lhe indicou a referida sala, mas pediu que o esperasse. Terminou de atender um freguês e o acompanhou até a sala de Penhall.
"Chefe, tem um sujeito que quer vê-lo", disse ele, surgindo pela porta, com Hanson logo atrás.
"Não acredito!", exclamou ele ao ver o amigo de tantos anos, levantando-se detrás de sua mesa.
O funcionário do boliche abriu espaço para Hanson, que foi entrando e indo ao encontro de Doug, que deu a volta à mesa e o abraçou.
"Tommy Boy!", exclamou Penhall, sorrindo. Mais encorpado, Doug também parecia estar ótimo. Tinha o semblante de uma pessoa feliz e realizada, alheio à preocupações. Hanson quase não lembrava da última vez que se viram, há quase dois anos, quando Doug resolveu visitá-lo em Nova York. Lembra que, na época, ele acabava de descobrir que Clavo queria tornar-se policial, e ainda estava compelido à idéia de que o garoto pudesse mudar os planos. Mas Hanson também lembra que o amigo estava bastante bem no campo sentimental. Depois de muitos anos, ele havia reencontrado e se reconciliado com a antiga namorada do ginásio, Dorothy Pezzino, que depois do rompimento, havia se casado, tido um filho e se separado. Ou seja, Penhall agora tinha uma família um pouco maior e a julgar pelo rumo que Clavo seguia na vida, certamente por influência sua, e pela casa de boliche que administrava, também havia se tornado uma pessoa muito mais responsável.
Mas Doug também não pôde deixar de notar pequenas mudanças em Tom. Com olhar muito mais profundo, o que ele já tinha percebido das últimas vezes que se viram depois da capela, percebia como o amigo havia amadurecido. A vida tinha sido bastante rigorosa com ele, pensava. Mas Tommy era Tommy, e nada que tivesse feito naqueles anos todos mudaria o modo como ele o trataria.
"Quando você me ligou ontem, dizendo que Simmons havia decidido dar apoio na retomada do projeto da Jump Street, quase não acreditei", disse ele, empolgado, enquanto servia uma bebida para ambos.
Hanson sorriu, sentado à cadeira em frente à mesa de Penhall, olhando a bagunça do amigo. Apesar da pouca organização, era uma sala confortável. Tinha um toque feminino, provavelmente de Dorothy, e era espaçosa. De repente, olhando para o alto, viu na pequena estante que ficava atrás da cadeira de Doug, um fotografia dos tempos em que trabalhavam na capela. Ao ver que Hanson olhava para a foto, pegou-a e perguntou:
"Bons tempos aqueles, não é, Tom?"
Hanson pediu para vê-la melhor. Era uma fotografia batida atrás da capela, no estacionamento, onde estavam ele, Doug, Jude, Harry e Jenko, ao lado do furgão amarelo deste. Devia ter sido um mês depois de começarem a trabalhar juntos. Hanson viu como sorria na fotografia, como naquela que tirou logo depois da sua formatura na Academia de Polícia. Tantos sonhos, tantas expectativas, pensou.
"Onde vai ficar?", perguntou Penhall, pegando a fotografia de volta e colocando-a no lugar.
"Por enquanto estou num apartamento alugado na sexta avenida, quase perto da capela", respondeu Hanson.
"Já passou por lá?", perguntou ele, referindo-se à capela abandonada.
"Já", respondeu Hanson, tomando um gole da cerveja que Doug lhe deu. "O lugar está horrível, mas os obreiros estão dando um jeito. Creio que até o final da semana que vêm esteja tudo pronto".
"Legal", disse Doug, com um pequeno sorriso nos lábios. "E você já encontrou com o pessoal?"
"Só falei com a Jude, logo depois que saí da reunião com o Simmons, e com o Fuller", respondeu ele. "Ainda não encontrei com o Harry. Aliás, acho que fui meio rude com a Jude. Ela queria fazer uma reunião na casa dela, chamar todo mundo..."
"Ah, esquece", ponderou Doug, "ela sempre quer inventar dessas. As reuniões na casa dela, que fique entre nós, são muito chatas. O marido dela, o Michael, é um tremendo babaca. Ele fica monopolizando a conversa o tempo todo".
Hanson sorriu.
"O Fuller está tão diferente", comentou, subitamente.
"Ele passou por uma fase muito ruim. Logo depois de reatar com a esposa, acontece aquilo com o filho", explicou Penhall, lembrando os motivos do ex- capitão ter deixado a polícia e ter se tornado um quase recluso. "Foi de cortar o coração no dia do enterro do Kip, Tom".
Hanson ficou pensativo. Não muito difícil de imaginar. Sabia, desde os tempos da capela, como Fuller era apegado ao filho.
"Que tal uma partida de boliche?", perguntou Doug, então, depois de alguns instantes de silêncio. "Aposto que ainda ganho de você!"
"Mas você nunca ganhou de mim", corrigiu Hanson.
...
"E a Jennifer?", perguntou Doug depois de derrubar apenas três pinos na segunda rodada. Já estavam jogando a mais de uma hora e Penhall não conseguia uma pontuação razoável, embora Hanson presumisse que ele devia ser melhor jogador depois de ter se tornado o dono de uma casa de boliche.
"O divórcio saiu há quatro meses", respondeu Hanson, pegando uma bola. "Não a vejo há mais de um ano. Os assuntos do processo de divórcio ficaram nas mãos dos advogados", concluiu, fazendo seu segundo strike.
"Não acredito", disse Penhall, referindo-se ao strike. "Deve ser porque eu estou meio fora de forma, mesmo".
"Estou impressionado", disse Hanson, alheio ao comentário, sentando-se ao lado do amigo. "O que você fez com esse lugar", comentou ele, "ficou ótimo".
"Eu não teria conseguido se não fosse pelos motivos certos", explicou Doug, que se levantou para jogar na sua vez. "Beleza!", exclamou ele, ao conseguir fazer seu primeiro strike.
Sabendo que o amigo se referia a Clavo, perguntou como andava o garoto. Doug pegou uma toalha e enxugando um pouco do suor da testa:
"Estamos brigados", respondeu ele, um pouco desapontado, enquanto se sentava ao lado de Hanson, que não parecia mais interessado no jogo, embora só faltasse um ponto para vencer.
"Por causa daquele lance?", perguntou ele.
"É", respondeu Penhall, "por causa daquele lance".
"Então ele não mora mais com você e Dorothy?"
"Ele saiu de casa há dois meses", respondeu Penhall. "A Dorothy disse que o viu no mercado com uma garota e que achava que os dois estão morando juntos".
Hanson ficou em silêncio, ouvindo-o atentamente, enquanto tomava um gole de cerveja.
"Eu nem conheço a garota", comentou, visivelmente triste, pois até mesmo Hanson lembrava de um dia, quando Penhall prometeu a si mesmo que deixaria a carreira de policial para fazer parte da vida de Clavo. Parecia, no entanto, que, agora, era Clavo que não queria fazer parte da vida de Penhall, e aquilo o deixava arrasado. "Tudo bem, ele tem vinte e um anos, faz o que quer".
"Não é bem assim", comentou Hanson, discordando do amigo. "Você fez tanto por ele, e agora ele o trata mal só porque disse que não concordava que ele fosse policial. Não é justo".
"Na verdade, Tom", disse Penhall, com um olhar de culpado, "eu disse que se ele quisesse ser mesmo um policial, ele devia sair de casa e seguir a vida ao seu modo".
Hanson arregalou os olhos e balançou a cabeça.
"E você me fez acreditar esse tempo todo que o garoto havia se tornado um rebelde, que você apenas disse que ele não devia ser policial e que ele era o ruim nessa estória toda?", indagou ele, surpreso pela ousadia do amigo.
"Eu precisava me sentir melhor", explicou Penhall.
Hanson não sabia se sorria ou se chorava. Era mesmo o Penhall de sempre, pensou. Levantou e jogou sua última bola, fazendo um strike.
"Como consegue?", perguntou Penhall, indignado, referindo-se ao jogo.
"Tenho pensado muito no Jenko, ultimamente", disse Hanson, voltando ao seu lugar ao lado de Doug.
"Por isso resolveu reativar a capela?", perguntou Penhall, tomando um pouco da sua cerveja.
"Faz tempo que eu penso em voltar ao projeto, desde aquele dia que levei um tiro numa lanchonete", explicou ele, com o olhar perido em direção à pista de boliche.
"É verdade", concordou Penhall. "Eu lembro que quando fui visitá-lo no hospital, você me disse uma coisa, que havia descoberto o que queria da vida. Algo mais ou menos assim".
"Foi como se um círculo se fechasse, Doug", explicou Hanson, encarando o amigo, tentando fazê-lo visualizar o que ele tanto queria. "Quando levei aquele tiro, foi como se eu revivesse a estória do meu pai. Só que eu sobrevivi, e o garoto que atirou em mim foi morto".
"Ele morreu?", perguntou Penhall, que até então só sabia que o garoto havia sido baleado por um patrulha que circulava pela região e ouviu os disparos na lanchonete e que estava em coma na unidade de tratamento intensivo.
"Um pouco depois que saí do hospital", respondeu Hanson.
"Posso perguntar uma coisa, Tom?", perguntou Penhall, encarando o amigo, com muita serenidade.
"Claro", respondeu Hanson.
"Você está fazendo isso por quem?"
"Por mim", respondeu ele, prontamente. "Só você sabe o quanto eu andava confuso naqueles dias, Doug", continuou ele, lembrando da dúvida de ter que deixar o trabalho policial. "Eu precisei muito daquela mudança", continuou. "Ajudou muito. E depois de tanta experiência nesses últimos anos é que eu descobri que era para o projeto da capela que eu estava me preparando. Eu queria dar mais de mim, e não sabia como. Hoje eu sei".
"Está sabendo que vai ser um pouco diferente, né?", perguntou Penhall, relembrando-o da sua nova condição como capitão.
"Eu aprendi muito e tenho certeza que ainda tenho muito mais a aprender", respondeu ele. "Vou encontrar mentes novas, diferentes, e estou preparado para qualquer coisa, Doug".
Penhall sorriu.
"Sabe, não sinto tanta falta", disse ele. "Eu gostava muito do trabalho policial, de ter dado tanto de mim na capela, mas não sinto falta", e continuou: "Quando você me dizia que estava pensando em deixar de ser policial, eu ficava imaginando o quê o fazia pensar assim. Eu não conseguia entender. Eu achava que seria um policial minha vida toda, e quanto a você, mesmo depois que foi para Nova York, logo desistiria, e eu continuaria".
"E hoje estamos aqui", disse Hanson, "você é o dono da casa de boliche mais famosa da cidade e eu estou para me tornar o capitão do projeto da capela".
Os dois sorriram. Era mesmo uma ironia do destino, pensavam. Hanson, que viveu tanto tempo com um pé atrás na carreira de policial, agora estava prestes a reinventar um projeto de suma importância para a sociedade, enquanto Penhall, que podia não ter sido filho de policiais, mas almejou fazer carreira na corporação e levar a profissão adiante, viver por ela, e para ela, agora estava feliz e satisfeito com sua decisão de ter deixado tudo para trás para se dedicar a Clavo, por mais que este agora se mostrasse indiferente a seu desejo de que não se tornasse também um policial.
Continua...
