DE VOLTA À CAPELA
CAPÍTULO 6 - A NOVA GERAÇÃO
Era manhã de segunda-feira. Fazia muito frio e Hanson já estava na capela da Jump Street desde às sete horas acompanhando o trabalho dos operários que terminavam de arrumar sua nova sala. Satisfeito com o fato de não ter sido mudado muita coisa, exceto pela pintura, o conserto das janelas e a nova mobília que vinha sendo trazida aos poucos de outros órgãos e repartições públicas que se desfaziam de materiais antigos para substituí- los por novos, Hanson se sentou à mesa e só pôde se contentar em aguardar que o Departamento começasse a lhe passar os primeiros casos.
Enquanto estava pensativo no seu gabinete, agora sozinho, já que os obreiros agora terminavam de ajeitar outros setores da capela, Hanson mal pôde notar a presença de Hoffs, que o observava, encostada à porta.
"Ficou ótimo", disse ela, então, chamando a sua atenção.
"Hoffs?", perguntou ele, surpreso, sem se mover.
"Você ficou ótimo atrás da mesa do capitão", completou ela.
Hanson apenas sorriu.
"Mas trabalho que é bom, por enquanto, nada", disse ele.
"Sabe como eles são", justificou ela, "só vão começar a mandar casos depois que a capela estiver toda equipada. Isso vai levar mais uns dois dias. Já deu uma olhada no novo time?", perguntou ela, referindo-se às fichas dos oficiais transferidos que trabalhariam na capela e que estavam numa pasta sobre a mesa.
Hanson olhou para para a pasta à sua frente e respondeu:
"Não. Esperava que pudesse conhecê-los melhor por eles mesmos".
Hoffs sorriu e se aproximou da mesa. Pegou a pasta e se sentou à frente de Hanson.
"Não acredito que você não tenha curiosidade em conhecer o pessoal com quem vai trabalhar", disse ela, lendo os dados da primeira ficha. "Daniel Lachance. Dois anos da patrulha, sete prisões, sem vícios. Hum, parece um pouco com alguém que eu conheci há muito tempo atrás", comentou ela, com um pequeno sorriso.
Hanson sorriu, e Hoffs continuou:
"Alexander Mancini", disse ela, referindo-se à segunda ficha. "Puxa vida, será que só vamos ter italianos por aqui? Recém-formado da Academia. Nenhum experiência. Vários cursos de especialização de combate a drogas nas escolas e nas ruas. Interessante: muita teoria, pouca prática", comentou ela. "Esse pode dar um pouco de trabalho".
"Simmons já havia dito que mandaria um pessoal inexperiente", explicou Hanson que, até então, não se surpreendia com o currículo da nova equipe. "É bem provável que eu tenha problemas com todos eles".
"Finalmente uma mulher: Lisa Marie Swanson", continuou Hoffs, lendo a terceira e última ficha. "Essa parece ser um pouco mais experiente. Tem vinte e seis anos, trabalhou como patrulheira por dois anos e meio, passou no teste para detetive, mas só assumiu um ano depois como agente na Unidade de Prevenção de Crimes Tecnológicos. Também trabalhou um ano no Departamento de Narcóticos".
"Com licença?", perguntou um homem batendo à porta, que estava aberta.
Hanson e Hoffs olharam para ele. Usava um uniforme de operador de máquinas do departamento estadual de informática.
"Trouxemos os computadores", disse ele. "Podemos instalá-los?"
"Claro", disse Hanson, levantando-se, para acompanhar o serviço.
Quando saíram da sala, os dois viram mais uns três homens trazendo as máquinas pelas portas dos fundos da capela, e colocando-as sobre as mesas.
"Quanto tempo mesmo você disse que tudo podia ficar pronto?", perguntou Hanson a Jude, observando a agilidade e a destreza dos funcionários.
Hoffs sorriu.
"Pelo jeito, hoje mesmo", respondeu ela.
Enquanto assistiam a instalação das máquinas, deixaram de perceber alguém que chegava, segurando sua carta de transferência e o quepe, vestido em seu uniforme de patrulha. Perdido, olhou à volta, em meio a toda aquela confusão na capela, onde engenheiros de manutenção e obreiros andavam de um lado a outro, trabalhando na restauração da capela e na instalação de equipamentos. Ao ver que Hoffs, que vestia um terno e um sobretudo marrom, com os cabelos alisados bem ajeitados, acreditou que se tratava de uma autoridade, aproximou-se, então, dela e de Hanson.
"Capitã Hanson?", perguntou ele, entregando a carta de transferência, ignorando a presença de Hanson, que estava ao lado dela, com suas roupas velhas e desbotadas.
Hoffs pegou o documento, mas entregou a Hanson.
"Ele é o capitão Hanson", corrigu ela. "Sou a Judith Hoffs", e antes que ele perguntasse o motivo para dois chefes de polícia naquela unidade, ela exlicou: "Serei a segunda oficial maior por aqui por um tempo determinado".
"Daniel Lachance", disse Hanson, lendo o documento. "Não lhe disseram que não era preciso vir uniformizado?", perguntou ele, encarando-o de cima a baixo.
Hoffs lembrou, então, da primeira vez que Hanson chegou à capela, e conheceu Jenko. A estória, definitivamente, repetia-se, pensou ela. Assim como o jovem Lachance, Hanson também entrou na sala de Richard Jenko, surpreendendo-o, vestido no seu uniforme de patrulha.
"Desculpe, senhor", disse ele, um tanto sem jeito. "Eu não sabia".
"Tudo bem", disse Hanson. "Pode me esperar naquela mesa", apontou a mesa de reuniões que ficava atrás de uma coluna e um cercado. "Vamos conversar quando os outros chegarem".
"Sim, senhor", disse ele, caminhando em direção ao outro setor.
Quando o garoto já estava longe, Jude sorriu.
"Precisava ser tão firme?"
Hanson não respondeu. Pensava, naquele instante, como certas coisas não mudavam, por mais tempo que passasse.
"Eu vou para minha sala", disse ele, voltando para seu gabinete. "A linha telefônica já deve ter sido instalada e Simmons pode ligar a qualquer momento".
Hoffs apenas sorriu, ainda desconsertada, porém, nem um pouco surpersa com a atitude de Hanson, que parecia tão ansioso quanto o rapaz que havia acabado de chegar, e foi fazer companhia ao novo membro da equipe da capela.
À sua mesa, Hanson ficou pensativo, encostado na cadeira, enquanto um técnico instalava um computador na sua sala. A linha telefônica já estava instalada, como ele havia imaginado. Mas os pensamento dele eram outros. Pensar como seria aquele momento era muito diferente de vivê-lo. E, por um instante, Hanson achou que sentia algo que há muito tempo não sentia, e que era medo. Desde que decidiu reativar a capela, temia, pela primeira vez, não corresponder às expectativas daqueles jovens policiais inexperientes que estavam chegando transferidos de suas confortáveis posições na patrulha ou em suas salas em repartições públicas, sem o mínimo de conhecimento ou experiência no mundo real a que estavam prestes a conhecer.
Por um momento, Hanson tentou lembrar de uma única vez, em todos aqueles anos que trabalhou na capela, em que tenha duvidado da credibilidade de seus mentores Jenko ou Fuller. Só conseguia pensar, no entanto, no seu primeiro contato com Jenko, e como o surpreendia aquele sujeito desorganizado e desarrumado, que mais parecia um hippie recém-saído do Woodstock que caía de pára-quedas numa unidade de prevenção de crimes juvenis, e que representava exatamente o oposto do que um oficial poderia aprender na Academia. Lembrou, então, como, em tão pouco tempo de convivência, Jenko o surpreendeu, mostrando-lhe que um bom policial não precisava ter uma boa aparência ou um penteado alinhado, e que importava, sim, sua atitude, que fosse o mais íntegro e profissional possível. Hanson não queria ser mais um Jenko. Não queria reviver a estória da capela, embora a mesma parecesse tão parecida com a que viveu anos atrás. Sua única pretensão era fazer daquele projeto o que ele sempre devia ter sido e foi, durante o tempo que trabalho nele.
"Tom", disse Hoffs, surgindo na porta. "Todos os outros já chegaram".
"Eu já vou", disse ele, sem se mover.
Minutos depois, Hanson foi à mesa de reunião. A bagunça dos operários e dos técnicos e eletricistas agora se instalava num outro setor da capela. Os três oficiais o aguardavam sentados à mesa, e Hoffs estava encostada num cercado que ficava ao lado, de modo a ficar de frente para a equipe. Hanson ficou parado ao lado dela, por uns instantes, e os oficiais se entreolharam, provavelmente surpresos com o novo capitão, que além de paracer muito mais jovem do que o esperado, vestia jeans maltrapilhos, um casaco preto de lã e um gorro escuro que quase lhe cobria a visão. Hanson resolveu, então, sentar-se, mas não numa cadeira, e sim, sobre a mesa, cruzando as pernas, de modo a também perceberem que ele calçava um par de cuturnos sujos.
"Como alguns de vocês já devem saber, meu nome é Thomas Hanson", disse ele, apresentando-se. "Serei seu capitão na unidade conhecida apenas como Capela Jump Street de Prevenção de Crimes Juvenis. A capitã Hoffs deve ter explicado a vocês um pouco do projeto da capela", completou, e ao ver que Jude acenava-lhe afirmativamente, prosseguiu: "Ela também deve ter dito que vai estar aqui por um período determinado, portanto, não se acostumem muito com ela".
Hanson olhou para a pasta com as fichas dos oficiais que trouxe consigo da sa sala e a abriu, espalhando-as sobre a mesa.
"Notei que vocês todos são policiais novos, alguns recém-formados e outros com pouca experiência nas ruas", comentou ele, olhando para cada um deles. "Vocês foram transferidos pelo Departamento por algum motivo qualquer, não me interessa qual seja, e eu espero que nos tornemos uma equipe".
Os oficiais quase nem piscavam ouvindo-o atentamente, e Hanson, por um momento, lembrou de quando deu aulas de prevenção às drogas numa escola ginasial em Nova York. A atenção daqueles três jovens policiais era a mesma daquele grupo de adolescentes para os quais proferiu uma de suas palestra.
"Não o tipo de capitão que descreve todo o seu currículo, que fala dos lugares em que já trabalhou, das medalhas que já recebeu. Se quiserem saber mais sobre mim, podem consultar o banco de dados do Departamento da Polícia de Nova York", disse Hanson, olhando para as fichas à sua frente. "Também não vou pedir que me falem de vocês, como se fosse a primeira aula numa escola. O quê eu tenho aqui, nessas fichas, para mim, já é suficiente. Quero conhecê-los melhor com o tempo".
"Alguém tem alguma pergunta?", perguntou Hanson, concluindo a sua parte na reunião.
De repente, um silêncio se instalou, e um outro oficial, que não vestia uniforme, levantou a mão. Hanson achou desnecessário ele ter que levantar a mão, mas lhe deu a palavra, sem mostrar os dentes.
"O senhor ganhou alguma medalha?", perguntou ele.
Hanson olhou para Hoffs, que apenas deu de ombros.
"Qual o seu nome?", perguntou Hanson, antes de responder sua pergunta.
"Alex Mancini", disse ele.
"Alex Mancini", repetiu Hanson, pensativo. "Sabe, receber uma medalha não faz de você um policial melhor. Não que não importe, afinal, você vai guardá-la e mostrá-la aos seus filhos e netos, vai pendurá-la em cima da lareira e lembrar do ferimento que precisou levar ou da pessoa que precisou matar para recebê-la", disse ele, surpreendendo a todos, lembrando do seu pai, que recebeu uma medalha de honra póstuma. "Não interfere em nada", concluiu. "Mas respondendo a sua resgunta: não, nunca recebi uma medalha".
"Vamos ter que trabalhar disfarçados nas escolas, certo?", perguntou, então, o rapaz que usava uniforme de patrulha, Daniel Lachance, achando oportuna a mudança de assunto, já que o novo capitão parecia um tanto hostil.
"O quê vocês sabem de trabalhar disfarçados nas escolas?", pegruntou Hanson.
"Eu não sei coisa alguma", respondeu Lachance.
"Também nunca trabalhei disfarçado", disse Mancini. "Mas todos tivemos preparação na Academia. Não deve ser tão difícil".
Hanson e Hoffs olharam para a garota, que até então não havia se manifestado, mas que os ouvia atentamente, encostada à cadeira, vestida com um casaco verde, e cabelos compridos e escuros presos por tranças rastafari:
"E quanto a você, senhorita... Swanson?", perguntou Hanson, lendo o nome dela na ficha à sua frente.
"Trabalhei algumas vezes disfarçada na Unidade de Prevenção de Crimes Tecnológicos e na Narcóticos", respondeu ela.
"Ótimo", disse Hanson. "Como vocês vão ver, não é tão difícil, como Mancini falou. É um trabalho policial qualquer, exceto pelo uniforme", explicou, olhando para Lachance. "Vocês vão ter que andar com bandidos. Só que esses bandidos não são os mesmos aos que alguns de vocês estavam acostumados a prender. Os bandidos com os quais vamos trabalhar, nessa unidade, são garotos. São menores delinqüentes. E para detê-los e flagrá-los num ato criminoso, vão ter que se tornar como eles, delinqüentes. Por isso, vão ter que andar, falar e se vestir como delinqüentes".
"Vamos ter que fazer trabalhos de escola e coisas do tipo, já que teremos que nos disfarçar de alunos?", perguntou, então, Lachance, intrigado, e nem um pouco constrangido com a inocência da indagação.
"Vão ter que fazer todo o possível para manter o disfarce de vocês", respondeu Hanson.
"Mas se vamos ter que nos infiltrar com os delinqüentes, a lição da escola pode ficar de lado, já que delinqüente pouco se importam com isso", comentou Mancini.
"Eu só posso dizer uma coisa", explicou Hanson. "Vocês vão ter que lidar com todo o tipo de situação".
Todos ficaram silenciosos, e Hanson olhou para Hoffs, que parecia satisfeita com a explanação.
"Mais alguma pergunta?", perguntou ele.
Os oficiais se entreolharam e Lachance perguntou:
"Quando vamos começar a trabalhar?"
"Hoje mesmo", respondeu Hanson.
Mais tarde, enquanto espiava de vez em quando os membros da nova equipe que se ajeitavam nas suas novas mesas de trabalho, Hanson andava de um lado a outra da sua sala, enquanto Hoffs, que lia um caso que a Central de Queixas- Crime acabara de enviar, observava-o de vez em quando, sentada numa cadeira ao lado da mesa.
"Acha que eu fui muito rude?", perguntou ele, então, depois de muitos minutos de silêncio.
Hoffs levantou o olhar:
"Não. Você foi bastante coerente. Eu não teria feito melhor".
Hanson sorriu.
"Você é muito gentil, Hoffs", comentou ele, cruzando os braços. "Mas nem um pouco sincera", completou.
Hoffs sorriu.
"O quê acha?", perguntou ele, sobre o documento que ela examinava.
"Podemos trabalhar com os três nesse caso", respondeu ela. "Vai ser ótimo, pois veremos todo o potencial de cada um deles".
Continua...
CAPÍTULO 6 - A NOVA GERAÇÃO
Era manhã de segunda-feira. Fazia muito frio e Hanson já estava na capela da Jump Street desde às sete horas acompanhando o trabalho dos operários que terminavam de arrumar sua nova sala. Satisfeito com o fato de não ter sido mudado muita coisa, exceto pela pintura, o conserto das janelas e a nova mobília que vinha sendo trazida aos poucos de outros órgãos e repartições públicas que se desfaziam de materiais antigos para substituí- los por novos, Hanson se sentou à mesa e só pôde se contentar em aguardar que o Departamento começasse a lhe passar os primeiros casos.
Enquanto estava pensativo no seu gabinete, agora sozinho, já que os obreiros agora terminavam de ajeitar outros setores da capela, Hanson mal pôde notar a presença de Hoffs, que o observava, encostada à porta.
"Ficou ótimo", disse ela, então, chamando a sua atenção.
"Hoffs?", perguntou ele, surpreso, sem se mover.
"Você ficou ótimo atrás da mesa do capitão", completou ela.
Hanson apenas sorriu.
"Mas trabalho que é bom, por enquanto, nada", disse ele.
"Sabe como eles são", justificou ela, "só vão começar a mandar casos depois que a capela estiver toda equipada. Isso vai levar mais uns dois dias. Já deu uma olhada no novo time?", perguntou ela, referindo-se às fichas dos oficiais transferidos que trabalhariam na capela e que estavam numa pasta sobre a mesa.
Hanson olhou para para a pasta à sua frente e respondeu:
"Não. Esperava que pudesse conhecê-los melhor por eles mesmos".
Hoffs sorriu e se aproximou da mesa. Pegou a pasta e se sentou à frente de Hanson.
"Não acredito que você não tenha curiosidade em conhecer o pessoal com quem vai trabalhar", disse ela, lendo os dados da primeira ficha. "Daniel Lachance. Dois anos da patrulha, sete prisões, sem vícios. Hum, parece um pouco com alguém que eu conheci há muito tempo atrás", comentou ela, com um pequeno sorriso.
Hanson sorriu, e Hoffs continuou:
"Alexander Mancini", disse ela, referindo-se à segunda ficha. "Puxa vida, será que só vamos ter italianos por aqui? Recém-formado da Academia. Nenhum experiência. Vários cursos de especialização de combate a drogas nas escolas e nas ruas. Interessante: muita teoria, pouca prática", comentou ela. "Esse pode dar um pouco de trabalho".
"Simmons já havia dito que mandaria um pessoal inexperiente", explicou Hanson que, até então, não se surpreendia com o currículo da nova equipe. "É bem provável que eu tenha problemas com todos eles".
"Finalmente uma mulher: Lisa Marie Swanson", continuou Hoffs, lendo a terceira e última ficha. "Essa parece ser um pouco mais experiente. Tem vinte e seis anos, trabalhou como patrulheira por dois anos e meio, passou no teste para detetive, mas só assumiu um ano depois como agente na Unidade de Prevenção de Crimes Tecnológicos. Também trabalhou um ano no Departamento de Narcóticos".
"Com licença?", perguntou um homem batendo à porta, que estava aberta.
Hanson e Hoffs olharam para ele. Usava um uniforme de operador de máquinas do departamento estadual de informática.
"Trouxemos os computadores", disse ele. "Podemos instalá-los?"
"Claro", disse Hanson, levantando-se, para acompanhar o serviço.
Quando saíram da sala, os dois viram mais uns três homens trazendo as máquinas pelas portas dos fundos da capela, e colocando-as sobre as mesas.
"Quanto tempo mesmo você disse que tudo podia ficar pronto?", perguntou Hanson a Jude, observando a agilidade e a destreza dos funcionários.
Hoffs sorriu.
"Pelo jeito, hoje mesmo", respondeu ela.
Enquanto assistiam a instalação das máquinas, deixaram de perceber alguém que chegava, segurando sua carta de transferência e o quepe, vestido em seu uniforme de patrulha. Perdido, olhou à volta, em meio a toda aquela confusão na capela, onde engenheiros de manutenção e obreiros andavam de um lado a outro, trabalhando na restauração da capela e na instalação de equipamentos. Ao ver que Hoffs, que vestia um terno e um sobretudo marrom, com os cabelos alisados bem ajeitados, acreditou que se tratava de uma autoridade, aproximou-se, então, dela e de Hanson.
"Capitã Hanson?", perguntou ele, entregando a carta de transferência, ignorando a presença de Hanson, que estava ao lado dela, com suas roupas velhas e desbotadas.
Hoffs pegou o documento, mas entregou a Hanson.
"Ele é o capitão Hanson", corrigu ela. "Sou a Judith Hoffs", e antes que ele perguntasse o motivo para dois chefes de polícia naquela unidade, ela exlicou: "Serei a segunda oficial maior por aqui por um tempo determinado".
"Daniel Lachance", disse Hanson, lendo o documento. "Não lhe disseram que não era preciso vir uniformizado?", perguntou ele, encarando-o de cima a baixo.
Hoffs lembrou, então, da primeira vez que Hanson chegou à capela, e conheceu Jenko. A estória, definitivamente, repetia-se, pensou ela. Assim como o jovem Lachance, Hanson também entrou na sala de Richard Jenko, surpreendendo-o, vestido no seu uniforme de patrulha.
"Desculpe, senhor", disse ele, um tanto sem jeito. "Eu não sabia".
"Tudo bem", disse Hanson. "Pode me esperar naquela mesa", apontou a mesa de reuniões que ficava atrás de uma coluna e um cercado. "Vamos conversar quando os outros chegarem".
"Sim, senhor", disse ele, caminhando em direção ao outro setor.
Quando o garoto já estava longe, Jude sorriu.
"Precisava ser tão firme?"
Hanson não respondeu. Pensava, naquele instante, como certas coisas não mudavam, por mais tempo que passasse.
"Eu vou para minha sala", disse ele, voltando para seu gabinete. "A linha telefônica já deve ter sido instalada e Simmons pode ligar a qualquer momento".
Hoffs apenas sorriu, ainda desconsertada, porém, nem um pouco surpersa com a atitude de Hanson, que parecia tão ansioso quanto o rapaz que havia acabado de chegar, e foi fazer companhia ao novo membro da equipe da capela.
À sua mesa, Hanson ficou pensativo, encostado na cadeira, enquanto um técnico instalava um computador na sua sala. A linha telefônica já estava instalada, como ele havia imaginado. Mas os pensamento dele eram outros. Pensar como seria aquele momento era muito diferente de vivê-lo. E, por um instante, Hanson achou que sentia algo que há muito tempo não sentia, e que era medo. Desde que decidiu reativar a capela, temia, pela primeira vez, não corresponder às expectativas daqueles jovens policiais inexperientes que estavam chegando transferidos de suas confortáveis posições na patrulha ou em suas salas em repartições públicas, sem o mínimo de conhecimento ou experiência no mundo real a que estavam prestes a conhecer.
Por um momento, Hanson tentou lembrar de uma única vez, em todos aqueles anos que trabalhou na capela, em que tenha duvidado da credibilidade de seus mentores Jenko ou Fuller. Só conseguia pensar, no entanto, no seu primeiro contato com Jenko, e como o surpreendia aquele sujeito desorganizado e desarrumado, que mais parecia um hippie recém-saído do Woodstock que caía de pára-quedas numa unidade de prevenção de crimes juvenis, e que representava exatamente o oposto do que um oficial poderia aprender na Academia. Lembrou, então, como, em tão pouco tempo de convivência, Jenko o surpreendeu, mostrando-lhe que um bom policial não precisava ter uma boa aparência ou um penteado alinhado, e que importava, sim, sua atitude, que fosse o mais íntegro e profissional possível. Hanson não queria ser mais um Jenko. Não queria reviver a estória da capela, embora a mesma parecesse tão parecida com a que viveu anos atrás. Sua única pretensão era fazer daquele projeto o que ele sempre devia ter sido e foi, durante o tempo que trabalho nele.
"Tom", disse Hoffs, surgindo na porta. "Todos os outros já chegaram".
"Eu já vou", disse ele, sem se mover.
Minutos depois, Hanson foi à mesa de reunião. A bagunça dos operários e dos técnicos e eletricistas agora se instalava num outro setor da capela. Os três oficiais o aguardavam sentados à mesa, e Hoffs estava encostada num cercado que ficava ao lado, de modo a ficar de frente para a equipe. Hanson ficou parado ao lado dela, por uns instantes, e os oficiais se entreolharam, provavelmente surpresos com o novo capitão, que além de paracer muito mais jovem do que o esperado, vestia jeans maltrapilhos, um casaco preto de lã e um gorro escuro que quase lhe cobria a visão. Hanson resolveu, então, sentar-se, mas não numa cadeira, e sim, sobre a mesa, cruzando as pernas, de modo a também perceberem que ele calçava um par de cuturnos sujos.
"Como alguns de vocês já devem saber, meu nome é Thomas Hanson", disse ele, apresentando-se. "Serei seu capitão na unidade conhecida apenas como Capela Jump Street de Prevenção de Crimes Juvenis. A capitã Hoffs deve ter explicado a vocês um pouco do projeto da capela", completou, e ao ver que Jude acenava-lhe afirmativamente, prosseguiu: "Ela também deve ter dito que vai estar aqui por um período determinado, portanto, não se acostumem muito com ela".
Hanson olhou para a pasta com as fichas dos oficiais que trouxe consigo da sa sala e a abriu, espalhando-as sobre a mesa.
"Notei que vocês todos são policiais novos, alguns recém-formados e outros com pouca experiência nas ruas", comentou ele, olhando para cada um deles. "Vocês foram transferidos pelo Departamento por algum motivo qualquer, não me interessa qual seja, e eu espero que nos tornemos uma equipe".
Os oficiais quase nem piscavam ouvindo-o atentamente, e Hanson, por um momento, lembrou de quando deu aulas de prevenção às drogas numa escola ginasial em Nova York. A atenção daqueles três jovens policiais era a mesma daquele grupo de adolescentes para os quais proferiu uma de suas palestra.
"Não o tipo de capitão que descreve todo o seu currículo, que fala dos lugares em que já trabalhou, das medalhas que já recebeu. Se quiserem saber mais sobre mim, podem consultar o banco de dados do Departamento da Polícia de Nova York", disse Hanson, olhando para as fichas à sua frente. "Também não vou pedir que me falem de vocês, como se fosse a primeira aula numa escola. O quê eu tenho aqui, nessas fichas, para mim, já é suficiente. Quero conhecê-los melhor com o tempo".
"Alguém tem alguma pergunta?", perguntou Hanson, concluindo a sua parte na reunião.
De repente, um silêncio se instalou, e um outro oficial, que não vestia uniforme, levantou a mão. Hanson achou desnecessário ele ter que levantar a mão, mas lhe deu a palavra, sem mostrar os dentes.
"O senhor ganhou alguma medalha?", perguntou ele.
Hanson olhou para Hoffs, que apenas deu de ombros.
"Qual o seu nome?", perguntou Hanson, antes de responder sua pergunta.
"Alex Mancini", disse ele.
"Alex Mancini", repetiu Hanson, pensativo. "Sabe, receber uma medalha não faz de você um policial melhor. Não que não importe, afinal, você vai guardá-la e mostrá-la aos seus filhos e netos, vai pendurá-la em cima da lareira e lembrar do ferimento que precisou levar ou da pessoa que precisou matar para recebê-la", disse ele, surpreendendo a todos, lembrando do seu pai, que recebeu uma medalha de honra póstuma. "Não interfere em nada", concluiu. "Mas respondendo a sua resgunta: não, nunca recebi uma medalha".
"Vamos ter que trabalhar disfarçados nas escolas, certo?", perguntou, então, o rapaz que usava uniforme de patrulha, Daniel Lachance, achando oportuna a mudança de assunto, já que o novo capitão parecia um tanto hostil.
"O quê vocês sabem de trabalhar disfarçados nas escolas?", pegruntou Hanson.
"Eu não sei coisa alguma", respondeu Lachance.
"Também nunca trabalhei disfarçado", disse Mancini. "Mas todos tivemos preparação na Academia. Não deve ser tão difícil".
Hanson e Hoffs olharam para a garota, que até então não havia se manifestado, mas que os ouvia atentamente, encostada à cadeira, vestida com um casaco verde, e cabelos compridos e escuros presos por tranças rastafari:
"E quanto a você, senhorita... Swanson?", perguntou Hanson, lendo o nome dela na ficha à sua frente.
"Trabalhei algumas vezes disfarçada na Unidade de Prevenção de Crimes Tecnológicos e na Narcóticos", respondeu ela.
"Ótimo", disse Hanson. "Como vocês vão ver, não é tão difícil, como Mancini falou. É um trabalho policial qualquer, exceto pelo uniforme", explicou, olhando para Lachance. "Vocês vão ter que andar com bandidos. Só que esses bandidos não são os mesmos aos que alguns de vocês estavam acostumados a prender. Os bandidos com os quais vamos trabalhar, nessa unidade, são garotos. São menores delinqüentes. E para detê-los e flagrá-los num ato criminoso, vão ter que se tornar como eles, delinqüentes. Por isso, vão ter que andar, falar e se vestir como delinqüentes".
"Vamos ter que fazer trabalhos de escola e coisas do tipo, já que teremos que nos disfarçar de alunos?", perguntou, então, Lachance, intrigado, e nem um pouco constrangido com a inocência da indagação.
"Vão ter que fazer todo o possível para manter o disfarce de vocês", respondeu Hanson.
"Mas se vamos ter que nos infiltrar com os delinqüentes, a lição da escola pode ficar de lado, já que delinqüente pouco se importam com isso", comentou Mancini.
"Eu só posso dizer uma coisa", explicou Hanson. "Vocês vão ter que lidar com todo o tipo de situação".
Todos ficaram silenciosos, e Hanson olhou para Hoffs, que parecia satisfeita com a explanação.
"Mais alguma pergunta?", perguntou ele.
Os oficiais se entreolharam e Lachance perguntou:
"Quando vamos começar a trabalhar?"
"Hoje mesmo", respondeu Hanson.
Mais tarde, enquanto espiava de vez em quando os membros da nova equipe que se ajeitavam nas suas novas mesas de trabalho, Hanson andava de um lado a outra da sua sala, enquanto Hoffs, que lia um caso que a Central de Queixas- Crime acabara de enviar, observava-o de vez em quando, sentada numa cadeira ao lado da mesa.
"Acha que eu fui muito rude?", perguntou ele, então, depois de muitos minutos de silêncio.
Hoffs levantou o olhar:
"Não. Você foi bastante coerente. Eu não teria feito melhor".
Hanson sorriu.
"Você é muito gentil, Hoffs", comentou ele, cruzando os braços. "Mas nem um pouco sincera", completou.
Hoffs sorriu.
"O quê acha?", perguntou ele, sobre o documento que ela examinava.
"Podemos trabalhar com os três nesse caso", respondeu ela. "Vai ser ótimo, pois veremos todo o potencial de cada um deles".
Continua...
